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Um sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter ao largo de Sines, no distrito de Setúbal, abalou na madrugada desta segunda-feira várias cidades em Portugal, com maior intensidade na região sul. A Proteção Civil garante não haver registo de danos pessoais nem materiais e o Governo apelou à serenidade. Mas o sismo e as seis réplicas detetadas até ao final da manhã servem de lembrete à população sobre o risco sísmico em território português, alertam os especialistas. O que é que está em causa?
Quando foi sentido o sismo?
O sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter foi registado nas estações da rede sísmica do continente às 5h11 da madrugada desta segunda-feira, 26 de agosto, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
Onde foi o epicentro?
O epicentro situou-se no mar, a 60 quilómetros a oeste de Sines, e o foco do abalo esteve a cerca de 25 quilómetros de profundidade, de acordo com dados do IPMA, que recorda que “a localização do epicentro de um sismo é um processo físico e matemático complexo que depende do conjunto de dados, dos algoritmos e dos modelos de propagação das ondas sísmicas”, e que, por isso mesmo, “agências diferentes podem produzir resultados ligeiramente diferentes”.
Houve réplicas?
Até ao momento foram registadas seis réplicas de pequena magnitude, às 5h47 (1.2), 6h40 (1.1), 7h14 (0.9), 7h27 (1.0), 11h44 (1.6) e 11h56 (1.5) como consta no site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Jorge Cruz, sismólogo do IPMA, refere ao Observador que das seis réplicas, que aconteceram de “forma espaçada” ao longo da manhã, nenhuma foi sentida pela população e alerta que “pode haver mais réplicas, o que significa que vai haver eventos, mas sempre de magnitude inferior”.
Há registo de danos ou vítimas?
Não há registo de vítimas nem danos materiais. Em declarações à Rádio Observador, o comandante na Autoridade Nacional de Emergência da Proteção Civil, José Miranda, garantiu que o organismo recebeu entre “50 a 100 chamadas” nos momentos após o sismo se ter feito sentir, mas sem nenhum registo de pedido de socorro, “só pedidos de reconhecimento de áreas em que não se verificaram danos”.
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Que zona é aquela?
“Há poucas falhas aí conhecidas”, afirma João Duarte, sismólogo e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e no Instituto Dom Luiz, à Rádio Observador, indicando que o epicentro do sismo esteve numa zona onde não há muitos sismos e que está dentro da placa Euro-Ásia. “Normalmente a nossa sismicidade é um pouco mais a sul, mas há casos de sismos em todo o Portugal Continental e há relatos de alguns sismos com uma magnitude considerável naquela zona, ao largo de Sines. Há poucas falhas aí conhecidas, mas é uma zona com sismicidade.”
Já Jorge Miguel Miranda, geofísico e ex-presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, diz que, “do ponto de vista da geologia”, trata-se “das zonas menos compreendidas de toda a tectónica desta região”. “O funcionamento desta região não é muito bem compreendido e temos sismos com alguma frequência de magnitude suficiente para serem bem sentidos. A rede de observação é bastante performante, mas do ponto de vista da tectónica da região ainda há muitas incógnitas à nossa frente”, diz, lembrando que é cedo para apurar o que aconteceu.
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Susana Custódio, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, alerta para uma falha que “não estava mapeada”. Em declarações à SIC Notícias, a especialista em sismologia afirmou que “[a falha] já lá estava, não é nova, mas não a temos incluída nos nossos mapas”, alertando que “no nosso território temos feito um trabalho grande para mapear as falhas ativas, mas ainda nos falta um caminho longo nesse sentido”. “Temos muitas falhas que ainda estão ativas, regiões onde há sismicidade e onde ainda não conseguimos mapear as falhas”, continua. “É um problema porque depois essas falhas não são tidas em conta da forma certa na avaliação da perigosidade com consequências para a construção”, conclui.
Onde foi mais sentido o sismo?
De acordo com o IPMA, o sismo “foi sentido com intensidade máxima IV/V (escala de Mercalli modificada) na região de Sines”. Relatos nas redes sociais dão conta de que o abalo foi sentido em vários pontos de norte a sul do país, mas com maior intensidade na região sul e em particular na região metropolitana de Lisboa, como confirmou o comandante na Autoridade Nacional de Emergência da Proteção Civil, que informou que apesar de ter “registos do Alentejo até Viseu”, a “maior incidência” de contactos foi da região de Setúbal e Lisboa.
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O sismo também foi sentido em Espanha, informou o Instituto Geográfico Nacional (IGN). O Centro de Coordenação de Emergências 112 Andaluzia registou mais de 15 chamadas de pessoas que alertaram para o abalo, especialmente de Huelva, mas não há registo de danos pessoais ou materiais, informou um porta-voz à EFE. As notificações foram recebidas especificamente dos municípios de Sevilha, Jaén e Huelva capital, Lepe, Villarrasa, Isla Cristina e Ayamonte. O abalo foi sentido também levemente no Norte de Marrocos, segundo a imprensa marroquina.
Porque foi sentido com grande intensidade em Sines e Lisboa?
“O efeito que um sismo tem sobre nós depende de duas características: da energia que é libertada no epicentro e do comportamento do solo na região em que nos encontramos”, explicou Jorge Miguel Miranda, geofísico e ex-presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, à Rádio Observador. “As zonas que tiveram intensidades mais altas foram em Sines e em Lisboa, ou seja, não tem a ver com a distância apenas, tem a ver também com a geologia do local”, nota, destacando que este “foi o maior sismo sentido em Lisboa desde 1969”.
