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JOAO PORFIRIO/OBSERVADOR

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Reitor da igreja de Bucha conta como surgiu a decisão de abrir uma vala e critica Cirilo I: “Não quer saber das pessoas, só do império”

Suspendeu as missas no início da ocupação, aceitou a abertura de uma vala junto à igreja para as famílias poderem enterrar os seus e não poupa nas críticas a Cirilo I. Entrevista ao padre de Bucha.

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Texto e fotografias dos enviados do Observador a Kiev, Ucrânia, Carlos Diogo Santos e João Porfírio

Durante a ocupação russa de Bucha, o padre Andrii Holovin, reitor da Igreja de Santo André, teve de tomar várias decisões perante um cenário com que nunca pensou ser confrontado: depois de parar as missas, teve de ajudar a encontrar uma solução para os corpos que não tinham chão para serem enterrados — o cemitério era um campo de batalha e ninguém poderia sair da cidade. Em entrevista ao Observador, conta como foi a conversa com António Guterres, quando o secretário-geral das Nações Unidas visitou o terreno onde foram enterrados 117 corpos, e revela tudo o que pensa sobre o líder da Igreja Ortodoxa Russa, o patriarca Cirilo I: “Está longe da filosofia cristã”.

Apelo a Guterres: “Se o mal não for punido, haverá pensamentos de vingança”

O que António Guterres disse à imprensa ficou registado nas páginas de todos os jornais e nas notícias de televisões e rádios que estavam em Bucha, mas o padre Andrii Holovin, que acompanhou a visita, teve tempo de trocar algumas impressões com o português que lidera a ONU, sem que tivesse falado aos jornalistas. Recebeu o Observador no cemitério de Bucha, no último sábado, dia em que as famílias vão prestar homenagem aos mortos, e explicou que tentou passar ao secretário-geral da ONU um retrato do que “aconteceu, sobre os números chocantes que dão conta de que de todas as pessoas mortas na região de Kiev, um terço foi aqui”.

“À noite, saí da cave com a lanterna e vi o corpo do meu marido”. O caos na morgue de Bucha e o cemitério que invadiu a berma da estrada

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Se não fosse o grande aparato mediático, diz agora o padre, teria aproveitado a oportunidade para fazer mais alguns pedidos a Guterres. Uma das mensagens, no entanto, passou: “Se o mal não for punido, as pessoas começam a ter pensamentos de vingança. Mas somos um país cristão, um país europeu, por isso, é importante não deixarmos que esse tipo de pensamento se reproduza.”

Pedindo um julgamento idêntico ao de Nuremberga pelas atrocidades ali cometidas, Andrii Holovin salienta por diversas vezes a importância de condenar “aqueles que torturaram pessoas, aqueles que estiveram aqui”: “Essa foi a mensagem que tentámos entregar [ao secretário-geral da ONU]”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

E parece ter sido eficaz porque, logo de seguida, Guterres viria dizer aos jornalistas de todo o mundo ali presentes que “quando falamos de crimes de guerra, não podemos esquecer que o pior dos crimes é a própria guerra”. E afirmou também estar satisfeito com o facto de o Tribunal Internacional estar atento às possíveis evidências de crimes de guerra na Ucrânia. “Apoio inteiramente o tribunal e apelo à Rússia para cooperar com ele”, rematou.

A difícil decisão de abrir uma vala. “85% a 90% tinham ferimentos de bala”

O reitor da Igreja de Santo André ainda passou algumas noites na igreja, mas a partir de determinado momento decidiu que o melhor era tomar medidas e passou muito do período da ocupação em sua casa.

“Nos primeiros dias tudo foi correndo bem, mais ou menos até 26 de fevereiro — continuámos com missas, apesar de haver explosões ao longe. Mas, a partir de determinado momento, passou a ser muito perigoso convocar as pessoas, era uma responsabilidade muito grande para nós mesmos — era extremamente perigoso atravessar Bucha”, conta, deixando claro que isso não o afastou das decisões importantes da igreja, nem da cidade.

