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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Entrevista ao casal de médicos que conseguiu sair de Mariupol. "Fugimos do Inferno. Tropeçava-se em cadáveres na rua"

Lutas por água. Roubo de cobertores. Destruição. Pilhagens. Fome. Mortos nas ruas. 19 checkpoints russos. Entrevista do Observador em Kiev ao casal de médicos que deixou Mariupol: "Fugimos do Inferno"

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Um dos dois gatos que seguia no carro apinhado de gente em fuga de Mariupol parou de miar na primeira vez que se confrontaram com os russos armados a barrar a estrada a quem tentava escapar do inferno. Ludmila diz que o seu gato manteve o silêncio e mostrou um olhar zangado aos soldados inimigos. Quando foram libertados e puderam seguir viagem, o gato voltou a miar. “Os gatos são tão inteligentes!”

Ludmila  Goncharova, 57 anos, e o marido, Konstantin Dolhopolyi, 67, são ambos especialistas em medicina de emergência. Recebem o Observador à porta de uma casa do filho em Kiev, para recordar o que viveram no último mês, desde as 4h20 da manhã do dia em que começou a guerra, quando Ludmila ouviu os primeiros rebentamentos. “Ainda estava escuro. Eu até disse ‘Kostia, o que é isto?’ (Kostia é um dos diminutivos por que trata o marido, ele chama-lhe Lud ou Lucy.) O médico foi logo pesquisar as notícias na internet e respondeu-lhe: “Lucia, a Rússia declarou-nos guerra”. E depois de uma pausa: “O que vamos fazer? Se calhar vamos ter de tentar salvar vidas novamente.”

Enquanto recordam este momento inicial, estão sentados lado a lado, a uma mesa onde o marido tem o computador aberto, para ir mostrando mapas e as imagens possíveis relacionadas com o drama e a fuga. As respostas são quase sempre de Ludmila. [Os apartes de Konstantim são assinalados no texto]. Fumam muitos cigarros ao longo das quatro horas em que a conversa foi sendo abafada aqui e ali por sirenes e explosões que se ouvem na capital ucraniana.

Ambos estão reformados e viviam em Mariupol sem outros familiares. No primeiro dia desta guerra, inscreveram-se nas Forças de Defesa Territorial e estavam dispostos a pegar em armas (Ludmila chegou a praticar lançamento do dardo aos 20 anos). Chamaram-nos a uma base militar logo ao segundo dia, mas não tinham armas nem funções para lhes confiar a eles e a outros voluntários e mandaram-nos dispersar. Em vez de irem para casa, ouviram falar num abrigo subterrâneo num grande complexo desportivo e ginásio chamado Terrasport e foram ver como é que podiam ajudar.

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Conseguem descrever o que encontraram quando chegaram ao complexo desportivo Terrasport?
Dia 25 já estavam lá umas duas mil pessoas, de todo o tipo e idades. O cenário era horrível. Estavam pessoas deitadas no chão de cimento, paralisadas ou feridas, em cima de mantas, trapos e roupa suja. Não havia espaço, era quase impossível andar. Grande parte das pessoas era da zona Este de Mariupol, a primeira a ser atacada, e que tinham ficado sem poder dormir em casa, por terem sofrido bombardeamentos. De nossa casa tínhamos conseguido ver várias casas a arder nessa zona de Mariupol.

Começaram a tratar os feridos?
Oferecemo-nos para ajudar e perguntaram-nos o que sabíamos fazer: construir, curar ou alimentar? Dissemos que éramos médicos e pediram-nos para organizar um posto médico. Atribuíram-nos um espaço subterrâneo, onde havia mesas usadas para as massagens e equipámo-las como pudemos, com a ajuda de voluntários que trouxeram medicamentos e outros materiais de ajuda humanitária.

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Só vocês é que prestavam apoio médico a tanta gente?
Uma colega, professora de Medicina, também se juntou a nós. E havia uma coordenadora do espaço, que nos apresentou a uns pediatras que também lá estavam. Éramos 3 médicos e 2 pediatras.

Havia muitas crianças?
No dia 1 de março já tínhamos 4 mil pessoas, das quais 2.500 eram crianças. Decidimos logo no início fazer dois postos médicos, porque percebemos que tínhamos de separar os adultos das crianças. Depois já ninguém registava as pessoas que chegavam. E havia muita gente que vinha apenas para comer, porque alguns restaurantes entregavam ali comida. Ainda se acrescentaram as pessoas que se refugiaram na cave de um cinema próximo, onde não havia posto médico — quando precisavam de apoio médico, vinham ter ao nosso posto no complexo desportivo.

