No âmbito das legislativas de 2022, o Observador faz um apanhado das promessas dos partidos com assento parlamentar em três componentes económicas. É uma série de três trabalhos, que teve início com a área laboral e que continuou com a análise à fiscalidade. Termina com as propostas na área da segurança social.

Programas eleitorais dos partidos mostram intenção de diversificar as fontes de financiamento, mas nem todos explicam como. À direita, multiplicam-se as propostas de “reforma” do sistema, com mecanismos de capitalização que tenham componentes obrigatórias e voluntárias. Mas os documentos também versam sobre a idade da reforma, sobretudo para a flexibilizar e permitir que quem queira possa acumular salário com pensão, para prolongar a vida ativa.

Outro dos vetores é o aumento das pensões, mais presente à esquerda, mas que também marca presença nos programas de alguma direita — com uma proposta de ajustes às formas de cálculo. Já o rendimento social de inserção é a pomo da discórdia: se à esquerda há intenção de o reforçar, à direita a ideia é limitá-lo.

PS promete diversificar fontes de financiamento da Segurança Social

O PS mostra intenção de reforçar a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, “alargando a lógica já existente de consignação de receitas fiscais para o fortalecimento do sistema” — como acontece com 2% das receitas do IRC, o adicional ao IMI e o adicional à contribuição do setor bancário. E “estimulando a adesão a certificados de reforma e a outras poupanças de natureza idêntica, fomentando a existência de esquemas complementares de segurança social, em sede de negociação coletiva”.

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Também pretende aprofundar o combate à fuga e evasão contributiva, e, tal como em 2019, defende o alargamento da base de incidência sobre a qual incidem as contribuições obrigatórias (TSU) para a Segurança Social “para desencorajar práticas de subdeclaração e melhorando o desempenho dos sistemas de informação e dos mecanismos de partilha de dados”.

O partido repesca ainda uma intenção já antiga, mas ainda não concretizada: um mecanismo de reforma a tempo parcial, para incentivar os mais velhos a permanecerem no mercado de trabalho, com menos horas de trabalho, “colocando a sua disponibilidade de tempo ao serviço da comunidade”.

PS insiste com reforma a tempo parcial e quer benefícios fiscais para quem tem mais filhos

Em termos de apoios sociais, quer repor o valor de referência do complemento solidário para idosos acima do limiar de pobreza, avançar com o aumento extraordinário das pensões que estava previsto no Orçamento do Estado para 2022, “criar o código das prestações sociais e unificar as prestações sociais, segundo o modelo simplificado da prestação social para a inclusão” e criar uma prestação social única para as prestações de cariz não contributivo.

Para as famílias com filhos propõe, tal como estava previsto no OE 2022, um complemento ao abono de família, de forma a garantir que todas as crianças e jovens até aos 18 anos, em risco de pobreza extrema, recebam um apoio anual de 1.200 euros (em 2022, o valor será de 70 euros por mês, subindo para os 100 euros em 2023). Também quer que os titulares do abono de família acima do segundo escalão que não obtenham um valor total anual de 600 euros por criança ou jovem entre o abono de família a dedução à coleta de IRS recebam a diferença para esse valor.

Os socialistas pretendem ainda pôr em prática a declaração mensal de remunerações única, reduzindo para apenas um os atos mensais de comunicação, declaração ou pagamento de remunerações realizados pelas empresas para a Segurança Social e a Autoridade Tributária. Entre as propostas está ainda a melhoria do acesso de portugueses residentes no estrangeiro aos serviços públicos, como o Fisco e a Segurança Social. E volta a intenção de reforçar o programa de incentivo ao regresso de emigrantes, o Regressar.

PSD promete “reforma global que modernize o sistema”

O PSD compromete-se, se for governo, a apresentar aos parceiros sociais, aos partidos e à “sociedade em geral” uma “reforma global que modernize o sistema de proteção social e o prepare para enfrentar dos desafios do presente século”. Como será feita essa reforma? À semelhança do que já previa no programa eleitoral de 2019, Rui Rio tem defendido nos debates um “sistema misto” de Segurança Social — um sistema “com base pública” — porque “se privatizássemos por completo ou quase, colocávamos as futuras pensões na bolsa, imagine o perigo que era” — que “pode ser complementado com uma base de capitalização”. No programa, não expressa essa intenção.

Mas diz que quer reforçar o “atual modelo de financiamento do contrato social, assente na solidariedade intergeracional e na solidariedade de base profissional”, e introduzir o “princípio da justiça intra e intergeracional na relação entre o esforço contributivo dos trabalhadores e empregadores e o valor das prestações sociais, com uma clara separação entre a função redistributiva e as funções de poupança e de seguro social e adequação nos sistemas de proteção social”.

