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Raptadas de forma violenta, persuadidas ou isoladas de qualquer contacto — desde o início da guerra, os militares russos sequestraram milhares de crianças ucranianas das mais diversas formas. A maioria é levada para campos na Crimeia, território ucraniano que desde 2014 está sob controlo de Moscovo. A premissa inicial é geralmente a de que as crianças passarão algumas semanas no campo, como se de um “acampamento de férias” se tratasse. Aí, são depois doutrinadas durante semanas ou meses, até serem enviadas para orfanatos ou famílias de acolhimento na Rússia. Outra estratégia implementada pelos funcionários russos é a de convencer os pais a irem ter com os seus filhos, e a permanecer depois na Crimeia ou viajar para a Rússia.
Segundo a Human Rights Watch, no dia 5 de abril a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) iniciou uma investigação à transferência forçada e deportação de crianças ucranianas nos territórios controlados por Moscovo para território da Federação Russa. As autoridades da Rússia falam em centenas de crianças da Ucrânia que foram já realojadas em famílias russas e a quem foi atribuída uma nova nacionalidade. No dia 17 de março, o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de captura para o Presidente russo Vladimir Putin e para a comissária russa dos direitos das crianças, Maria Lvova-Belova. Os mandados foram emitidos pela transferência e deportação ilegal de crianças.
Muitos médicos e diretores de instituições terão escondido crianças das tropas russas para evitar que estas fossem deportadas. A organização do governo ucraniano, Chidren of War, aponta para quase 20 mil crianças desaparecidas e mais de 400 desaparecidas. Ao todo, 361 crianças terão voltado para território ucraniano.
Estas são as histórias de pais e mães que ultrapassaram diversos obstáculos para reaver os seus filhos ou o contacto com os mesmos. São ao mesmo tempo histórias de desespero e de esperança, de crianças que passaram meses sem saber se veriam os seus pais novamente, e de pais que, em plena guerra, viveram um verdadeiro pesadelo ao temer pela vida dos filhos.
Yevhen Mezhevyi: a busca pelos três filhos depois de 45 dias na prisão
Antigo residente em Mariupol, a cidade que esteve cercada pelas tropas russas no ano passado, Yevhen Mezhevyi, um ucraniano de 40 anos, resgatou os seus três filhos de um campo em Moscovo, depois de ter sido preso durante 45 dias. Durante o cerco, Yevhen Mezhevyi e os três filhos — o filho Matvii, de 13 anos, e as filhas Sviatoslava, de nove anos, e Oleksandra, com sete anos — refugiaram-se em diversas caves sem água ou eletricidade, acabando por arranjar abrigo num dos hospitais de Mariupol. Segundo o The Guardian, Yevhen tinha servido no exército da Ucrânia alguns anos antes e era operador de gruas nos subúrbios de Mariupol aquando da invasão.
Yevhen Mezhevyi acabou por ajudar os enfermeiros e os médicos voluntários a transportar os cadáveres de quem morria no hospital. No dia 17 de março, o ucraniano acordou com a voz do filho a dizer-lhe que os militares russos estavam nas escadas do edifício. Os quatro foram depois levados para Vynohradne, uma vila a sudeste de Mariupol, onde foram recebidos por pessoas que tinham vestidas t-shirts brancas e crachás que diziam “Eu amo a Rússia”. Ao fim de vários dias, a família foi levada para um posto de controlo e, enquanto foram vasculhados, um funcionário russo descobriu algo nos documentos de Yevhen Mezhevyi.
Tendo pertencido ao exército ucraniano, Yevhen Mezhevyi sabia que caso as tropas russas ocupassem as cidades, iriam procurar e aprisionar antigos soldados. O pai ucraniano tinha-se visto livre dos uniformes de militar, num tentativa de esconder o seu passado. O esforço, contudo, não foi suficiente. Um dos soldados russos disse a Yevhen Mezhevyi: “Agora, apanhámos-te!” Os três filhos foram então deixados com uma mulher que se encontrava no mesmo abrigo que a família. Yevhen Mezhevyi não sabia quanto tempo ia ser detido e interrogado. “Podem ser duas horas, podem ser sete anos“, disse-lhe um militar russo.
