O cinema americano já começou a lamber (ou a esgravatar, conforme o ponto de vista) as feridas da vergonhosa debandada do Afeganistão, feita sob a actual administração do desastroso Joe Biden, que permitiu aos talibãs reinstalarem no país o seu regime de obscurantismo teocrático. Primeiro, foi Guy Ritchie com “The Covenant” (disponível em “streaming”), em que um militar americano (interpretado por Jake Gyllenhaal) regressa ao Afeganistão para tentar resgatar o seu intérprete e a família, que o salvou quando ali combatia, transportando-o ferido ao longo de uma grande distância, por montes e vales, até chegarem finalmente às linhas amigas.

Agora, surge “Operação Kandahar”, de Ric Roman Waugh, com argumento de Mitchell LaFortune, um antigo membro dos serviços secretos militares dos EUA, que integrou nele algumas das suas experiências vividas no terreno. Tal como “The Covenant”, “Operação Kandahar” tem também como um dos seus dois principais protagonistas um intérprete afegão que trabalhou durante anos para as forças armadas americanas, Mohammed (Navid Negahban), que vai acompanhar Tom Harris (um Gerard Butler pesadote e baço), um agente do MI6 “emprestado” à CIA, numa missão de sabotagem no Irão, a partir do Afeganistão.

[Veja o “trailer” de “Operação Kandahar”:]

Só que esta é comprometida por uma jornalista do Médio Oriente que divulga informação recebida de uma fonte anónima no Pentágono sobre a mais recente proeza de Harris, que conseguiu rebentar com uma central nuclear subterrânea iraniana. O agente tem então que fugir pelo deserto, acompanhado pelo tradutor, para irem ao encontro de uma força especial inglesa numa base da RAF abandonada perto de Kandahar, que os transportará para fora do Afeganistão. Mas são perseguidos não só por iranianos, como também por um operacional paquistanês com um estilo muito à 007, e por forças afegãs, além de terem que enfrentar perigos vários pelo caminho, incluindo aliados que afinal não o são.

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[Veja uma sequência do filme:]

Ric Roman Waugh não quis fazer apenas uma fita de acção pura e dura, e por isso “Operação Kandahar” é uma manta de retalhos nem sempre bem cosidos. Além de uma história de acção passada numa das zonas mais complicadas do mundo em termos geopolíticos, o filme quer ser também um acto de contrição para com os muitos colaboradores afegãos das tropas americanas, e aliadas em geral, deixados à sua sorte após a retirada e que foram mortos pelos talibãs, tiveram que se esconder ou vivem em sobressalto constante (Mo salvou-se, e a parte da família, mas perdeu o filho e voltou para procurar a cunhada); e uma fita de espionagem que se mexe nos bastidores da “guerra secreta” que se trava na região e envolve múltiplos actores locais e internacionais.

É areia de complexidade a mais para a limitada camioneta de um filme destes. Sylvester Stallone, John le Carré e James Bond convivem mal, sobretudo numa obra cujas limitações de produção, dependência de “déjà vus” e implausibilidades várias colidem com as suas ambições narrativas, como acontece em “Operação Kandahar” (é o segundo filme americano a ser rodado na Arábia Saudita), e que desaproveita enredos secundários interessantes (caso do da jornalista árabe presa pelos Guardas da Revolução iranianos). Veremos se o cinema americano vai continuar a interessar-se pelo trágico e embaraçoso fracasso nacional no Afeganistão, ou se “The Covenant” e “Operação Kandahar” ficarão sem sequência.