O juiz conselheiro Mouraz Lopes apontou esta sexta-feira os acordos de sentença como uma forma de obviar os megaprocessos e a eternização dos julgamentos, enquanto o advogado José António Barreiros alertou que os megaprocessos geram “uma justiça de classes”.

O juiz conselheiro do Tribunal de Contas e o advogado de alguns dos processos mais mediáticos da justiça portuguesa falavam ambos na conferência “Megaprocessos – Quando a justiça criminal é especialmente complexa”, que esta sexta-feira terminou no Palácio da Justiça, num evento promovido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa com o apoio do Conselho Superior da Magistratura.

Falando no painel “A realização da Justiça no contexto dos megaprocessos”, Mouraz Lopes questionou qual a utilidade e se faz sentido que, devido à morosidade destes processos, um arguido vá cumprir pena de prisão 12 ou 14 anos depois dos factos.

O juiz conselheiro lamentou que o poder político e legislativo não tenha conseguido até agora fazer aprovar os acordos de sentença em que “o arguido confessa os factos” que lhe são imputados e, com contrapartida, recebe “uma pena reduzida”, terminando aí o processo-crime.

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Na sua intervenção, José António Barreiros falou da importância do princípio da presunção de inocência do arguido perante a “dúvida permanente e o ceticismo do juiz”, considerando que a presunção de inocência assegura ao arguido uma “igualdade de armas face à acusação”, sendo por isso um “meio compensatório”.

Segundo José António Barreiros, nos megaprocessos a presunção de inocência é particularmente importante face à “acumulação maciça de prova”, a qual “gera e potencia a noção de culpa” do arguido.

Ou seja, explicou, os megaprocessos, pela sua dimensão e volume, criam “a ideia de que alguma coisa deve haver em tantos caixotes (de documentos) ou discos rígidos” trazidos aos autos pelo Ministério Público.

Nas suas palavras, os megaprocessos “geram uma justiça de classe”, pois só aos arguidos “ricos e abonados” é possível contratarem uma equipa de advogados que os represente num julgamento que pode durar meses a fio ou até anos.

Além do mais, assinalou, com o arresto de bens dos arguidos nos megaprocessos, estes ficam muitas vezes sem meios financeiros para assegurar a melhor defesa em tribunal.

António Barradas Leitão, antigo advogado e membro do Conselho Superior da Magistratura (CSM), referiu que “a prova nos megaprocessos não é uma prova direta”, sendo quase “toda ela indireta e fluida” e de prova difícil.

Desta forma, constatou, nos megaprocessos “tenta-se pela quantidade da prova ultrapassar a questão da qualidade da prova (que é menos sólida por ser indireta). Daí o facto de a investigação, na procura de provas indiciárias, utilizar aquilo que se designa por “pesca de arrasto”.

O orador lembrou ainda que “os grandes megaprocessos arrancaram” quase todos a partir de “denúncias anónimas”, funcionando aqui o princípio de legalidade que leva o MP a investigar todos os alertas de crimes públicos.

António Casimiro Ferreira, sociólogo e professor da Universidade de Coimbra, considerou que atualmente se assiste “à transferência dos conflitos judiciais para a área política”, o que devia levar a “repensar numa nova separação de poderes”.

Alertou ainda que os megaprocessos, ao arrastarem-se no tempo e ao exibirem outras fragilidades, acabam por se transformar no julgamento do próprio regime que não resolve o problema.

A sessão desta sexta-feira contou ainda com a mesa redonda “Caminhos a seguir – prevenção e gestão da justiça criminal especialmente complexa”, que juntou o juiz desembargador João Ferreira, o juiz de direito António Gomes, o professor de direito da Universidade do Minho, Paulo Sousa Mendes, e o advogado Carlos Pinto de Abreu que, entre outros processos mediáticos, foi o advogado dos país da criança inglesa Madeleine McCann, desaparecida em maio de 2007 na praia da Luz, Algarve.

Neste painel, moderado pelo jornalistas Rui Gustavo, Carlos Pinto de Abreu considerou que em muitos casos o megaprocesso resulta da incapacidade de raciocínio e de organização dos magistrados que realizam a investigação.

António Gomes e João Ferreira falaram e apresentaram novos programas informáticos que irão ajudar o coletivo de juízes a julgar o processo BES/GES, com data marcada para finais de maio.

Com a realização desta conferência, o CSM quis alertar que 2024 é o ano em que os tribunais se preparam para receber os maiores megaprocessos da justiça portuguesa, muitos deles de grande impacto mediático.

Para o efeito foi criada “uma nova estrutura de apoio, a Estrutura ALTEC – Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade”, equipada com a tecnologia mais recente e com a participação de juízes, assessores, oficiais de justiça e funcionários de tribunais, por forma a permitir preparar e tratar previamente a informação destes processos.