Havia corpos em muitas esquinas. Uns foram atingidos nas suas próprias casas, outros enquanto estavam a conduzir ou a ir ao supermercado. Não havia possibilidade de fazer funerais destas pessoas, por isso eram enterradas nos seus jardins ou nos quintais dos vizinhos. Nós perguntávamos à polícia o que se devia fazer com os corpos e eles disseram que era necessário atar as mãos e os pés e enterrar em algum lado, para os cadáveres não serem atacados pelos cães vadios.

Quais eram as situações mais complicadas que enfrentavam?
O mais assustador é que os idosos que foram retirados das suas casas e separados das famílias estavam a ficar psicologicamente desestabilizados, loucos. E como não tínhamos medicação para os ajudar, não podíamos fazer nada. Muitas pessoas entregavam-nos os avós e pediam-nos para fazermos alguma coisa, porque gritavam toda a noite e desestabilizavam as pessoas, era assustador.

Estradas destruídas, casas a arder, destroços de rockets e pilhagens nos supermercados

Enquanto asseguravam a assistência médica na cave do Terrasport, Ludmila e Konstantin passavam ali quase 24 horas por dia. Faziam uma pausa de 2 horas, para irem a casa alimentar os gatos e tomar um banho, na altura em que ainda existia água e eletricidade.

Nessas deslocações a casa, o que é que viam na cidade? Iam-se apercebendo da destruição?
Claro que sim. Que horror. A nossa casa ficava a uns 6 km do complexo desportivo e íamos vendo as estradas cada vez mais destruídas, as habitações a arder e as pilhagens nos supermercados destruídos: as pessoas iam lá e tiravam as coisas. Também víamos equipamento militar destruído e destroços de um rocket.

Viram cadáveres nas ruas?
Claro! Todos os dias víamos corpos nos passeios. Imensos, tropeçava-se em cadáveres, havia corpos em muitas esquinas. Uns foram atingidos nas suas próprias casas, outros enquanto estavam a conduzir ou a ir ao supermercado. Não havia possibilidade de fazer funerais destas pessoas, por isso eram enterradas nos seus jardins ou nos quintais dos vizinhos. Nós perguntávamos à polícia o que se devia fazer com os corpos e eles disseram que era necessário atar as mãos e os pés e enterrar em algum lado, para os cadáveres não serem atacados pelos cães vadios.

E as pessoas faziam esses enterros?
Claro! O que poderíamos fazer mais?

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Sabe-se que Mariupol foi deixando de ter água, luz, gás e comunicações. Destas coisas essenciais, qual foi a primeira de que se viram privados?
A primeira coisa que perdemos, ao quinto dia da guerra, foi a eletricidade, porque provém de uma zona que foi ocupada pelos russos.

Como é que as milhares de pessoas que estavam no complexo desportivo passaram a viver sem eletricidade?
Foi um choque, obviamente. Espalhámos algumas velas pelo recinto e deu para aguentar enquanto as pessoas ainda tinham bateria no telemóvel. Depois, uns voluntários felizmente conseguiram arranjar dois geradores velhos. Não davam para fornecer iluminação, mas permitiam que se continuasse a cozinhar, e, quando existia essa possibilidade, dava-se autorização para algumas pessoas carregarem os telemóveis.

A rede de água da cidade, que era de gestão pública, passou a trazer-nos um camião grande com água. As crianças tinham prioridade, porque precisavam de água para preparar as misturas alimentares que lhes dávamos. Mas houve situações complicadas, com algumas pessoas a tornarem-se monstros. Queriam a água uns dos outros. É o instinto de sobrevivência.

Continuavam a ter rede para conseguir comunicar?
O último dia em que as pessoas tiveram rede foi 2 de março. Existia apenas um sítio no centro de Mariupol chamado “Tysiasha”, que tinha um posto da Kyivstar [rede ucraniana de comunicações móveis] e só daí é que era possível tentar ligar a alguém. Mas depois os russos começaram a atacar esse posto e destruíram-no.

Acham que esses ataques foram propositados para as pessoas deixarem de conseguir comunicar?
Claro que sim! Eu acho que eles começaram a disparar contra o centro para as pessoas não irem para lá e acabaram por o destruir.

