A décima subida consecutiva das taxas de juro na zona euro – para 4% – deverá ter sido a última deste ciclo de aumentos, de longe o ciclo mais brusco e agressivo de sempre. Porém, o BCE sublinhou que não é expectável que as taxas de juro possam vir a baixar nos próximos tempos – os mercados financeiros não veem os juros a descer, pelo menos, antes do próximo verão. Mas há um fator que cria muita incerteza sobre aquilo que serão os próximos passos: desapareceu a unanimidade no Conselho do BCE e a tensão entre os membros é cada maior.
Foi apenas uma “maioria sólida” que decidiu avançar com mais um aumento das taxas de juro, de 25 pontos-base. Christine Lagarde não especificou, exatamente, o que é que para si é uma “maioria sólida”, quando existem 21 votos (rotativos). Mas a presidente do BCE reconheceu que “alguns” membros votantes preferiam que se tivesse optado por fazer uma “pausa” – um grupo onde, pela informação obtida pelo Observador, se inclui o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno.
Centeno já tem tem vindo, há vários meses, a recomendar ao BCE que tenha “paciência” para deixar passar algum tempo e avaliar o impacto das subidas já decididas. Na reunião desta quinta-feira, em Frankfurt, o português voltou a votar contra a subida dos juros e saiu derrotado. “O risco de ‘fazer demais’ começa a ser material“, avisou, publicamente, Mário Centeno na nota que publicou a 4 de setembro no site do Banco de Portugal.
De acordo com as informações recolhidas pelo Observador, não terá sido assim tão expressiva a “maioria” que votou pelo aumento dos juros, o que indica que é cada vez maior a divergência entre os responsáveis pela política monetária na zona euro.
O Observador questionou fonte oficial do BCE sobre o que significa uma “maioria sólida”, entre os 21 votos que são feitos em cada reunião, mas a instituição não quis fazer mais comentários além daqueles deixados por Lagarde.
BCE “seria louco” se descartasse completamente fazer mais aumentos
Nos mercados financeiros consolidou-se a expectativa de que não haverá mais aumentos nas taxas de juro. A probabilidade de isso acontecer, a julgar pela negociação dos chamados “futuros de taxas de juro”, rondava os 10% – mesmo com a presidente do BCE a garantir que “não se pode dizer que já tenhamos atingido o pico“.
Mas antes de a francesa dizer isso, na conferência de imprensa, tinha ficado escrito no comunicado oficial da reunião desta quinta-feira uma frase tão importante quanto complexa:
Tendo por base a avaliação que é atualmente feita, o BCE considera que as taxas de juro atingiram níveis que, mantidos durante um período de tempo suficiente, irão dar um contributo significativo para que haja um regresso da inflação ao objetivo, em momento oportuno.”
Na forma como os bancos centrais habitualmente constroem as suas mensagens, este é um sinal claro de que as taxas de juro provavelmente não irão ser modificadas nos próximos tempos. Mas essa é uma consideração que é válida “tendo por base a avaliação que atualmente é feita pelo BCE” da situação económica – o que indica que caso essa avaliação venha a mudar, então é possível que as decisões sejam diferentes”.
“O BCE seria louco se descartasse completamente a possibilidade de haver novos aumentos”, comenta Carsten Brzeski, economista do ING. “A inflação já deu várias guinadas inesperadas e o BCE já errou demasiadas vezes” nas orientações futuras que deu aos agentes económicos – por isso, diz o especialista, “faz sentido deixar em aberto a possibilidade de haver mais aumentos”.
Por outro lado, há um segundo elemento crucial, que torna a frase ainda mais densa: só é possível obter o efeito desejado se estes níveis relativamente elevados nas taxas de juro forem “mantidos durante um período de tempo suficiente” – uma forma de dizer aos agentes económicos que devem habituar-se à ideia de que não haverá descidas nos juros nos próximos tempos.