Guterres foi ao terreno antes de se reunir com Zelensky. “Olho à volta e vejo as minhas netas a fugirem em pânico”

E prova disso foi o envolvimento da igreja quando foi preciso arranjar uma solução para tantos corpos que não podiam ser enterrados no cemitério de Bucha. “Como pode verificar, o cemitério fica já fora dos limites da cidade e cada carro que fosse visto nas estradas era baleado. Era impossível chegar até aqui”, começa por contar Andrii Holovin, para a seguir apontar para campas que provam como até o cemitério foi um campo de batalha: “Se der uma volta aqui pelo cemitério, vai ver pelo menos quatro crateras, eu contei quatro”.

Na prática, havia mais cadáveres, fruto da violência das tropas russas, e não era possível enterrá-los — muitos foram ficando nas morgues, que estavam sem eletricidade: “E havia pessoas espalhadas pelas estradas, alguma coisa tinha de ser feita”.

Foi aí que entrou a igreja: “As autoridades da cidade andavam à procura de uma solução e, no dia 10 de março, questionaram-nos se não nos importaríamos de os corpos serem enterrados provisoriamente nos terrenos que ficam nas traseiras da igreja. Nós concordámos.”

"Pelo que sei, 85% a 90% dos corpos estavam tinham ferimentos de bala. Não foram vítimas acidentais de explosões ou outras causas também acidentais, mas assassinados. De forma intencional. De propósito”

O sacerdote diz não ter ainda um número certo do número de corpos que lá foram colocados, apontando para mais de cem (foram 117), mas há uma coisa de que tem a certeza: a maioria das pessoas não foram mortas acidentalmente. “Pelo que sei, 85% a 90% dos corpos tinham ferimentos de bala. Não foram vítimas acidentais de explosões ou outras causas também acidentais, mas assassinados. De forma intencional. De propósito”.

JOAO PORFIRIO/OBSERVADOR

“A única coisa que importa a Cirilo I é o império”

Agora é o tempo encontrar as provas e fundamentar todos os crimes cometidos durante o período da ocupação para que a Justiça possa depois fazer o seu trabalho — tendo já sido retirados todos os que estavam na vala atrás da igreja. A investigação aos cadáveres conta com o apoio de especialistas de outros países, nomeadamente de França, que vieram para Bucha e por aqui continuam a trabalhar.

“Dedicam-se a provar que estavam erradas todas as histórias da propaganda russa sobre os corpos encontrados de propósito, sobre a teoria de que a história era falsa. Ou seja, trabalham para que a comunidade internacional possa ver por si mesma. E era de extrema importância para nós que esse mal fosse condenado”, volta a insistir o padre.

São muito duras as palavras do pároco relativamente à posição da cúpula da Igreja Ortodoxa Russa — começando por fazer uma distinção entre aquilo que é a Igreja e a sua liderança. As críticas vão diretamente para o líder: “O que o patriarca Cirilo I diz não está nem remotamente próximo da filosofia cristã”.

"Em todos os seus discursos, o patriarca Cirilo insiste que a Ucrânia é um dos seus territórios canónicos. E aqui queria chamar a atenção para a palavra 'território'. É como se ele estivesse a falar de terras agrícolas, do jardim"

Este padre da Igreja Ortodoxa Ucraniana (que não está sob jurisdição do Patriarca de Moscovo) afirma mesmo que “essa liderança de Cirilo I se esquece da palavra de Cristo no que respeita a amar uns aos outros, não matar — e, mais do que isso, o patriarca de Moscovo ainda abençoa aqueles que vêm matar não apenas algumas pessoas, mas pessoas que ele considera, por algum motivo, da sua congregação”.

Tudo isso acontece, garante, porque o que está em causa não é a preocupação com as pessoas, mas com um império: “Em todos os seus discursos, o patriarca Cirilo insiste que a Ucrânia é um dos seus territórios canónicos. E aqui queria chamar a atenção para a palavra ‘território’. É como se ele estivesse a falar de terras agrícolas, do jardim – nem uma palavra sobre as pessoas. Se ele fosse um verdadeiro Pai para seus filhos, falaria com seus filhos. Mas não, ele não quer saber das pessoas de Bucha, não se interessa se a terra foi arrasada e tudo nela destruído, que se tenha transformado num deserto. Tudo o que a ele importa é o território, o império”.

JOAO PORFIRIO/OBSERVADOR

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