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dpa/picture alliance via Getty I

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Árvores velhas e doentes, agricultores zangados e uma nova lei na Europa. Preço do cacau quadruplicou (mas a Páscoa está a salvo)

Cotação quadruplicou, ao longo do último ano, para valores inéditos. Custos elevados ainda não parecem estar a chegar ao preço do chocolate. Empresas dizem que estão a absorver custo – por agora.

Agricultores zangados, árvores velhas e doentes e alguma dose de especulação financeira levaram os preços do cacau a quadruplicar no espaço de um ano. No setor vive-se um “pânico”, admitiu um responsável de uma das maiores empresas mundiais de processamento do cacau, e algumas produtoras de chocolate já estão a tomar medidas como reduzir a quantidade de cacau que está nos produtos (e esperar que os consumidores não se zanguem muito, também). Em Portugal, o forte aumento do preço do cacau não parece estar a tornar mais amarga esta Páscoa, mas o impacto será inevitável se os preços não baixarem – e tudo indica que tão cedo não irão baixar.

Nas últimas semanas, o preço do ouro atingiu máximos históricos, os mercados de ações também renovam recordes de forma quase diária – e até os recordes nas criptomoedas (como a Bitcoin) têm feito correr muita tinta. Mas o cacau, ingrediente essencial do chocolate, acumula neste ano valorizações ainda maiores do que todos esses investimentos.

Se no início de 2023 eram negociadas toneladas de cacau a menos de 2.500 dólares, no final do ano passado o valor já tinha saltado para quase 4.500 dólares. Mas a subida dos preços do cacau não parou por aí, longe disso. Só nestes primeiros três meses de 2024 o valor deste produto mais do que duplicou e, esta terça-feira, superou mesmo, pela primeira vez, os 10.000 dólares por tonelada.

Contratos futuros de cacau ultrapassaram, esta terça-feira, os 10.000 dólares por tonelada. FONTE: TradingEconomics

Em causa estão os preços dos contratos para entrega futura de cacau, que são negociados entre investidores diariamente antes de, meses mais tarde, se transformarem em entregas reais. Isso significa que o impacto não é imediato mas, mesmo chegando ao retardador, os preços muito mais elevados já estão a deixar em apuros as empresas que produzem manteiga de cacau, o ingrediente essencial do chocolate.

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9% menos produto por 26% mais dinheiro

Foi ainda no ano passado que a Mars, produtora de marcas como o Twix e os M&M’s, decidiu tomar medidas para fazer face ao súbito aumento dos preços do cacau, que veio agravar o aumento de custos que toda a economia já vinha sentindo devido ao surto inflacionista. O seu chocolate Galaxy, muito vendido no Reino Unido, pesava 110 gramas e passou a pesar 100 gramas. No momento da venda, o consumidor que pagava menos de uma libra (99 pence) por cada barra passou a ter de pagar, regra geral, 1,25 libras.

[Já saiu o quinto episódio de “Operação Papagaio” , o novo podcast plus do Observador com o plano mais louco para derrubar Salazar e que esteve escondido nos arquivos da PIDE 64 anos. Pode ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui e o quarto episódio aqui]

Nem todos os consumidores se aperceberam que estavam a comprar menos 9% de produto por 26% mais dinheiro, sobretudo porque a alteração foi dissimulada com uma reformulação da aparência exterior do invólucro. Mas a técnica é antiga: quando os custos sobem, as produtoras reduzem a quantidade que utilizam para evitar subir (muito) o preço dos chocolates – um produto que não é essencial e, por isso, é muito sensível a aumentos de preço e a flutuações na procura.

A Mars não foi a única. Também no Reino Unido, a Nestlé lançou um novo chocolate que aposta na introdução de avelãs (e tem menos cacau). E a marca KitKat, que também pertence à Nestlé mas nos EUA é produzida por outra empresa, lançou naquele país uma nova versão da barra onde parte do conteúdo de chocolate é substituído por uma espécie de donut.

A Ferrero, que produz o creme de barrar Nutella, também reduziu o tamanho dos frascos que comercializa em vários países, para garantir que os consumidores continuam a desfrutar da “mesma qualidade” mas “sem aumentar o preço unitário”.

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A técnica é antiga: quando os custos sobem, as produtoras reduzem a quantidade que utilizam para evitar subir (muito) o preço dos chocolates.

Universal Images Group via Getty

Em Portugal, o rápido encarecimento da matéria-prima fundamental não parece estar a encarecer o preço dos ovos de chocolate e das amêndoas, bem como dos outros produtos cujo consumo está muito associado à celebração da Páscoa. O Preço de Venda ao Público Recomendado (PVPR) em alguns dos chocolates mais vendidos não se alterou, de acordo com uma consulta do Observador aos folhetos que as principais cadeias de supermercados lançaram antes da Páscoa de 2023 e para esta Páscoa de 2024.

