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O ex-diretor Clínico do Hospital de Santa Maria, Luís Pinheiro, durante a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 07 de janeiro de 2025. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Caso sinalizado pelo gabinete de Sales, contradições com neuropediatra e consultas à margem das regras. A audição de Luís Pinheiro

O ex-diretor clínico do Santa Maria assume ter autorizado consulta, uma decisão baseada em critérios clínicos. E recusa que sinalização da secretaria de Estado tenha tido influência na decisão.

Era uma das audições mais aguardadas do calendário que falta cumprir na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso das gémeas. Rodeado de advogados, e durante quatro horas, o ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria, Luís Pinheiro, procurou defender a sua conduta no caso. Garantiu não ter sido contactado por alguém superior ao secretário de Estado Lacerda Sales (como referiu a médica Teresa Moreno), defendeu que o facto de a sinalização para o caso das gémeas ter vindo da secretaria de Estado da Saúde não influenciou a decisão de receber e tratar as crianças e revelou que Lacerda Sales o questionou sobre as gémeas, para receber informação sobre o processo de tratamento das crianças.

Um dos temas que acabou por marcar a audição foi precisamente o da alegada instrução dada por alguém hierarquicamente acima de Lacerda Sales. Quando foi ouvida na CPI, a médica neuropediatra Teresa Moreno disse que lhe fora transmitido por Ana Isabel Lopes (a diretora de Pediatria do Santa Maria) que a ordem para marcar a consulta para as gémeas tinha sido dada a Luís Pinheiro por “alguém superior ao secretário de Estado Lacerda Sales”. Agora, Luís Pinheiro classificou essa alegada situação como “irreal”.

O que Teresa Moreno disse não é verdade. Não transmiti a Ana Isabel Lopes que tivesse recebido de quem quer que fosse – superior, inferior, paralelo, lateral ao senhor secretário de Estado – qualquer indicação, porque não recebi indicação de ninguém para a marcação de nenhuma consulta”, disse Luís Pinheiro, em resposta ao deputado do PS João Paulo Correia. Luís Pinheiro acrescentou ter ficado “surpreendido” com a declaração de Teresa Moreno. “É absolutamente irreal”, rematou.

"Não transmiti a Ana Isabel Lopes que tivesse recebido de quem quer que fosse – superior, inferior, paralelo, lateral ao senhor secretário de Estado"
Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria

Sinalização das gémeas feito pela secretaria de Estado da Saúde. Mas foi “irrelevante”, defende Luís Pinheiro

O ex-diretor clínico do Santa Maria admitiu na Comissão Parlamentar de Inquérito que sinalização do caso das duas crianças lhe chegou por um email com origem na secretaria de Estado da Saúde. Mas considerou a origem da informação “irrelevante”, uma vez que, garantiu, as gémeas foram vistas em consulta e tratadas com Zolgensma com base em “critérios clínicos”.

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“As meninas do Presidente” tratadas por “ordem de alguém superior” a Lacerda Sales. A audição da médica (que recentra as atenções em Belém)

Luís Pinheiro explicou, na sua declaração inicial, que a diretora do Departamento de Pediatria, Ana Isabel Lopes, lhe reencaminhou um email da secretaria de Estado da Saúde, em que eram sinalizadas as gémeas. No entanto, Luís Pinheiro argumentou que o facto de a sinalização ter sido feita pelo Governo não teve influência na decisão de tratar as crianças. “O que me interessa é se há ou não há vantagem clínica para que atuemos”, realçou Luís Pinheiro. E foi isso, sublinhou o ex-diretor clínico do Santa Maria, o que aconteceu no caso das gémeas.

“Na sequência dessa sinalização, foi tomada a decisão por parte da equipa clínica, corroborada por mim próprio, de que haveria indicação clínica para a realização da consulta”, que aconteceu em 5 de dezembro de 2019. Luís Pinheiro admitiu que autorizou a realização da consulta — a pedido da equipa clínica (liderada pela neuropediatra Teresa Moreno), mas rejeita que tenha sido sua a iniciativa para que a consulta se realizasse.

