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Ana Catarina Mendes ainda tomou um café no terraço do Observador esta quinta-feira de manhã antes de descer para o estúdio e gravar 60 minutos de entrevista emitida em direto no Facebook e em streaming no site do jornal (aberta a perguntas de leitores), com transcrições no Twitter em tempo real. A vice-presidente da bancada do Partido Socialista e secretária-geral adjunta — número dois de António Costa para o PS — defendeu que Portugal deve “gerar o debate da dívida na UE”. Coordenadora autárquica, respondeu que contabilizará os votos em Rui Moreira como se fossem no PS. E garantiu: “O PS vai a seu tempo poder voltar a gerir a cidade do Porto”.
A socialista não quis comentar em concreto o caso de José Sócrates, mas em abstrato fez críticas ao sistema Judicial e ao Ministério Público muito parecidas às do ex-primeiro-ministro. De forma subtil, admitiu que António Costa devia ter respondido a Passos Coelho de forma mais esclarecedora no último debate quinzenal. E revelou que está a gostar de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente.
Rui Moreira: “As vitórias das listas que o PS integra serão vitórias do PS”
O PS realiza a convenção autárquica este sábado. Tendo em conta que o Governo está com popularidade e que terá feito boas escolhas para as autarquias, espera que o PS aumente o número de câmaras que tem?
O PS está completamente apostado em manter-se como a maior força partidária autárquica e como isso manter a presidência da Associação Nacional de Municípios (ANMP) e da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE). Temos bons protagonistas, bons projetos e presidentes de câmara com provas dadas. E isso deixa-nos otimistas.
Mas não espera aumentar o número de câmaras?
Na noite das eleições, com os números de votos contados, ver-se-á o resultado. Estou absolutamente convencida neste momento que o PS continuará a ser a maior força partidária nas autarquias.
Está a ser bastante moderada nos objetivos…
Não sou moderada. Estou muito confiante, mas sou muito realista sobre aquele que deve ser o olhar sobre o poder local. Temos a presidência da ANMP e queremos mantê-la e temos a presidência da ANAFRE e queremos mantê-la. Esse é objetivo.
Tem um problema no distrito Braga: o PS arrisca perder sete câmaras, onde se dividiram candidaturas do partido — Barcelos, Cabeceiras de Basto, Amares, Póvoa de Lanhoso, Terras de Bouro, Celorico e Fafe. Admite que o PS está em risco de perder todas estas câmaras? Houve aqui um problema na seleção de candidatos?
O PS felizmente é um partido plural e abrangente. Isso permite que no Congresso Nacional tenhamos definido como critério recandidatar todos os presidentes de câmara eleitos. Não há democracia sem procedimentos, não há democracia sem regras. Dentro da liberdade que existe no PS, os que não concordaram com isto decidiram candidatar-se. Mas isso não me deixa pessimista em relação a reconquistar câmaras municipais no distrito de Braga e a reconfortar as vitórias nas câmaras municipais do PS. Espero que haja o entendimento necessário para que os cidadãos possam voltar a dar confiança aos seus presidentes de câmara.
Na noite eleitoral, quando contabilizar os votos, vai contar os votos em Rui Moreira, no Porto, como votos no PS?
Como sabe, no Porto, houve uma decisão da estrutura federativa e concelhia que a direção nacional respeitou de o PS apoiar o projeto de Rui Moreira. Isso não significa que o PS não tenha a sua representatividade nestas listas, mas é evidente que na noite eleitoral todas as vitórias dos candidatos do PS e das listas que o PS integra serão vitórias do PS.
Portanto, contabilizará os votos de Rui Moreira como votos no PS?
Foi a aposta que o PS fez e por isso…
Mas concorrer a vereador no Porto não é “poucochinnho?
Sabe que ser vereador é tão digno como ser presidente de câmara, porque a responsabilidade que temos é a responsabilidade de todos os dias concretizarmos os projetos a que nos propusemos nas nossas campanhas eleitorais. A decisão do Porto foi uma avaliação avaliação de saber qual era o melhor projeto onde o PS também esteve integrado nestes últimos quatro anos. Feita essa avaliação com os nossos vereadores decidiu-se apoiar Rui Moreira.
