O ex-diretor clínico do Hospital de Santa Maria afirmou, esta quarta-feira, que nunca foi contactado pelo Presidente da República sobre o caso das duas gémeas tratadas com um medicamento para a atrofia muscular espinhal, um caso com suspeita de favorecimento. Também negou ter falado com o ex-secretário de Estado, Larcerda Sales, ou saber de telefonemas de Marta Temido para o hospital sobre o caso. E diz que soube da referenciação das crianças pelo ministério, mas que não se questionou, porque teve apenas em consideração a situação clínica das crianças.

Em entrevista à RTP3, Luís Pinheiro começou por rejeitar qualquer contacto da Presidência da República junto da direção clínica. “Nunca recebi qualquer contacto do senhor Presidente da República sobre nenhuma matéria e certamente não sobre esta”, afirmou o diretor clínico do Hospital de Santa Maria quando as duas bebés foram tratadas (entre o final de 2019 e início de 2020), tendo adiantado que também não conhece o filho de Marcelo Rebelo de Sousa.

O caso das duas gémeas residentes no Brasil que entretanto adquiriram nacionalidade portuguesa e vieram a Portugal receber, em 2020, o medicamento Zolgensma para a atrofia muscular espinhal, com um custo total de quatro milhões de euros, foi divulgado pela TVI, em novembro.

Após a divulgação da reportagem, o Presidente da República disse que foi contactado pelo seu filho, residente no Brasil, e encaminhou o caso para os serviços da Presidência que contactaram o hospital de Santa Maria, onde aquele medicamento era administrado.

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“Se tivesse tido esse contacto”, não teria havido “qualquer consequência” porque os decisores “tomam as decisões clínicas em função das situações clínicas dos doentes”, reiterou Luís Pinheiro durante a entrevista, considerando que “não é concebível” que as opções médicas “não sejam aquelas que decorrem da observação que o médico faz”.

“Não existiram ordens, e mesmo se existissem elas seriam absolutamente inconcebíveis e não enquadráveis no processo de decisão clínica”, afirmou o médico.

O relatório final da auditoria pedida pelo Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), a que a Lusa teve hoje acesso, indica que as duas meninas foram referenciadas (pedido de consulta) pela secretaria de Estado da Saúde, área tutelada por António Sales e Jamila Madeira.

Em resposta ao relatório, cujas conclusões foram hoje divulgadas, o ex-diretor-clínico disse que “a tutela não marcou consultas”, apenas fez a “sinalização de uma situação clínica para observação”. “Independentemente da origem, eu não poderia de nenhuma forma discriminar negativamente um bebé” que necessitasse de observação, afirmou.

“Conheci o caso pela diretora do departamento de pediatria. Não recebi nenhum contacto para marcar esta consulta da secretaria de Estado. Mencionou-se que haveria envolvimento da secretaria de Estado, mas a marcação ocorreu por parte do serviço, com origem na tutela e foi uma sinalização, um caso que foi identificado, que foi sinalizado pela secretaria de Estado da Saúde”, disse Luís Pinheiro, admitindo que teve conhecimento da origem do caso, mas que a sua única “preocupação” foi a “clínica”.

Dizendo não conhecer ainda o “documento da auditoria”, e a violação da portaria sobre as vias de referenciação para a marcação da primeira consulta, o ex-diretor clínico de Santa Maria disse não ser “uma raridade” os médicos contornarem essas regras “formais de referenciação”.

“Há um desvio às regras das portarias, não é uma raridade, é uma exceção, mas é uma questão médica. Considerei mais relevante os cuidados que precisavam, porque nesta doença não há listas de espera”, explicou.