"Não encontrei qualquer motivo clínico, ético ou deontológico, que suportasse qualquer discordância com a observação das doentes em consulta"
Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria

“Perante a descrição clínica e a apreciação especializada que me foi transmitida, de práticas antecedentes por parte do Hospital Santa Maria e do SNS, relativamente a esta patologia, não encontrei qualquer motivo clínico, ético ou deontológico, que suportasse qualquer discordância com a observação das doentes em consulta”, disse o ex-responsável do Santa Maria. O médico especialista em Medicina Interna, um dos três arguidos no caso (juntamente com Nuno Rebelo de Sousa e o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales), indicou que a diretora do Departamento de Pediatria, Ana Isabel Lopes, em articulação com a neuropediatra Teresa Moreno, solicitou a sua “validação da marcação de consulta para as bebés”, o que acabou por acontecer, defendendo que não faria sentido recusar.

Ex-diretor clínico diz que não podia “coarctar a decisão clínica dos médicos”

“Faria sentido ser confrontado com motivos clínicos e não dar indicação para que fossem vistas em consulta?”, questionou Luís Pinheiro a determinado momento da audição, quando tentava sublinhar a ideia de que não poderia ter atuado como uma força de bloqueio no processo das menores.

“O que poderia eu fazer? Disse: ‘Com certeza que marcam’. Mal seria se o diretor clínico tentasse coarctar a decisão clínica dos médicos”, justificou o clínico. Já na sua longa declaração inicial, o médico tinha dito que se trata de “duas bebés portuguesas com indicação clínica indiscutível” e que, se hoje voltasse a ser confrontado com o caso, “nada mudaria” na sua atuação.

Todavia, o ex-diretor clínico do Hospital Santa Maria esclareceu que a validação da marcação da consulta “não seria necessária, face à autonomia dos médicos para observarem os doentes que entendam haver motivos clínicos para o fazerem”. O antigo diretor justificou a sua intervenção “dado o contexto particular desta doença” e a possibilidade de implicar um tratamento com um contexto financeiro particular, mas defendeu que um “diretor clínico não dá ordens sobre a atuação clínica dos médicos”, que atuam livremente e “de acordo com a sua consciência”.

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Luís Pinheiro diz que só pediu relatório das gémeas uma vez. E voltou a desmentir Teresa Moreno

As contradições entre as declarações de Teresa Moreno e de Luís Pinheiro não se limitaram, no entanto, à questão da alegada interferência de alguém “superior” ao secretário de Estado no caso. O ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria desmentiu também as afirmações da médica neuropediatra sobre os relatórios de seguimento das crianças.

À Inspeção Geral das Atividades em Saúde, Teresa Moreno tinha referido que Luís Pinheiro lhe pediu vários relatórios clínicos de seguimento das gémeas — um tratamento diferenciado que não terá dado a uma outra criança com a mesma doença (Atrofia Muscular Espinhal) que estava a ser seguida no Santa Maria na mesma altura.

Luís Pinheiro desmente e diz que foi recebendo informação clínica sobre as gémeas, enviada por iniciativa da médica . “Apenas pedi relatórios uma vez e fui recebendo espontaneamente informação de seguimento da parte da dra. Teresa Moreno”, disse. Sobre o alegado tratamento diferenciado dado às gémeas (em contraposição com uma outra criança seguida no hospital), Luís Pinheiro referiu que viu essas declarações de Teresa Moreno com “estranheza”. “Li [essas declarações] com estranheza, parece-me desajustado. Não reuni com os familiares do terceiro bebé, por variadas razões”, justificou Luís Pinheiro.

Teresa Moreno, neuropediatra que acompanhou as menores e co-autora da carta dirigida ao então diretor clínico do Centro Hospital de Santa Maria a contestar o tratamento, fala durante a sua audição perante os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito - Gémeas Tratadas com o Medicamento Zolgensma, na Assembleia da República, em Lisboa, 11 de outubro de 2024. Em causa o processo, que tem como arguidos o ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, e Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, está o tratamento hospitalar das duas crianças luso-brasileiras que receberam o medicamento Zolgensma. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Teresa Moreno, neuropediatra do Hospital de Santa Maria

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Foi precisamente quando a deputada da Iniciativa Liberal Joana Cordeiro estava a questionar Luís Pinheiro sobre as incongruências entre as declarações dos vários médicos do Santa Maria e as do próprio Luís Pinheiro que o seu advogado, Paulo Saragoça da Matta, interrompeu a audição para alertar que o ex-diretor clínico não iria responder a mais nenhuma questão que tivesse subentendidas suspeitas quanto à veracidade das suas declarações. “Não responderá a mais nenhuma questão sob a suspeita de que o que diz é mentira”, avisou Saragoça da Matta, dirigindo-se ao presidente da CPI e pedindo a Rui Paulo Sousa que interviesse. “As perguntas começam a ser muito desconfortáveis”, sublinhou o advogado, no momento de maior tensão em toda a audição.

