O presidente da Área Metropolitana do Porto e da Câmara Municipal de Gaia recebe o Observador no seu gabinete. A entrevista decorre quando os motores partidários já estão a aquecer para as europeias e foi ali, em Gaia, que António Costa desfez uma não-surpresa que se arrastou por semanas e lançou Pedro Marques na corrida de maio. O resto da lista ao Parlamento Europeu ainda está por fechar, mas Eduardo Vítor Rodrigues deixa já dois pontos em cima da mesa: Pizarro tem de estar dentro, e num lugar “digno”, e Maria João Rodrigues não pode ficar de fora, mesmo que esteja a ser investigada em Bruxelas por alegado assédio laboral. Diz que o PSD é sempre o principal adversário do PS, mas é na direção do cabeça de lista do CDS que atira o ataque mais forte. O “discurso de Nuno Melo”, acusa Vítor Rodrigues, “roça o populismo”.
Mais direto, só mesmo quando se foca na bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Em plena convulsão no setor da Saúde (um dirigente sindical começou, entretanto, uma greve de fome contra o Governo), o dirigente socialista — Eduardo Vítor Rodrigues é membro do Secretariado Nacional — acusa Ana Rita Cavaco de prestar um serviço “muito útil ao PSD e a ela própria” e de arrastar toda uma classe para o conflito.
António Costa surge, por contraste, como o pacificador. O primeiro-ministro é, aos olhos de Eduardo Vítor Rodrigues, o responsável pela paz social com que o país se reencontrou nesta legislatura. Mas Costa também é, para o bem e para o mal, o maior responsável pelas decisões do Governo. Sejam elas quais forem. “Quem trava ou cria os limites financeiros à negociação com os professores e com os enfermeiros é, claramente, o primeiro-ministro”, diz o presidente da Área Metropolitana do Porto.
Durante mais de uma hora de conversa, ainda houve tempo para falar sobre Marcelo Rebelo de Sousa (com farpas à mistura), sobre o candidato — ou melhor, a candidata —que o PS deve lançar para disputar as próximas eleições presidenciais e sobre o referendo à regionalização que, diz o dirigente socialista, não pode passar da próxima legislatura.
“Dizer muitos disparates e aparecer muitas vezes não faz um grande candidato”
António Costa deixou a apresentação de todos os candidatos ao Parlamento Europeu para mais tarde. Fechar esta lista está a ser mais difícil do que era esperado?
Julgo que não. Haverá sempre dificuldades, num partido como o PS, para fechar uma lista porque há muito recrutamento possível.
Não se trata de dificuldades em consensualizar lugares?
A opção foi claramente de duplicar momentos. Afirmar já o cabeça-de-lista e fazer da apresentação da lista um outro momento político, que por si só é importante. Uma apresentação da lista como um todo talvez não fizesse sentido do ponto de vista da visibilidade pública do candidato. É a apresentação de um grande nome, mas que agora tem de dar o salto relativamente àquilo que fez na gestão dos fundos comunitários. Uma área que poderia ter sido no início demolidora para quem a assumisse.
Pedro Marques esteve à altura da gestão dos fundos comunitários?
Não tenho dúvidas de que esteve. Mas é preciso lembrar que ele assume a pasta com uma baixíssima execução e, pior que isso, assume o Governo com “n” linhas de financiamento por regulamentar. E há outra questão: o quadro foi mal concebido. Por muito que houvesse a tentativa de recuperar tempo perdido verificou-se que isso não era possível.
António Costa é criticado por escolher um candidato desconhecido para a maioria dos eleitores. Isso não pode ser um problema?
Não acho que isso seja assim. O Pedro Marques é muito reconhecido…
Dentro do PS.
Dentro do PS e fora do PS. Teve um papel extraordinário na reforma da Segurança Social e uma penetração brutal nas IPSS da economia social. No que diz respeito às Infraestruturas, ele conseguiu entrar em debates e em áreas — até mesmo no interior, com a ferrovia, com a reprogramação de fundos — que lhe deram uma notoriedade suficiente para ser um grande candidato. Não é porque se diz muito disparates e se aparece muitas vezes que se é um grande candidato.
