24 fevereiro 2022
Duas divisões russas partem em direção a Kiev, vindas do lado leste do Dnipro (estrada que vem de Chernihiv)
Cidade de Vasylkiv começa a ser bombardeada
Coluna de quatro regimentos parte da Bielorrússia para Kiev, pela margem oeste do Dnipro
Começa assalto ao aeroporto Antonov (Hostomel)
25 fevereiro 2022
Assalto em Hostomel continua
Russos tentam tomar base aérea em Vasylkiv (sul de Kiev) durante a noite. Derrotados de manhã, fogem
27 fevereiro 2022
Ataque a Bucha
Dias seguintes
Russos ocupam a cidade de Hostomel, perto do aeroporto, e aldeia de Moschun
Ucranianos travam coluna russa entre Bucha e Irpin, que desmobiliza
5 março 2022
Russos controlam Hostomel e Bucha
7 março 2022
Russos tomam de vez aeroporto de Hostomel
10 março 2022
Coluna de leste (a que veio da estrada de Chernihiv) é travada em Brovary
26 março 2022
Russos expulsos de Moschun
31 março 2022
Anunciada libertação de Chernobyl e de Bucha
Coluna leste retira
Eram 5h da manhã do dia 24 de fevereiro quando a cidade de Vasylkiv foi atingida pelos primeiros mísseis de cruzeiro. Uma localidade com apenas 36 mil habitantes, cerca de 30 quilómetros a sul de Kiev, à primeira vista não parecia o alvo militar mais relevante para a tentativa russa de conquistar a capital ucraniana. Mas Vasylkiv tem uma pequena base aérea, usada sobretudo como escola de aviação, e isso tornava-a valiosa. A estratégia do Kremlin era simples: ocupando uma base aérea, poderia depois enviar reforços por ar a fim de ocupar o resto da cidade.
Para além dos mísseis que atingiram a base aérea na primeira madrugada da invasão, por terra apareceram vários membros das forças especiais russas para ataques cirúrgicos. Nos dias seguintes, Vasylkiv tornou-se um campo de batalha. Os mísseis atingiam vários pontos da cidade, incluindo um depósito de combustível, que explodiu. No asfalto de uma estrada, escreveram a giz um sinal com dois metros de largura que dizia AZ — “A” para identificar o batalhão Alpha das Forças Especiais russas, “Z” porque é a letra que passou a simbolizar a invasão, pensam os ucranianos.
O ataque foi violento e durou dois dias. Depois de um dia de pausa para se reorganizarem, os russos voltaram ao ataque na madrugada de 25 para 26 de fevereiro. Dois agentes das forças especiais russas fizeram-se passar por polícias ucranianos e dispararam sobre soldados num checkpoint. Logo de seguida, dois aviões de transporte II-76MD russos aproximaram-se da base aérea, tentando aterrar. Cada um trazia cerca de 125 homens, prontos para continuar a invasão a Kiev. Os ucranianos, porém, conseguiram repeli-los. Ao mesmo tempo, nas ruas, registam-se os combates corpo-a-corpo — particularmente violentos na avenida Dekabrystiv. Às 7h30 da manhã do dia 26 de fevereiro, a presidente da Câmara de Vasylkiv, Natalia Balasynovych, anunciava a derrota dos russos na cidade.
A estratégia de ocupação de uma base aérea, porém, não era exclusiva para o pequeno campo de Vasylkiv. O aeroporto de Hostomel, a oeste do centro de Kiev, era um dos alvos principais do Kremlin em caso de invasão — há tanto tempo que o próprio diretor da CIA, William Burns, já havia avisado o governo ucraniano disso mesmo. A apenas 15 quilómetros da capital, era uma base essencial para trazer reforços militares, enquanto não chegavam as duas grandes colunas que a Rússia pôs em marcha em direção à capital — uma de leste, vinda da estrada de Chernihiv, com mais de 20 mil soldados; e outra de oeste, vinda da Bielorrússia (praticamente com a mesma dimensão). Depois, previam os russos, Zelensky fugiria e seria fácil impor um governo-fantoche.
Na manhã do dia 24 de fevereiro, o ataque a Hostomel começou, implacável. Primeiro com um míssil de cruzeiro disparado às 7h, que caiu perto de um apartamento na pequena localidade. Depois continuou com a chegada de 20 helicópteros de ataque Ka-52 Alligator, que dispararam diretamente para o aeroporto Antonov. “As pessoas olhavam umas para as outras, percebiam o que estava a acontecer, mas não percebiam porquê”, recordou um dos empregados do aeroporto ao Washington Post, meses mais tarde, relatando como os civis se esconderam no abrigo por baixo da cantina. Os Alligator trazem a bordo centenas de pára-quedistas russos, das tropas especiais, que aterraram e começaram de imediato a tentar tomar a infraestrutura de assalto.