Rui Paulo Sousa acabou por se dirigir aos deputados fazendo esse pedido: “Vamos tentar não colocar em causa a veracidade das declarações” de Luís Pinheiro, apelou o presidente da CPI. Recorde-se que, sendo arguido no caso, Luís Pinheiro não é obrigado a responder a nenhuma pergunta dos deputados. A audição continuou, depois disso, normalmente.

Ex-diretor clínico defende consultas à margem da lei “desde que não prejudique ninguém”

À semelhança do que já tinham feito outros médicos do Santa Maria ouvidos na CPI, Luís Pinheiro admitiu que há consultas marcadas sem cumprimento das regras da portaria de referenciação para consultas hospitalares, como aconteceu no caso das gémeas, mas disse acreditar que tal “não é errado”, desde que nenhum utente saia prejudicado.

Sabem quantas consultas acontecem sem seguir as regras da portaria? E está errado? Não, desde que não prejudique ninguém”, defendeu Luís Pinheiro, em resposta à deputada do Chega Cristina Rodrigues. Já antes, o médico tinha dito que as gémeas luso-brasileiras “não passaram à frente de ninguém” e que “não havia lista de espera” para aquela patologia.

Recorde-se que tanto o relatório interno do Hospital de Santa Maria como o relatório da IGAS concluíram que a consulta das gémeas foi marcada sem que tenham sido seguidas as regras de referenciação — regras essas que, no entanto, Luís Pinheiro entende não ter violado. “No que diz respeito ao relatório da IGAS, reafirmo não identificar de que forma a minha atuação poderá ser merecedora de reparo. A portaria que sou acusado de violar pretende facilitar o acesso [aos cuidados de saúde] e não criar obstáculos“, sublinhou.

Lacerda Sales terá questionado Luís Pinheiro sobre as gémeas, já em 2020

Além de Luís Pinheiro, há outros dois arguidos no processo do Ministério Público: Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa. E se, por um lado, o ex-diretor clínico do Santa Maria garantiu não conhecer o filho do Presidente da República, já relativamente ao ex-secretário de Estado da Saúde o médico revelou ter sido questionado sobre as gémeas luso-brasileiras, depois de as crianças terem sido vistas em consulta.

Colocou-me questões sobre estas duas gémeas em específico. Queria ter alguma informação. […] Foi mera informação de seguimento no processo”, disse Luís Pinheiro, recusando que Lacerda Sales tivesse tentado influenciar qualquer decisão quanto às crianças. Nessa fase, “não havia nada para decidir, porque já estava decidido”, garantiu.

Caso das gémeas: ex-diretor clínico do Santa Maria diz que “nunca foi contactado” por Marcelo e que não conhece filho do PR

Luís Pinheiro diz que o primeiro contacto que teve com Lacerda Sales foi no início de novembro de 2019 e que voltou a contactar com o ex-governante já em 2020, por causa da pandemia de Covid-19. “Houve uma reunião no início de novembro para ponta de situação, com vários hospitais. Foi o meu primeiro contacto com o secretário de Estado. Começámos a contactar de forma recorrente desde 2020, quando os nossos compatriotas vieram de Wuhan, e ficaram no Hospital Pulido Valente [pertencente ao mesmo centro hospitalar do Santa Maria]”, detalhou Luís Pinheiro.

Já na parte final da audição, e em resposta ao deputado do PSD António Rodrigues, o ex-dirigente hospitalar garantiu que “não houve nenhuma aceleração do procedimento” da administração do Zolgensma no caso das gémeas luso-brasileiras. “Foi um processo complexo, houve compassos de espera, por estarmos no período de alguma incerteza regulamentar”, disse Luís Pinheiro. O médico explicou que as crianças até esperaram mais tempo pelo então medicamento mais caro do mundo, relativamente a outras crianças com a mesma doença já tratadas no Santa Maria.

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