O Syriza venceu as eleições no dia 25 de janeiro e dois dias depois, já com o novo Governo em funções, uma das primeiras medidas foi suspender o plano de privatizações da troika que estava em curso, com o Porto do Pireu na linha da frente, mas o estado avançado do processo faz com que o novo Governo tenha de avançar com a venda. Será a decisão da Grécia de rejeitar o plano de privatizações da troika uma novidade entre os países resgatados? Nem por isso.

Todos os programas desenhados pela troika para os países resgatados na zona euro vinham com uma mesma condição associada: avançar com um plano de privatizações. As receitas deveriam servir para reduzir a dívida pública.

A Grécia tem, de longo, o plano de privatizações mais exigente. A troika esperava que o plano rendesse 22,3 mil milhões de euros até 2020 (já muito depois de ter terminado o programa). Até agora, a Grécia conseguiu apenas 4,2 mil milhões de euros e o novo Governo já anunciou a suspensão dos planos de privatizações, demitiu as chefias da agência responsável por gerir as vendas de ativos e empresas do Estado grego e já disse que não está disposto a vender os anéis.

A troika espera que a Grécia continue as privatizações até 2020 pelo menos

receitas privatizações da Grécia

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O plano de privatizações foi adaptado por várias vezes ao longo do programa mas esbarrou sempre em problemas para conseguir ser concretizado e a determinada altura, ainda em 2011, o chefe da missão do FMI para a Grécia (que veio a ser também de Portugal no início do resgate), Poul Thomsen, chegou mesmo a pedir que o plano fosse aumentado para conseguir uma receita de 50 mil milhões de euros. Um pedido que não caiu bem entre os governantes gregos do PASOK.

Mas será esta decisão da Grécia a exceção ou a regra?

Dos quatro países com programas da troika na zona euro, apenas um cumpriu quase na integra o plano de privatizações e conseguiu a receita esperada pela troika: Portugal. O plano inicial previa uma receita de 5,5 mil milhões de euros com privatizações, mas a estimativa foi aumentada logo no início e já ultrapassa nesta altura os 9 mil milhões de euros, numa altura em que o Governo ainda tem em curso processos de venda de mais empresas, como é o caso da TAP, ainda que o programa já tenha terminado.

EDP, REN, Galp, ANA, CTT, Caixa Saúde e Caixa Seguros são algumas das empresas onde o Estado vendeu a sua participação desde 2011. O plano de privatizações até estava na gaveta e foi ressuscitado por Teixeira dos Santos durante a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2010, apresentado já em 2010 devido às eleições. A chegada da troika alargou o lote de empresas que deveriam fazer parte.

Mas a regra até agora parece estar do lado dos países que resistem às tentações da troika para privatizar os seus principais ativos. A Irlanda, por exemplo, foi o primeiro país a sair do programa e com sucesso, o que fez com que os líderes europeus e o FMI muito se apoiassem no programa irlandês como o exemplo de que os programas e as troikas resultavam.

No plano que a troika desenhou, a Irlanda deveria conseguir uma receita de 3 mil milhões de euros com a venda da participação do Estado em várias empresas. No entanto, a Irlanda resistiu a essa proposta e chegou ao fim sem conseguir um único euro do previsto.

O plano de privatizações da Irlanda foi negociado pela coligação que acabou por cair nas últimas eleições, e quando os receios da sociedade irlandesa fizeram lembrar as acusações do ex-primeiro-ministro britânico Harold Macmillan a Margaret Thatcher nos anos 80, quando Thatcher levou a cabo um plano abrangente de privatizações que Macmillan considerava ser o equivalente a “vender as jóias da família”.

A mais recente mudança aconteceu na venda da Bord Gáis Energy, a empresa de distribuição de gás que foi abandonada recentemente pela Irlanda e que, a menos que surja uma oferta melhor, não será retomada no médio prazo. Mas os planos não se ficavam por esta empresa.

Na lista da troika estavam também um milhão de hectares de floresta geridos pela Coillte, que deviam render entre 400 a 774 milhões de euros. No entanto, alguns estudos apontavam para um custo posterior superior a 1,3 mil milhões de euros e mais de 12 mil empregos em risco. Ficou suspensa essa venda, e a Coillte vai ser antes fundida com outra empresa.

