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Portugal está a cumprir o nível de armazenamento de 80% defendido pela União Europeia

Portugal está a cumprir o nível de armazenamento de 80% defendido pela União Europeia

Abastecimento de gás natural a Portugal está assegurado? Já esteve mais

Sem o gás da Argélia que vinha por gasoduto, o abastecimento português está muito dependente da Nigéria, fornecedor que tem falhado entregas, e de uma única porta de entrada, Sines.

Na mesma semana em que a Rússia interrompeu unilateralmente o fornecimento de gás a dois países europeus, a Polónia e Bulgária, por terem recusado converter os pagamentos de euros para rublos, a Argélia fez uma ameaça a Espanha, país do qual é o principal fornecedor. Por trás dos incidentes, reais ou potenciais, nestes contratos, estão motivos geopolíticos que pouco tem que ver com o negócio energético, mas que mostram como o gás — como no passado aconteceu sobretudo com o petróleo — se tornou numa arma na política internacional.

Se a leste é a invasão da Ucrânia, as sanções internacionais europeias e as represálias russas que ameaçam o fornecimento de gás, a sul, mais perto de nós, está um conflito regional com várias décadas de história no chamado Saara Ocidental, ou Saara espanhol. Marrocos ficou com o controlo desta antiga colónia espanhola por um acordo com Madrid na década de 1970, mas esta cedência não é reconhecida pelas Nações Unidas e é contestada por países como a Argélia.

A Argélia é responsável por mais de 50% do fornecimento de gás a Espanha e já foi o único fornecedor a Portugal nos longínquos anos de 1990 do século passado, quando o contrato de longo prazo com a Sonatrach, empresa pública argelina, foi um dos pilares do desenvolvimento do mercado português de gás natural. De  garante do abastecimento a Portugal, a Argélia passou a ser um fornecedor residual nos últimos anos. Daí que o Ministério do Ambiente e Ação Climática tenha, em resposta ao Observador, afastado qualquer problema para Portugal.

"Tendo em conta todos estes dados, os efeitos da crise diplomática entre a Argélia e o Reino de Marrocos não são, para já, motivo de apreensão para o Governo quanto à segurança do abastecimento do gás natural."
Fonte oficial do Ministério do Ambiente e Ação Climática

“A quase totalidade do gás que Portugal importa entra em Sines por via marítima. Portugal dispõe de elevados níveis de armazenamento de GN (88%). Portugal diversificou as origens de gás”. A Argélia, assinala o MAAC, “não deixou de fornecer GN a Portugal, o que se verificou foi uma redução dos volumes de GN importados daquele país, fruto da estratégia de abastecimento dos comercializadores de GN em Portugal”.

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Apontando as diferentes origens geográficas dos abastecimentos a Portugal, e dados já de 2022 segundo os quais 98% das importações de gás chegam por Sines através de cargos e apenas 2% vinham de Espanha por gasoduto, e o nível de armazenamento — 88% do volume total —  o MAAC defende:

“Tendo em conta todos estes dados, os efeitos da crise diplomática entre a Argélia e o Reino de Marrocos não são, para já, motivo de apreensão para o Governo quanto à segurança do abastecimento do gás natural.”

Para o Ministério do Ambiente, “o principal risco para Portugal é o aumento de preço do GN resultado da competição acrescida para a compra de cargas Gás Natural Liquefeito (GNL), com a entrada em mercado de compradores que antes eram abastecidos por gasoduto com GN russo”.

Governo e empresas têm afastado riscos de problemas no abastecimento de gás natural, minimizando a importância das importações russas no mercado doméstico como pontuais. No entanto, a análise aos dados dos últimos três anos mostra que os fornecimentos russos subiram. Passaram de 3% do gás que deu entrada por Sines em 2019 para 15% em 2021. E já em 2022, e depois da invasão russa, há registo da chegada 94 milhões de metros cúbicos em março, o que representa 20% do gás entrado naquele mês, embora muito menos no acumulado trimestral.

A análise dos dados permite também concluir que Portugal não tem vindo a diversificar as fontes de gás natural, pelo contrário. As origens geográficas do gás têm estado a diminuir e, apesar do grande crescimento das chegadas dos Estados Unidos, mais de metade do fornecimento nacional está nas mãos da Nigéria, uma origem que nem sempre se tem mostrado fiável. Grande parte das entregas chegam por causa de um contrato de longo prazo, que vai até 2030, e que tem preços muito mais suaves do que os recordes registados nos últimos meses no mercado spot, (diário) apesar de estarem sujeitos a revisão pela indexação à evolução do petróleo.

Falhas nas entregas de gás e o esforço político junto da Nigéria

O corte de relações entre a Argélia e Marrocos e a mais recente subida de tensão nas relações com a Espanha, tornam remoto o restabelecimento da Argélia como um fornecedor relevante para Portugal. O que é uma pena, admitem fontes do setor ouvidas pelo Observador, sobretudo quando a Galp, empresa que tem os contratos de aprovisionamento ao sistema nacional de gás, continua a sofrer quebras na entrega de gás contratado.