Essa avaliação é dirigida a alguém?
Não. Agora, acho evidente que aquilo de que acusam o Pedro Marques não é tanto de falta de notoriedade ou de visibilidade mediática. É mais de ser um ministro sóbrio, de trabalho, que as pessoas estão a perder de vista. Viver de soundbites não é a mesma coisa que ser um grande ministro. Ele fez um trajeto irrepreensível, corrigiu o que havia a corrigir e é um candidato que honra o partido. Julgo que ainda vamos ter uma lista para discutir e acho que vai ser uma grande lista.
“O discurso de Nuno Melo roça claramente o populismo”
Já disse que, para as legislativas, António Costa devia pedir a maioria absoluta. Quais são as suas expectativas relativamente ao resultado das eleições de maio?
Nas europeias, a questão da maioria não se coloca. Neste momento, uma boa lista do PS, com Pedro Marques à cabeça, vai dar tranquilidade às pessoas. E as pessoas precisam de tranquilidade.
E vai dar nove lugares ao PS (mais um do que tem atualmente)?
Não sou capaz de responder a isso. Mas, digo de avanço, qualquer fator explicativo [do resultado alcançado] tem de ser desfocado do próprio Pedro Marques.
Já está a desresponsabilizar o cabeça de lista para o caso de o PS não conquistar nove lugares?
Não. Estou a dizer que, neste momento, Espanha está a marcar eleições legislativas com um processo interno doloroso. Que França está com Presidente da República com o mais baixo nível de aceitação popular de que há história.
Apesar da forma como Macron chegou ao Eliseu.
O balão esvaziou. A Alemanha está a entrar em recessão. Itália está num devaneio extremista absolutamente intolerável. O Reino Unido está a gerir o Brexit. No meio disto tudo, temos de reconhecer que isto vai ter algum impacto nas pessoas. Há uns anos as pessoas em Portugal olhavam para a Europa com um certo distanciamento. Hoje olham para a Europa com medo, desconfiança e, diria até, dúvida. E isso vai afugentar eleitorado.
Para outros partidos ou para uma abstenção ainda maior?
Temo que a abstenção vá subir e que tenhamos maior dispersão de votos. Na Europa vai haver. Em Portugal haverá menos. Conseguimos sofrer menos impacto com as tendências europeias, mas não conseguimos evitá-las por completo.
São duas coisas que podem ocorrer em simultâneo, mas que são diferentes: maior abstenção e maior dispersão de votos. Uma maior abstenção é um sinal de que o PS não está a conseguir capitalizar os resultados da legislatura?
Não, porque as pessoas percebem que o que está a acontecer em Portugal é contra-cíclico relativamente à Europa.
Por isso mesmo, não seria mais lógico valorizar aquilo que o PS tem feito?
Vão valorizar com uma participação assente, sobretudo, no momento legislativo. As eleições europeias são sempre desvalorizadas. E, neste momento, são também eleições que amedrontam as pessoas. A pedagogia é a de que não há futuro sem Europa forte, que não há Europa forte sem evitar extremismos e populismo, que isto só se faz com o envolvimento das pessoas. E quem é que pode fazer este discurso? Não é um populista, não é um demagogo, não é alguém que atue na base de soundbites. É um indivíduo tecnicamente preparado, com peso político e suportado num trabalho e numa herança que deixa no seu próprio país, a herança de um dos ministérios mais importantes que tivemos. [O Planeamento e as Infraestruturas] foi um ministério que, juntamente com a área do Ambiente, edificou as bandeiras deste mandato. Quando, no final do mandato, se perguntar o que deixa este Governo como marca estruturante, deixa os transportes, na sua dimensão infraestrututal (nomeadamente, o Metro) e deixa o passe único.
E a ameaça do populismo? Encontra figuras emergentes que possam personificar essa ameaça?
A emergir para as europeias, não. Mas é evidente que há aqui umas emergências.
Há quatro anos, Marinho e Pinto era a personificação populista.
As pessoas já viram o que ele vale do ponto de vista da credibilidade.
E o que vale?
