Avesso aos géneros tradicionais, com exceção da comédia, o cinema português é, como se sabe, paupérrimo no que respeita ao fantástico e ao terror (tal como a literatura, aliás), para já nem falar na ficção científica. As tentativas feitas ao longo dos anos neste formato são escassas (apenas o falecido António de Macedo tentou porfiar nele, enfrentando, significativamente, a hostilidade e a chacota dos seus pares). Só muito de quando em quando aparece uma longa-metragem do género (lembremos a boa surpresa que foi Coisa Ruim, de Tiago Guedes e Frederico Serra, em 2006, mas que infelizmente não teve continuidade por parte destes realizadores), e a curiosidade é, naturalmente, muita quando isso sucede.

Gabriel Abrantes é artista plástico e realizador, funcionando nesta última categoria como que um enfant terrible à proporção do nosso cinema (mais enfant que terrible, diriam alguns…), e é ele que, depois do estrambólico Diamantino (2018), a sua primeira longa-metragem, propõe agora um filme de terror sobrenatural, A Semente do Mal, estreado no último MOTELX. Falado em inglês e em português (aliás, o título inglês, Amelia’s Children, é mais subtil e adequado do que o português), a fita abre em Portugal, passa depois para os EUA e regressa a Portugal, decorrendo toda no interior do país.

[Veja o trailer de “A Semente do Mal”:]

Edward (Carloto Cotta) nasceu em Portugal e vive em Nova Iorque, após ter sido raptado quando era bebé, tal como o irmão. As buscas pela família de origem levam-no a descobri-lo, e também que a mãe ainda está viva no nosso país. Pega então na namorada, Ryley (Brigette Lundy-Payne), metem-se num avião e vêm ambos para Portugal, onde Edward conhece enfim o irmão gémeo (também interpretado por Carloto Cotta) e a mãe, Amélia (Alba Baptista na juventude, Anabela Moreira na velhice e sob uma carga de maquilhagem que a faz parecer uma vítima de sucessivas cirurgias plásticas que correram muito mal), ficando instalados no renovado palacete da família nas montanhas.

Tendo em conta os antecedentes cinematográficos de Gabriel Abrantes, A Semente do Mal é um filme surpreendentemente padronizado e feito by the book (e que aproveita para tratar o melindroso tema do incesto), quando se poderia esperar um pastiche ou uma sabotagem de motivos, convenções, situações e personagens feitas do género. Da velha casa sinistra (apesar de modernizada) aos aldeões que tremem à sua menção, do monstruoso segredo de família à malignidade ancestral que ali reina, até à identidade da mater famílias, não falta nada à história. Nem a pontuação de sonhos perturbadores e premonitórios, de falsos sustos e de sobressaltos macabros, até um último ato em que o espalhafato do slasher se substitui ao sobrenatural.

Numa filmografia abundante e regular neste género, A Semente do Mal seria uma série B corriqueira. No nosso desvalido meio, é um filme de terror crescidinho, apresentável na história, nos ambientes, no clima de gradual desconforto e revelação do horror, e nas interpretações, no entanto enfraquecido pela caracterização de Anabela Moreira, involuntariamente ridícula e risível, quando devia ser grotesca e sinistra; e amolgado pelo atabalhoado confronto decisivo no palacete, durante o qual se manifesta uma personagem até aí apenas aludida e cujo aspeto é só por si uma catástrofe. Como sucede com muitos outros filmes – e não apenas de terror —, os 15 minutos finais de A Semente do Mal são-lhe fatais.

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