Recordo que, em entrevista ao Expresso, disse esperar ter “uma representação forte” nas listas à Câmara Municipal do Porto…
E reassumo…
E por isso pergunto: o assessor de Rui Moreira veio imediatamente dizer que “não há jobs for the boys” no Porto. Anotou o recado?
Não sei o que é que isso quer dizer, não comento uma afirmação cujo significado não percebo neste contexto. Volto a dizer: o PS apoia a candidatura de Rui Moreira e está absolutamente convicto de que terá representação forte nessa lista.
E o que é que isso significa?
A representação do PS dentro daquele que é o quadro de uma candidatura e de uma negociação que terá que haver com o PS.
Mas é ter um número dois na Câmara do Porto? É isso que significa ter uma representação forte?
A seu tempo saberemos qual será a representação forte. Não se trata de jobs for the boys. Se o PS decidiu apoiar Rui Moreira, terá a sua representação. Não são jobs for the boys. Trata-se de um eleitorado que vai escolher quem será o próximo presidente da Câmara Municipal do Porto. Esperemos que o eleitorado reconfirme Rui Moreira como presidente da Câmara e que o PS tenha também representação forte nas listas.
O PS não lidera o Porto desde 2001. Teve oportunidade de o recuperar e perdeu a disputa para Rui Moreira. Agora, não apresenta candidato. Há risco de o PS perder espaço político no Porto?
Foi feita uma avaliação política positiva do mandato de Rui Moreira para a cidade do Porto e é nesse projeto político que o PS participará. Por isso mesmo, entendeu não apresentar uma candidatura.
No futuro, quando é que o PS gostaria de voltar a gerir a cidade do Porto?
O PS vai a seu tempo poder voltar a gerir a cidade do Porto. O PS tem, neste momento, uma perspetiva muito positiva para a Área Metropolitana do Porto nestas eleições, é uma força partidária muito forte no distrito e que vai continuar a dar provas da sua existência. Não desaparecerá.
Subvenção: “Não há condições para gastos supérfluos nas campanhas eleitorais”
Pode dar alguns exemplos de câmaras onde o PS apresenta uma aposta forte em zonas do PCP?
O PS concorre em todo o país para ganhar, com bons protagonistas. Mesmo nos municípios onde governa o PCP.
Não houve pacto nem haverá agressão com o PCP nas autárquicas, como sugeriu Jerónimo de Sousa?
Não haverá nem agressão nem qualquer pacto de não-agressão. Haverá disputa salutar em democracia dos projetos políticos em confronto. Este é um momento gratificante para a democracia portuguesa, de descrispação. É muito importante que nestas autárquicas a abstenção diminua significativamente.
Ia-lhe dar o exemplo de Loures: o PCP tem um candidato muito forte, Bernardino Soares e o PS candidata uma desconhecida…
Sónia Paixão não é uma desconhecida. Foi uma excelente vereadora do PS à frente da Câmara Municipal de Loures, tem experiência autárquica, conhece bem o terreno e é uma excelente candidata.
Os membros do Governo devem integrar as listas a Assembleias Municipais, por exemplo?
Os membros do Governo devem estar concentrados nas suas tarefas governativas e, por isso, não integrarão as listas autárquicas, à exceção onde já são, por exemplo, presidentes de Assembleias Municipal, como é o caso de Miguel Cabrita [presidente da Assembleia Municipal de Odivelas e secretário de Estado].
Vai existir também uma plataforma informática interna para as candidaturas gerirem os orçamentos. Como é que vai funcionar?
Temos todas as regras financeiras numa plataforma a que têm acesso os nossos candidatos e os mandatários financeiros, porque, para nós, há uma regra essencial: rigor nas contas. Não se pode gastar mais do que a subvenção do Estado e não há condições para gastos supérfluos nas campanhas eleitorais. O que pedimos às estruturas é que tenham contenção.
Isso tem que ver com situação financeira do PS?
Claro, o PS tem uma situação financeira difícil. Apesar de tudo, temos feito um esforço para reequilibrar as contas e fazermos face às nossas deficiências financeiras. Por isso, nestas eleições autárquicas, temos de cumprir orçamentos com rigor.
O PS já fez um empréstimo para a campanha? Pode dizer quanto foi?
Será sabido a seu tempo. Já contraímos o empréstimo, mas não acho que nesse momento se deva dizer. Sei dizer uma coisa: não será superior à subvenção que tivemos nas últimas autárquicas.
