Antes de anunciar a primeira subida dos juros neste ciclo, em julho de 2022, o BCE tinha dado a entender que seria uma subida de apenas 25 pontos-base – mas foi o dobro disso e, numa penada, o BCE retirou as taxas de níveis negativos (estavam em -0,50%). O fator surpresa serviu para sinalizar o que aí vinha: vários meses de subidas de juros rápidas, as mais rápidas de sempre. Nesta fase, porém, o BCE quer ser mais previsível e, por isso, na reunião desta quinta-feira, deve manter-se fiel ao guião, indicando que a primeira descida virá só no início de junho.
Esse é o cenário previsto pela vasta maioria dos analistas, que veem o Banco Central Europeu (BCE) a percorrer um trilho bem gradual no caminho de descida de juros do que fez no caminho de subida. A própria presidente do BCE, Christine Lagarde, já indicou que junho seria uma data mais provável para o primeiro corte das taxas do que abril – e até Joachim Nagel, o governador do banco central da Alemanha, já admitiu que essa decisão pode chegar “antes da interrupção para as férias de verão“.
Mas à medida que os EUA tardam em dar o primeiro passo, Lagarde tem um problema em mãos: se o BCE baixar juros muito tempo antes da Fed, isso irá pressionar a cotação do euro face ao dólar e, por essa via, atiçar a inflação. E o facto de o preço do petróleo ter superado novamente os 90 dólares por barril não ajuda.
Depois da reunião do Conselho do BCE desta quinta-feira, a próxima oportunidade que a autoridade monetária terá para descer as taxas de juro é a 6 de junho. Até recentemente, os analistas acreditavam que o BCE poderia baixar as taxas de juro antes da Reserva Federal norte-americana mas não seria por muito tempo: a Fed seguir-se-ia poucos dias depois, a 12 de junho. Assim, a descida de juros poderia ser coordenada entre os dois bancos centrais de forma a não criar instabilidade nos mercados cambiais. Mas esse cenário tornou-se menos provável, porque tudo indica, agora, que os EUA vão esperar mais tempo.
“Nos EUA a força do mercado de trabalho, captada por vários indicadores, e a persistência de pressões inflacionistas decorrentes do boom dos preços da energia, tornaram os investidores cautelosos nas estimativas sobre o início da descida dos fed funds“, as taxas de juro do dólar, notaram os economistas do BPI em nota de análise.
Os mesmos especialistas acrescentam que “as declarações do presidente da Fed, Jerome Powell, que indicam que são necessários mais dados que corroborem a sustentabilidade das quedas da inflação para se começar a cortar as taxas (…), fizeram com que os investidores reduzissem a probabilidade de uma descida das taxas de juro em junho para 56%“.
Desde que os economistas do BPI escreveram este relatório, essa probabilidade desceu ainda mais: o cenário mais provável, aos olhos dos mercados, passou a ser, mesmo, que a Fed não desça as taxas de juro em junho. A confirmar-se, isso cria o risco de que, se o BCE cortar os juros vários meses antes da Fed, a cotação do euro possa ficar sob pressão, perdendo terreno face ao dólar (porque taxas de juro mais elevadas numa dada zona monetária tendem a suportar a cotação da respetiva divisa).
“Falcão” do BCE tem “esperança” que a Fed não demore a descer os juros
Robert Holzmann, o austríaco que se afirmou como um dos membros do Conselho do BCE mais avessos a um corte rápido dos juros, também já admitiu que em junho podem estar reunidas as condições para uma primeira mexida. Mas este governador alertou, em entrevista à Reuters, que se houver a convicção de que a Reserva Federal dos EUA não irá avançar para uma descida também em junho, isso possa ser perigoso para a zona euro.
“Se até junho os dados [na zona euro] demonstrarem que há condições para um corte, uma semana antes de a Fed também tomar a sua decisão, então é provável que o façamos – com a esperança que a Fed faça o mesmo“, afirmou, explicando que se o banco central norte-americano não baixar também os juros “isso irá reduzir o impacto económico da nossa descida“. Robert Holzmann é um dos “falcões” mais vocais do BCE, ao passo que o português Mário Centeno é uma das principais “pombas”, por defender que o BCE já deveria ter baixado os juros.
