Melhores políticas de saúde pública e a urgente necessidade de combater a desinformação foram ideias transversais defendidas pelos mais de 50 especialistas internacionais reunidos em Varsóvia, no Fórum Global sobre Nicotina 2024 (GFN24), com o tema “Benefícios para a saúde e para a economia na redução dos efeitos nocivos do tabaco”.

Na sua 11.ª edição, o evento que é um dos maiores a nível mundial sobre estes temas, teve como principal meta debater e partilhar conhecimento sobre os avanços tecnológicos no uso de produtos com nicotina e as oportunidades que criam para os fumadores de tabaco convencional, ajudando, por exemplo, no abandono dos cigarros tradicionais.

Elaine Round, que lidera o Grupo de Ciências da Vida da British American Tobacco (BAT), sublinha, em declarações ao Observador Lab, que “neste momento existem mil milhões de fumadores em todo o mundo e é fundamental oferecer alternativas com menos riscos. Os produtos de vaping, as bolsas de nicotina, os produtos aquecidos têm muito menor risco de toxicidade e a ciência demonstra que são melhores opções”.

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O tabaco convencional é uma “grave epidemia”, considera Andrzej Fal, chefe do Departamento de Alergia, Doenças Pulmonares e Doenças Internas do Instituto Nacional de Medicina de Varsóvia, que concorda com a necessidade de apostar em alternativas e em políticas de saúde pública abrangentes para combater de forma eficaz este “assassino silencioso”.

Também Tikki Pangestu, Professor Convidado da Universidade Nacional de Singapura e ex-Diretor para a Política de Investigação e Cooperação da Organização Mundial de Saúde, lembra, em declarações ao Observador Lab, que “a redução dos danos na saúde pública é muito importante, porque existem muitos fumadores no mundo e cerca de oito milhões de pessoas morrem todos os anos”. E acrescenta: “Deixar de fumar é muito difícil para a maioria das pessoas e por isso a redução dos efeitos nocivos permite-lhes ter acesso à nicotina sem prejuízo, na medida em que o problema está nas outras substâncias relacionadas com a combustão do cigarro”. O especialista sublinha ainda que, na perspetiva da saúde pública, esta visão é muito importante, porque os custos para tratar as doenças relacionadas com o tabaco convencional são muito elevados.

“Fumar é mortal. Os cigarros eletrónicos não são mortais. Já lá vão mais de 20 anos e não estamos a ver esses prejuízos”, defende Garrett McGovern, especialista em adições e diretor médico da Priority Medical Clinic, em Dublin, Irlanda. “O que acontece é que está a ser transmitida informação incorreta ao público e muitas pessoas continuam a acreditar que os cigarros eletrónicos são tão negativos quanto os cigarros tradicionais. Esta ideia está completamente errada, os cigarros eletrónicos são 90% menos nocivos e está demonstrado que podem ajudar a deixar de fumar”. Para Tikki Pangestu este é um conceito difícil de transmitir, porque as pessoas têm tendência para encarar “a realidade a preto e branco” de forma falaciosa e são influenciadas pela informação imprecisa transmitida nas redes sociais. A guerra cultural, muito acesa na Internet, aprofunda as divisões e provoca reações extremistas. “Uma das estratégias das guerras culturais é criar polarização. Dividir as pessoas, e isto é também uma estratégia política, facilitar a dúvida, criar medo e encorajar a raiva contra quem tem um ponto de vista diferente”, alerta a professora Marewa Glover, do Centro de Excelência em Investigação: Soberania Indígena e Fumo, da Nova Zelândia.

Evidências da Ciência: replicabilidade é a base

Atualmente a ciência pode ser com frequência alvo de desconfiança, com os cidadãos a interrogarem-se sobre as conclusões e a formar as suas próprias ideias, muitas vezes baseadas na desinformação. A resposta para uma maior solidez dos estudos científicos está na replicabilidade, na clarificação de metodologias e na transparência quanto aos detalhes, alertam os especialistas.