Os autarcas do PS não se têm queixado da redução drástica do investimento?
Os autarcas do PS, felizmente, têm sublinhado o aumento de 79% de transferências de verbas do Orçamento do Estado para as autarquias, coisa que não acontecia há quatro anos. Mais de metade do mandato destes autarcas foi no período de ajustamento e com as consequências que teve. A lei dos compromissos e o atraso nos fundos estruturais foi penalizador para as autarquias, que foram estranguladas na sua autonomia e da capacidade de gestão. Mas obviamente temos muito que fazer.
O candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Lisboa elegeu a precariedade como um dos maiores problemas da autarquia. O programa de regularização extraordinária de precários no Estado vai envolver a administração local?
O PS prometeu na campanha combater a precariedade. É um dos maiores problemas que temos. O pouco emprego criado no tempo do PSD e CDS foi trabalho precário e esse é que merece combate feroz. O que o PS e o Governo se comprometeu foi que todas as pessoas que estão com contratos de trabalho que não tenham a ver com o vínculo que têm, têm de passar a ter o vínculo adequado. Isso no trabalho do Estado e no poder local também. Não vamos concentrar a questão na autarquia de Lisboa, porque há mais.
Responsabilizou o anterior Governo pelo aumento da precariedade. Assume que o PS, nas autarquias, também tem essa responsabilidade, como na Câmara de Lisboa?
Não, não assumo. Aliás, devo dizer que António Costa foi presidente da autarquia durante sete anos e integrou muita gente. Foram criados no último ano 150 mil postos de trabalho em Portugal. Baixámos a taxa de desemprego, que está aos níveis de fevereiro de 2009, abaixo dos 10%. Evidentemente, tudo isto está integrado numa lógica de combate à precariedade e de resolução de problemas dos precários, que são muito graves.
Uma leitora, Maria Carvalho, levanta dúvidas sobre a eleição de Fernando Medina. Chama a atenção para a má política de estacionamento na capital e pergunta se isso poderá afetar o resultado eleitoral de Fernando Medina.
Creio que Fernando Medina tem dado provas de que é um excelente presidente de câmara. Lisboa tem hoje um outro rosto e tenho a certeza de que Fernando Medina vai ser reeleito presidente.
Geringonça: “O PS não saiu da sua matriz ideológica”
O Presidente da República chegou a dizer que depois das autárquicas começava um segundo ciclo político. Concorda com a afirmação?
Na medida em que estaremos a meio da legislatura…
Acreditava na longevidade desta solução governativa?
Conheço o PCP muito bem.
De Almada…
Não só de Almada. O meu avô foi militante do PCP e, portanto, conheço bem o PCP e sei uma coisa: sei que palavra dada é palavra honrada. Os compromissos são para manter. Sabemos todos quais são as nossas divergências, e manteremos a nossa identidade. O PS será sempre um partido de centro-esquerda e não deixará de sê-lo por ter o suporte da esquerda mais radical dentro do Parlamento. Se olharmos para a Europa, percebemos que, felizmente, o PS não foi no abalo daquilo que têm sido as tendências populistas e nacionalistas por esta Europa fora. E Portugal pode hoje dizer na Europa que tem uma alternativa ao caminho que a Europa tem imposto.
No 25 de abril, o Presidente da República fez um discurso a dizer que em Portugal não havia populismo noutros países. Mas esses populistas, sejam de direita ou esquerda, têm em comum o facto de serem contra a Europa, contra o Euro e na maior parte dos casos serem a favor da saída da União Europeia e do Euro. No fundo, são os aliados do PS.
Volto a dizer, o PS não se desvia do seu caminho, o PS é um partido profundamente europeu.
Mas admite que o PS está aliado a partidos que são similares aos partidos populistas que defendem o fim da Europa.
Sabemos qual é a posição do PCP e do BE sobre a Europa e não partilhamos da sua visão sobre a Europa. Nem o PCP ou o BE partilham da nossa visão sobre a Europa. O PS é um partido europeísta, foi o PS que levou Portugal para a UE pelas mãos de Mário Soares e continuaremos a acreditar que é no seio da UE que podemos mudar o que tem corrido mal nos últimos anos na Europa e que não tem prestigiado o projeto europeu de solidariedade, paz e coesão que todos desejamos para a Europa.