Muito pouco. É um homem de grandes afirmações apoteóticas, mas absolutamente incoerente. Do muito que diz, pouca coisa acerta. E não me parece figura que deva ser valorizada no debate europeu. Mas estou preocupado, por exemplo, que os cidadãos, neste receio que possam sentir relativamente ao futuro da Europa, olhem para figuras como Nuno Melo — que tem uma enorme capacidade de profetizar coisas absolutamente extraordinárias, de efabular sobre tudo e mais alguma coisa, num discurso que roça claramente o populismo — e sintam aí um albergue. Não acredito, mas tenho esse receio.
Nuno Melo não é uma figura nova na política nacional.
Daí o populismo ser um processo mais intensificado hoje, mas não ser um processo que implique, necessariamente, novas figuras. Eu não estou preocupado com o André Ventura. Estou mais preocupado com os velhos políticos que têm novas estratégias populistas do que com os novos políticos com novas estratégias populistas.
O CDS vai ser o grande adversário do PS nestas europeias?
Julgo que não.
Paulo Rangel pode fazer sombra a Pedro Marques?
O adversário do PS é sempre o PSD, no sentido de que a disputa é entre partidos que lutam pela vitória. Aqui, o PSD vai ter muita dificuldade em lutar pela vitória, mas é aquele que seguramente do ponto de vista eleitoral mais se aproximará ao PS.
Caso Maria João Rodrigues. Acusações “confundem-se com a gestão de feitios”
Já disse que esperava que o Porto tivesse “uma expressão no Parlamento Europeu” que permitisse “afirmar a região” e que Manuel Pizarro devia ser candidato. É aceitável que o nome da área do Porto passe de cabeça-de-lista para o oitavo ou o nono lugar?
Não quero fugir à pergunta, mas tenho de dizer com toda a honestidade que nunca contabilizarei o número um como um lugar regionalizado. Paulo Rangel, como candidato do PSD, não é um homem do Porto, como Assis não era um homem do Porto. O cabeça de lista não pode ser regionalizado, é sempre um candidato nacional. E a lista ao Parlamento Europeu tem essa perspetiva.
Para a Federação do Porto, o lugar em que o candidato é colocado na lista tem importância.
Defendi que o norte tivesse um candidato importante. E que, no caso do Porto, para por as coisas em termos claros, o candidato que me parecia razoável era Manuel Pizarro. Assumindo que é uma presença muito importante num tempo de novos desafios, e estou a pensar quadro comunitário, mas não só. E fazendo essa lógica de balanço com Francisco Assis, admitindo que não podiam ficar os dois, como admitia que dificilmente Francisco Assis seria o cabeça de lista. Nesse sentido, Manuel Pizarro é a única figura no Porto, não sendo a única da região. Estou absolutamente persuadido de que ele estará na lista e de que a região estará bem representada.
O que significa bem representada?
Significa ser eleito. Para mim, é ser eleito. Não vamos poder medir se ir em quinto ou em sexto é mais importante.
Não faz essa medição porque não quer criar clivagens com o secretário-geral do PS.
Não, não. Não é por isso. O secretário-geral criou uma variável importante, a lista paritária. Numa lista paritária torna-se ainda mais difícil acomodar lugares maravilhosos.
A culpa de Pizarro não ir nos três primeiros lugares é das mulheres?
Não, não. É duma estratégia que o partido seguiu, que assenta num modelo de lista paritária que dificulta a entrada tão evidente, como aconteceu há cinco anos, de homens. Não podemos comparar a lista de há cinco anos, que não tinha a variável paritária, com uma lista de agora, que tem a imposição paritária — e bem! O que quero garantir é que o norte tenha boa presença e que Manuel Pizarro tenha um lugar digno. Estou convencido de que isso vai acontecer.
Só não põe um número, um lugar nessa dignidade.
Não. A questão é da eleição. A melhor maneira de perceber que a minha expectativa vai ser consumada é o facto de o secretário-geral ter vindo ao norte apresentar o cabeça de lista e deixar com isso um sinal muito claro.
Não foi uma benesse?