DR

Ainda continuavam a ter água e gás?
A água desapareceu um dia depois de termos ficado sem eletricidade. E passado três dias também deixámos de ter gás. Portanto, no dia 5 de março já não havia nem água, nem luz, nem gás. Mas os voluntários ajudavam-nos muito. A rede de água da cidade, que era de gestão pública, passou a trazer-nos um camião grande com água. As crianças tinham prioridade, porque precisavam de água para preparar as misturas alimentares que lhes dávamos. Mas houve situações complicadas, com algumas pessoas a tornarem-se monstros.

Lutavam para ter acesso à água?
Queriam a água uns dos outros. É o instinto de sobrevivência. Não existia qualquer organização. As pessoas percebiam que cada dia que passava era pior. A cada dia havia menos água e menos carros a fazer a distribuição. Infelizmente não havia água suficiente para todos, porque os motoristas também deixaram de conseguir circular na cidade, por as estradas estarem destruídas. Mariupol, uma cidade com 600 mil pessoas onde deixou de haver água…

Ouviam os bombardeamentos quando estavam no complexo desportivo?
Sim, quando ouvíamos os aviões já sabíamos que ia começar o bombardeamento. Ficávamos com medo, era assustador. Da rua, conseguíamos olhar para o céu e ver ligeiramente a cauda do avião da Federação Russa. Nos primeiros dias, eles voavam a mais baixa altitude, mas a partir do momento em que o Batalhão Azov abateu um avião, começaram a voar mais alto e a disparar bombas mais pesadas, de 250 kg e de 500 kg. Os homens do Batalhão de Azov são os nossos heróis.

Ludmila e Konstantim refutam as referências às tendências nazis de muitos membros deste batalhão. Ela até canta as músicas que os glorificam. “Serem nazis ou nacionalistas são coisas diferentes. Eles são nacionalistas, porque lutam pelo seu país”, distingue. E são os militares mais bem preparados para enfrentar esta guerra e defender as cidades”.

A vida das 2.500 crianças que viviam no complexo desportivo. E os problemas com idosos

Quem se levantava arriscava-se a perder a manta. Havia idosos a fazer as necessidades no mesmo chão em que dormiam. E as crianças que estavam no Terrasport não podiam sair do espaço, por causa dos bombardeamentos, mas também não podiam fazer muito, o que passou a ser um problema quando deixou de haver energia para carregar os telemóveis. E muitas ficaram doentes.

E como é que era a vida das 2500 crianças?
Quando deixámos de ter acesso à eletricidade, água e gás, as crianças começaram a ficar muito doentes, com febre e diarreia. E já não existia muita medicação nem ajuda dos voluntários.

Como é que as crianças passavam o tempo?
Ficavam sentadas na cave. Até podiam brincar com os cães e gatos, ou com os avós que estavam a perder a cabeça. Quando subiam ao primeiro andar para se alimentarem ou irem buscar água, poderiam conviver minimamente com outras crianças. Mas estavam proibidas de sair do complexo desportivo.

Onde é que as crianças dormiam?
Em colchões que estavam espalhados no chão. Mas quem se levantasse e deixasse de ter atenção às suas coisas podia voltar e já não encontrar o cobertor ou a almofada. Houve uma situação em que fui chamada para ajudar uma idosa, eu ia a caminhar pela cave com a lanterna, e foi muito difícil não pisar ninguém. Alguns idosos começaram a fazer as necessidades mesmo ali junto ao sítio em que dormiam. O cheiro era horrível. Depois fizemos umas latrinas na rua, para as pessoas pelo menos poderem ir lá fazer as necessidades.

Não havia lenha, não havia como cozinhar, não havia combustível, não havia nada para alimentar os animais, que vagueavam sozinhos pelas ruas, depois de os donos terem morrido. Em conjunto com os vizinhos, apanhávamos a neve e fervíamos para ter água, para fazer chá e lavar os dentes. Os rapazes cortavam árvores para termos lenha. E comíamos uma vez por dia, dividindo entre todos o pouco que ainda tínhamos, alguém tinha um bocado de carne, outro tinha batatas, outro tinha massa. E foi assim que conseguimos sobreviver.

Além da dificuldade de dar assistência a pessoas com problemas psiquiátricos, tiveram de tomar decisões médicas complicadas?
Não era nada de novo para nós, nós temos bastante experiência. Eu já tenho 32 anos de serviço médico e o Kostia 43 anos. Tivemos feridos, mas não tivemos ninguém que estivesse a morrer nas nossas mãos. Se necessitavam de uma ajuda mais especializada, íamos levar ao hospital, que na altura ainda estava a funcionar.

