A Amnistia Internacional (AI) acusou os talibãs de terem transformado a esperança de emancipação da mulher no Afeganistão num “vendaval de restrições draconianas” desde que regressaram ao poder, há dois anos.
“O Afeganistão voltou a mergulhar num capítulo negro”, considerou a organização num texto divulgado a propósito do segundo aniversário do novo regime afegão, que se assinala na terça-feira.
Os talibãs, que praticam uma interpretação estrita do Islão, reconquistaram Cabul em 15 de agosto de 2021, após uma ofensiva que levou ao colapso da administração patrocinada por uma força internacional.
Fundado no início da década de 1990, o movimento nacionalista sunita tinha governado o Afeganistão entre 1996 e 2001, quando foi derrubado por uma coligação liderada pelos Estados Unidos, após os atentados terroristas de 11 de setembro desse ano.
Seguiu-se uma ocupação do país asiático por uma força internacional até agosto de 2021, durante a qual foram revertidas as regras mais restritivas que os talibãs tinham aplicado às mulheres, como a proibição do ensino.
“A esperança de progresso e de emancipação que tinha começado a ganhar forma transformou-se num vendaval de restrições draconianas que silenciam e subjugam as mulheres e as raparigas”, denunciou a AI-Espanha.
No texto, a AI enumera 10 atividades que foram sendo proibidas às mulheres desde 2021, a começar pela educação, que passou a ser uma “miragem inatingível”.
“Inicialmente, foi imposta uma segregação rigorosa entre homens e mulheres, mas, no final de 2022, um decreto do Ministério da Educação afegão expulsou completamente as mulheres dos espaços de aprendizagem”, denunciou.
O emprego também sofreu “uma transformação radical”, com a proibição do trabalho fora de casa a prejudicar “gravemente as economias familiares”, segundo a AI.
“Apenas um número limitado de médicas e enfermeiras está autorizado a trabalhar em certos hospitais de Cabul para tratar mulheres e raparigas”, disse a organização não-governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos.
A AI referiu também o código de vestuário, que “foi objeto de uma regulamentação extrema”, segundo a qual “as mulheres devem estar cobertas da cabeça aos pés“.
“O uso de saltos altos foi proibido, com base no facto de poderem produzir um som de marcha que seria ouvido pelos homens. A escolha de calças largas também é proibida, mesmo que estejam escondidas por baixo da burca”, segundo a AI. Desafiar as regras de vestuário pode significar “açoites, espancamentos e abusos verbais“.
As afegãs estão proibidas de frequentar salões de beleza, de sair de casa sem um mahram (um familiar próximo do sexo masculino), de praticar desporto, de usar transportes públicos com homens e de escolher um marido.
Também ninguém pode publicar imagens de mulheres em revistas e livros, o que, segundo a AI, “diminui a visibilidade e o reconhecimento das mulheres na sociedade, relegando-as para um papel secundário”.
A liberdade de expressão foi igualmente proibida, o que “deu origem a um movimento de resistência corajoso e pacífico, liderado por mulheres e raparigas de todo o Afeganistão”.
“As mulheres afegãs enfrentam um cenário sombrio sob o regime talibã”, considerou a AI, apelando para que a comunidade internacional não esqueça o Afeganistão.
Peritos da ONU alertaram em junho que a discriminação das mulheres no Afeganistão pode ser considerada um crime contra a humanidade por ter por base um “apartheid” de género, criando uma segregação semelhante à da raça.