Não podemos cair no cinismo de achar que quando as coisas acontecem em Lisboa a opção é sempre Lisboa e que quando acontecem no Porto é uma benesse. O secretário-geral não viria ao Porto se tivesse a perspetiva de maus tratos políticos na lista. Vai ser uma grande lista e o Manuel Pizarro vai lá estar.
A saída de Francisco Assis é uma forma de silenciar as vozes internas de discórdia?
Até diria o contrário. Mais depressa é interpretado um silenciamento quando acoplamos os adversários políticos nos lugares do que quando os retiramos. Quem aceita participar numa lista, num Governo ou noutra coisa qualquer estando em disputa está claramente a integrar um projeto político e, por isso, a reduzir margens de liberdade para a conflitualidade. António Costa não foi nada calculista. Percebeu que Francisco Assis atingiu um patamar que não é compatível com uma ida num lugar qualquer que não o número um. E não poderia ser o número um. Há novos desafios para Francisco Assis. O Governo será com certeza uma hipótese, e há muitas outras. O capital que ele adquiriu durante estes anos em Bruxelas vai ser muito útil ao país e muito útil ao PS.
Fala-se na possibilidade de Maria João Rodrigues não integrar as listas, por estar a ser investigada por alegados casos de assédio e perseguição dos funcionários no Parlamento Europeu. António Costa devia mantê-la fora da lista?
Não tenho relações próximas com Maria João Rodrigues e direi com muita tranquilidade que é, do meu ponto de vista, a pessoa mais extraordinária que Portugal teve a trabalhar na Europa. Tem um percurso fantástico, desde os anos 90, aliás, a trabalhar na área económica em Portugal e, depois, a fazê-lo no Parlamento Europeu. É das pessoas mais conhecedoras que temos deste mundo que é a Europa, as negociações. Uma pessoa com uma visão cosmopolita. O que desejo é que Maria João Rodrigues continue na lista.
Mesmo que se comprovem as acusações de que está a ser alvo?
Li a acusação de um caso que está a ser analisado, contraditado por outros funcionários.
Não se justifica, portanto, o afastamento da eurodeputada?
Não é suficiente. A certa altura, este tipo de tópicos tende a confundir-se com gestão de feitios e de forma de trabalhar.
“A bastonária dos enfermeiros transformou a greve num campo de batalha política”
As últimas semanas têm sido difíceis de gerir, neste braço de ferro entre os Enfermeiros e o Ministério da Saúde. Marta Temido tem gerido bem o processo?
No início, não. Teria sido útil, no final do ano passado, aproveitar uma espécie de estado de graça. Aquele mês era importante para serenar alguns ânimos, não apenas dos enfermeiros mas também dos médicos. O que se veio a demonstrar talvez me retire razão. O que se veio a demonstrar é que há uma obsessão doentia da Ordem dos Enfermeiros em conflituar e em fazer — só não digo partidarização, porque, enfim — uma grande politização de todo este processo.
Está a centrar toda a questão na figura de Ana Rita Cavaco. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros é o ponto central deste conflito? Tem sido a instigadora?
Instigadora, não, porque acho que os enfermeiros não se deixam instigar à sorte. O que está é a aproveitar uma justa reivindicação dos enfermeiros — que é justa porque é legítima, pode é não ser possível num determinado momento —, para transformar isto num campo de batalha política. Isso é inaceitável.
Ana Rita Cavaco está a servir um propósito útil ao PSD?
Sim. Muito útil ao PSD, muito útil a ela própria e, do meu ponto de vista, a desacreditar a própria negociação da Ordem dos Enfermeiros. Nunca a Ordem dos Enfermeiros nem nenhuma outra estrutura representativa de trabalhadores, setores profissionais, etc, se tiver o resto da população contra ela. Hoje, é evidente que o que Ana Rita Cavaco fez foi colocar portugueses contra portugueses. Colocar não enfermeiros contra os portugueses enfermeiros. E isso é o limite da reivindicação.
A ministra da Saúde recusou-se a negociar com profissionais em greve enquanto outros colegas de Governo o faziam.
Isso foi um erro. Achei que ela devia ter aproveitado o estado de graça para abrir uma porta.
A requisição civil não foi um erro?