Nas próximas legislativas, o PS deve ter como objetivo a maioria absoluta?
O PS deve candidatar-se para merecer a confiança dos portugueses e deve candidatar-se sozinho às próximas eleições legislativas. Mas mesmo que venha a ter uma maioria absoluta por escolha do povo português, não deve desviar-se deste caminho que iniciou e que está a trilhar: ouvir os partidos todos e estabelecer consensos. Porque não é possível governar sem diálogo, bom-senso e consensos alargados na sociedade portuguesa.
Mas, para voltar à sua matriz, o PS precisa ou não da maioria absoluta?
Para voltar à sua matriz? O PS não saiu da sua matriz ideológica.
Há pessoas no PS que acham que sim.
Mas não saiu da sua matriz ideológica. Ninguém se apercebeu, nas eleições primárias, que António Costa disse que era preciso acabar com o arco da governação. Isso significava que era preciso fazer entendimentos à esquerda. Era preciso trazer os partidos da esquerda para a corresponsabilização com a governação. Hoje, não há nenhum português que olhe para esta solução e não ache que os seus resultados foram positivos.
Dívida: “Portugal deve, no âmbito da UE, gerar esse debate”
O relatório sobre a sustentabilidade da dívida, apresentado a semana passada, reconhece que o impacto das medidas propostas é modesto. Ficou aquém das expetativas geradas?
Penso que devemos olhar para esse relatório fazendo dois sublinhados. O primeiro, no sentido de que é positivo que no Parlamento exista um grupo de trabalho que discuta esta matéria. O segundo, que este relatório seja um contributo para a reflexão e para a discussão que tem de ser feita sobre a questão da dívida pública. Como sabemos, a dívida pública não é um tema estritamente de Portugal. É um problema europeu e é no quadro europeu que ela deve ser discutida e em que devem ser encontradas soluções.
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Em quem votaria na primeira volta das eleições francesas?
Macron.
Presumo que na segunda volta também votasse…
Macron.
Sabendo o que sabe hoje, Marcelo Rebelo de Sousa ou Sampaio da Nóvoa?
Ui, eu apoiei Sampaio da Nóvoa.
Mas…
Mas faço uma avaliação muito positiva de Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi seu professor?
Não.
Teve pena?
Tive. Mas assisti a algumas aulas.
É deputada há tempo demais?
Sou deputada há quase 20 anos, é muito tempo.
Não defende uma limitação de mandatos também para deputados?
Não. Sempre defendi isto: o Parlamento é o centro da atividade política democrática. É onde se fazem os consensos, onde se encontram as boas respostas e que deve ser valorizado todos os dias. Talvez seja tempo a mais.
Primárias ou diretas no PS?
Diretas e primárias, que já estão consagradas e que sempre defendi. Uma coisa não é excludente da outra.
Dinamizar a JS em Almada obrigou-a a ser anti-PCP?
Não, sempre respeitei o PCP.
Mas a sua luta era com o PCP.
A minha luta era e continua a ser, no distrito de Setúbal. Nas autarquias, continua a ser com o PCP, que é a força maioritária. Isso não significa que não os respeite.
Diga as coisas na sua vida que não são política.
Que não são política? A minha família, os meus filhos, a minha mãe, os meus irmãos, muitos dos livros, dos meus filmes. Música, embora muita seja de intervenção.
O que tem ouvido?
Sou muito eclética. Nos últimos tempos ouço muito Keith Jarret para me ajudar a pensar e a relaxar.
O partido irrita-a muito?
Não, é um desafio constante.
O aparelho é tão mau como se diz?
Não. Nem gosto de falar dos partidos como um aparelho. Gosto de falar do partido como um conjunto de pessoas que dão o seu melhor, todos os dias, para que o partido seja credível.
Qual foi o melhor livro que leu no último ano?
Ui, quero lembrar-me do nome porque é um combate ao populismo. Não tenho o título, mas é uma coisa sobre os nacionalismos na Europa.
Essa foi sempre a posição do PS.
