Um retrato que deixa quase todos de fora — menos uns poucos e o próprio. Augusto Santos Silva escreveu um longo ensaio no Expresso sobre o perfil do próximo Presidente da República em que defende que o país não precisa de “caudilhos”, “qualquer personalidade providen­cial” que inspire um “pulso duro”, ou “comentador omnipresente dos atos dos outros”. Ao mesmo tempo, o antigo presidente da Assembleia da República defende que o próximo inquilino de Belém deve ter uma visão transversal da política e do país, em todas as suas dimensões, mas também da Europa.

Ora, olhando para os candidatos a candidatos a Belém, sobram poucos que de facto preencham os requisitos de Santos Silva. Gouveia e Melo parece ser o tal candidato que vem “endireitar” o rumo do país. Luís Marques Mendes enquadra no perfil de “comentador”. Mário Centeno não é exatamente conhecido politicamente por conhecer a “história e o posicionamento geopolítico” do país, dominar os “costumes” e “amar língua e a cultura portuguesa”. António José Seguro pode ter isto tudo, mas, além dos três anos que passou na União Europeia (1999-2001), não parece ter a dimensão internacional que Santos Silva ambiciona para o próximo Presidente da República — mais ainda, tornou-se recentemente comentador para assinalar o regresso à política.

Sobrarão poucos, de facto, dignos de ocuparem o cargo. Pedro Passos Coelho (que já deu todos os sinais de que está fora da corrida), Paulo Portas (que ainda não afastou essa hipótese), António Vitorino (que mantém a porta aberta) e o próprio Augusto Santos Silva, que, apesar das sucessivas más sondagens, não aceita ser excluído da corrida. Tendo sido, a seguir a António Costa, o homem mais tempo ocupou funções governativas (foi ministro da Educação, da Cultura, dos Assuntos Parlamentares, da Defesa e dos Negócios Estrangeiros), deputado e, claro, presidente da Assembleia da República, o seu percurso cruza-se quase na perfeição com o perfil presidencial que o próprio trata.

Aliás, Santos Silva acrescenta outra característica (ou preocupação) que o próximo Presidente da República deve ter: no entender do socialista, ao sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa “cabe-lhe usar a sua palavra e função para defender intransigentemente a institucionalidade democrática, combatendo qualquer forma de discriminação, bem como o incitamento ao ódio e o culto da violência”. Ora, se há algo que marcou o mandato de Santos Silva como presidente da Assembleia da República foram as vezes em que se travou de razões com André Ventura — coisa que Passos, Portas e Vitorino não podem exibir como currículo.

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Mesmo assim, e sem nunca nomear ninguém, Santos Silva parece dirigir grande parte das suas palavras a Gouveia e Melo. “O egocentrismo constitui impedimento inultrapassável ao exercício da Presidência; e o mesmo se diga de qualquer inclinação caudilhista. Quem reclame ser a voz do “povo” contra os “políticos”, qual anjo vingador da ‘pureza’ contra a suposta degradação da vida pública, quem pretenda ser investido de autoridade suprema sobre o conjunto das instituições (nelas incluídas os partidos), só demonstra incompreensão do papel presiden­cial. Não merece confiança.”

No mesmo ensaio publicado no Expresso, Santos Silva faz questão de defender que este não é o tempo de discutir nomes, mas de discutir perfis. E é isso que se esforça por fazer: “A mulher ou o homem que havemos de eleger para Presidente há de ter uma sólida experiência política, quer interna quer no plano europeu e internacional. Há de conhecer bem a sociedade portuguesa — a geo­grafia e o território, a história e o posicionamento geopolítico, a economia, os costumes e as instituições. Há de ser alguém que ame a língua e a cultura portuguesa, a quem não sejam estranhas a literatura, as artes e o património”, nota, antes de terminar:

“Há de ser, pelo que diz e pelo que faz e já fez, uma ou um democrata liberal, adversário corajoso de todos os preconceitos e de qualquer tipo de populismo. Há de, enfim, apresentar-se sem falsa roupagem de apolítico: não como salvador, chefe ou profeta, mas simplesmente como alguém disponível para coo­perar com os outros e para nos convidar a todos a sermos mais unidos, produtivos, determinados. A não termos receio de ser quem somos: uma nação antiga e coesa, um país respeitado nos quatro cantos do mundo.”