Aliás, até se encontram vários casos de produtos com muita saída e que, embora o PVPR não se tenha alterado face aos últimos anos, este ano os supermercados estão a fazer promoções que tornam os produtos mais baratos. É o caso, por exemplo, do ovo de chocolate Kinder (220 gramas, com brinquedo surpresa no interior) cujo PVPR está nos 17,99 euros e é a esse preço que foi vendido nos últimos dois anos. Este ano, porém, pelo menos uma das principais cadeias de supermercados está a comercializá-lo a 15,29 euros.

O vírus que está a matar os cacaueiros (e outras desgraças)

Na origem da escassez está o cansaço dos cacaueiros na Costa do Marfim e no Gana, que produzem 70% do cacau que se faz no mundo. Muitas destas árvores estão há mais de 20 anos a produzir, ano após ano, e não se investiu na renovação e substituição destas árvores como se devia ter feito, como explica ao Observador Matthew Michael, diretor de investimentos na gestora Schroders.

Nestes países “há um parque cheio de árvores velhas, mais vulneráveis a condições adversas” como pestes e tempestades. Um vírus, em particular, infetou só no Gana mais de 500 mil hectares da área plantada, cerca de um terço do total que existe naquele país. É um vírus que inflama as árvores e descolora as folhas. Logo a partir do momento em que a infeção começa a produção reduz-se e, regra geral, passados dois ou três anos aquela árvore está morta.

As árvores, por serem velhas, são mais sensíveis às chuvas fortes e extemporâneas que surgiram no passado recente. Mas, também, estão a sofrer com o oposto disso: o El Niño está a causar a pior seca desde 2016, naquela região, e “isso está a ser devastador para as colheitas, levando ao maior défice que foi visto nos últimos 40 anos”, acrescenta Matthew Michael.

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Um vírus que inflama as árvores e descolora as folhas infetou só no Gana cerca de um terço do total que existe naquele país.

Bloomberg via Getty Images

Até que valores pode o cacau continuar a subir? Matthew Michael não arrisca prognósticos mas reconhece que “os preços devem continuar em níveis elevados” porque o ciclo de substituição das plantações é muito longo, as árvores normalmente precisam de entre três a cinco anos para começar a produzir uma colheita.

Uma solução rápida do lado da oferta, portanto, “não será muito provável”, diz. E do lado da procura o cenário também não aponta para uma redução dos preços da matéria-prima. “A procura [por produtos à base de chocolate] tem-se mantido firme, porque as produtoras de chocolate têm tomado a opção de limitar a repercussão dos preços nos consumidores”, salienta o especialista.

Algumas produtoras têm optado por substituir o cacau e o chocolate por outros produtos, quando possível, aumentando as doses de caramelo e açúcar, mas isso ainda não está a acontecer a uma escala muito significativa”, acrescenta Michael Matthew, da Schroders.

Mas quando se diz que se chegou à situação atual por falta de investimento nas plantações, Matthew Michael sublinha que os produtores de cacau estão a exacerbar a crise de oferta porque decidiram lançar uma espécie de “greve” ao fornecimento. É isso que também está a alimentar a especulação nos mercados de futuros e a levar ao “pânico” descrito por Guan Chong, líder de uma das maiores empresas mundiais do setor.

Os produtores, que são quem tem de fazer agora a renovação das plantações, alegam que, em média, ficam apenas com 7% do valor acrescentado que existe na cadeia de valor ligada a esta matéria-prima e à produção de chocolate.

Apenas 7%, para os produtores, não é suficiente tendo em conta que, segundo os próprios, 35% do valor acrescentado fica para as confeiteiras e 44% para as retalhistas. “Gerou-se uma disputa [entre produtores e processadores] e muitos agricultores estão a recusar-se a vender a produção aos maiores compradores”, exigindo ficar com uma fatia maior do valor que esta indústria gera, diz Matthew Michael.

“Gerou-se uma disputa [entre produtores e processadores] e muitos agricultores estão a recusar-se a vender a produção aos maiores compradores, por quererem uma fatia maior do valor acrescentado.”
Matthew Michael, diretor de investimentos da Schroders e especialista em matérias-primas.

Mas há um fator adicional que estará a contribuir para o aumento do preços sobretudo na Europa. Uma nova legislação da União Europeia vai obrigar, a partir de 30 de dezembro, que todas as empresas envolvidas neste setor provem que os produtos que importam para o continente europeu não foram obtidos em processos que contribuíram para a desflorestação noutra parte do mundo (em particular, na África Ocidental).