Alguma história de um doente ou de um ferido vos tocou particularmente?
Numa situação destas, se estivermos atentos ao drama de cada doente deixamos de ser tão eficientes a ajudar os outros rapidamente. Mas houve uma história de um rapaz que nos tocou. Decidiu sair do abrigo para ir a casa buscar uns documentos, numa zona controlada pelos russos, e voltou completamente partido, cheio de ferimentos nas pernas e num olho. Só me disse: “Eu sou um estúpido, porque é que fui lá? Dispararam contra mim, tentaram acertar-me pelas costas, eu tropecei em cadáveres e caí. Foi um milagre ter sobrevivido.”

Ficaram a prestar assistência na cave do Terrasport até quando?
A partir de 5 de Março os bombardeamentos começaram a atingir zonas cada vez mais próximas de nossa casa e eu e o Kostia, nesse dia, decidimos que tínhamos de sair do Terrasport para ir defender a nossa casa, porque já estavam a começar as pilhagens. Sentimos que a nossa missão estava cumprida, porque entretanto apareceram mais médicos a pedir abrigo, por terem tido as suas casas destruídas, e a oferecerem os serviços médicos e avisámos que iríamos embora.

Ferver neve para ter água para lavar os dentes

Em que condições viviam quando voltaram a casa?
Na nossa rua, que tem apenas moradias, organizámo-nos com os vizinhos para nos ajudarmos uns aos outros. Não havia lenha, não havia como cozinhar, não havia combustível, não havia nada para alimentar os animais, que vagueavam sozinhos pelas ruas, depois de os donos terem morrido. Em conjunto com os vizinhos, apanhávamos a neve e fervíamos para ter água, para fazer chá e lavar os dentes. Os rapazes cortavam árvores para termos lenha. E comíamos uma vez por dia, dividindo entre todos o pouco que ainda tínhamos, alguém tinha um bocado de carne, outro tinha batatas, outro tinha massa. E foi assim que conseguimos sobreviver.

Ludmila pára para ir ao telemóvel mostrar uma fotografia de uma salamandra artesanal construída pelo marido com as próprias mãos. Estavam 5 graus em casa, mas na sala onde colocaram a salamandra, a temperatura subia para 13 graus.

Eram quantas pessoas na vizinhança?
Éramos a rua toda, e as vezes até vinham pessoas da rua ao lado. Éramos umas 15 pessoas e umas 8 crianças. Dormíamos cada um na sua casa e de manhã juntávamo-nos para começar a cozinhar. Também preparávamos comida para levar às pessoas necessitadas da nossa Igreja ucraniana, que tinha alguns produtos alimentares, mas não tinha forma de os cozinhar. Então eu e uma vizinha, com os nosso maridos, fazíamos massa, panquecas, sopa e levávamos para a Igreja. Normalmente cozinhávamos para 100 pessoas, mas chegavam sempre multidões para ir buscar comida. Uma vez em que fomos até à Igreja para prestar os serviços médicos, era tanta gente a pedir ajuda que quase nos esmagaram. As pessoas que iam para a Igreja estavam à espera de ajuda humanitária, mas os russos tinham bloqueado a entrada da ajuda em Berdyansk. E eles não sabiam que a ajuda não vinha, porque não tinham acesso à internet… Nós não tínhamos acesso à informação. Só percebíamos que estávamos cercados.

Konstantim interrompe para dizer: “No carro eu conseguia sintonizar a rádio ucraniana, mas para a bateria do carro não acabar só ouvia umas 2 vezes por dia.”

As bombas que os fizeram arriscar fugir de Mariupol

O cerco militar russo a Mariupol manteve-se imparável. E as bombas chegaram à rua onde vivia o casal. Um momento fulcral para se convencerem a fugir dali.

Os bombardeamentos atingiram a vossa rua?
Voavam por cima de nós. A partir de 10 de março, a zona onde ficava a nossa casa passou a ser bombardeada quase a cada 5 minutos. Todas as noites, nós acordávamos com os aviões. O dia começava às 3 ou 4 da madrugada, com a queda de bombas que faziam tremer a nossa casinha. Sentíamos que a situação estava a ficar cada vez pior.

(Konstantim mostra no computador uma fotografia da destruição provocada por uma explosão: “Isto foi uma bomba de 500 kg”.)