No caso da pensão de velhice, propõe a “flexibilização da idade de acesso”, assim como a introdução de mecanismos de reforma a tempo parcial — um conceito também defendido pelo PS — para prolongar a vida ativa que permita acumular salário com a pensão.

Ainda na idade da reforma, quer encontrar “soluções mais flexíveis”, em sede de concertação social, de forma a transformar a idade limite “num período transitório que pudesse antecipar para uns e prolongar para outros”. “Se para os que desejam antecipar a passagem à fase de aposentação tal é possível, desde que sujeito a penalizações, o prolongamento da atividade para além da idade de referência deveria ser melhor premiada sempre que há recurso ao trabalho a tempo parcial como complemento do montante da reforma”, consideram. Atualmente, esse recurso a tempo parcial pode ser concretizado através da prestação de serviços, mas o PSD considera que devia pressupor uma relação “mais estável” e “menos penalizado em termos fiscais”.

Para as famílias, sugere, no caso do abono de família pré-natal, o alargamento da base de beneficiários, a majoração em 50% para o segundo filho e de 100% para o terceiro e seguintes, além de uma majoração para famílias residentes no interior do país.

Coloca ainda em cima da mesa o aumento da licença parental de 20 para 26 semanas a partir do segundo filho, com obrigatoriedade de a segunda metade do período de licença parental (13 semanas) ser partilhada em pelo menos 50% com o outro progenitor “de modo a evitar a penalização da mãe do ponto de vista profissional”. A duração das licenças “poderá ser estendida até um ano, sem pagamento adicional, por forma a que os pais / mães que assim o desejem possam acompanhar o primeiro ano de vida dos seus filhos”.

Em sede de concertação social, o partido promete “promover um compromisso com as associações patronais com vista ao estabelecimento de um enquadramento legal que preveja o regresso ao posto de trabalho, após o gozo da licença parental, de ambos os progenitores a tempo parcial até ao final do primeiro ano de vida da criança, por forma a que a família possa acompanhar de perto esta fase crucial do seu desenvolvimento”. E fala ainda na criação de uma “rede nacional de creches e jardins de infância tendencialmente gratuitos”.

Bloco quer mudar regra da atualização das pensões para que não percam poder de compra

Vai pautar-se pelo fim do fator de sustentabilidade aplicado nalgumas pensões antecipadas. No programa inscreveu também a criação de uma prestação social “que abranja e unifique as múltiplas prestações não contributivas e apoios extraordinários” que retire do limiar da pobreza “todas as vítimas da precariedade ou da informalidade laboral”, que por não terem os descontos suficientes ou por terem esgotado o subsídio de desemprego estão em “grave insegurança”.

As propostas passam também pela alteração das regras de atualização das pensões, “garantindo que nenhuma pensão perde poder de compra de ano para ano”, e o aumento do valor mínimo das pensões. Insiste na retirada do corte aplicado a quem se reformou entre 2014 e 2018, recalcular as pensões de quem tem mais de 40 anos de descontos, bem como das pensões dos regimes de resgates rápido para eliminar do seu valor o corte do fator de sustentabilidade.

O Bloco quer diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social, com uma contribuição de 0,75% sobre o valor acrescentado líquido das grandes empresas, alargamento do acesso ao complemento solidário para idosos, elevando o seu valor de referência e eliminando definitivamente a norma que contabiliza os rendimentos dos filhos para acesso, e o reforço do estatuto do cuidador informal.

A nível de proteção social, também defende o reforço, já em 2022, do rendimento social de inserção, reforço das prestação de desemprego, retomando o salário mínimo como referência do valor mínimo do subsídio de desemprego, aumentar os períodos de concessão, tornar o IAS (438,83 euros) o valor mínimo de referência do subsídio social de desemprego.

No caso da licença parental, quer um alargamento dos direitos, com o aumento da licença partilhada, a redução de horário nos primeiros três anos de vida da criança, aumentar a percentagem do pagamento do subsídio de doença, obrigar à celebração de contratos entre trabalhadores e plataformas digitais, limitação da utilização abusiva de estágios apoiados pelo IEFP.

PCP pela reposição da idade de reforma aos 65 anos

Para “garantir que mais anos de vida são acompanhados de melhores condições de vida”, repesca medidas que lhe são caras, como a atualização anual de todas as pensões, “assegurando a reposição e valorização do poder de compra”, com um valor mínimo em 2022 de 10 euros (que estava previsto no OE 2022, mas com o qual o Governo não avançou após o chumbo do documento).

Insiste na gratuitidade das creches para todas as crianças e a criação de uma rede pública de creches, alargando em 100 mil o número de vagas, assim como no aumento e universalização do abono de família e do abono pré-natal, reforço dos direitos de maternidade e paternidade, com a revogação da condição de recursos e “outros critérios restritivos na atribuição das prestações sociais”.