Yevhen Mezhevyi foi levado para uma cadeia em Olenvinka, destinada a prisioneiros de guerra. Ao fim de 45 dias, o ucraniano foi liberto. No dia 26 de maio, dirigiu-se à cidade de Donetsk para reaver os seus documentos e descobrir onde estariam os seus filhos. Um funcionário explicou então que os seus três filhos tinham sido enviados para um campo em Moscovo. Sem dinheiro e sem os filhos, o primeiro passo de Yevhen Mezhevyi era procurar trabalho e depois tentar contactar o campo onde os filhos estavam. No início de junho, Yevhen recebeu uma chamada de Matvii: “Pai”, começou por dizer. “Disseram-me que o campo vai fechar daqui a cinco dias, e que iremos para uma família de acolhimento ou para um orfanato.”
Com a ajuda de um grupo de voluntários, Yevhen Mezhevyi partiu em direção a Moscovo. Após vários interrogatórios em postos de controlo, o pai ucraniano chegou à capital russa a bordo de um comboio. A 20 de junho, chegou ao campo para onde os seus filhos tinham sido enviados, nos arredores de Moscovo. Após ser interrogado por cinco pessoas diferentes, Yevhen Mezhevyi conseguiu finalmente reunir-se com os filhos. A família acabou por se mudar para a Letónia com a ajuda de voluntários, onde reside atualmente. “Mesmo hoje, eu não consigo acreditar naquilo por que eu e os meus filhos passámos”, afirmou Yevhen Mezhevyi. “Mas, felizmente, consegui-os de volta. Felizmente, estamos juntos agora, e é tudo o que importa.”
Lyudmila Motychak: a ilusão de uma viagem de estudos na Crimeia
Se, em alguns casos, as crianças foram retiradas aos pais de um modo abrupto, noutros casos a separação por tempo indefinido aconteceu através de esquemas ardilosos por parte das autoridades russas — prova disso é a história de Lyudmila Motychak e da sua filha de 15 anos, Anastasia.
À Sky News, em Kiev, Lyudmila explicou como foi persuadida a deixar a sua filha participar numa viagem da escola organizada pelas autoridades russas em Kherson. O destino final da suposta viagem de estudos era a Crimeia, mas se a mãe não tivesse conseguido resgatar Anastasia, o destino final da adolescente poderia ter sido a Rússia. “Disseram-nos que iria para um campo, e que as crianças estariam lá durante duas semanas, e disseram-nos para não nos preocuparmos, que eles [as autoridades russas] trariam os nossos filhos de volta, e que muitas crianças iriam”, explicou Lyudmila Motychak.
No início, a mãe manifestou o seu receio pela partida da adolescente, principalmente porque a viagem se realizaria em plena guerra entre a Rússia e a Ucrânia. As autoridades russas em Kherson, no entanto, garantiram a Lyudmila que tudo correria bem. “Disseram para não me preocupar, que tudo correria bem”, afirmou a mãe. “Disseram que não havia guerra lá, que tudo era bom naquele lugar, que os alimentariam cinco vezes por dia, que seria bom para a sua saúde e que havia tudo lá, até uma piscina.”
Foi prometida uma viagem de duas semanas, mas duas semanas depois, a adolescente não regressou a Kherson. Lyudmila telefonou para vários professores da filha, assim como para o diretor do colégio que Anastasia frequentava. A resposta foi sempre a mesma: a filha seria entregue à mãe a dada altura, mas a viagem da escola fora transformada numa evacuação por causa da guerra. Aquando da sua partida de Kherson, Anastasia entrou num dos cerca de 100 autocarros que se preparavam para realizar a viagem em direção à Crimeia — com capacidade para mais de 30 lugares cada um, terão sido transportadas mais de três mil crianças.
A Anastasia, a viagem foi apresentada como sendo um “acampamento de verão” — embora estivessem em outubro –, mas a realidade estava longe disso. As crianças, segundo a descrição de Anastasia à Sky News, eram obrigadas a seguir regras restritas, incluindo cantar o hino nacional russo. Qualquer queixa por parte das crianças era vista como um ato de ingratidão. “Alimentamos-vos, damos-vos água e damos-vos calor e conforto, e vocês são tão ingratos”, era a resposta dos funcionários russos às crianças, que podiam incluir expressões como “voltem para junto dos vossos fascistas“.
Ao fim de duas semanas, a adolescente perguntou se podia regressar a casa, e os funcionários prometaram-lhe que voltaria num dado dia. “Mas não voltámos quando essa data chegou”, disse Anastasia. “Depois, deram-nos outra data, mas nunca regressámos.” Por fim, os funcionários russos disseram às crianças que teriam de ficar por um tempo indefinido, e que apenas os seus pais as poderiam ir buscar.
