“Temos de voltar à rua.” O apelo é feito por Pedro Costa, o agente da PSP que fez nascer o protesto dos polícias por melhores salários e condições de trabalho, que levou à paralisação de centenas de operações daquela força de segurança e que conseguiu gerar um consenso alargado entre os partidos políticos sobre a necessidade de equiparar parte do vencimento dos polícias ao dos inspetores da Polícia Judiciária. Para esta sexta-feira, está a ser convocada uma nova vigília de polícias: “Temos de lutar e esperar que a política formal negoceie. E depois ver no que dá“, sublinha Pedro Costa ao Observador.
Três meses depois de o agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) ter saído de casa com apenas um “saco do lixo na mão” para pernoitar em frente à Assembleia da República, Pedro Costa explica que este pedido de mobilização pretende servir para garantir que o novo Governo “cumpre com o prometido”. E deverá ter milhares a juntar-se a ele, já esta sexta-feira.
O dia 12 de abril é referido pelo Movimento INOP – o grupo de Telegram que reúne milhares de elementos das Forças de Segurança e que foi criado para reivindicar a revisão dos suplementos remuneratórios – como o momento para regressar à luta suspensa com o início oficial da campanha eleitoral para as legislativas de 10 de março.
Vários polícias já anunciaram a “presença” na vigília que, a partir das 15h30, ocupará a escadaria da Assembleia da República. Mas a decisão de avançar já com novo protesto, ainda antes de ser conhecida a posição oficial do novo Governo sobre as reivindicações dos polícias, não é consensual.
Alguns elementos as forças de segurança dizem preferir “aguardar pela reunião” com a nova ministra da Administração Interna, Margarida Blasco – que disse querer “começar a falar” com os sindicatos já este mês – para “perceber a disponibilidade para diálogo”. “A partir daí, tomaremos as medidas necessárias”, pode ler-se na mensagem de um dos elementos de um grupo que sempre se apresentou como inorgânico e sem orientações coordenadas superiormente.
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Já Pedro Costa garante cumprir com aquilo que prometeu na Carta Aberta que escreveu a 6 de dezembro, em que admitia estar cansado de ver “a profissão a ser humilhada pelos políticos” e de ouvir “colegas com mais tempo de polícia” a dizer “que isto nunca esteve tão mal”: “Apenas deixarei a Assembleia quando todos os polícias tiverem um vencimento digno e justo“, anunciou, num vídeo publicado esta segunda-feira no Instagram. Na mesma publicação, o agente da PSP deixa também um apelo “à maioria confortável que espera para que os outros lutem por si”.
“Não fiquem à espera que as coisas fiquem como estão para continuarem a reclamar que ninguém resolve o problema ou que ninguém quer saber dos polícias. Se não lutarmos por nós, quem vai lutar?, questionou o agente da PSP do aeroporto de Lisboa.
“Lutem por vocês e pelos vossos colegas e camaradas. Vou voltar à casa mãe da democracia, à Assembleia, sempre que me for possível e peço a todos que voltem às vigílias a nível nacional”, garantiu, deixando um último grito de força: “Todos juntos somos um.”
“Os discursos da campanha estavam a ir num sentido, mas mudaram. Já não somos a prioridade”
Passaram quatro meses desde que Pedro Costa decidiu pegar na caneta para escrever a Carta Aberta que fez nascer o protesto dos polícias. Passaram três meses desde que cumpriu a promessa e se dirigiu à Assembleia da República para lutar por melhores condições de trabalho e para combater o que diz ser um tratamento “desigual” face à Polícia Judiciária. Desde então, considera, nada mudou. Nem mesmo com os partidos do lado das forças de segurança.
“Infelizmente, a nossa política vive de muitas promessas. Mas depois ruma sempre para o mesmo sítio”, lamenta ao Observador o agente da PSP do Aeroporto de Lisboa.
Pedro Costa e os elementos das forças de segurança que se juntaram a ele e ao Movimento INOP suspenderam a luta durante a campanha eleitoral, porque, dizem, “acharam que deveria ser feito”.
Ainda antes do início da campanha, os membros do movimento foram alvo de duras críticas por parte de vários partidos depois de terem feito uma “espera” aos líderes do PS e da Aliança Democrática, no dia em que Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro tiveram o seu frente-a-frente no Capitólio, em Lisboa.
Pedro Costa diz agora, no vídeo publicado no Instagram, que, “ao contrário de certas opiniões tendenciosas acerca de nós, ninguém respeita mais a democracia ou a lei do que os polícias“. E justifica a interrupção dos protestos com o arranque oficial da campanha eleitoral. “Achámos que o resto da campanha deveria ser feita sem acusações de coação ou similares, dando a devida paz, tranquilidade e espaço à restante campanha. Mas suspender não é pôr um ponto final”, garantiu.
Tanto que não é um ponto final que Pedro Costa, que regressou ao trabalho no aeroporto assim que a luta foi suspensa, já retomou as vigílias regulares na Assembleia da República, ainda que em “diferentes moldes”. “Sempre que puder, vou lá. Ainda ontem [segunda-feira] estive lá”, recorda.
Ao Observador, o agente da PSP revela que a razão para o renascimento da luta está diretamente ligado à “mudança de discurso” dos responsáveis políticos, face aos da campanha eleitoral. “Os discursos da campanha estavam a ir num sentido. Os novos discursos já o mudaram. Já não somos a prioridade”, garante.
Ainda que seja esse o sentimento de Pedro Costa, e de muitos polícias que gritaram o seu nome na rua, ainda esta segunda-feira as forças de segurança foram mencionadas na carta que o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, dirigiu ao novo primeiro-ministro, Luís Montenegro, tendo este proposto trabalharem em conjunto para valorizar as carreiras e os salários dos “trabalhadores da Administração Pública, em especial dos profissionais de saúde (de todos, não apenas dos médicos), das forças de segurança, dos oficiais de justiça e dos professores”.
Pedro Nuno Santos escreveu a Montenegro a propor acordo até julho
Na resposta, também em formato de telegrama, Montenegro aceitou reunir-se com o líder do PS, ressalvando que o encontro teria de ficar para depois das negociações com as “organizações representativas dos setores” da Administração Pública, nomeadamente profissionais de saúde, forças de segurança, oficiais de justiça e professores.
Montenegro aceita marcar reunião com Pedro Nuno, mas só depois de negociar com setores
Além dos dois partidos com maior força na Assembleia da República, também o Chega, que se tem colocado ao lado dos polícias desde o início, disse estar disponível a viabilizar um orçamento retificativo focado em várias medidas, nomeadamente a equiparação do suplemento de missão de todas as forças de segurança ao da PJ.
O Bloco de Esquerda defendeu a valorização das carreiras dos polícias logo no primeiro dia da legislatura, no conjunto de de dez propostas apresentadas para este mandato.
No que diz respeito à nova ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, disse, na tomada de posse dos secretários de Estado, estar confiante de que vai “alcançar um porto muito seguro para todos” os elementos das forças de segurança. Já quando questionada sobre se o Governo tem uma folga orçamental para responder a exigências dos polícias, remeteu para o colega de Governo: “Isso tem de perguntar ao ministro das Finanças.”