Porque é que não decidiram tentar sair logo de Mariupol?
Entre os dias 9 e 17 de março o nosso bairro não era tão bombardeado comparativamente com os outros. E nós acreditámos que iriam fechar o céu, como o nosso presidente estava sempre a pedir, e tínhamos fé que a União Europeia nos ajudasse. Mas na manhã de 18 de março, enquanto os vizinhos estavam a cozinhar, caiu uma bomba mesmo no quintal deles. Eu corro para o corredor e grito para o Kostia: “Onde é que tu estás? Como estás?”. Via a casa dos vizinhos onde a bomba caiu a arder. Peguei na mala médica e gritei para o Kostia: “Vamos correr, existem lá feridos, temos de ajudar!”. Saímos de casa e vimos um homem que gritava por ajuda e dizia que havia dois feridos, um deles com gravidade: eram os nossos vizinhos da outra rua.

Que tipo de ferimentos eram? Conseguiram prestar alguns cuidados médicos?
Um fragmento da bomba raspou na região pulmonar, ou seja, felizmente não chegou a penetrar. O outro vizinho tinha ferimentos graves  num braço e perdeu uma grande quantidade de sangue. Ainda por cima era diabético, dependente de insulina, foi tudo muito difícil. Estancámos a perda de sangue, fizemos o curativo e  trocámos-lhe a roupa. Depois quando estávamos a regressar, vemos a nossa vizinha a vir em nossa direção, também tinha apanhado o bombardeamento, e disse-me:  “Lucyia, vamos fazer as malas para ir embora imediatamente”. E eu: “Mas vamos onde? Não temos gasolina.” E ela: “Vamos todos embora, vamos para Bilosaray onde está o meu irmão”. Fica a 16/17 quilómetros de Mariupol.

Foram sozinhos ou combinaram sair ao mesmo tempo que os vizinhos?
A Ira disse que tínhamos de levar connosco o padre, que ia ficar em risco, por ser também capelão militar. Nesse dia 18 de março a parte de fora da Igreja tinha também sido bombardeada e isto tudo junto fez-nos tomar a decisão. Não havia nada que nos fizesse ficar lá. Falámos com todos os vizinhos da rua e começámos todos a sair e a dispersar em diferentes direções.

O combustível foi suficiente para sair da cidade?
Nós conseguimos ir até Bilosaray Kosa com o depósito na reserva. Lá, o irmão da Ira alojou-nos numa pensão chamada “Pedro” e foi a nossa salvação. À noite vimos uma imagem assustadora, em que estava tudo escuro menos um barco que lançava rockets contra a cidade de Mariupol. Tremia a terra e o mar. Aí percebemos que éramos bombardeados não apenas do céu, mas também do mar.

Os momentos de tensão com militares russos em 19 checkpoints

O irmão da vizinha de Ludmila e Konstantim ajudou-os a encontrar combustível, alguns pescadores e outros moradores deram-lhes um litro cada, e o casal de médicos preparou-se para seguir viagem. Cada um conduzia um carro. Ludmila transportava mais três passageiros e os dois gatos no automóvel de uma vizinha. Konstantim levava mais quatro pessoas no Toyota dele, incluindo o capelão militar.

Como é que foi o confronto com os militares russos ao longo da estrada?
Havia bandeiras russas e os militares a mandar parar. Dirigiam-se ao nosso carro, um falava connosco e outros dois ficavam com as armas apontadas na nossa direção. Fomos por uma estrada secundária, mais velha, mas mesmo assim enfrentámos ao todo 19 check-points militares controlados pelos russos. Eles revistavam o carro e pediam-nos os passaportes.

Havia mais carros na estrada a fugir de Mariupol?
Sim, uns 40 carros em fila em cada checkpoint, tínhamos de ficar à espera aproximadamente 1h30 até revistarem os carros. Mas quando apenas pediam os documentos, era mais rápido, meia hora em cada checkpoint. A algumas pessoas retiravam o telemóvel.

O que levaram na bagagem?
Nós não tínhamos nada, fomos como estávamos vestidos. Apenas tínhamos os computadores e conseguimos levar água e comida para os gatos.

E comida para vocês?
Qual comida para nós? Nós não comíamos. Emagreci tanto, devo ter perdido uns 5 kg. Ficámos metade de nós.

