Entre o top half e o bottom half, era fácil perceber que o quadro inferior era aquele que mais problemas iria criar a quem tivesse ambições de chegar à final de Wimbledon. Foi daí que Ons Jabeur saiu, foi dessa forma mais complicada que atingiu a decisão. A tunisina conseguiu ganhar de forma sucessiva a Bianca Andreescu, Petra Kvitova, Elena Rybakina e Aryna Sabalenka mas pelo meio desse caminho também poderia ter cruzado com outros nomes que foram caindo como Maria Sakkari, Barbosa Krejciková ou Karolina Muchová. Foram as mais difíceis que apareceram, foram as mais difíceis que caíram (neste caso partindo dessa ideia de que a número 1 do mundo, Iga Swiatek, continua a estar um degrau abaixo em relva). Seguia-se a surpreendente Marketá Vondrousová. E um encontro que a própria assumia ser um dos mais importantes da carreira.

Há muito que Ons Jabeur dava sinais de que poderia chegar a um triunfo de Grand Slam, sendo que com as finais de Wimbledon (derrota com Rybakyna) e do US Open em 2022 (desaire com Swiatek) tornou-se a primeira jogadora africana e árabe a chegar a uma decisão de um Major. Mais do que isso, a tunisina foi consolidando um posto relevante no circuito mundial, não só pelo seu jogo mas também pela sua maneira de ser – a mesma que há muito a colocou como uma das favoritas do público britânico. O que mudou? A forma como foi olhando para tudo, no ténis e na vida. E a maneira como passou a enfrentar os momentos limite mesmo estando por baixo, como aconteceu nos quartos com Rybakina e nas meias com Sabalenka.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Aprendi a aceitar as coisas como elas são, as boas e as más. Passei a perceber que as lesões são uma parte do meu caminho e foi por isso que fui trabalhando muito a minha saúde mental e a forma de gerir todas essas situações de contrariedade, que na maioria das vezes estão ligadas ao nosso lado emocional”, comentara na antecâmara da final, recordando todos os problemas físicos que foi enfrentando nos últimos tempos entre uma operação ao joelho e a todo o trajeto que teve de fazer para regressar de novo ao topo. “A Ons do ano passado tinha perdido o jogo com a Aryna [Sabalenka]. E talvez há seis meses também mas agora sou uma tenista diferente. Estou a trabalhar muito para isso. As lesões ensinaram-me a ser mais paciente, a aceitar o que tenho pela frente”, acrescentou, antes de uma certeza: “Ganhará quem gerir melhor as emoções”.

Nesse ponto, Jabeur e Vondrousouvá tinham muitas parecenças. A checa, quatro anos mais nova, mostrou-se ao mundo quando chegou à final de Roland Garros em 2019 (derrota com Ashleigh Barty) e voltou a aparecer em destaque nos Jogos Olímpicos, quando ficou com a medalha de prata após perder a final com Belinda Bencic, mas pelo meio teve períodos de quebra com muitas lesões à mistura. Agora, tornara-se a primeira jogadora de sempre na Era Open a chegar à final de Wimbledon sem ter o estatuto de cabeça de série e a segunda de ranking mais baixo numa decisão. “Depois de tudo o que passei, incluindo as duas cirurgias, não é nada fácil voltar. Nunca sabes se vais poder continuar a jogar ao mais alto nível e se vais voltar a estes torneios de topo. Agradeço sobretudo poder voltar a jogar sem dores”, frisara Vondrousová.

A checa vivia num autêntico conto de fadas e essa história teve ainda mais um capítulo num encontro em que teve o mérito de colocar a pressão totalmente no lado da tunisina para depois capitalizar e vencer aquele que foi apenas o segundo torneio da carreira logo em Wimbledon, onde até às últimas duas semanas tinha apenas ganho uma vez. E, com isso, tornou-se também a primeira jogadora não cabeça de série a vencer o Major inglês na Era Open, sendo ainda a jogadora com ranking mais baixo a ganhar uma final antes de sair em direção ao seu camarote para festejar com o treinador, a irmã e o marido, que teve “autorização” agora para vir assistir à final depois de ter estado em casa… a tomar conta do gato. Se Vondrousová é muitas vezes falada também pela imagem das muitas tatuagens, agora ficará para sempre marcada por esta conquista.

O encontro teve um arranque irregular e até inesperado não só tratando-se de uma final mas também por tudo o que as duas tenistas tinham feito até esta decisão. Aliás, aquilo que parecia ser uma exceção tornou-se uma regra do primeiro set: Ons Jabeur conseguiu fazer o break no primeiro jogo de serviço de Vondrousová, a checa respondeu com o contra break, a tunisina ficou depois perto de novo break com quatro bolas para o 3-1 falhadas antes de confirmar mesmo o 4-2, seguiu-se novo contra break e o 4-4. Jabeur dava ideia de estar por cima do encontro mas Vondrousová, a arriscar muito menos e a jogar no erro da adversária, mantinha a decisão em aberto, colocando pressão na tunisina como se viu no 15-40 em que a adversária falhou um smash que levou a novo break para 5-4. A espiral negativa mantinha-se e Vondrousová fez o 6-4.

A tunisina foi ao balneário na interrupção e surgiu com ainda mais vontade de dar a volta mas era como se a ansiedade se tornasse um adversário tão grande ou maior do que a checa, permitindo a Vondrousová fazer mais um break no início do segundo set. Jogo a escapar em definitivo? Parecia mas não: Jabeur levou o segundo jogo de 0-40 para as vantagens, fez o contra break e fez o 2-1 com o jogo em branco antes de quebrar de novo o serviço, naquele que foi o oitavo break da final. Não houve oito sem nove: quando a tunisina podia descolar, a checa mudou o seu jogo, arriscou mais, soube variar e chegou ao 3-2 que voltava a reabrir o segundo parcial e segurou de seguida o 3-3, colocando de novo Jabeur sob pressão para mais um break no 5-4 que escreveu uma história inesperada mas merecida para Marketá Vondrousová (6-4).