Mas a “esperança” de Holzmann dificilmente se irá concretizar, porque se tornou muito improvável que a Fed baixe os juros já em junho. Nesta quarta-feira, foram divulgados os últimos dados da inflação nos EUA, que foi estimada em 3,5%, mais do que os economistas previam e o valor mais elevado desde setembro. Como se poderia prever, com esta inflação maior do que a prevista, o euro perdeu “terreno” face ao dólar, caindo para os 1,07 dólares.
O momento em que a Reserva Federal dos EUA começa a inversão de marcha é importante porque, regra geral, os bancos centrais preferem manter uma “sincronia de políticas”, como explicou Filipe Garcia, economista do IMF – Informação de Mercados Financeiros. “Da mesma forma que o BCE, a Fed e até o Banco de Inglaterra subiram taxas em conjunto, podem pretender fazer o mesmo na descida dos juros, para impedir instabilidade cambial, alterações nos fluxos de capital e críticas de vária ordem”, diz o especialista.
O receio dos governadores mais hawkish (isto é, mais preocupados com os riscos de inflação) é que baixar taxas de juro na zona euro antes dos EUA será algo que provavelmente levará o euro a perder valor em relação ao dólar nos mercados cambiais. E, quanto mais tempo existir nos mercados financeiros uma perceção de que a zona euro está mais disponível para reduzir os juros do que os EUA, maior será a pressão sobre a cotação do euro.
Para um analista do BNY Mellon, isso poderá levar o euro novamente a valer o mesmo que o dólar – a chamada “paridade” – o que implicaria uma queda de quase 8% face ao valor atual. Nesse caso, os europeus teriam de gastar mais euros para comprar os mesmos produtos mesmo que não se alterasse o preço desses produtos (como o petróleo e seus derivados, que são negociados em dólares). Por outras palavras, embora poucos analistas acreditem que a queda do euro pode ser tão pronunciada, um euro mais fraco seria sempre um fator impulsionador dos preços na zona euro.
Conforme o grau de certeza que Christine Lagarde der sobre a descida dos juros em junho, os analistas vão tentar perceber, também, que visibilidade é que pode existir sobre os planos do BCE para os meses seguintes. Isto porque mesmo que a taxa de juro baixe dos atuais 4,00% para, previsivelmente, 3,75%, esse continuará ser um nível bastante restritivo da atividade económica.
Corte em junho e mais três descidas até ao final do ano
A expectativa que prevalece nos mercados de futuros de taxas de juro, neste momento, é que, depois do provável corte de junho, o BCE deverá baixar as taxas de juro mais três vezes até ao final do ano. Ou seja, a confirmarem-se estas previsões, sempre voláteis, a taxa de juro na zona euro pode terminar o ano nos 3%.
“A inflação caiu significativamente e está agora a uma distância curta dos objetivos dos bancos centrais”, afirma Michael Field, analista da DBRS Morningstar. O que significa que, em breve, não haverá razão para não cortar as taxas de juro, se de facto a inflação estiver sob controlo”, afirmou o estrategista de mercado europeu da Morningstar, Michael Field.
Os últimos dados do Eurostat para a inflação na zona euro mostram que o ritmo de subida dos preços abrandou inesperadamente para 2,4% em março, duas décimas abaixo dos 2,6% que tinham sido registados para fevereiro e que os analistas previam que se repetissem em março. A inflação subjacente, que exclui itens mais voláteis como a energia e os produtos alimentares frescos, também baixou – de 3,1% para 2,9%.
Inflação na zona euro desce inesperadamente para 2,4%, tornando cortes de juros mais prováveis
Apesar da descida deste último valor, que é a leitura mais usada pelo BCE para avaliar até que ponto existem pressões inflacionistas enraizadas na economia, 2,9% ainda é um ritmo de subida de preços desconfortável para o banco central, que tem a missão de manter a inflação em 2% (no médio prazo). É por isso que Bert Colijn, economista do banco holandês ING, diz que “é improvável que o BCE altere as taxas já em abril”.
“Em maio serão conhecidos mais dados sobre o crescimento dos salários“, salienta o especialista, destacando esses dados porque o BCE já alertou que, para que se possa conter a inflação, os salários não podem crescer mais que a produtividade e, por outro lado, as empresas têm de acomodar os aumentos salariais nas suas margens de lucro (e não os refletir nos preços de venda ao consumidor). “Por outro lado”, destaca Bert Colijn, “a economia europeia não está em recessão e o desemprego está em mínimos históricos“, pelo que o BCE tem alguma margem para esperar mais um pouco e não descer os juros muito antes da Reserva Federal norte-americana