A postura dos soldados russos era muito agressiva?
Depende de onde eles eram. Se fôssemos parados por militares de Moscovo, como eles são mais europeus, mostravam-se mais respeitadores, alguns deles até pediam desculpa por invadirem a Ucrânia, e diziam que o tinham feito porque não sabiam o que ia acontecer. Outros pareciam mais imprevisíveis e ameaçavam-nos com armas. Num dos checkpoints pediram ao padre que saísse do carro e perguntaram se podia despir a roupa da cintura para cima, para poderem ver se tinham tatuagens simbólicas, por exemplo no caso do Batalhão Azov. Nós sabíamos que quando eles perguntavam quem ia no carro, caso fossem médicos, eles deixavam passar — daí termo-nos dividido pelos 2 carros. Eles viam os telemóveis, portanto apagámos todas as apps, porque eles retiravam o telemóvel quando encontravam algo simbólico sobre a Ucrânia. Na rádio tínhamos ouvido o aviso: “Caso fujam das vossas cidades, apaguem tudo o que tenham no telemóvel”.

Eles viram os vossos telemóveis?
Não. Percebemos depois que muitos deles só retiravam os telemóveis a quem fugia porque eles próprios não os tinham e queriam contactar com os seus familiares. Nós decidimos comprar maços de tabaco, para lhes oferecer nos checkpints. Eles ficavam contentes e deixavam-nos passar mais depressa.

Os soldados no primeiro checkpoint ucraniano eram mesmo bonitos, nada a ver com os russos. Estavam simplesmente a tentar acelerar a passagem de carros. Eles tinham o sonho que nós todos conseguíssemos sair dali, falo disto com arrepios na pele. Pela primeira vez em 25 dias, eu sorri, foi como um alívio no coração.

Após ter sofrido o que sofreram, como é que foi enfrentar pessoalmente soldados inimigos pela primeira vez?
(responde Konstantin) Só me apetecia sufocá-los. Mas nós queríamos era passar o mais rápido possível, por isso tínhamos de tentar conter as emoções. Sentíamos ódio por eles, mas tínhamos de nos controlar. Num dos postos é que houve uma situação mais difícil, onde um miúdo de 20 anos começou a armar-se em superior e a dar ordens:
–  Abre a bagageira!
–  Não vou abrir, se não cai tudo.
–  Abre!
Tivemos mesmo de abrir. O padre disse que não valia a pena desafiá-los, porque eles eram imprevisíveis, eu também tive de me conter, porque não era responsável apenas por mim, mas também pelas outras pessoas que estavam no carro.

Ludmila completa a resposta do marido: “Foi genuinamente assustador. Agradeço a Deus por ter estado connosco e ter-nos ajudado nessa viagem.”

A emoção de voltarem a ver soldados ucranianos

Ainda apanharam bombardeamentos ao longe pelo caminho. E foram distribuindo as várias pessoas que transportavam nos carros, entre vizinhos, o padre e mais uma mulher com as duas filhas, de 3 e 16 anos, a quem deram boleia em Berdiansk. No fim do percurso ficaram apenas Konstantin e Ludmila, mais os dois gatos.

Quando é que chegaram ao primeiro checkpoint ucraniano?
Ao fim de 10 horas. A distância entre o último checkpoint russo e o primeiro ucraniano era de uns 6 quilómetros, mas não existia estrada direta, porque tinha sido derrubada uma ponte, portanto tivemos de ir por um terreno com minas.

Qual foi a sensação de verem os militares e a bandeira do vosso país?
Eram mesmo bonitos, nada a ver com os russos. Estavam simplesmente a tentar acelerar a passagem de carros [Ludmila imita os gestos de um sinaleiro a mandar avançar o trânsito]. Eles tinham o sonho que nós todos conseguíssemos sair dali, falo disto com arrepios na pele. Pela primeira vez em 25 dias, eu sorri, foi como um alívio no coração.

Qual era a distância entre Mariupol e o primeiro posto ucraniano?
Por uma estrada normal, seriam 220 km. No entanto, como nós vínhamos de Zaporizhzhya, foi cerca de 180 a 200 km.

Vocês sabiam para onde queriam ir?
Sim, o nosso filho arrenda um apartamento aqui em Kiev, portanto viemos para aqui, por termos onde ficar.

Depois de fugir, liguei à filha de uma colega e perguntei-lhe onde estava a mãe dela. E ela disse que estava tudo bem, que ela estava sentada na cave e para eu não me preocupar, porque a mãe lhe ia ligando e estava tudo bem. E eu respondi: “Não! Não está nada bem! Temos de ser realistas! Eles que saiam das caves e vão a pé. Que procurem carros destruídos e mudem as rodas. Não adianta ficar à espera de ajuda, ponto!"