É a posição do PS e, devo dizer-lhe, estou convencida de que não é possível fazer doutra maneira. Desde o Tratado de Maastricht que se impuseram regras em relação à dívida. Estamos na Europa para o bem e para o mal. Por isso continuo a dizer que é no quadro europeu que as regras que não funcionam [devem ser revistas]. O Euro tem hoje muitas fragilidades e que ficaram expostas durante esta crise internacional que todos vivemos. Mas porque é que a dívida aumentou tanto nos últimos anos em Portugal? Porque os saldos primários foram sempre negativos. Ora, pela primeira vez em muitos anos temos um saldo primário positivo.
Ainda assim, o relatório diz que seria necessário manter os saldos primários positivos em valores que nunca foi possível atingir para cumprir as exigências europeias na dívida.
O relatório não é vinculativo, é uma reflexão e um bom ponto de partida.
O relatório tem uma conclusão, que é relativamente consensual, defendo que não é possível cumprir os critérios da dívida a não ser que continuássemos a fazer um esforço de austeridade brutal. A questão é se deve ser Portugal a desencadear essa discussão na Europa?
Veja que, ao invés de baixar, no período de austeridade a dívida pública passou de 96% para 129%, o que diz bem que esse não era o caminho porque não resolveu o problema do défice nem da dívida pública nem do desemprego. Mas olhemos para a frente. Portugal deve, no quadro da UE, e tem-no feito, promover o debate que é preciso.
Diz que Portugal o tem feito quando pode. Mas que discussões estão em curso, o que é que o PS e o Governo socialista estão a fazer para provocar essa discussão?
Não sei se estiverem atentos mas no início deste ano o Governo fez um amplo debate, com vários parceiros europeus, sobre as questões do sistema financeiro e monetário. No seio das cimeiras dos países do Sul, também, [o Governo tem procurado saber] quais são as respostas que os países do sul, numa Europa unida, podem ter para não serem sempre penalizados e considerados — como fez o senhor presidente do Eurogrupo — os pecadores do sistema financeiro europeu. Neste quadro, em que tem o melhor défice da sua história democrática, em que Portugal tem cumprido todos os seus compromissos internacionais e ainda assim tem conseguido gerar dinâmica na economia e com isso gerar emprego, o país deve, no âmbito da UE, gerar esse debate. Percebo que queiram perguntar: mas o debate é amanhã? Não sei se é amanhã, sei que é premente.
Pode ser depois das eleições alemãs, como diz o primeiro-ministro?
Pode ser depois das eleições alemãs.
Admite que seja Portugal a colocar na mesa a questão da reestruturação das dívidas europeias?
Não gosto de falar em reestruturação da dívida, devo confessar. Acho que é melhor falarmos de gestão das dívidas europeias porque é isso que todos os dias os Estados-membros fazem. Agora, é preciso olhar para as dívidas dos vários Estados-membros — e Portugal não estará muito atrás dos vários Estados — e termos uma solução que pode passar por várias coisas. Inclui aqueles que defendem que 60% da dívida deve ser assumida coletivamente e os outros 40% pelos Estados-membros. São discussões para as quais não devemos ir, à partida, com nenhuma solução fechada. Devemos ir com uma proposta: como é que se resolve o problema da dívida, para os Estados-membros poderem aliviar.
Com este resultado bastante moderado do relatório, tendo em conta as posições do Bloco de Esquerda, acha que o BE se tornou “divida-realista”?
A co-responsabilização com a governação exige outro olhar sobre as coisas. Mas nesse grupo de trabalho houve prudência, bom-senso e capacidade de entendimento naquilo que é essencial. E o essencial é dar um bom contributo para aquilo que deve ser uma reflexão séria.
Mas acha que o BE se tornou moderado, tendo em conta que no grupo estavam Francisco Louçã e Pedro Filipe Soares e que o relatório tem uma posição diferente daquela que o BE costuma ter nos debates quinzenais?
É para isso que os grupos de trabalho são importantes. Eles não espelham a posição de um ou de outro, espelham a síntese das duas posições.
Ao aceitar essa síntese, o BE, que se posicionou sempre como um partido radical — e continua a posicionar-se, apesar de não inviabilizar as soluções mais importantes de que o Governo necessita –, está a integrar o sistema ao ponto de poder vir a fazer parte de um Governo?
Volto a dizer, acho que o BE percebe bem o momento político em que estamos e, no âmbito dessa discussão, a síntese perfeita do grupo de trabalho foi a que foi encontrada. Eu sei o que querem, querem saber se há uma brecha entre nós e o BE. Não, não há, sabemos bem o que cada um pensa sobre este tema.
