“Sim, claro que me vou demitir”. A frase do primeiro excerto da entrevista de Luis Rubiales a Piers Morgan parecia marcar um antes e um depois em toda a polémica iniciada pelo beijo do agora antigo presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) a Jenni Hermoso na cerimónia de entrega de medalhas depois da conquista do Campeonato do Mundo feminino. Em parte, acabou por ser. No entanto, nem tudo vai ficar resolvido depois dessa renúncia. Longe disso. E o primeiro sinal disso mesmo chegou na manhã desta sexta-feira: mesmo com a saída de Luis Rubiales e mesmo com o despedimento do técnico Jorge Vilda, substituído no cargo por Montse Tomé, as jogadoras mantêm a posição de não representar a seleção.

De acordo com vários meios de comunicação em Espanha, todas as 23 jogadoras que se sagraram campeãs mundiais teriam feito chegar um comunicado à RFEF onde manifestavam a intenção de renunciar à Roja como tinham expressado a 25 de agosto, detalhando as razões para sustentar essa posição (um texto que só depois foi do conhecimento público). “Trata-se de uma decisão firme, unânime e consensual”, destacavam perante um cenário que deixa nas entrelinhas que Rubiales saiu mas o rubialismo permanece na RFEF. Essa posição foi tomada em definitivo esta quinta-feira, após uma reunião entre todas as campeãs mais algumas atletas que subscrevem a carta e o sindicato FutPro, que tem mediado grande parte dos conflitos.

No entanto, e ao longo da manhã, a Cadena SER e o As foram avançando com informações que davam conta da existência de jogadoras que, tendo estado no último Mundial ou marcando apenas presença na carta de renúncia à seleção, estariam disponíveis para integrar as escolhas da Roja para os próximos compromissos. A informação confirmou-se mesmo, com Athenea del Castillo e Claudia Zornoza a serem as exceções. Mais tarde houve outra “bomba”: Zorzona anunciou a sua retirada da seleção espanhola. Como explica o As, a renúncia à seleção está descrita na Lei Nacional do Desporto espanhol como uma “infração muito grave”, que pode no mínimo levar a multa e suspensão da licença federativa para jogar futebol. Esta possibilidade colocava-se se Montse Tomé chamasse estas atletas e a renúncia se mantivesse como está.

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“As jogadoras da Seleção absoluta, recentemente campeãs do mundo, assim como as suas companheiras, desejam manifestar tal como fizeram em 25 de agosto de 2023 o seu enorme descontentamento depois dos acontecimentos na entrada das medalhas no Campeonato do Mundo feminino e posterior Assembleia Geral extraordinária da Real Federação Espanhola de Futebol. Os factos que infelizmente todo o mundo pôde ver não são algo pontual e vão além do desporto. Perante esses atos, devemos ter tolerância zero, pela nossa companheira, por nós e por todas as mulheres”, começa por defender o comunicado lançado esta tarde. “Várias semanas depois do ocorrido, quer-se colocar no domínio público a realização de diversas reuniões com a RFEF onde ficaram expressadas de maneira clara e contundente por parte do plantel as mudanças que entendemos que são básicas para poder avançar e chegar a uma estrutura que não tolere e não faça parte de feitos tão degradantes”, acrescentou o mesmo texto divulgado antes da convocatória de Tomé.

“As jogadoras da seleção espanhola em todos os momentos tiveram a atitude aberta ao diálogo, procurando transmitir os motivos claros e argumentados que entendemos serem necessários para poder realizar o nosso trabalho ao máximo nível com o respeito que merecemos. As mudanças especificadas à RFEF baseiam-se na tolerância zero perante essas pessoas que a partir de um cargo dentro da RFEF tiveram, incitando, de forma escondida ou aplaudindo, atitudes que vão contra a dignidade das mulheres. Acreditamos de forma firme que são necessárias alterações contundentes nos postos de liderança da RFEF e, em concreto, na área do futebol feminino. Entendemos que todas as pessoas devem estar longe do sistema que nos deveria proteger e que por desgraça está muito longe daquilo que é uma sociedade avançada”, prosseguiu a missiva.

“Perante o exposto anteriormente, explicamos de maneira detalhada as mudanças solicitadas para que este tipo de atitudes não voltem a acontecer e com o objetivo de ter uma transparência absoluta: reestruturação do organograma do futebol feminino e reestruturação do gabinete da presidência e a secretaria geral, com a demissão do presidente da RFEF, a reestruturação da área de comunicação e marketing e a reestruturação da direção de integridade. Ao dia de hoje, tal como dissemos à RFEF, as mudanças que estão a ser feitas não são suficientes para que as jogadoras se sintam num lugar seguro, onde se respeitem as mulheres, onde se aposte no futebol feminino e onde possamos dar o nosso máximo rendimento”, detalha o texto.

“Queremos acabar este comunicado expressando que as jogadoras da seleção espanhola são jogadoras profissionais e o que mais nos enche de orgulho é vestir a camisola da nossa seleção e levar o nosso país aos postos mais altos. Por ele, acreditamos que este é o momento de lutar para mostrar que estas situações e estas práticas não têm lugar no nosso futebol e na nossa sociedade, que a estrutura atual precisa de mudanças e que o fazemos para que as próximas gerações possam ter um futebol muito mais igualitário e à altura do que todos merecem”, conclui o comunicado assinado por 21 das 23 campeãs com exceção de Athenea del Castillo e Claudia Zornoza (sendo que a última anunciou depois que deixava a seleção).

Jenni Hermoso, Alexia Putellas, Misa Rodríguez, Irene Paredes, Ona Batlle, Mariona Caldentey, Teresa Abelleira, María Pérez, Cata Coll, Aitana Bonmatí, Laia Codina, Claudia Zornoza, Oihane Hernández, Rocío Gálvez, Irene Guerrero, Alba Redondo, Athenea del Castillo, Eva Navarro, Enith Salón, Ivana Andrés, Olga Carmona, Esther González e Salma Paralluelo, as 23 campeãs mundiais, e Elene Lete, Fiamma Benítez, Marta Cardona, Maite Oroz, Patri Guijarro, Lola Gallardo, Nerea Eizagirre, Ainhoa Moraza, Mapi León, Sandra Paños, Claudia Pina, Amaiur Sarriegi, Leila Ouahabi, Laia Aleixandri, Lucía García e Andrea Pereira, que em alguns casos fizeram parte do primeiro grupo das 15 dissidentes que pediu à RFEF o afastamento de Jorge Vilda do cargo antes do Mundial, foram as 39 signatárias da carta de renúncia em agosto.

Desta forma, existiam dúvidas sobre o que poderia sair da primeira convocatória de Montse Tomé para os dois compromissos iniciais da nova Liga das Nações (que vai dar acesso aos Jogos), com a Espanha a reeditar a meia-final do Mundial no dia 22 em Gotemburgo frente à Suécia e a receber depois em Córdoba a Suíça. Também aí houve uma alteração drástica dos planos: não só não houve uma divulgação oficial de todas as convocadas (possíveis) para os jogos que se seguem como a treinadora não teve a “apresentação”. Em causa estarão ainda negociações entre as partes para que seja possível haver um recuo na renúncia.