Leia aqui tudo sobre o Campeonato do Mundo feminino de 2023

O Mundial de 2023 já ia ficar na história por ser aquele com mais bilhetes vendidos entre Austrália e Nova Zelândia, tem todas as condições para bater todos os recordes a nível de audiências mas está também a ser aproveitado por vários países para catapultar ainda mais o estatuto do futebol feminino. Entre essa viragem, as abordagens são diferentes. Em Portugal são notórias todas as campanhas de promoção que têm vindo a ser feitas com os principais parceiros da Seleção (neste caso, o BPI e a Sagres), no Brasil o governo liderado por Lula da Silva teve outra abordagem. E, spoiler alert, já valeu a pena só pelo primeiro encontro.

Devido à diferença horária existente, com os jogos a realizarem-se às 7h30 e às 8h, os brasileiros decidiram mudar todos os horários de entrada dos funcionários públicos para que tivessem oportunidade de ver a sua seleção feminina em ação do outro lado do hemisfério. A vitória na Copa América do ano passado deu um novo alento a essa aproximação mas falta ainda aquilo que não pode ser conseguido por decreto: um título mundial Mais uma vez, esse era o grande sonho da canarinha. Para isso houve uma mudança de paradigma, com a aposta na treinadora sueca Pia Sundhage para alcançar esse objetivo ainda em falta. De 2019 para cá, as coisas foram mudando e nem mesmo a derrota nas grandes penalidades da Intercontinental com a Inglaterra, que se seguiu a dois desaires em jogos particulares com EUA e Canadá, desvirtuou esse trajeto.

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O objetivo no feminino era o mesmo do masculino, mesmo que só agora a aposta tenha mudado para um técnico estrangeiro (Carlo Ancelotti, a partir de 2024): dar ordem coletiva à anarquia técnica individual de jogadoras que, qualquer que seja o equipamento que tenham, mostram sempre aquela ginga típica de Brasil. Foi isso que aconteceu na estreia frente ao Panamá, outra equipa estreante que centra atenções sobretudo na partida com a Jamaica e que pode valer o primeiro triunfo de sempre num Mundial. E percebe-se que Pia Sundhage, bicampeã olímpica pelos EUA em 2008 e 2012, está a construir um projeto com capacidade para rivalizar com as outras quatro equipas apontadas à vitória: EUA, Alemanha, Inglaterra e Japão.

Num jogo de sentido único que teve a guarda-redes Yenith Bailey como principal figura do Panamá (Marta Cox é uma jogadora à parte das restantes mas teve muito pouca bola), Debinha deixou o primeiro sinal de perigo num livre direto que passou muito perto do poste mas o primeiro golo não iria demorar muito mais, com Ary Borges a surgir sozinha na área para desviar para o 1-0 (19′) antes de fazer o bis numa recarga a uma primeira tentativa travada por Bailey (39′), que antes tirara um golo feito a Luana Bertolucci (36′). A partida estava decidida mas os 45 minutos finais iriam abrir caminho à goleada, primeiro com um Beatriz Zaneratto a concluir uma jogada fantástica com assistência de calcanhar de Ary Borges na área (48′) antes de a mesma Ary conseguir o primeiro hat-trick neste Campeonato do Mundo após cruzamento de Geyse (70′).

A pérola

  • Três golos, uma assistência, a estreia de sonho numa fase final do Campeonato do Mundo. Aos 23 anos, Ary Borges, jogadora das norte-americanas do Racing Louisville após passagens por Centro Olímpico, Sport, São Paulo e Palmeiras, teve o melhor jogo da carreira e rapidamente se tornou destaque na imprensa brasileira, pela exibição e pela emoção na altura do primeiro golo. Mais do que os remates certeiros, a jogadora que teve a avó como principal apoio no início do percurso, como explicou num texto no The Players’ Tribune, o toque de calcanhar para Beatriz Zaneratto concluir a melhor jogada da partida quando podia receber e tentar também ela marcar foi mais um pormenor de craque.

O joker

  • A lei do mais forte imperou, o Panamá perdeu de forma natural com o Brasil mas houve uma jogadora que saiu com motivos para sorrir dentro do insucesso coletivo: Yenith Bailey. Aos 22 anos, Chomba, como também é conhecida, evitou com uma série de defesas que a goleada fosse ainda maior, ficando como principal cartão de visita o voo com que impediu Luana Bertolucci de marcar na primeira parte. Ainda joga na liga panamiana, agora ao serviço do Tauro, mas em breve deverá dar o salto.

A sentença

  • Depois do surpreendente empate da França com a Jamaica, o Brasil não facilitou diante do Panamá e lidera assim de forma isolada o grupo F antes do reencontro com as gaulesas na próxima ronda depois da vitória das europeias nos quartos do Mundial de 2019. Em caso de triunfo, as canarinhas ficarão com os oitavos praticamente certos. Já o Panamá, para aspirar chegar ainda aos oitavos, terá de vencer as jamaicanas na próxima jornada e discutir no último jogo a qualificação com as francesas.

Em França, as dores de ontem são as dores de hoje (a crónica do França-Jamaica)

A mentira

  • O facto de ter começado no banco, de não ter tanto fulgor como no passado e de estar a realizar o último Campeonato do Mundo antes da reforma aos 37 anos poderia colocar Marta num papel mais secundário neste Mundial. Nada mais errado: quando a número 10 que é a melhor marcadora de sempre em fases finais entrou, o público assinalou o momento com uma ovação entre dezenas de cartazes que eram dedicados à jogadora do Orlando Pride. Com mais ou menos presença, Marta é “o” fenómeno.