E em relação ao PCP, que desvalorizou muito este relatório?
O PCP não estava no grupo de trabalho e o que diz é absolutamente consonante com aquilo que vos estou a dizer: é um bom contributo para a reflexão sobre a gestão da dívida.
O PCP, que até lançou um livro a defender a sua solução para a dívida, é mais coerente por estar fora dessa discussão que o BE, que tem uma posição diferente daquela que está no relatório?
Não faço rankings sobre os nossos parceiros, sobre se são mais assim ou mais assado. Este grupo foi concertado desde o início no acordo entre o PS e o BE e mostra agora o seu trabalho, que é um bom ponto de partida para a discussão.
De cada vez que Catarina Martins invocar agora a reestruturação da dívida, como faz recorrentemente, o primeiro-ministro pode pegar no relatório e citar as conclusões, que são, basicamente, as posições do PS?
Pode.
E deve?
Pode. O relatório é um trabalho. Não acho que deva ser encarado como a bíblia da resolução da dívida porque não é. Aquele relatório é fruto de uma discussão intensa de largos meses sobre a questão da dívida, uma questão que nos preocupa a todos. Preocupa o PS e, devo confessar, que acho que temos mesmo de enfrentar o problema da dívida pública. Mais do que a perplexidade com as posições do BE ou do PCP, a minha perplexidade é com as declarações de Maria Luís Albuquerque [ex-ministra das Finanças], quando diz que os portugueses têm de estar preocupados com a dívida pública. A pergunta que resta fazer a Maria Luís Albuquerque é: “Onde esteve durante estes quatro anos e meio?”.
Mas a dívida está em níveis históricos.
É verdade, mas volto a dizer: não teve o aumento que teve durante os Governos PSD. Segundo, há um saldo primário positivo, o que não era prática nos últimos anos em que fomos governados pela direita e, por isso, a preocupação de Maria Luís Albuquerque é, no mínimo, estranha nos dias de hoje.
Cativações: “Não há relatos de degradação dos serviços públicos”
As cativações não têm posto em causa a qualidade dos serviços públicos?
Há uma coisa que oiço muita gente dizer e que sinto no terreno. As pessoas sentem que voltaram a ter a sua dignidade respeitada. Sentem que são tratadas com respeito. Sentem que os seus problemas não ficam debaixo de uma mesa à espera de resolução. Governar é a arte do possível. E no quadro do PS, governar tem de ser a bem das pessoas. Se é preciso fazer estas cativações, se elas não prejudicarem o que são os direitos das pessoas…
Mas as cativações não prejudicam os serviços públicos?
Não há relato neste momento de uma degradação dos serviços públicos. Antes pelo contrário. Tem sido feito um esforço ao longo deste ano e meio de dignificar os serviços públicos desde a Educação à Saúde, Segurança Social, à própria Justiça. Um esforço de conseguirmos que haja resposta dos serviços públicos com dignidade.
Uma receita económica assente nesta estratégia de cativações, a que chama gestão orçamental rigorosa, com o investimento público mais baixo dos últimos 20 anos e um dívida pública em máximos históricos é sustentável a médio e longo prazo?
É. E vou dizer-lhe porquê. Percebo as dificuldades que estão a colocar e os fantasmas que nos foram apresentados nos últimos tempos. Foi-nos dito que não haveria outro caminho que não fosse de empobrecimento e de austeridade. Foi-nos dito que não haveria outro caminho que não fosse do aumento dos impostos. Foi-nos dito que não era possível investir mais. É bom sabermos de onde partimos. O investimento público nos últimos quatro anos e meio, no Governo do PSD e do CDS foi aos nível da década de 80. Houve um retrocesso inimaginável do investimento público.
Mas o investimento público no Governo do PS também não melhorou.
Mas o que estamos a fazer? Depois de devolver salários, pensões, de aumentar o salário mínimo, estamos a tentar ao mesmo tempo continuar a investir nos serviços públicos e tentar continuar que cresça a nossa economia. Acho que os sinais, e o Presidente da República veio dizer isso mesmo, não são encorajadores? Está tudo feito? Claro que não. Ainda há mais dois anos e meio de legislatura, dois anos e meio para cumprir o nosso programa de Governo. O PS promete e cumpre e tem cumprido todas as promessas a que se propôs na campanha eleitoral. E isso é também um fator de credibilidade das próprias instituições democráticas e da própria política, essencial no quadro internacional.