Qual era a distância entre o primeiro posto ucraniano até Kiev?
Nós saímos ainda de noite de Zaporizhzhya, conseguimos arranjar combustível e fomos até Dnipro, porque o padre tinha lá um primo que nos deu alojamento gratuito num hotel. A viagem até Dnipro demorou umas 12 horas. No total, demorou 3 dias de Mariupol até Kiev, devido às paragens, e também porque tivemos de evitar as estradas mais diretas, para contornarmos os campos de batalha.

As mensagens aos amigos: “Conseguimos fugir do inferno. E vocês onde estão?”

Ludmila e Konstantin tinham apagado todas as apps de redes sociais dos telemóveis, seguindo o conselho que ouviram na rádio, para o caso de os militares inimigos irem ver os aparelhos. Assim que tiveram internet, reinstalaram tudo e começaram a escrever aos familiares e amigos que estavam online.

Quando é que tiveram pela primeira vez acesso a comida ou internet, por exemplo?
Em Dnipro. A viagem até aí demorou 12 horas, e só fomos bebendo água, mais nada. O padre avisou os seus familiares em Dnipro que nós estávamos a caminho, portanto prepararam uma refeição para nós. O irmão do padre tinha lá um hotel, chamado “Vanzai”. Mas o nosso estado emocional era nulo, nós nem estávamos vivos, nem mortos. Quando chegámos queríamos apenas beber e fumar. Nem à casa de banho queríamos ir. O mais importante para nós naquele momento era carregar os telemóveis para poder ligar aos familiares e amigos a dizer que estávamos vivos.

O que é que se escreve numa mensagem dessas?
Eu escrevia assim: “Conseguimos fugir do inferno. E vocês onde estão?” Como tínhamos tudo desinstalado [para o caso de os soldados russos irem ver os telemóveis ou ficarem com eles], primeiro descarregámos as aplicações e as redes sociais necessárias para comunicarmos: Facebook, Whatsapp, Telegram, Viber. Quando liguei de novo o telemóvel tinha muitas mensagens de pessoas que estavam preocupadas comigo, a perguntarem como estava e a oferecerem abrigo fora de Mariupol: “Venham cá ter connosco, dou-vos comida e roupa, dou-vos tudo o que for necessário, podem ficar aqui o tempo que quiserem!”. Também tinha mensagens a dizer que rezavam por nós e a pedirem para nos protegermos. Ainda lá em Mariupol, no dia 17 de março, consegui apanhar internet e enviei esta mensagem a uma amiga: “Os aviões russos estão a bombardear-nos, mas ainda estamos vivos!”. Só li depois a resposta da minha amiga: “A proposta para virem ter connosco continua de pé, venham para aqui!”

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Como foi o momento da vossa chegada aqui a Kiev? Tinham alguém à vossa espera?
Não. O nosso filho está em Odessa, ele deixou-nos as chaves com o responsável pelo apartamento.

Como foi a emoção da primeira refeição?
Konstantin responde: No terceiro dia da viagem tivemos direito a comida feita por um cozinheiro num café, pedimos a comida normal que comíamos anteriormente: uma sopa, um purézito com um franguito. Ficámos de barriga cheia.

Com Ludmila não correu bem:  Como já não estávamos habituados a comer tanto, eu depois passei muito mal, fiquei com febre e vómitos, sentia o meu corpo num estado horrível. Foi demasiada comida de uma vez.

E como foi a sensação de voltar a poder tomar um banho?
Ainda em Mariupol, dia 17 de março, eu disse ao meu marido que queria tomar banho, queria lavar o meu cabelo, ele disse que eu estava a gastar água e lenha, mas eu precisava de me lavar. Então consegui tomar um banho uma vez e fiquei super feliz. Antes do dia 17 só tínhamos tomado banho dia 5, foram 12 dias sem tomar banho.

Sabem se os amigos que têm em Mariupol ainda estão vivos?
Não, ainda não sabemos. Nós acreditamos que eles vão conseguir fugir. Dizemos a toda a gente para sair dos bunkers: “Não fiquem sentados nas caves! Levantem-se e vão a pé! Vão encontrar alguém que vos possa dar boleia, alguém que vos ajude.” Depois de fugir, liguei à filha de uma colega e perguntei-lhe onde estava a mãe dela. E ela disse que a mãe estava sentada na cave e para eu não me preocupar, porque a mãe lhe ia ligando e estava tudo bem. E eu respondi: “Não! Não está nada bem! Temos de ser realistas! Eles que saiam das caves e vão a pé. Que procurem carros destruídos e mudem as rodas. Não adianta ficar à espera de ajuda, ponto!”