A reposição da idade de reforma aos 65 anos é outro dos pontos-chave do programa eleitoral do PCP. Outra das propostas convergentes com o Bloco é o fim do fator de sustentabilidade, assim como o alargamento dos critérios de atribuição, valor e duração do subsídio de desemprego.

CDS-PP propõe complemento de pensão no inverno

Os democratas cristãos apresentaram um programa sucinto, de 17 páginas. No âmbito da Segurança Social, apontam a criação de um complemento de pensão no inverno, que funcionaria como um apoio suplementar a idosos carenciados com o objetivo de aliviar a despesa com o aquecimento das casas. Com o mesmo grupo alvo em mente, sugere um “vale cuidador”, ou seja, uma comparticipação atribuída às famílias que optam por cuidar dos idosos em casa, no valor equivalente àquele que o Estado suportaria com lares, centros de dia e instituições de cuidados a idosos.

Para os mais novos, acena com o reforço da rede de creches e jardins de infância para crianças com mais de seis meses e a garantia de cobertura nacional.

E embora não explique como vai fazê-lo, compromete-se a “verificar se as finalidades dos apoios sociais estão a ser cumpridas, para evitar situações de abuso ou dependência injustificada” e a “assegurar a rigorosa moralização destes processos, para que não sejam vistos pela sociedade como subsídios à preguiça”.

PAN diz que vai criar a figura de “superação do rendimento social de inserção”

O PAN também tem medidas para o RSI, mas com contornos diferentes: diz que vai criar a  figura de “Superação do Rendimento Social de Inserção”, que irá permitir “a sobreposição da atribuição da prestação em dinheiro”, atualmente prevista, com outros rendimentos mensais até ao valor do salário mínimo. O objetivo é que “os seus beneficiários, que se encontram em situação de pobreza extrema, entrem no mercado de trabalho, sem temerem perder, até maior estabilização, esta prestação social”. Ainda na senda das prestações sociais, planeia o aumento dos valores atribuídos, “através da revalorização” do IAS, que lhes serve de referência.

Na esfera das pensões, tenciona criar um novo escalão, entre 2 e 2,5 Indexantes de Apoios Sociais (IAS) em que “seja garantido que, em conjunturas de menor crescimento económico, o valor real da pensão não diminui”.

Para os pais, propõe alargar a duração da licença parental inicial partilhada para seis meses sem perda de remuneração e prolongar a licença para assistência a filho e à redução do tempo de trabalho, “permitindo que estes possam desenvolver a sua atividade profissional sem colocar em causa o acompanhamento” dos filhos.

O partido de Inês Sousa Real também tem ideias para a sustentabilidade da Segurança Social, com a criação de uma comissão que estude o tema “num quadro de substituição de trabalho por capital, nomeadamente pela contribuição sobre as depreciações, com natural redução da Taxa Social Única, não penalizando assim os/as empregadores/as de mão de obra intensiva”. E outro estudo que tenha em vista a integração da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados e Solicitadores na Segurança Social.

Chega diz que vai “encorajar” planos de poupança-reforma

O Chega também dedica um capítulo às pensões, que diz serem “das mais baixas da União Europeia”. “Após décadas de governos negacionistas dos impactos previsíveis do aumento da esperança média de vida e da quebra da natalidade, o atual sistema de segurança social agrava a cada dia os riscos de empobrecimento dos mais vulneráveis: crianças, pensionistas e reformados”, critica.

O partido de André Ventura compromete-se a reformar o sistema de Segurança Social “cuja carga moral e cívica impõe a renovação do compromisso entre a autorresponsabilidade de cada cidadão e a solidariedade entre gerações”. Como? A estratégia é pouco explícita.

Diz que vai promover “o papel da iniciativa privada, encorajando a poupança pessoal, planos de poupança-reforma, caixas de pensões ou associações de assistência mútua para proteger melhor os trabalhadores e os empresários na reforma e na invalidez”, mas não explica como. E garante que “rejeita liminarmente cortes nas pensões e reformas asseguradas pelo Estado”.

Também defende a “transição progressiva para um sistema contributivo que, para ser sustentável, deve assentar, sobretudo, na capitalização e administração individual das poupanças”. O partido insiste, aliás, na “liberdade de escolha dos cidadãos entre os sistemas público, mutualista ou privado”. “Tal implica um dinamismo económico apenas possível pela redução significativa do peso do Estado na economia, hoje cerca de 50%, sendo a boa gestão da segurança social decisiva nessa ambição nacional”, indica.

