Deveria ser apenas um duelo entre duas jogadoras que já estiveram no top 3 da hierarquia mundial do ténis mas que, por circunstâncias variadas, ocupavam agora uma posição mais abaixo no ranking. Podia também ser um duelo entre jogadoras que ganharam antes encontros onde começaram como outsiders, uma depois de ganhar a Venus Williams, Erina Mertens e Sofia Kenin e outra após vencer Daria Kasatkina. No limite, podia ser somente um duelo entre jogadoras que foram mães recentemente. No final, ficou como mais um jogo marcado por uma parte política que desde o início da invasão da Rússia à Ucrânia nunca passou ao lado. Mas ficou, em paralelo, como uma afirmação de Elina Svitolina no circuito do ténis mundial.

“É uma vergonha que uma multidão bêbeda assobie.” Azarenka não parou para cumprimentar Svitolina e não poupou palavras

Os assobios para Victoria Azarenka quando terminou o encontro, depois de a bielorrussa ter saído do court sem cumprimentar a ucraniana, ficaram como a grande imagem da partida e até do dia em Wimbledon. “Conheço a Elina há muito tempo. Sempre tivemos uma boa relação. Nestas circunstâncias… É o que é e acabou. Não posso controlar as bancadas. Não tenho a certeza de que muitas das pessoas entendam o que está a passar, acho que beberam muito Pimms [marca de gin] durante o dia. Ela não quer cumprimentar russos e bielorrussos. Eu respeito a decisão dela. O que é que podia fazer? Ficar e esperar? Nada que eu fizesse seria certo, fiz aquilo que achei que mais respeitava a decisão dela. É uma vergonha que as pessoas só se preocupem com cumprimentos, que uma multidão bêbeda assobie no fim do jogo”, explicou Azarenka, na sequência de uma partida em que Svitolina esteve no limite de ceder mas ganhou no match tie break.

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Mas a campanha da ucraniana, que até começou com um encontro em que não era a preferida do público (esse papel na primeira ronda pertenceu a Venus Williams, também ela com entrada no quadro principal por wild card e a jogar com claras limitações num dos joelhos), não iria ficar por aí. Aliás, sem representantes britânicas, Svitolina é nesta altura a jogadora mais acarinhada no quadro feminino, como se viu nos quartos. Também aí, a atual 76.ª classificada do ranking fez uma partida de altíssimo nível, não cedeu perante fases de jogo em que esteve por baixo e bateu Iga Swiatek, número 1 do mundo e pessoa próxima no circuito.

“O que significa esta vitória depois de ter sido mãe há nove meses e de ter voltado há três com um wild card agora para este torneio? Bem, nem sei o que está a acontecer na minha cabeça nesta altura, é qualquer cosias que não consigo descrever… Estou muito feliz por estar a jogar aqui, nesta atmosfera, neste campo. A Iga [Swiatek] é a número 1 mundial, deu muita luta, foi um jogo fabuloso e foi incrível ganhar”, destacou após a partida ainda no relvado de Wimbledon, entre elogios à polaca e ao apoio que sempre lhe prestou desde que começou a guerra. “Ela é uma grande campeã e uma pessoa fantástica, uma das primeiras que quis ajudar as pessoas da Ucrânia. Foi uma grande ajuda mesmo e não foi fácil defrontá-la mas estou muito orgulhosa pelo que fiz”, acrescentou, recordando a iniciativa da polaca que angariou cerca de 500 mil euros.

O que vou fazer agora? Provavelmente vou beber uma cerveja… [risos] Vou aproveitar com a minha equipa, se alguém me dissesse que ia ganhar à número 1 do mundo e estava nas meias de Wimbledon dizia que era maluco. Mas é isso, descansar, massagens, treino e preparar nova batalha”, frisou Svitolina, que vai agora defrontar Markéta Vondrousová, checa que eliminou Jessica Pegula e que já bateu a ucraniana nas meias-finais dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Há outra história paralela que “aproximou” os adeptos ingleses de Svitolina e que coloca outro nome grande mas da música no enredo: Harry Syles. Após qualificar-se para os quartos, a jogadora deixou uma mensagem nas redes sociais a perguntar quem queria dois bilhetes para o concerto do inglês em Viena, tendo em conta que tinha chegada onde não pensaria chegar em Wimbledon. “Parabéns. Ainda temos mais quatro concertos. És bem-vinda em qualquer um deles. Boa sorte com o resto do torneio”, respondeu o cantor.

É complicado nesta altura projetar até onde pode chegar Svitolina, que quando regressou após ser mãe de uma menina com o também jogador Gaël Monfils chegou aos quartos de Roland Garros e que iguala agora as meias-finais num Grand Slam que conseguira em 2019, em Wimbledon e a seguir no US Open. E tudo nela deixa transparecer confiança, da forma como corre para a linha de fundo quando sai da cadeira à maneira como vai praticando pancadas no ar quando prepara a receção ao serviço da adversária. Skaï, de nove meses, tem grande influência nesse estado de espírito que está a colocar a ucraniana a voar, depois de tempos complicados quando começou a guerra em que admitiu não estar nas melhores condições para jogar.

“Quero voltar a ser top 10. Talvez possa soar arrogante mas tenho sempre grandes expectativas em mim. Cada vez que jogo um torneio quero ganhá-lo, não importa qual é. Até o meu primeiro no regresso em Charleston. Ali toda a gente que era incrível eu estar a jogar. Até ali o meu objetivo era ganhar. Se não for, para que é que estou a jogar?”, admitiu durante esta edição de Wimbledon. “Não sei explicar a maneira como me sinto mas vejo-me com mais paciência no court e tenho uma mentalidade muito mais fresca. Sei que devo permitir-me ter o tempo necessário para entrar no ritmo, não me precipitar em jogar demasiados torneios”, assumira antes, neste caso respondendo à questão sobre a importância da maternidade no seu jogo.

“É um facto, não está a ser fácil ver… Não sei como se diz em inglês, a minha família mais próxima. Digamos que é a minha segunda família, a batalhar. Não é fácil ver a minha mulher nas últimas semanas a chorar todas as noites. Foi complicado, foi mesmo complicado. É claro que estive e que estou sempre lá todos os dias para ela e para a família. Ainda são muitas as pessoas da família que estão lá. É complicado descrever porque estou dentro da situação. Estou dentro. E é tudo um bocado de loucos, se pararmos e pensarmos um bocado… Mas temos tentado gerir a situação da melhor forma que conseguimos. Da minha parte, tento sempre ser o seu ombro, tudo o que ela precisar. E o mesmo para a minha segunda família, faço tudo para que se sintam bem e seguros”, comentara Gaël Monflis duas semanas depois do início da invasão, que ainda faz com que Svitolina se recuse cumprimentar jogadoras russas ou bielorrussas após os jogos.

“Não é fácil ver a minha mulher a chorar todas as noites”: Monfils ganhou a Medvedev mas quer sobretudo apoiar Svitolina