As trotinetes elétricas vão deixar de ter lugar em Paris, mas a população portuguesa continuará a vê-las por Lisboa, uma vez que Carlos Moedas afastou uma proibição. As empresas que as operam assumem que o caminho percorrido na capital portuguesa tem sido positivo, e não veem o afastamento de utilizadores.

Na capital portuguesa para tentar resolver as trotinetes espalhadas um pouco por toda a parte a autarquia assinou um acordo com as cinco operadoras (Bolt, Bird, Link, Whoosh e Lime) para estabelecer novas regras: pontos de estacionamento obrigatórios, limite de velocidade de 20 quilómetros por hora e limites máximos de veículos em circulação (1.500 por empresa no outono/inverno e até 1.750 na primavera/verão). Assinado em 9 de janeiro, o protocolo estabelecia que as operadoras tinham 60 dias para se adaptarem às novas diretrizes.

Passado cerca de um mês do período de adaptação, o balanço é considerado pelas empresas “muito positivo”. Frederico Venâncio, responsável de Micromobilidade da Bolt em Portugal, garante mesmo que “o número de utilizadores das trotinetes não diminuiu, muito pelo contrário”.

O que se inverteu foi o número de multas e queixas, que, se outrora, recaíam em problemas de parqueamento e organização da cidade, agora prendem-se com a falta de veículos.”

“Um caso de sucesso deste protocolo é o facto de, neste momento, termos um número residual de veículos apreendidos, ao contrário do que acontecia há alguns meses (com largas centenas de veículos apreendidos e multados mensalmente)”, acrescenta o responsável da Bolt, que afirma que a empresa tem vindo a aplicar “medidas eficazes para o cumprimento do memorando, de forma a assegurar a mobilidade segura para a qual trabalha diariamente”.

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Por sua vez, a Bird entende que o novo acordo é “muito benéfico para os condutores, decisores políticos, operadores e para a comunidade lisboeta em geral, porque cria um quadro comum que se aplica a todos os operadores”. Questionada pelo Observador sobre o impacto das novas medidas aplicadas em Lisboa para a atividade, um porta-voz da empresa não respondeu diretamente, limitando-se a garantir que se orgulha de “estar em conformidade com as regras antes do acordo formal”.

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A Link, a Whoosh e a Lime não responderam às perguntas do Observador. Porém, esta última remeteu para um comunicado conjunto com a Dott e a Tier (as outras duas operadoras privadas que deixam de operar em Paris no dia 1 de setembro) acerca da decisão dos parisienses de banir as trotinetes elétricas: “Reconhecemos o resultado deste referendo sem precedentes, que foi fortemente influenciado por métodos de votação muito restritivos. Isto levou a uma afluência extremamente baixa, fortemente enviesada para faixas etárias mais velhas, o que alargou o fosso entre os prós e os contras”.

Desta forma, a Lime lamenta que Paris venha a perder uma opção de mobilidade suave e considera que este é um “passo atrás” para o transporte sustentável na capital francesa, “antes dos Jogos Olímpicos de 2024”. “O resultado desta votação terá um impacto direto nas viagens de 400 mil pessoas por mês, 71% das quais são residentes entre 18-35 anos”.

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Trotinete não é “bicho de sete cabeças”. Solução pode passar por “penalizações”

Se a Lime, que operava em Paris, não compreende a decisão do referendo, o mesmo acontece com outras empresas que não tinham presença na cidade. No geral, destacam a importância das trotinetes como uma alternativa mais sustentável aos carros particulares, especialmente em viagens de menor duração. A Bird salienta que “opera em centenas de cidades de todo o mundo porque os condutores e governos locais reconhecem o tremendo valor que os programas de micromobilidade têm para fornecer um transporte fiável, conveniente e sustentável”, mas também para “ajudar as cidades a cumprir os objetivos climáticos e de mobilidade”.

Já a Bolt pede à capital francesa para reconsiderar a sua posição, argumentando que a experiência da sua operação em “260 cidades e 25 países na Europa mostra que este tipo de veículos são uma parte essencial do sistema de mobilidade nas cidades”. Em respostas escritas enviadas ao Observador, Frederico Venâncio detalha que não espera que a votação de Paris tenha “qualquer impacto na operação em Portugal”.

“Embora respeitemos o resultado da votação em Paris, gostaríamos de salientar que mais de 92% das pessoas elegíveis para votar não participaram na votação. Isto significa que apenas cerca de 1% de toda a população da capital francesa expressou a sua vontade neste referendo”, nota a Bolt, uma opinião que é seguida pela Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE).

O presidente dessa organização sem fins lucrativos, Henrique Sánchez, diz que a trotinete elétrica não é um “bicho de sete cabeças”, mas reconhece que este meio de transporte está a ser mal utilizado: encontra-se “no meio dos passeios, os invisuais tropeçam e os indivíduos não conseguem passar com cadeiras de rodas ou com cadeiras de bebé”.

As pessoas pronunciaram-se contra as trotinetes elétricas que estão espalhadas por qualquer sítio. Então e as pessoas não estão preocupadas com os carros estacionados em cima dos passeios e nas passadeiras para os peões?”, questiona, indignado, em conversa telefónica com o Observador.

Para a UVE, o que é necessário não é “acabar e proibir as trotinetes porque para isso então tínhamos que proibir, primeiro, os carros”. Assim, a solução, a seu ver, passa pela readaptação das cidades e pela regulamentação. “E é aí que a incompetência das entidades públicas é flagrante. É preciso regulamentar antes” e não depois dos problemas estarem à vista, alerta Henrique Sánchez.

Destacando a importância das zonas onde os operadores estacionam as trotinetes para que possam ser recolhidas, o presidente da associação acredita que tem que existir uma penalização para quem não cumpram esta regra, tal como existe para “qualquer outra infração de um regulamento ou de uma lei”. “Porque se não houve uma penalização de nada vale. Se a pessoa puder continuar a deixar a trotinete num sítio qualquer sem qualquer tipo de penalização, deixa“.

Questionado pelo Observador sobre se a aplicação de coimas implicaria uma mudança no Código da Estrada, Henrique Sánchez afirmou que sim. “Há todo um conjunto de regulamentos e de leis que terão de se adaptar. Primeiro de tudo será o Código da Estrada, obviamente. Outros [que têm que ser alterados] são os regulamentos camarários das diversas autarquias”.

Para sustentar a importância das penalizações e da fiscalização para que as regras sejam cumpridas, Henrique Sánchez dá um exemplo relacionado com os carros elétricos: “Eu estou a carregar o carro num posto de carregamento, quando acabo o carregamento se eu deixar lá o meu carro começo a pagar uma taxa adicional porque estou a ocupar o espaço que eu já não preciso e outro está impedido de o ocupar”. O presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos utiliza este exemplo para defender a aplicação de penalizações a quem não coloque as trotinetes no local próprio.