“Guerra Civil”

Num futuro próximo, os EUA estão de novo em guerra civil, com várias fações a combater o governo, e um quarteto de jornalistas e fotojornalistas procura chegar a Washington antes de toda a gente, para assistir à tomada da Casa Branca pelos rebeldes da coligação Texas-Califórnia. Alex Garland escreve e realiza esta fita distópica, à qual falta, no entanto, um mínimo de contextualização, explicação e racionalização, o que a deixa em vazio de plausibilidade. Como começou o conflito? Quais são as fações envolvidas e que grupos ideológicos representam, bem como o presidente dos EUA? Como se explica que dois estados tão díspares como o Texas e a Califórnia se tenham unido? Desta forma, Guerra Civil é apenas mais um filme de guerra, e de jornalistas e fotojornalistas a porem a vida em risco para fazerem o seu trabalho, e que mostra de novo a enorme distância qualitativa que separa o cinema de especulação histórico-política e distópica da literatura do género. Fossem um Harry Turtledove ou um Howard Waldrop a assinar o argumento e a fita seria infinitamente melhor.

“De Cor(ações)”

Festival de Avignon, verão de 2021. A Covid deu tréguas, ao contrário do vento da região, o temível Mistral. Isabelle Huppert prepara-se para interpretar Lioubov Ranyevskaya em O Cerejal, de Anton Tchékov, numa encenação do diretor do festival, o português Tiago Rodrigues. Noutro local, Fabrice Luchini vai apresentar um dos seus popularíssimos espectáculos a solo de leitura e comentário de textos de grandes autores, no caso, Nietzsche e Baudelaire. O realizador Benoît Jacquot acompanhou-os antes, durante e depois dos seus respetivos espectáculos, muito diferentes um do outro, neste documentário que só peca por ser muito curto e cuja parte de leão mostra os dois atores a trabalhar, com métodos diversos, a matéria-prima do seu ofício: as palavras. Huppert e Luchini são filmados a debaterem-se com os seus respetivos textos, a memorizá-los, a enganarem-se e a falarem sobre eles: as dificuldades que põem, as técnicas que implicam e os prazeres que proporcionam, e também sobre o medo do palco. Ela é mais reservada e minimalista, ele mais expansivo e explicativo. “De Cor(ações)” deixa-nos com fome por mais.

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“O Rapto”

Numa noite de junho de 1858, em Bolonha, então parte dos Estados Papais, as autoridades apresentaram-se à porta dos Mortara, uma família judia da cidade, para lhes retirarem um dos filhos, o pequeno Edgardo, de seis anos. Motivo: a criança teria sido batizada secretamente quando era um bebé, e o direito canónico postulava que, num caso como este, ela tinha que ser educada na fé cristã para a salvação da sua alma. Edgardo Mortara foi levado para Roma e internado numa instituição religiosa onde estavam outras crianças como ele, e colocado sob a protecção pessoal do Papa Pio IX, enquanto os pais faziam tudo para que a criança lhes fosse devolvida. O caso teve enorme repercussão interna e internacional. É esta a história contada por Marco Bellochio em O Rapto, a sua nova realização, que concorreu no Festival de Cannes (pode ler a crítica aqui).