Com a ajuda da organização “Salvem a Ucrânia”, Lyudmila realizou a viagem para resgatar a filha. Por causa da guerra, no entanto, a mãe ucraniana teve de atravessar a Polónia, a Bielorrússia e a Rússia para chegar à Crimeia e resgatar Anastasia. A própria mãe explicou que o plano das autoridades russas, desde o início, seria raptar as crianças para a Crimeia, convencer depois os pais a ir buscar as crianças e, no fim, persuadir os progenitores a permanecer lá.
Eles estavam a prometer-nos dinheiro, casas e apartamentos… ajuda financeira”, disse Lyudmila Motychak. “Claro que queriam que as pessoas adotassem o seu modo de pensar. Queriam que as pessoas se juntassem a eles e vivessem segundo as suas regras.”
Olga Mazur: a travessia pelo filho autista levado para um hospital psiquiátrico na Crimeia
Cuidar de um filho com autismo acarreta um esforço acrescido para os pais, que muitas vezes têm de aprender a lidar com uma criança com uma maneira de comunicar e entender o mundo à sua volta diferente das outras. Cuidar de um filho com autismo no meio de uma guerra, contudo, acarreta outras dificuldades, especialmente se esse filho viver a uma ponte de distância dos pais — ponte essa entretanto destruída — e, sobretudo, se o filho autista for raptado pelo exército invasor. É o caso de Olga Mazur e do seu filho de 16 anos com autismo, Sasha Mazur.
Antes da invasão da Ucrânia, Olga, o marido e o irmão mais novo de Sasha, Vova, viviam na cidade de Kherson. O filho mais velho, contudo, vivia num lar para crianças com deficiência em Oleshky, na outra margem do rio Dnipro. Ao jornal russo independente Verstka Media, traduzido pelo site independente Meduza, Olga Mazur explicou que o filho é incapaz de falar ou de permanecer quieto por muito tempo, tendo sido colocado no lar aos nove anos, depois de ter perdido a sua vaga numa escola para crianças com deficiência em Kherson. Todos os meses, Sasha passava alguns dias em casa dos pais, que precisavam apenas de cruzar a ponte Antonivskyi para ver o filho.
Na primavera de 2022, quando a invasão da Ucrânia começou, Olga e o marido planeavam comprar uma casa em Oleshky para que Sasha voltasse a viver com os pais a tempo inteiro. Esses planos, no entanto, foram travados quando a guerra chegou à margem esquerda do rio Dnipro, onde ficava o lar que servia de casa a Sasha. No início do conflito, o lar começou a sentir dificuldades para adquirir comida e medicação, colmatadas pelo auxílio de voluntários como a mãe do adolescente.
No final de julho de 2022, contudo, o exército ucraniano explodiu a ponte Antonivskyi, tornando impossível para Olga ver o filho mais velho. “Ao mesmo tempo, os russos substituíram o diretor do lar, e nós não conseguimos contactar o novo diretor”, explicou Olga Mazur ao Verstka Media. “Também perdemos contacto com os cuidadores, eles deixaram de comunicar.” Foi apenas em novembro, através do Telegram, que Olga soube que o seu filho tinha sido retirado de Kherson. A publicação a que Olga teve acesso continha o nome de Sasha e mais 11 crianças, e explicava ainda que o filho mais velho tinha sido levado para um hospital psiquiátrico em Simferopol, na Crimeia.
Mapa da guerra. O que se passa no 154.º dia de guerra na Ucrânia?
Dois dias depois, Kherson ficou sem eletricidade. “É difícil para mim lembrar-me desses dias, tudo parecia um sonho”, disse a mãe de Sasha. “Se sobrevivesses nesse dia, isso era boa notícia. Se ainda estivesses acordado de manhã, era ainda melhor.” A família esteve em Kherson durante toda a ocupação das tropas russas, tendo fugido para a cidade de Ternopil duas semanas depois de o exército ucraniano reconquistar Kherson. Olga Mazur tinha familiares a residir em Simferopol, mas de nada serviu o pedido de ajuda de uma mãe desesperada por reaver o filho. Os familiares na Crimeia recusaram-se a obter informação sobre Sasha por “desentendimentos políticos”.
Embora eles tenham dito que estava tudo bem em Kherson, que ninguém estava aos tiros e que nós tínhamos sido supostamente libertos pelos russos”, afirmou Olga.