Esta legislação “é como uma arma apontada à nossa cabeça“, disse Paul Davis, presidente da maior associação europeia que representa o setor da confeitaria, citado pela Bloomberg. A adaptação a essa nova regra, além de exigir investimentos significativos, vai “provocar disrupção no setor durante ou um ou dois anos, e isso pode significar preços mais elevados na Europa“, acrescentou o responsável.

“Mexer nas receitas seria um erro”, diz presidente da Nestlé

As empresas que estão no meio da cadeia de valor, entre o agricultor e o retalhista, estão numa situação delicada – pressionadas tanto por quem lhes fornece a matéria-prima como por quem, depois, vai fazer chegar o chocolate aos consumidores. Contactada pelo Observador, fonte oficial da Nestlé, uma das maiores empresas mundiais neste setor, salientou que “nunca faz comentários sobre a sua política de preços porque as regras do direito da concorrência o proíbem, na medida em que tal divulgação pode prejudicar o próprio consumidor”.

“De uma forma transversal, a política de preços faz parte da estratégia comercial das empresas e constitui, normalmente, um segredo comercial“, diz a Nestlé, acrescentando porém que, “relativamente ao eventual impacto nos preços ao consumidor, cabe-nos esclarecer que o preço dos produtos ao consumidor é determinado pelos retalhistas e não pela Nestlé”.

Além disso, a Nestlé oficialmente desvaloriza o impacto, mesmo quando houve uma quadruplicação do preço da matéria-prima mais importante para muitos dos seus produtos. “Não existe necessariamente uma relação direta entre subida de preço de matérias-primas e preços. Apesar de ser um elemento muito relevante, depende de muitos fatores, sobretudo numa multinacional que opera em vários países e a diferentes níveis da cadeia de distribuição”, afirma a empresa.

Há algumas semanas, Mark Schneider, presidente da Nestlé, foi um pouco mais longe, numa teleconferência com jornalistas. “Mexer agora nas receitas e nos perfis de sabor, simplesmente porque os preços da matéria-prima subiram, na minha opinião, seria um erro“, afirmou, acrescentando que é “apenas mais uma variação de custos com a qual a empresa terá de lidar”, como já fez com a subida dos preços do açúcar.

"Mexer agora nas receitas e nos perfis de sabor, simplesmente porque os preços da matéria-prima subiram, na minha opinião, seria um erro."
Mark Schneider, presidente da Nestlé, em finais de fevereiro

Regra geral, as empresas produtoras de chocolate recorrem aos mercados de futuros de matérias-primas, comprando contratos futuros com data de entrega oito ou nove meses posterior. Dessa forma, as empresas tentam gerir o melhor possível o risco para as suas operações e, quando os preços começaram a subir, a estratégia inicial foi comprar menos, à espera que o solavanco nos preços passasse. Mas aconteceu o contrário: como os preços continuaram (e continuam) a subir, as empresas tiveram de voltar ao mercado em força, exacerbando a sensação de escassez no setor.

Uma corretora de matérias-primas, a Marex Group, calculou recentemente que as principais empresas estão “salvaguardadas” por mais seis meses, aproximadamente, devido ao tal efeito “ao retardador” que existe neste negócio. Mas se os preços não baixarem até lá as produtoras de chocolate terão de comprar este “ouro castanho” ao preço que tiverem de pagar – e essa é uma das razões pelas quais o banco Morgan Stanley reduziu a recomendação pelas ações da norte-americana Hershey’s, temendo que “a forte valorização do cacau acabe por afetar o valor da empresa a partir de 2025”.

O homem que queria comprar todo o cacau do mundo e outras histórias

Em Portugal, o Observador contactou também a Imperial, empresa do norte do País que fabrica, entre outros, as amêndoas de chocolate Regina e o chocolate de culinária Pantagruel. Francisco Pinho da Costa, diretor de marketing da Imperial, garante que a empresa está a responder ao aumento com maior aposta em “eficiências” internas e “sinergias” nos processos de produção, “garantindo sempre que o produto mantém a qualidade”.

“Até ao momento, num exercício de enorme responsabilidade e compromisso, a Imperial tem feito um esforço para passar o mínimo possível dos aumentos nos custos de produção para os consumidores nacionais”, diz o responsável, acrescentando que o “esforço é feito com o objetivo de manter os produtos das marcas Imperial acessíveis num momento tão delicado e, em especial, nesta quadra de Páscoa”.

Mas a empresa vai continuar a monitorizar a evolução das “variáveis” como o preço do cacau, “garantindo sempre que a sustentabilidade do negócio é assegurada“, uma forma de dizer que não se pode garantir que os preços de venda não irão aumentar.Porém, tal como a Nestlé, a Imperial salienta que “acabam por ser os retalhistas a determinar o custo final dos produtos“.

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