O geofísico explica ainda que “é um sismo numa região muito sensível para nós, não só porque é perto da costa oeste do continente como também porque a sua localização está a sul de um outro sismo histórico do fim do século XIX, que é o sismo de 1858, que causou um pequeno tsunami na região de Setúbal”.
Há risco de tsunami?
Para o sismólogo João Duarte, este é um sismo de intensidade “bastante considerável”, mas sem “magnitude suficiente para provocar um tsunami”. A opinião é partilhada também pela Proteção Civil. “Só há aviso de tsunami a partir de 6,0 na escala de Richter“, explicou André Fernandes numa conferência de imprensa às primeiras horas da manhã. Como o sismo sentido em Portugal esta segunda-feira teve apenas 5,3 de magnitude, “não houve essa necessidade”.
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Se o sismo fosse em terra teria provocado danos?
“Quando tem epicentro em terra estes sismos são relativamente danosos. Com esta magnitude, se o sismo fosse em terra e próximo de alguma localidade poderia trazer alguns problemas e danos a edifícios. Neste caso, como foi um sismo no mar, com uma magnitude moderada, o seu efeito é mais localizado”, explica à Rádio Observador Aníbal Costa, da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica. O foco do abalo situou-se a cerca de 25 quilómetros de profundidade, em pleno mar.
Que tipo de sismo é este?
“É um sismo expectável para as nossas condicionantes tectónicas do sudoeste da Ibéria e, portanto, não o considero muito preocupante”, diz ao Observador o geólogo Martim Chichorro, especializado em Tectónica e professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. “Já se conhece inclusivamente a geometria provável da falha e o tipo de deslocamento associado. À primeira vista, trata-se de uma falha de orientação nordeste-sudoeste e o movimento foi compressivo, de desligamento esquerdo. Portanto, aparentemente, não é nada de extraordinário. Temos muitas falhas no continente a gerar sismos com o mesmo tipo de geometria e temos muitas falhas até com esta direção”, explica.
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Se são frequentes os sismos, o que levou a que este se fizesse sentir?
“A área de rutura foi um pouco maior. O sismo foi a 15, 20 km de profundidade, e um sismo com esta magnitude é natural que seja sentido nas zonas envolventes”, responde Martim Chichorro, que alerta para a oportunidade de estudar sismos passados. “Provavelmente [esta] até pode ser uma falha que de certa forma pode estar ligada ao sismo de 1755. Há quem fale que tenha existido transferência de movimento”, comenta, notando que os sismólogos têm agora “mais material para estudar esta possibilidade”.
“Que estruturas é que foram responsáveis pelo sismo de 1755? É possível que a estrutura que gerou este sismo possa estar relacionada com as mesmas estruturas que geraram o mega sismo de 1755, porque é para aí que devemos estar focados. Este sismo pode ajudar-nos a compreender melhor a estrutura frágil da crosta do sudoeste da Ibéria, porque é uma zona de potencial risco”, lança.
Porque não foram ativados os planos especiais da Proteção Civil?
De acordo com o comandante da Proteção Civil, André Fernandes, um sismo de magnitude 5,3 é uma “situação perfeitamente normal” e não justifica “ativação dos planos especiais”, incluindo de comunicação. “Só são ativados os planos a partir de 6,1 na escala de Richter”, destaca o responsável, sublinhando que esta é uma “situação perfeitamente normal” dentro da “capacidade de resposta operacional” habitual dos “diferentes agentes de proteção civil”.
O Observador tentou esclarecer junto da Proteção Civil — que tem um plano especial para dar resposta a um sismo de grande dimensão na capital — porque motivo não foram enviadas mensagens de texto, mas não obteve resposta até à hora de publicação deste artigo. Alguns utilizadores de telefones Android receberam um alerta quando estava a acontecer o sismo desta madrugada, já que o sistema operativo da Google tem a funcionalidade de alertas de terramoto incorporada desde 2020, enviando alertas quando são detetados sismos de magnitude acima de 4,5.
Alguns telemóveis Android receberam alertas sobre o sismo. Como funciona?
“Não é uma escala que faça sequer ativar nenhum plano”, concordou Paulo Rangel, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de primeiro-ministro em funções. “A nossa avaliação é muito positiva à prontidão da resposta”, disse ainda, apelando à serenidade da população.
O site do IPMA esteve em baixo entre as 05h11 e, pelo menos, até às 05h40.
Pode outro sismo estar para breve?
Não é esperado que o sismo provoque uma réplica que se faça sentir — o sismólogo João Duarte diz que “normalmente estes sismos são eventos únicos” e sublinha que são “situações raríssimas” aquelas “em que um sismo de magnitude relativamente média dá origem a um sismo maior”. No entanto, há quem deixe um alerta para a possibilidade de um novo sismo num futuro próximo.
Aníbal Costa, especialista em engenharia sísmica, prevê que possa acontecer, em breve, outro acontecimento com maior magnitude. “O risco sísmico em Portugal é elevado e é bastante perigoso porque a distância temporal entre os sismos importantes em Portugal são cerca de 200 anos”, alerta. “Tivemos uma grande crise sísmica no séc. XIV, outra no séc XVI, outra no séc. XVIII, portanto estaria numa altura de poder ter outro evento sísmico muito importante. Como o espaço de tempo é muito grande, a memória das pessoas é curta e as pessoas esquecem. As próprias políticas esquecem-se da importância de ter uma construção segura”, aponta, lembrando a importância da construção: “O que mata as pessoas não são os sismos, são os edifícios. Temos um parque edificado vulnerável aos sismos.”