Até ao início de janeiro, a mãe não conseguiu encontrar qualquer informação sobre o filho. Foi a organização “Salvem a Ucrânia” a responsável por voltar a reunir Olga e Sasha. À mãe ucraniana, a associação explicou que o filho se encontrava num lar para crianças com deficiência em Bilohirsk, a cerca de 40 quilómetros de Simferopol. Caso a mãe se propusesse ir até à Crimeia, a organização consegueria ajudar Olga a levar o filho de volta para a Ucrânia. A decisão não foi tomada de ânimo leve, uma vez que Olga tinha um filho consigo em Ternopil, mas a organização reassegurou o regresso dos dois.
A viagem até à Crimeia podia muito bem ter sido descrita por Júlio Verne em lugar do livro “A Volta ao Mundo em 80 Dias”. Olga reuniu-se com outras mães em situações semelhantes em Kiev. Aí, embarcaram num comboio em direção à Polónia. Um mini-autocarro levou-as até Brest, no oeste da Bielorrússia. Viajaram depois de Minsk até Moscovo a bordo de um avião. Já na capital russa, o grupo de mães foi sujeito a diversos interrogatórios por elementos do FSB — a agência de segurança russa. Ao fim de seis horas no aeroporto, o grupo partiu em direção a Anapa, onde passaram a noite. A “Salvem a Ucrânia” serviu de intermediário e colocou Olga em contacto com um voluntário que iria ajudar a mãe a encontrar o filho com autismo. Na manhã seguinte, partiram para a Crimeia.
Ao longo do caminho, várias mães encontraram os filhos em diferentes campos, e Olga foi a única a dirigir-se para Bilohirsk, onde conseguiu finalmente reunir-se com Sasha. Olga soube então que quando o filho chegou ao lar na Crimeia recusou-se a comer o que quer que fosse durante duas semanas, motivo pelo qual foi levado ao hospital. À chegada a Bilohirsk, Sasha estava subnutrido e apresentava várias escoriações. “Isso assustou-me, porque eu sei que o Sasha é muito ativo, ele raramente fica sentado ou deitado num lugar”, explicou a mãe. “Posso apenas imaginar o que terá acontecido em Oleshky nos últimos quatro meses.”
Mãe e filho regressaram à Ucrânia atravessando novamente a Rússia e a Bielorrússia. Já em Kiev, o marido de Olga foi buscar os dois de carro e regressaram a Ternopil. Perto da nova habitação da família existe um lar que poderia aceitar Sasha, mas, segundo explicou Olga ao Verstka Media, enviar o filho mais velho para lá “é uma discussão que nem sequer está em cima da mesa”. Cuidar do filho com autismo em casa não é tarefa fácil para a família. As rotinas de todos foram afetadas pela condição do filho mais velho, mas, enquanto o país permanecer em guerra, enviar Sasha para outro local afastado de Olga, do marido e de Vova não é opção.
Enquanto mãe, penso muitas vezes que, se o Sasha não tivesse sido deportado, poderia não ter sobrevivido”, afirmou Olga. “Quer fosse pelas parcas condições no lar [de Oleshky] depois de ter sido introduzido um diretor russo, quer fosse por causa da guerra.”
Natalia Rakk: as filhas gémeas conviveram durante meses com “ratazanas e baratas”
Na sexta-feira, mais de 30 crianças ucranianas reuniram-se com os seus familiares em Kiev ao fim de meses na Rússia. A viagem para a Ucrânia, de autocarro, passou ainda pela Bielorrússia. De entre as crianças resgatadas estavam Dasha Rakk, de 13 anos, e a sua irmã gémea. As duas irmãs viviam em Kherson. Quando a cidade foi ocupada pelas tropas russas, ambas foram enviadas para um acampamento de verão na Crimeia.
Enquanto abraçava a sua mãe, Natalia, depois fim de meses de desespero, Dasha Rakk explicou ao The Telegraph como foi ouvir os soldados russos dizer às crianças que não voltariam a casa tão cedo. “Quando nos disseram pela primeira vez que iríamos ficar muito tempo, começámos todos a chorar”, disse a menina de 13 anos. “Disseram-nos que íamos ser adotados, que teríamos tutores.”
A operação de resgate foi realizada também com o apoio da organização “Salvem a Ucrânia”, e envolveu vários interrogatórios por funcionários russos. Natalia viajou primeiro para a Polónia, em seguida para a Bielorrússia e depois para a Rússia, até chegar à Crimeia para reaver as suas filhas. A mãe teve de assinar vários documentos para que os funcionários russos libertassem Dasha Rakk e a irmã.
