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A França ganhou créditos para ser candidata ao título. Com a solidez demonstrada nas exibições anteriores que levaram à presença nos quartos de final, era legítimo que se depositassem esperanças nas gauleses pese embora tivessem pela frente a seleção anfitriã que, além de também ser uma das melhores, arrastava consigo até Brisbane uma legião de fãs constantemente mobilizados ao longo da prova.

O aspeto mais digno de exaltação nesta campanha é a Austrália poder dizer que atingiu os quartos de final sem que Sam Kerr tivesse jogado uma única partida como titular. Se é verdade que as Matildas marcavam presença pela quarta vez neste fase da competição, também é verdade que nunca tinham seguido em frente. Desta forma, recomendava-se que o melhor não ficasse para o fim.

Tony Gustavsson, selecionador da Austrália, admitiu que, se Sam Kerr estivesse recuperada da lesão no gémeo, ia ser titular. “Se a Sam estiver apta para jogar 90 minutos, será titular”, referiu o treinador sueco que, deu os primeiros minutos no Mundial à estrela da equipa diante da Dinamarca. “Não há dúvidas e a equipa sabe disso. Estamos a falar da Sam Kerr. Se ela está pronta para jogar os 90 minutos mais prolongamento, isso será decidido esta noite. Mas não há dúvidas de que, se ela estiver pronta, vai começar de início”, apontou o treinador de nacionalidade sueca na véspera do encontro com a França.

O técnico evitou o spoiler, mas a verdade é que Sam Kerr não estava pronta e voltou a iniciar o jogo no banco de suplentes. A ausência não deixava propriamente a Austrália órfã de talento, mas a fase inicial do jogo deu à França oportunidades claras para marcar. Kadidiatou Diani, mesmo que puxada pela defesa-central, Clare Hunt, rematou cruzado muito perto do alvo. De seguida, Maëlle Lakrar, a única novidade no onze da equipa treinada por Hervé Renard, teve uma perdida que vai valer 20 voltas a correr em torno do relvado no próximo treino. A jogadora do Montpellier estava sozinha na pequena área para corrigir a direção de um remate transviado de Eugénie Le Sommer, mas atirou por cima.

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Maëlle Lakrar estava particularmente ativa em zonas de finalização mesmo que as suas raízes estivesse no setor recuado. A Austrália tinha alguma dificuldade em conter os ataques verticais da França e, com a posse de bola, a ligação pelas centrocampistas, Kyra Cooney-Cross e Katrina Gorry, estava a ser bem anulada pelas gaulesas. Num espécie de kick and rush idêntico ao que se pratica no râguebi, modalidade bastante instaurada no país, as Matildas faziam-se valer de um futebol mais direto e da combatividade das jogadoras mais adiantadas para chegar ao ataque.

As australianas beneficiavam de ter Emily van Egmond em zonas próximas da baliza contrária, pois, sendo de origem uma jogadora do setor intermediário, a jogadora de 30 anos demonstrava capacidade para recuperar várias vezes a bola na pressão às defesas francesas. Assim, a ação de van Egmond provocou uma falha de comunicação entre Sakina Karchaoui e a guarda-redes Pauline Peyraud-Magnin. A bola acabou nos pés de Mary Fowler, mas a baliza, que parecia aberta, foi ocupada pelo sentido de urgência de Elisa de Almeida.

Na segunda parte, deu-se o momento pelo qual todos esperavam. Sam Kerr entrou aos 55 minutos e, só por estar em campo, fez a Austrália ganhar a confiança que precisava para se tornar superior durante algum tempo. Nem Hayley Raso, nem Mary Fowler conseguiram marcar mesmo assim.

49.461 pessoas no estádio tiveram direito a futebol de borla. O 0-0 precisava de ser desfeito e, para isso, jogaram-se mais 30 minutos. Aí, Wendie Renard, que chegou à 150.ª internacionalização por França, estragou aquilo que podia ser o golo das gaulesas. Um cruzamento da direita do ataque francês acabou com Alanna Kennedy a marcar na própria baliza, mas, enquanto isso acontecia, Renard cometia falta sobre Caitlin Foord.

A França voltou a somar nova oportunidade no prolongamento com Vicki Becho, em mais um jogo em que acrescentou qualidade a partir do banco, obrigou a guarda-redes australiana, Mackenzie Arnold, a voar. As francesas fizeram por merecer o golo no tempo extra, mas a decisão acabou por ser tomada nas grandes penalidades. Antes do apito final da árbitra, o treinador francês, Hervé Renard, colocou a guarda-redes Solène Durand e também Ève Périsset especialmente para este momento. 

Do lado da França, falhou Bacha. Do lado da Austrália, falhou Steph Catley. Sam Kerr, com todos os olhos postos em si, converteu. Depois, seguiu-se o momento de Mackenzie Arnold. Primeiro, defendeu o penálti de Ève Périsset. De seguida, a guarda-redes australiana responsabilizou-se pelo penálti que daria a qualificação, mas atirou ao poste. Na morte súbita, Vicki Becho acertou no poste, deixando de novo a Austrália com possibilidade de ganhar. Ao 20.º penálti (!), Cortnee Vine acabou por colocar as Matildas na fase seguinte.

A pérola

  • Numa demonstração de pura potência, Ellie Carpenter foi, de acordo com as estatísticas oficiais da FIFA, a jogadora que mais vezes quebrou as linhas do bloco defensivo adversário. Fê-lo em especial através da velocidade, reconhecendo que o espaço para a Austrália atacar estava por fora e não no corredor central. Defensivamente, dificultou a vida à irreverente Selma Bacha.

O joker

  • Ao longo do Mundial, Elisa de Almeida atuou principalmente como central. No jogo frente à Austrália, a defesa que também tem nacionalidade portuguesa ocupou o lado direito do setor recuado. A jogadora do Paris Saint-Germain fez parte de uma lógica estratégia conservadora de Hervé Renard. A internacional australiana, Caitlin Foord, nos oitavos de final, contra a Dinamarca, tinha feito valer o físico para se impor na esquerda do ataque das Matildas. Na ótica da França, nada melhor como colocar uma jogadora mais talhada para a marcação. Elisa de Almeida desempenhou bem a tarefa de que estava responsável e, muitas vezes, ainda dobrou as colegas. Fica na retina o corte ao remate de Mary Fowler no final da primeira parte.

A sentença

  • A Austrália está pela primeira vez numa meia-final de um Mundial. O adversário que se segue vai sair do Inglaterra-Colômbia. A França fica-se pelos quarto de final, igualando o registo que tinha obtido nos dois mundiais anteriores. A koala Matilda do Currumbin Wildlife Sanctuary, jardim zoológico australiano, é que tinha razão quando, ao acordar da sesta de 20 horas, perspetivou a vitória da Austrália.

A mentira

  • A ideia de colocar uma jogadora nos minutos finais do prolongamento para que possa decidir no desempate por grandes penalidades não é nova. Os desfecho que se segue, normalmente, também não. Ève Périsset tinha apenas uma missão, tal como as equipas especiais do futebol americano que entram só para o chuto aos postes. No entanto, a jogadora francesa não conseguiu converter da marca dos 11 metros ao contrário do que aconteceu com outras colegas bem mais fatigadas.