Na apresentação dos resultados trimestrais, o presidente executivo, Andy Brown, avisou que as restrições persistentes no acesso ao gás deverão manter-se nos próximos trimestre, tendo obrigado a renegociar o prazo de entregas. A Galp está a acelerar a procura de fontes alternativas e a reduzir o consumo interno nas refinarias, evitando usar o gás natural — a preços muito atrativos porque tem origem em contratos a longo prazo — por hidrogénio.

O gestor não identificou quem falhou entregas, mas no ano passado foram noticiados os problemas relacionados com o maior fornecedor português, a Nigéria, com quem a Galp tem um contrato de longo prazo para o fornecimento anual de 3 bcm (mil milhões de metros cúbicos).

A Nigéria tem sido alvo de ações conjuntas por parte de Portugal, Espanha e França, que têm alertando as respetivas autoridades para a necessidade de reforçarem a segurança nos locais e infraestruturas de exploração de gás, que já no passado foram objeto de ataques por parte de movimentos que reclamam a independência do Níger. No mais recente encontro com jornalistas, o presidente da Galp afirmou que a Nigéria tem sido “um dos nossos maiores esforços”, acrescentando que estão em causa “aspetos sérios de segurança”. “Temos estado a estado a trabalhar com a Europa e o governo português junto dos nigerianos para ter a certeza de que estes fornecimentos que temos contratados continuam a chegar para abastecer os nossos clientes”, afirmou Andy Brown. E ainda para garantir que a Nigéria reforça a sua capacidade de produção.

Apresentação pública do projeto industrial da Galp na Cadeia de Valor da Baterias para veículos elétricos, na Pousada de Lisboa. Contou com a presença do Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e do CEO da Galp, Andy Brown. Lisboa, 14 de Novembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Presidente executivo da Galp, Andy Brown, diz que empresa tem feito um esforço para garantir chegada do gás nigeriano

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

No ano passado, a Galp enfrentou quedas nas entregas de gás nigeriano causadas por limitações operacionais e falta de investimento. A empresa avançou com um plano de contingência e teve de ir ao mercado comprar gás muito mais caro para abastecer os clientes. Apesar do impacto financeiro negativo, a Galp tem sempre afastado qualquer risco para o abastecimento ao mercado nacional. A situação tem estado a ser monitorizada com o Governo e, esta semana, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, assegurou não haver perspetivas de falhas, salientando os níveis de armazenamento de 80% da capacidade, meta europeia cumprida por Portugal.

Os Estados Unidos têm vindo a reforçar o seu peso como fornecedor a Portugal (aliás a toda a Europa), o que deverá continuar nos próximos anos. A Galp vai receber a partir de 2023 GNL da Venture Global, operador americano com exploração no golfo do México.

O preço do gás nos Estados Unidos é um quarto do preço da Europa e há um grande incentivo económico para torna-lo líquido e exportá-lo para a Europa. Grande parte deste gás resulta do processo fracking (fraturamento hidráulico) de gás de xisto (o shale gas). É um recurso muito vasto, mas que suscita reservas sobre o impacto ambiental a ponto de a Europa não o permitir. A América, apontam todos os analistas, vai ter um papel central na substituição dos fornecimentos russos à Europa por causa da dimensão dos seus recursos e da capacidade que tem para construir infraestruturas de liquidificação e transporte.

A interligação a Espanha e a dependência portuguesa do terminal de Sines

O gasoduto de Medgaz, na Argélia, continua a fornecer as empresas portuguesas, nomeadamente a Galp, que tem válido um contrato de 1 bmc por ano com a Sonatrach, mas a grande maioria não chega a Portugal, fica em Espanha para abastecer os clientes espanhóis da empresa portuguesa. O Magrebe, o principal gasoduto que chega ao nosso país, na fronteira em Campo Maior, deixou de ser usado para importar gás da Argélia vindo de Espanha. Mas é usado para exportar gás que chegou liquefeito a Sines e que é regaseificado para seguir por esta infraestrutura, como revela o novo relatório da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) sobre o uso destas infraestruturas. A ERSE sublinha, aliás, que esta utilização “é bastante diferente do passado recente em que chegou ser o principal ponto de entrada em Portugal”.

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Sines tem sido a única porta de entrada de gás em Portugal

Adelino Oliveira

De acordo com este boletim, o gás exportado de Portugal para Espanha através do gasoduto caiu 22% no primeiro trimestre deste ano. Já o fluxo de Espanha para França foi positivo no primeiro trimestre (pela primeira vez desde 2016) não obstante as muito conhecidas limitações nesta interconexão. A ERSE indica que tal como Portugal, também a Espanha está a receber a maior parte do gás que precisa por através de terminais portuários de GNL.