Os ucranianos defendiam-se como podiam, mas o aeroporto Antonov estava desfalcado. Muitos dos militares mais experientes da zona partiram dias antes para o Donbass, para combater no conflito com os pró-russos que decorre desde 2014. Agora, ali no coração da Ucrânia, havia apenas 300 soldados para defender o aeroporto, a maioria com pouca experiência de combate. Apesar disso, não desertaram e continuaram a disparar contra os para-quedistas russos durante horas.
A tentativa russa para tomar Kiev seguia assim, em grande escala, com uma força avassaladora. Enquanto o sol nascia naquela madrugada de 24 de fevereiro e as forças especiais russas atacavam as bases aéreas de Vasylkiv e Hostomel, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, telefonou a vários líderes internacionais, avisando-os: “Começou”. Horas depois, gravava um vídeo que daria o tom para a resistência ucraniana: “Hoje peço-vos, a cada um de vocês, que se mantenham calmos. Se possível, fiquem em casa”, disse, garantindo que o exército estava a responder aos ataques. “Estamos prontos para qualquer coisa. Iremos derrotar quem quer que seja. Glória à Ucrânia!”.
A sua equipa, porém, sabia que a vitória não estava garantida. O ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, confessaria mesmo mais tarde que a ansiedade era tanta que, nos dias seguintes, começou a ser acompanhado por um psicólogo.
Os primeiros relatos de Hostomel não eram encorajadores: os russos tomaram o controlo do aeroporto em poucas horas. “Isso era negativo para nós”, admitiu o general Oleksandr Syrsky, responsável por comandar a defesa de Kiev. “Mas, por outro lado, o fogo de artilharia [que disparávamos] em direção à pista e aos locais de desembarque atrasavam significativamente a aterragem e frustravam os planos deles”.
Os ucranianos conseguiam assim ir atrasando a chegada de reforços russos. Ao mesmo tempo, ia-se formando um fenómeno de resistência cidadã de apoio às tropas ucranianas. Na cidade de Hostomel, por exemplo, ao segundo dia da invasão já Dmytro Lysovyy estava a participar no canal de Telegram “STOP Russian War”, criado pelos serviços de informação ucranianos, como contou ao Financial Times. Como ele, muitos outros enviavam detalhes sobre as movimentações das tropas russas, ajudando a Ucrânia a travá-las. Não tardaria a que, ali em Hostomel, os soldados russos entrassem pelas casas adentro, tirando e destruindo computadores e telemóveis às pessoas.
Enquanto as tentativas para controlar Vasylkiv e Hostomel decorriam, as duas colunas de tanques a leste e oeste do rio Dnipro avançavam. Do lado ocidental, logo na madrugada do dia 24, várias brigadas vindas da Bielorrússia soltavam-se do grupo principal para entrar na zona de exclusão de Chernobyl, onde se mantém até hoje adormecido o reator que provocou um dos piores acidentes nucleares da História.
Era já de manhã quando algumas das brigadas entraram pelo noroeste, passando pela aldeia de Vilcha, e outras pelo nordeste, pela aldeia de Kamaryn. Às 14h, vários veículos pararam à porta do edifício principal da administração de Chernobyl. A zona era apenas defendida por 169 soldados da Guarda Nacional ucraniana; perante a presença de centenas de soldados russos, vestidos com fardas pretas e uma faixa branca no braço, renderam-se de imediato.
O risco de contaminação fez com que a ocupação tivesse sido negociada diretamente pelos militares russos com os cientistas que trabalhavam no local, durante três horas. Daí para a frente, o espaço foi dividido entre russos e ucranianos e assegurada uma convivência mínima. Apesar dos vários avisos dos especialistas, alguns soldados russos desafiariam a sorte: caçaram veados para comer, apesar do risco de contaminação; e cavaram trincheiras no solo radioativo.
Enquanto as brigadas de Chernobyl se mantinham numa missão cujo objetivo militar era uma incógnita, o resto da coluna vinda da Bielorrússia seguia em direção a Kiev. Ao perceber essa aproximação, a par da coluna que vinha de leste, o general ucraniano Oleksandr Syrsky desenhou um plano de defesa da capital: fazer dois anéis de defesa em torno da cidade, um exterior nos subúrbios e um interior, no centro de Kiev. O anel exterior, composto por vários soldados, começou a atacar as colunas russas com recurso a Javelins e drones Bayraktar.