A líder do grupo de investigadores para a área das ciências da vida na BAT, Elaine Round sublinha que o mais importante é “trabalhar com afinco para assegurar o rigor, segundo os parâmetros internacionais, e respeitar os critérios de boas práticas laboratoriais e clínicas.” Robert Sussman, da Universidade Nacional do México, acrescenta sobre o tema da credibilidade da ciência: “Eis a pergunta que coloco às pessoas que questionam a indústria. Porque é que não replicam [estes estudos]? Eu sou um cientista e já repliquei estudos em astrofísica e cosmologia, porque os resultados estavam errados ou eram questionáveis, e repliquei-os. Mostrei que eram inválidos e muitas das minhas publicações são assim. Por isso, peço às pessoas que trabalham no domínio do controlo do tabaco que, se não confiam na indústria, reproduzam os resultados. Caso contrário, não passa de retórica”.

A expectativa é que os estudos científicos possam ser credíveis e úteis para a sociedade e os fumadores. “É necessário ter esperança, debruçamo-nos sobre várias matérias em todo o mundo e muitas pessoas trabalham arduamente para resolver os problemas relacionados com o tabagismo, temos de continuar a ser positivos e a trabalhar em conjunto”, afirma o médico australiano, Alex Wodak.

Mas será possível acabar com os fumadores e o tabaco?

O britânico Clives Bates, consultor em saúde pública que, ao longo da carreira, tem estado ligado às campanhas para reduzir os efeitos nocivos do tabaco, considera a ideia uma impossibilidade. Por isso, o importante é minimizar riscos em termos regulatórios, lidar com a realidade e não com hipóteses imponderáveis. A mesma questão foi levantada por Konstantino Farsalinos, que representa as Universidades de Patras e da Ática Ocidental, na Grécia: “Poderá existir uma sociedade livre de nicotina?” O professor está incrédulo, tal como os muitos intervenientes na plateia. “Não me lembro na história do homosapiens, de nenhuma cultura que não tenha coisas para fumar e beber com álcool”, sublinha igualmente o médico Andrzej Fal. Os especialistas concordam que o importante é procurar metas e soluções realistas, com regulamentações diferentes de acordo com as realidades também distintas de cada país. “Antes de discutir como regular as coisas, é importante definir o objetivo da regulamentação. Na minha opinião, no caso da redução de efeitos nocivos do tabaco, a razão e o objetivo de regular é ajudar os consumidores a tomar decisões informadas”, afirma Farsalinos.

Fiona Patten, da Austrália, que afirma estar orgulhosa da redução dos efeitos nocivos do tabaco neste país, é da opinião que, para melhorar os danos do tabaco, o melhor caminho é a educação. Nos países com uma larga maioria de populações vulneráveis, a educação para os riscos do tabaco e redução dos efeitos nocivos é ainda mais complexa. Como exemplificou Alla Sessanova, coordenadora do Conselho Feminista de Especialistas da Rede Eurason de Pessoas que Usam Drogas, a redução dos efeitos nocivos do tabaco em países como o Quirguistão é ainda mais difícil. “Um terço da população encontra-se abaixo do limiar da pobreza. Se as pessoas estão preocupadas em como vão alimentar os filhos como vamos convencê-las a tomar conta da sua saúde?”. Nesta região existe ainda o problema da fiscalização, como alertou Jarkyn Shadymanova, Professor Associado na Universidade Americana da Central Ásia. “Ninguém fiscaliza a produção, ninguém pode estar certo do que está no produto. Nós gostaríamos de ter uma regulação como a Suíça”, que tem uma das mais baixas taxas de fumadores e cancro oral. Também para Sharifa Ezat Wan Puteh, da Malásia, o mercado negro é um dos grandes problemas mundiais que prejudica o combate ao tabagismo. A falta de regulamentação facilita alternativas pouco seguras que são vendidas sem qualquer controlo.

No final de três dias de congresso, os especialistas internacionais concordam que “é necessário ter esperança”, como referiu o médico australiano Alex Wodak, salientando que “muitas pessoas trabalham arduamente para resolver os problemas relacionados com o tabagismo”, temos “de continuar a ser positivos e a trabalhar em conjunto” para minimizar os efeitos nocivos do tabaco nos cinco continentes do mundo.