O que, do ponto de vista da segurança do abastecimento, também é uma vulnerabilidade no caso de Portugal, que está dependente de uma única infraestrutura. O terminal de Sines é a porta da entrada de mais de 90% do gás. O mais recente relatório da DGEG sobre a segurança de abastecimento do sistema de gás natural sinaliza a dependência das importações nacionais de dois países nos últimos anos — Nigéria e Estados Unidos forneceram mais 70% e a concentração das chegas no termina de GNL de Sines.

O documento tem repetido o  alerta nos últimos anos. Em caso de perturbação na maior infraestrutura individual de gás (o terminal), a capacidade técnica das restantes infraestruturas é inferior a 100%, “não sendo portanto suficiente para satisfazer a procura total de gás durante um dia de procura excecionalmente elevada”. Só a partir de 2025, diz o relatório elaborado pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), é que esta situação de risco desaparece devido à queda prevista da procura a partir desse ano.

REN tem financiamento comunitário para o terceiro gasoduto

Esta maior vulnerabilidade também resulta de não ter avançado a terceira interligação a Espanha, proposta nos planos de investimento da REN (Redes Energéticas Nacionais) desde pelo menos 2016, mas que travou nas reservas da ERSE. O regulador defendeu o adiamento deste projeto de 200 milhões de euros porque teria impacto nos preços do gás, mesmo com financiamento comunitário. Para a ERSE, esta ligação só se justificava no quadro do reforço das interconexões entre Espanha e França. Com este projeto novamente no horizonte, no quadro do esforço para se libertar do gás russo, esta terceira ligação pode voltar à agenda.

A possibilidade de exportar gás para além dos Pirinéus, em particular no atual contexto de escassez, é uma razão económica para avançar com este projeto, mas fontes do setor consideram que a terceira interligação também permitiria reforçar a segurança de abastecimento do país.

A ameaça argelina a Espanha

No final de 2021, quando a procura internacional por gás já estava a aquecer (fazer subir) os preços, a Argélia decidiu cortar o fornecimento através do gasoduto do Magrebe que atravessa (e serve) Marrocos, mas também a Ibéria. Esta era a infraestrutura pela qual vinham as maiores quantidades de gás argelino para Portugal, mas o Governo e a Galp desvalorizaram o impacto dada a cada vez mais reduzida importância deste fornecedor.

Numa altura em que grande parte da Europa anda à procura de gás alternativo ao russo, o ministro da Energia argelino levantou a voz perante o grande cliente espanhol ameaçando fechar a torneira do Medgaz, o único gasoduto que ainda abastece a Península Ibérica. A reação pública de Mohamed Arkab surgiu na sequência de uma comunicação eletrónica remetida pela ministra da energia de Espanha, Teresa Ribera, a informar que Espanha vai inverter o fluxo do gasoduto do Magrebe para abastecer Marrocos.

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A Argélia quase não fornece Portugal, mas continua a ser um dos grandes fornecedores de Espanha

Gamma-Rapho via Getty Images

A Argélia avisou que o gás natural enviado para Espanha só podia ir mesmo para Espanha, e se fosse parar a outro destino — neste caso  Marrocos — isso configuraria um incumprimento dos compromissos e poderia resultar numa ruptura dos contratos que ligam a Sonatrach às elétricas importadoras espanholas. Espanha garante que a reativação deste gasoduto, que deixou de ser usado para abastecer a Ibéria em outubro do ano passado, era do conhecimento da Argélia. E acrescenta que o gás a canalizar para Marrocos terá outra origem. Será GNL (gás natural liquefeito) entregue nos terminais espanhóis, contratado pelo Estado marroquino, e regaseificado para ser enviado por gasoduto para o país que precisa dele para ligar as centrais de ciclo combinado.

O principal contrato de gás argelino terminou em 2020 e desde então Portugal perdeu relevância para a Argélia enquanto cliente de gás. Outro sinal desse afastamento foi o fim anunciado em 2021 da parceria comercial e estratégica entre a EDP e a Sonatrach, que tinha como âncora o abastecimento de gás às centrais ibéricas. A empresa pública argelina continua a ter mais de 2% da EDP, mas deixou de estar representada no conselho geral e de supervisão onde têm lugar os acionistas de referência.

EDP anuncia fim da parceria com a argelina Sonatrach no meio de uma tempestade no gás natural

As estatísticas remetidas pela entidade gestora do terminal de GNL, a REN (Redes Energéticas Nacionais) confirmam que o país deixou de usar o gás argelino ainda antes das represálias políticas contra outros clientes internacionais da Argélia. No entanto, e considerando a corrida que existe a fontes alternativas ao gás russo, ter esta porta aberta seria mais vantajoso para Portugal, admitiu o presidente executivo da Galp num encontro recente com jornalistas.

“A Argélia decidiu não entregar mais gás pelo pipeline que atravessa Marrocos”. Portugal, afirmou Andy Brown, continua a receber algum gás através do pipeline que abastece Espanha e a Europa, mas esta infraestrutura não tem muita capacidade disponível para Portugal. E apesar de a Galp (e Portugal) estarem de braços abertos para receber mais gás, “esse cenário não depende de nós”, admitiu o presidente executivo da Galp.

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