“Após um ano a falar só de inflação”, agora BCE já fala em crescimento económico
Porém, da mesma forma que não explicou exatamente o que é uma “maioria sólida”, Christine Lagarde também não quis alongar-se sobre aquilo que é um “período de tempo suficiente”, em que se devem ter as taxas de juro nos níveis atuais, restritivos da atividade económica. Essa matéria nem sequer foi discutida na reunião, Christine Lagarde, que garante que não teve um debate “antagónico” mas não escondendo que as divergências são cada vez maiores.
Desta reunião, o economista do IMF – Informação de Mercados Financeiros Filipe Garcia destaca o “tom algo desconfortável e bastante hermético de Christine Lagarde, quase em piloto automático referindo-se de diversas formas ao comunicado na conversa com os jornalistas”. Para o especialista, esta constatação é “compatível com divisão dentro do conselho de governadores e com a alteração de discurso”, isto é, “após mais de um ano a falar só de inflação, no comunicado e na conferência de imprensa sobraram as referências ao crescimento económico“.
Inflação ficará acima de 3% mesmo em 2024. Crescimento será menor do que o previsto
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O ano de 2023 deverá terminar com uma taxa de inflação média de 5,6% na zona euro e mesmo no próximo ano prevê-se uma descida menos pronunciada do que antes tinha sido estimado. Nas novas projeções macroeconómicas do BCE, aponta-se para uma taxa de inflação média de 3,2% em 2024, com uma descida para 2,1% em 2025.
Por outro lado, as notícias também não são animadoras no que diz respeito ao crescimento. Em comparação com as anteriores projeções do BCE, a expectativa do staff de economistas passou a ser de um crescimento de apenas 0,7% em 2023, 1% em 2024 e 1,5% em 2025 – são revisões em baixa, para todos os anos.
Christine Lagarde garantiu que não é objetivo do BCE provocar uma recessão (para, dessa forma, contribuir para uma redução dos preços). O que a presidente do BCE elege como prioridade é “assegurar uma estabilidade dos preços” para proteger “aqueles que estão a sofrer mais com a inflação”.
Esta é uma justificação que a francesa já deu, no passado, para explicar porque é que o BCE subiu as taxas de juro tantas vezes consecutivas – isso pode penalizar quem tem créditos e quem precisa de novos créditos, mas a alternativa é deixar que a inflação continue elevada e a castigar mais aqueles que têm menos recursos.
Juros podem começar a baixar em 2024 (mas só no verão)
“Ficou claro que o BCE não sabe quanto tempo ficará com as taxas aos atuais níveis, mas que se pretende a manutenção por vários meses, provavelmente a entrar em 2024”, afirma Filipe Garcia, acrescentando que olhando para os mercados monetários “já não se esperam mais subidas” e “as taxas poderão começar a descer no final do 1º semestre de 2024”.
As taxas Euribor, que já se encontram a estabilizar, provavelmente já atingiram os máximos na referência a 12 meses, estão perto disso nos 6 meses e nos 3 meses ainda devem ajudar a decisão desta quinta-feira, chegando perto dos 4%”.
Poucas horas depois de falar Christine Lagarde, tinha vingado nos mercados a perceção de que o BCE poderá demorar a começar a descer as taxas de juro – mas, quando começar, a descida pode ser substancial. Os últimos indicadores de mercado, a este respeito, apontam para a possibilidade de o BCE cortar as taxas de juro em 75 pontos-base em 2024 – o que provavelmente aconteceria de forma gradual e mais perto do final do ano.
É isso que prevê Sebastian Vismara, economista do BNY Mellon IM. “Acreditamos que os cortes na taxa de juro só acontecerão mais na segunda metade de 2024, o que até é um pouco mais tarde do que a generalidade dos analistas está a prever”, diz o especialista, acrescentando, porém, que na sua opinião “quando o ciclo de descidas começar, vamos provavelmente ver descidas mais rápidas e mais bruscas do que aquilo que está atualmente a ser previsto” pelos mercados.
(Artigo atualizado às 19h00 com a reação do BCE)