Em cima da mesa esteve também a venda de 25% da companhia aérea irlandesa Aer Lingus, que devia render entre 200 e 250 milhões de euros aos cofres do Estado. A venda foi suspensa porque as condições de mercado não as melhores, disse o ministro dos Transportes, que recusou vender a participação do Estado na empresa a preços de saldo e sem garantir que os novos donos não iriam prejudicar a ligação da ilha com o mundo. A concessão da lotaria na Irlanda também estava prevista. Alguns ativos ainda estão em processo de venda mas, a serem concluídos com sucesso, ficarão muito aquém dos três mil milhões previstos.

No Chipre, a procissão ainda vai no adro. O resgate pedido em junho de 2012 só chegou em 2013. Apesar da aparente pequena receita esperada de privatizações, a lista de participações a vender não é assim tão pequena: a empresa pública de telecomunicações, a empresa pública de eletricidade, a empresa que gere os portos do Chipre e concessionar os portos de Larnaka e Limassol, a Bolsa de Nicósia e a empresa que gere a indústria florestal.

Para além destas, há ainda uma lista de concessões que devem ser feitas, principalmente na área do jogo (casinos, lotarias e slot machines) e algumas empresas cuja privatização está em estudo, como é o caso da empresa de reservas petrolíferas do Chipre ou matadouros.

O cheque final deve chegar aos mil milhões de euros durante o programa, mais 400 milhões de euros já depois do programa: 1,4 mil milhões de euros. Mas a troika espera que as primeiras grandes receitas, a acontecerem, cheguem apenas em 2016, altura em que o Chipre estará a sair do programa.

O programa da Grécia

É de longe o maior, o mais vasto e o mais numeroso. E isso mesmo se pode ver não apenas na receita estimada mas no peso que tem em relação à economia: 12% do PIB, é quanto representariam os 22,3 mil milhões de euros de receitas esperados pela troika se o plano fosse para a frente. Os 50 mil milhões em privatizações que pedia Poul Thomsen e o FMI seria o equivalente a quase 29% do PIB grego nos seus atuais níveis.

Estes valores estão muito longe do exigido aos restantes países: 8,7% do PIB no Chipre, 3,2% do PIB em Portugal e 1,68% do PIB na Irlanda.

A lista é muito vasta e inclui pelo menos 36 privatizações até ao final deste ano, e vai da empresa que gere as apostas desportivas, à venda de aviões que a Grécia comprou, até maiores e mais polémicas, como é o caso das concessões do Porto do Pireu.

plano de privatizações

 

O processo relativo ao Porto do Pireu está em fase de escolha de ofertas para a sua venda. Quando o Syriza chegou ao poder, a suspensão deste processo foi uma das suas primeiras decisões. No entanto, nos últimos dias os agora governantes viram-se obrigados a recuar.

A primeira garantia que o Governo deu em relação às privatizações é que iria respeitar a lei e os processos que já estivessem concluídos não iriam ser anulados. As palavras caíram bem entre os investidores, afastando assim qualquer receio que pudesse existir de nacionalizações ou da tentativa de anular concursos. O caso do Porto do Pireu acontece porque a fase legal do concurso já exigia compromissos das empresas e os investidores chineses, que já têm uma parte da concessão do Porto, estão em boa posição para conseguir a concessão de mais dois terços do Porto. Como tal, queixaram-se ao Governo e chegou mesmo a haver uma reunião entre o ministro da Economia da Grécia e o embaixador da China.

Numa entrevista à Euronews, Giorgos Stathakis admitiu que afinal o processo de privatização do Porto terá de avançar: “Nós vamos avançar com o que ficou acordado pelo anterior Governo. Esta é uma afirmação muito direta. Temos relações muito próximas com a China, e o processo será muito claro e favorável a um número de iniciativas que eles começaram”, disse.

Uma coisa é certa, o novo Governo já suspendeu todas as privatizações que não estiverem concluídas e demitiu toda a estrutura superior da agência responsável pelas privatizações, tendo em vista o encerramento da entidade, o que faz com que muito dificilmente se volte a verificar um cenário onde até algumas ilhas estavam à venda para pagar a dívida, como era noticiado em 2010 pelo jornal inglês The Guardian.