A recusa de resposta de Costa a Passos: “É sempre útil que possamos dar todos os esclarecimentos”
No último debate quinzenal, houve uma polémica quando o primeiro-ministro se recusou a “dar satisfações” quando Passos Coelho lhe perguntou porque recusou o Governo dois nomes propostos pelo Conselho de Finanças Públicas. Foi uma atitude correta um primeiro-ministro recusar a dar satisfações no Parlamento? A expressão foi infeliz?
Os debates parlamentares são sempre de esclarecimento e de perguntas ao Governo. Portanto, nesse quadro é sempre útil que possamos dar todos os esclarecimentos que tivermos a dar.
Então acha que foi infeliz…
Não acho que tenha sido uma resposta infeliz. Acho que foi a resposta que António Costa entendeu dar a passos Coelho nesse debate.
Daria aquela resposta?
Não tire ilações daquilo que eu não disse. António Costa decidiu não responder àquela pergunta colocada por Passos Coelho. Está no seu direito do uso da palavra, de debate parlamentar de responder. Quantas vezes Passos Coelho não respondeu a perguntas se calhar mais importantes.
São coisas diferentes. António Costa disse que não tinha de lhe dar satisfações porque não tinha sido ele a propor os nomes. O que o Parlamento faz é exatamente fiscalizar o Governo.
Foi a resposta que o primeiro ministro considerou adequada naquele momento.
Sabe quem é que sondou Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo?
Não.
Nunca lhe disseram que foi?
Não. E mesmo que soubesse também não diria aqui.
Acha que é credível essa hipótese?
Acho que Mário Centeno daria um excelente presidente do Eurogrupo. Tem provas dadas e podia mudar muitas coisas na Europa.
Marcelo Rebelo de Sousa disse esta semana que valia a pena refletir sobra a excessiva diferença social entre gestores de empresas do PSI 20 em relação aos trabalhadores. Há um proposta da JS para limitar o salário dos gestores a 20 vezes o salário mais baixo da empresa. Concorda? O Governo deve legislar nessa matéria?
Essa foi uma moção da JS ao congresso do Partido Socialista, aprovada no mês passado na Comissão Nacional do PS. É uma matéria que estará nas nossas preocupações. Não há soluções fechadas neste momento, mas tem de haver um olhar sobre esse assunto.
A propósito das moções que foram aprovadas, como está a discussão da eutanásia? O PS vai apresentar uma proposta nesse sentido na Assembleia da República?
Foi aprovada também essa moção sobre a eutanásia na Comissão Nacional. O PS já disse que o que considera prioritário na sociedade portuguesa é que haja um direito à morte digna, um direito à morte com dignidade. Esse debate tem de ser feito e só depois desse debate feito na sociedade portuguesa é que se pode legislar. Quero dizer que, enquanto Ana Catarina Mendes, acho que deve haver direito à morte digna e que não há também soluções fechadas e é um debate muito difícil mesmo do ponto de vista científico. Mas acho que é preciso que a sociedade portuguesa também acorde para essa necessidade.
Um leitor, João Bernardo Ramos, pergunta se há um plano do PS relativamente à legalização das drogas leves.
Portugal é dos países mais progressistas em termos de legislação de drogas leves.
Penso que o nosso leitor se está a referir a comercialização e consumo recreativo.
Não. Temos dito que a lei que está em vigor é de despenalização do consumo privado das drogas e leves. Não está neste momento em cima a mesa nenhuma proposta para haver mais do que isto neste momento.
Sócrates: “Já se fizeram julgamentos na praça pública, sem direito a defesa”
José Sócrates escreveu um artigo esta semana no Diário de Notícias a criticar o Ministério Público. Concorda quando ele diz que o Ministério Público é “um departamento do Estado de caça ao homem”?