“Foi extremamente difícil, mas seguimos sempre em frente, não dormimos de noite, dormíamos sentadas”, explicou Natalia. “Foi desgostoso ver crianças deixadas para trás, a chorar por trás de uma cerca.” Dasha explicou à Reuters que as duas irmãs tinham sido convencidas a partir de Kherson, tendo sido persuadidas a viajar para um campo de férias na Crimeia por algumas semanas. As crianças mantidas em cativeiro terão sido mantidas em condições degradantes, “convivendo com ratazanas e baratas“.
Jason Bronius: a luta do outro lado do mundo pela pensão de alimentos dos filhos
Se, por um lado, a guerra levou ao afastamento de milhares de crianças dos seus pais — algumas conseguiram retornar a casa, na Ucrânia, com o esforço dos progenitores –, por outro lado, o conflito pode ter bloqueado o único método que alguns pais tinham de ajudar os seus filhos, ainda que não vivessem com eles. É o caso de Jaso Bronius, um canadiano residente em Calgary e cujos filhos — uma adolescente de 15 anos e um rapaz de 11 anos — estão a viver na Rússia com a ex-mulher. O casamento entre os dois terminou há cerca de uma década. A mulher, uma cidadã russa que estava no Canadá com um visto de residência, voltou para o país natal e levou as crianças consigo.
Embora a um oceano de distância, o pai tenta falar com os filhos todos os dias. Os termos do divórcio estipularam que Jason Bronius pagaria 2.400 dólares canadianos, cerca de 1.600 euros, à mulher pela pensão de alimentos. Antes da invasão da Rússia à Ucrânia e da aplicação de sanções económicas a Moscovo, o cidadão canadiano enviava o dinheiro carregando todos os meses um cartão MasterCard na posse da ex-mulher. Depois de as operações da MasterCard e da Visa terem sido suspensas na Rússia no ano passado, Jason tentou realizar as transferências através vários bancos. A expulsão da Rússia do sistema SWIFT, contudo, impediu a transferência da pensão de alimentos para a ex-mulher.
“Foi o pânico total”, explicou Jason Bronius. “Tínhamos ficado literalmente sem opções a não ser eu próprio levar o valor em notas até à Rússia para conseguir que os meus filhos tivessem a pensão de alimentos.” Este método, contudo, levantava vários problemas. Em primeiro lugar, ia obrigar Jason e pedir várias folgas todos os meses para poder realizar as viagens. Em segundo lugar, iria gastar milhares de dólares em viagens entre Calgary e Moscovo, que poderiam custar mais do que a própria pensão de alimentos. Por último, Jason arriscava-se a longas horas de interrogatório no aeroporto por transportar consigo milhares de euros em notas.
A família debatia-se ainda com outro problema. O governo russo não ajudava financeiramente a ex-mulher de Jason porque tinha um documento de um tribunal canadiano a comprovar que Jason Bronius pagaria uma pensão de alimentos. Assim, a ex-mulher tinha de sustentar os dois filhos sem qualquer apoio financeiro, sendo uma mãe solteira. “O governo russo deixou-me sozinho a tentar perceber como iria enviar dinheiro aos meus filhos“, afirmou Jason à CBC. “E o governo canadiano também não prestou ajuda nenhuma.” Um funcionário do governo canadiano chegou a sugerir a Jason encontrar alguém que pudesse levar o dinheiro por si para a Rússia, ideia que Jason descartou de imediato.
Um elemento do ministério dos Negócios Estrangeiros do Canadá sugeriu a Jason utilizar um banco chinês para contornar as sanções económicas aplicadas a Moscovo, mas o representante do banco em Calgary não aceitou transferir o dinheiro com receio de infringir as sanções aplicadas. O cidadão canadiano encontrou, entretanto, uma maneira de enviar a pensão de alimentos para os seus filhos, mas recusou dizer à CBC qual a sua estratégia, por receio de que o governo do Canadá bloqueasse a sua única alternativa. Embora o caso de Jason não seja o de um pai que teve de lutar para resgatar os filhos sequestrados por tropas russas, não deixa de espelhar a luta — certamente diferente, mas ainda assim uma luta — de um progenitor por manter o contacto com os seus filhos e o apoio, por muito que a guerra iniciada pelo Rússia o tente impedir.
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]