Três dias depois do início da invasão, os russos conseguem as primeiras vitórias. Enquanto a luta pelo controlo pelo aeroporto Antonov continua, os militares conseguem ocupar de vez a cidade de Hostomel e avançam para a vizinha Bucha. Os combates são ferozes, mas Bucha cai para os russos. Daí, tentam avançar para Irpin. Os militares ucranianos, porém, não tencionam ceder mais um milímetro de território. “Bem-vindos ao inferno”, escrevem na betoneira que colocam a bloquear a estrada de acesso a Irpin. Depois, o comando toma a difícil decisão de rebentar a ponte de acesso entre as duas cidades, para dificultar a entrada dos tanques russos. E, à medida que os tanques russos se aproximam, os ucranianos começam a disparar contra eles.
A estratégia ucraniana funciona. Ao fim de três horas a serem atacados, os soldados russos desmobilizam.
“Os russos não estavam preparados para a guerra não-convencional. Não sabiam como lidar com uma situação de insurgência, de combate tipo guerrilha”, resumiria o especialista militar Rob Lee ao Washington Post, no balanço da batalha de Kiev.
A destruição da ponte de Irpin, combinada com os ataques à distância sem misericórdia contra a coluna russa, levaram os generais a desistir da ofensiva ocidental. E a campanha por Kiev começava a desmoronar para a Rússia. A tomada do aeroporto Antonov, em Hostomel, tardava, sendo preciso chamar os chechenos de Ramzan Kadyrov para conseguir a conquista de vez (a 7 de março).
A norte da cidade, o engenho dos ucranianos conseguiria alistar mais um aliado para travar a ofensiva russa: a natureza. Os terrenos pantanosos da região, combinados com a destruição de um dique por parte dos ucranianos para alagar a zona, travaram o avanço dos russos. O combate pela aldeia de Moschun, que havia sido ocupada logo durante a primeira semana da guerra, acentua-se ao longo do mês de março — e a água é decisiva para virar o jogo a favor dos ucranianos. No final do mês, os russos serão derrotados de vez ali, a norte de Kiev.
Com a coluna ocidental desmobilizada e as tropas a norte travadas pela água e pela ação dos militares ucranianos, chegados a 10 de março só a coluna a leste do Dnipro ainda avança decidida em direção a Kiev. Mas as táticas de guerrilha dos ucranianos funcionam. Em Brovary, a 25 quilómetros do centro da capital, a coluna de tanques e veículos militares russos cai numa emboscada. Atingidos por mísseis anti-tanque por vários lados, os soldados russos entram em pânico e decidem fugir a pé. Alguns refugiam-se na floresta, outros tentam permanecer na cidade. Vários serão feitos prisioneiros.
Os dias seguintes são de impasse para a Rússia. Começa a ser evidente que foi travada a sul, leste, oeste e norte. Ter o controlo do aeroporto de Hostomel de nada vale quando os soldados ucranianos conseguem atacar a partir de qualquer acesso a Kiev. A 25 de março, cerca de um mês depois do início da ofensiva, o Kremlin reconhece ter perdido 1.351 homens no ataque a Kiev — um número que os especialistas militares dizem, na verdade, poder ultrapassar os três mil. A NATO estima o número de mortes russas na ofensiva entre as sete mil e as dez mil. A Ucrânia fala em 20 mil baixas.
Na prática, a sua coluna de leste continua encravada, presa numa fila de trânsito interminável, que se estende por mais de 60 quilómetros. O impasse é provocado em parte pelo desconhecimento do terreno, que leva comandantes a ordenarem a veículos gigantescos que se metam por ruelas. Ao mesmo tempo, são bombardeados sem piedade pelos ucranianos. Parte dos seus soldados desertou ou rendeu-se. Não há vitória possível no horizonte, razão pela qual, a 29 de março, o Kremlin anuncia timidamente a “redução de atividade militar” na zona de Kiev. É o reconhecimento possível da derrota. Dois dias depois, os soldados da coluna de leste abandonam de vez os veículos e os militares em Chernobyl partem de vez.
O contingente que estava em Bucha também abandona a cidade. Os dias seguintes ficariam marcados pelas descobertas horrendas do que ali aconteceu durante um mês de ocupação russa. Cadáveres de civis com marcas de tortura, mãos atadas, tiros à queima-roupa. Corpos ainda no meio da rua, abandonados. Ao todo, 458 vítimas mortais encontradas naquela pequena cidade às portas de Kiev, para lá da qual os russos não conseguiram avançar.