Não vou comentar artigos de opinião nem casos em concreto. Digo apenas que a Justiça tem de ser uma fator de credibilidade e confiança dos portugueses. Os portugueses têm de sentir confiança no sistema de Justiça. Quando vemos todos os dias violações ao segredo de justiça, ou quando vemos prazos que não são cumpridos, ou que a desculpa é que os prazos são meramente indicativos, a verdade é que já se fizeram os julgamentos todos na praça pública, sem direito a uma defesa com rigor e com dignidade no espaço onde ela deve ser feita. Por isso é que — não comentando nenhum caso em concreto — acho que o sistema de justiça deve ser olhado com cuidado. É uma parte estruturante do Estado de Direito democrático e deve merecer a confiança de todos os cidadãos.
Para que isso aconteça o que é que se falha? É um problema da interpretação da lei por parte dos agentes da justiça?
Sempre que temos um problema que se torna mediático, a tendência é ir legislar. A legislação existe, ela tem é de ser respeitada.
E não tem sido?
O segredo de justiça tem sido violado diversas vezes sem que nada aconteça. Os prazos são meramente indicativos, é verdade, mas é inadmissível do ponto de vista do direito do cidadão, qualquer cidadão que seja — e quantos são os casos que acontecem de anónimos por esse país fora — é preciso quando falamos disto dizer que há muitos anónimos que vêem também longos períodos para finalizar inquéritos.
Mas não houve obstáculos à investigação? Não reconhece que há falta de meios, de recursos? Podiam ser reforçados esses meios de investigação?
Têm vindo a ser reforçados ao longo dos tempos. O que acho é que é preciso olhar para o sistema de Justiça e dizer que ele tem de ser fonte de credibilidade e confiança. Isso começa nos agentes do próprio sistema.
José Sócrates foi primeiro-ministro. Não a incomoda tudo o que já se sabe sobre o caso?
Nunca me ouvirá comentar casos concretos. Não comento casos que estão na Justiça, não quero comentar. Limito-me a dizer que, do ponto de vista de qualquer cidadão, seja ele qual for, merece um tratamento de respeito e dignidade e esse tratamento não é compatível com a violação do segredo de Justiça, não é compatível com julgamentos na praça pública, não é compatível com adiamentos dos prazos de investigação.
Há aqui uma questão que não é judicial, a de um ex-primeiro-ministro viver à conta de um amigo.
Pode insistir, não vou falar sobre o assunto em concreto. Não vou falar de processos que não conheço senão pelas páginas dos jornais. A única coisa que penso, até pela minha formação jurídica, é que qualquer cidadão merece ser tratado com respeito e dignidade pelo Estado e, à cabeça, pelo sistema judicial.
Só o PS e o PCP é que não tiveram uma mulher na liderança do partido. Podemos esperar, daqui a uns anos, Ana Catarina Mendes como candidata à liderança do PS?
Temos mulheres extraordinárias no PS. Devo confessar que estou muito satisfeita a desempenhar o cargo de secretária-geral adjunta do partido porque acredito verdadeiramente que as democracias fortes se fazem com instituições credíveis. Dentro dessas instituições estão os partidos.
Dentro dos partidos estão pessoas e essas pessoas têm ambições.
Aquilo que espero é, no final do meu mandato como secretária-geral adjunta, ter um PS mais forte, mais mobilizado, mais participado.
Mas isso está fora dos seus horizontes?
Ao longo destes 25 anos de militância do PS nunca determinei nenhum objetivo e sempre assumi e abracei os desafios que me foram colocados a cada momento. Em cada momento há tempo para tudo. Fui diretora de campanha do António Costa para secretário-geral do PS nas primárias, que foram um momento absolutamente fascinante da vida partidária do PS. Foi um momento de abertura, de grande democracia, de grande esperança no líder do PS, hoje primeiro-ministro. Tenho um grande orgulho de ser militante deste grande PS, que viu desaparecer o seu fundador este ano mas que teve a visão de futuro e de não isolamento do país, a visão europeísta e atlântica de Portugal no mundo. Tenho muito orgulho desta solução governativa e tenho muito orgulho de que o PS, num momento em que está com resultados positivos no Governo, possa continuar a sua atividade partidária.
Nunca ouviremos dizer “nunca serei líder do PS, nem que Cristo desça à terra”?
Aprendi há muitos anos que nunca digo nunca. Aquilo que digo é que estou absolutamente concentrada naquilo que é a atividade partidária do PS e que o PS possa servir os portugueses. É isso que faz uma secretária-geral adjunta em nome do PS.
Pode ver aqui a entrevista integral.