O que é que sabem sobre a tragédia no teatro de Mariupol [que foi bombardeado e onde morreram 300 pessoas]?
Nós não sabíamos nada sobre essa história. Lá não se sabe nada. Ontem escrevi uma mensagem a um colega neurocirurgião que vi online a dizer o seguinte: “Querido Igor, como ficamos felizes por te ver online, significa que saíram do inferno vivos. Que Deus vos proteja! Abraços para vocês!” Mas ele afinal ainda não saiu. Às vezes apanha rede e consegui trocar umas mensagens com ele:

— Que horror, porque é que ainda não saiu daí?

— Porque não sei como sair.

— O importante é terem gasolina suficiente. Tentem sair daí, imploro-vos. Vocês, com certeza, vão conseguir fazer tudo!

— Mas não temos apartamento, não temos carro e já nem há estrada!

— Eu estarei em contacto. As pessoas estão a ir a pé, a pé vocês conseguem. Ficarem aí sentados é que não pode ser. É preciso andar. As pessoas vão ajudar-vos. Nós pelo caminho também fomos apanhando pessoas.

Mas em que condições é que as pessoas conseguem continuar a viver em Mariupol?
É difícil, todas as reservas acabaram. As pessoas que ainda conseguiram ficar nas suas casas ainda têm batatas ou biscoitos. O problema é não haver água. O organismo humano é tão flexível que é capaz de aguentar muita coisa apenas com água.

Lamentam não poder regressar para tentar ajudar alguém?
Nós salvámos quem pudemos. Com a nossa idade, como é que conseguiríamos regressar?

Quais são os vossos planos agora?
Não sabemos bem, é o terceiro dia que estamos em Kiev. Precisávamos de tempo para nos acalmar e assimilar tudo. Temos que nos ir registar, porque aqui em Kiev somos como ilegais. Não temos objetivos para ir a mais lado nenhum, vamos ficar por aqui. Nós já estamos melhores, já estamos aqui a falar com vocês, vocês ajudaram-nos a melhorar um bocadinho e amanhã vamos talvez ver se podemos ser úteis como médicos. Temos muitos colegas por aqui. Mas, por enquanto, estamos muito focados em tentar tirar as pessoas de Mariupol e incentivá-las para saírem.

Têm pesadelos com tudo o que viveram?
Tudo é assustador. Às vezes não consigo dormir, os sons dos aviões e das explosões relembram-me de alguns momentos que passei. Como é que conseguem matar as pessoas à noite, enquanto elas dormem inofensivas? Isto não é guerra, é homicídio. É pior do que o que Hitler fez. Imploramos a todas as pessoas do mundo que fechem o céu, que fechem o mar, para eles não nos bombardearem do céu e do mar. Eles que o parem. Isto não pode ser. Vocês entendem que ele [Putin] não vai parar na Ucrânia, ele vai matar o mundo inteiro. Ele não é saudável a nível psicológico, ele é doente a nível psicológico. Ele não precisa da Ucrânia. Ele precisa do mundo inteiro. Percebem? Ele apaga tudo da superfície terrestre.

Ainda sonham voltar para Mariupol quando a guerra acabar?
Ficou lá a nossa casa, queremos voltar e reconstruí-la. E ajudar a reconstruir a cidade. É por isso que não queremos ir para mais longe.

Na véspera, Ludmila tinha recebido um telefonema dramático, de um ex-bombeiro que ainda estava em Mariupol. Já tinha ligado a cinco médicos, mas Ludmila foi a única a atender. Precisava de ajuda, para tentar salvar um rapaz de 11 anos atingido no peito, não sabia o que devia fazer e pediu conselhos, mesmo à distância. Ludmila recomendou antibióticos e analgésicos para parar as dores e a febre e indicou um médico que sabia que ainda estava a trabalhar na cave de um hospital.

Agora, Ludmila recebe uma chamada mais animadora e festeja o que sente como uma grande vitória. “A mãe está em Zaporizhzhia, yeyyy!” É a filha da amiga que ainda estava em Mariupol, a contar que a mãe conseguiu finalmente sair da cidade e já está a salvo.

No fim das quatro horas de entrevista com o Observador a recordar o drama que viveram no último mês desde que a guerra começou, Ludmila e Konstantin aceitaram ser fotografados no Toyota em que fugiram de Mariupol. Só então se aperceberam de que ainda não tinham voltado a colocar visível a bandeira ucraniana que esconderam com medo dos russos que iam apanhar pelo caminho. E nesse momento voltaram a fixar o pano azul e amarelo mesmo no meio do vidro da frente do carro.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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