Não. À data de hoje, estou convencido de que, se Marta Temido tivesse aberto a porta do diálogo, aproveitando o estado de graça, não teria dialogado nada porque não havia interlocutor. Isto estava premeditado para chegar à rutura. E a requisição civil não é um erro porque é a única maneira de valorizar o Serviço Nacional de Saúde e de manter a dignidade do SNS e do Estado. Não podemos ter um aproveitamento político absolutamente desregrado sem nenhuma atuação. Está em causa, não o direito à greve, mas a autoridade do Estado.
Mas já disse que a reivindicação dos enfermeiros é legítima. Como é que se desbloqueia o nó quando a crispação está ao mais alto nível?
Negociando. A reivindicação do enfermeiros é legítima, o país é que não vai aguentar.
A ministra considera que a reivindicação não é legítima.
A ministra acha que a estratégia que está a ser seguida pelos enfermeiros não é legítima. Que os enfermeiros peçam 1600 ou 5000 euros, tudo é legítimo. O que sinto hoje é que nunca houve vontade da Ordem dos Enfermeiros para negociar. Tinha um desiderato que era abrir fendas, provocar ruturas. É esta a agenda da bastonária. E isto está a prejudicar o SNS, está a colocar portugueses contra portugueses e a prejudicar o processo negocial.
“António Costa foi o travão, Mário Centeno é um operacional do Governo”
Mas a contestação não se esgota nos enfermeiros. A Função Pública marcou recentemente dois dias de greve, por exemplo. Os próximos meses não vão ser fáceis para o Governo.
Não, claramente não.
Isso pode beliscar o resultado eleitoral de outubro?
Também penso que não. Os meses que aí vêm vão ser difíceis, como os últimos têm sido, porque, inevitavelmente, temos dois fatores decisivos. O primeiro é conjuntural. Cada vez que estamos perto de eleições há uma abertura da conflitualidade para aproveitar o momento para intensificar o debate público e obter regalias que não se conseguiria noutro momento do mandato.
Depois das autárquicas, Jerónimo de Sousa avisou que a contestação ia subir de tom.
Esse é o segundo fator. Bloco de Esquerda e PCP têm de exibir um nível de conflitualidade que os descola do modelo de geringonça que tiveram até agora. Estiveram a conter, durante três anos, o processo negocial. Estávamos a sair da troika e havia a consciência clara de que havia um processo de salvação para resolver. E não se pode estar na rua a criticar o que se aprova no Parlamento. A “geringonça” dificultou muito a intervenção pública do Bloco de Esquerda e do PCP. Não é à toa que se vai dizendo que a “geringonça” beneficiou muito o PS no sentido de diminuir a conflitualidade. Talvez por isso ela tenha saído do domínio tradicional dos sindicatos e das ordens profissionais para outros domínios onde o PCP não tem presença.
O PCP perdeu a mão à contestação social?
O PCP perdeu completamente a mão nos novos movimentos de contestação, até porque são movimentos onde o PCP não tem histórica nem sociologicamente nenhum tipo de penetração.
E acredita que o aumento da contestação não pode marcar as eleições? A contestação até de forças sindicais do interior do próprio PS têm-se feito ouvir.
O setor do PS que representa os trabalhadores, naturalmente, queria ir mais longe. E era expectável que isto acontecesse, porque tivemos anos muito difíceis, em que foram pedidos muitos sacrifícios aos portugueses. E passou rapidamente a ideia — uma extraordinária conquista de António Costa — de que era possível crescer de forma diferente da que nos estava a ser impingida pela troika. Passou a ideia de que já tudo é possível. E isso até dentro do PS contaminou o debate.
É aí que entra o travão Mário Centeno?
Não, não. Foi preciso um travão chamado António Costa. Mário Centeno é um operacional do Governo. Tem claramente um peso europeu enorme, mas sempre que António Costa resolveu assumir políticas estruturantes para o país, Mário Centeno nunca foi capaz de travar o que fosse. Há um ano, era inimaginável mais de 100 milhões de euros para a rubrica do passe único e dos transportes tarifa, disponibilizados do Orçamento do Estado. António Costa meteu isto na cabeça e concretizou. Não inverteria a hierarquia do Governo.