IL sugere sistema de capitalização com uma componente obrigatória e outra voluntária

A Iniciativa Liberal também se propõe a reformar o sistema de pensões em Portugal. Uma das medidas é a criação de um novo pilar no sistema nacional de pensões de reforma, “alicerçado num mecanismo de capitalização de poupanças”. Neste mecanismo, haveria uma componente obrigatória das contribuições e outra voluntária.

“Estas contribuições permitirão aos trabalhadores auferir no futuro pensões de reforma superiores ao limite máximo introduzido no pilar de transferência de rendimentos”, explica o partido, acrescentando que “serão fiscalmente eficientes, feitas por dedução à remuneração bruta sem aplicação de quaisquer impostos sobre rendimento, taxas sociais ou similares”. A transição para este sistema seria feita de forma “gradual e faseada”.

“Ajustar a forma de cálculo das pensões, para tornar o sistema de incentivos mais justo”,  é outra das intenções, a par da criação de incentivos para as empresas que empreguem pessoas em idade reforma de uma forma flexível. A ideia é “dar liberdade aos empregadores e trabalhadores para, de forma unilateral, poderem reduzir o horário ou cessarem o contrato de trabalho de uma forma mais flexível do que está previsto atualmente no Código de Trabalho para o regime geral”.

Ainda no capítulo das pensões, prevê aumentar os “limites da taxa global de bonificação, tanto no que diz respeito aos anos trabalhados como na taxa calculada para tornar mais proveitoso o trabalho depois da idade de reforma”. Atualmente, o valor a auferir é calculado multiplicando o número de meses trabalhados depois da idade de reforma por uma taxa de bonificação, mas o total de bonificação está limitado a 92%, “o que rapidamente limita os incentivos ao trabalho principalmente para quem tem uma carreira contributiva longa”.

Além disso, os liberais defendem que seria de “elevada justiça e benefício social a fixação de valores máximos e mínimos das pensões de reforma na componente financiada pela transferência de recursos de trabalhadores ativos para reformados (limites, porém não aplicáveis no caso da componente de capitalização)”.

A Iniciativa Liberal considera ainda essencial a divulgação de informação anual com a situação agregada das suas contribuições para a Segurança Social a cada contribuinte individual. E quer classificar os equipamentos e as respostas sociais segundo critérios semelhantes ao sistema de estrelas na hotelaria, “sendo que estes critérios deverão ter em conta por exemplo desde o conforto e segurança das respostas como a especialização da mesma na resposta às comorbilidades associadas ao envelhecimento”.

Livre defende aumento do Indexante de Apoios Sociais

O Livre garante que vai pautar-se pela sustentabilidade de uma Segurança Social “pública inclusiva”. Como? Através do reforço e da diversificação do financiamento do sistema de Segurança Social, com o combate à evasão contributiva (não refere como), a “consideração da real remuneração (e não apenas do salário base) no cálculo da contribuição”; o aumento da percentagem atribuída à Segurança Social das coimas por violação de direitos e garantias laborais; e a canalização da receita de impostos sobre consumo, capital e transações financeiras. Esse objetivo de diversificar as fontes de receita, propõe o Livre, pode ainda ser feito taxando o lucro das empresas; reforçando a proteção social em caso de doença, incapacidade ou velhice para advogados e solicitadores, integrando o sistema contributivo específico destas profissões no regime geral e “mais garantístico” da Segurança Social.

Para “aumentar o tempo disponível para todos”, inscreve, entre medidas laborais, o não aumento da idade mínima de reforma, “com planeamento para a sua redução (diminuindo o tempo de resposta ao pedido de reforma); e permitindo a redução do horário de trabalho em função da idade do trabalhador sem perda de rendimento em vez da reforma total”.

O partido liderado por Rui Tavares é também a favor do “restabelecimento do acesso ao Rendimento Social de Inserção e do aumento do seu valor”. Quer reforçar os apoios sociais, através do aumento do Indexante de Apoios Sociais (IAS) “com aumentos anuais sucessivos e graduais, que permitam garantir estabilidade na atribuição de diversos apoios sociais”.

Em cima da mesa está o “reforço do quadro assistencialista previsto para as faltas laborais para prestar assistência urgente e necessária aos pais, em caso de doença ou acidentes, em termos análogos ao existente na prestação social atribuída aos filhos”.

E apoiar a parentalidade, através do aumento progressivo da licença parental para 16 meses, com maiores incentivos para que seja repartida entre ambos os pais, com períodos mais longos de tempo conjunto (numa primeira fase passar já para 120 dias) e com um período mínimo obrigatório de gozo de licença por cada um dos pais, assim como criar um regime de proteção para grávidas ou pais em processo de adoção com contrato a termo certo; e a redução do horário de trabalho para trabalhadores com filhos pequenos até três anos , independentemente de serem amamentados ou não e com incentivo para ser repartido entre os dois.