Se não se foi mais longe foi porque António Costa não quis?
Não se foi mais longe porque António Costa tem um noção muito clara de que isto não é um paraíso e de que temos de ganhar músculo. Saímos do problema, mas não resolvemos estruturalmente o problema. Para mim, o valor desta legislatura passa por o PS ter conseguido fazer uma grande governação do lado da Economia, das Finanças e do lado da componente social.
Está a reverter a lógica.
Quem reverte esta ideia é o Bloco e o PCP. Quando se trata de imputar culpas tentam desvalorizar o primeiro-ministro e hipervalorizar o ministro das Finanças. Como penso que o grande mérito desta governação é de António Costa, é nele que tenho de depositar o mérito. Isso traduz-se na ideia de que quem trava ou cria os limites financeiros à negociação com os professores e com os enfermeiros é, claramente, o primeiro-ministro.
Já disse que o primeiro-ministro devia pedir a maioria absoluta para as eleições de outubro. É possível chegar a esse resultado?
Acho tudo.
Essa resposta serve para tudo.
Mas, curiosamente, não é a resposta do PS. Acho que merece, que é justo, que o país precisa. O problema põe-se antes: o PS está disponível para pedir a maioria absoluta? Percebo que António Costa não peça, mas acho que o PS deve pedir.
António Costa não a pede por receio de ter de assumir uma derrota na noite das eleições?
Não. É por um receio muito óbvio, que, aliás, a comunicação social explora muito bem, o receio da arrogância. Quando alguém pede uma maioria absoluta é conotado com uma certa arrogância de quem quer ter governação absoluta. A minha convicção sincera é a de que António Costa é exatamente a mesma pessoa capaz de gerir parcerias e alianças com o Bloco de Esquerda e com o PCP como se não tivesse a Câmara de Lisboa. O problema no debate público é que se criou a ideia de que a maioria absoluta é um escape para fugir da “gerigonça”.
E não é?
Estou convencido de que, com maioria absoluta, o PS consegue reforçar capacidade governativa sem rasgar o acordo da geringonça.
“PCP e Bloco têm um interesse suplementar em impedir a governação absoluta”
Mas com maioria absoluta, que sentido faria este esforço permanente de negociação?
António Costa tem uma noção muito clara dos contributos que a esquerda mais radical pode dar a um processo de negociação e daquilo que representa para o país ter uma esquerda unida em assuntos absolutamente estratégicos. Mas também tem a noção clara de que, no debate europeu ou na segurança europeia e mundial, como a nossa participação na NATO, tem de afirmar o seu programa. Prefiro que afirme o seu programa com maioria absoluta do que ter de ir procurar parcerias com o PSD.
E qual o interesse de PCP e Bloco de Esquerda em negociar com o PS, num cenário de maioria absoluta?
Teriam mais interesse que nunca. Com maioria absoluta, o PCP e o Bloco têm um interesse suplementar em impedir que a maioria absoluta se transforme em governação absoluta. PCP e Bloco de Esquerda têm oportunidade de demonstrar que o PS é capaz de, tendo maioria absoluta, governar de forma dialogante e transversal e evitar momentos conjunturais.
Negociar seria a boia de salvação de PCP e Bloco numa maioria absoluta do PS?
Seria, claro. Já se provou que PCP e Bloco não são partidos da margem, são partidos capazes de participar na governação, ainda que não tendo membros no Governo. E participam da governação independentemente de o PS ter ou não a maioria absoluta. E há questões que não estão a ser ponderadas e que vão ter um papel decisivo para chegar à maioria absoluta.
Quais são?
Vamos chegar ao final do primeiro semestre com a melhor execução orçamental que tivemos neste mandato. Vai quebrar-se o mito de que o PS quando está no Governo é despesista e, depois, vai para lá a direita pôr as contas em dia. E vai fazer-se esse balanço no primeiro semestre de 2019. Este vai ser o primeiro ano das contas em ordem, é o ano da sedimentação da estratégia financeira.
Com um superavit?
Com superavit, claro. Vai ser também o ano em que vamos ter reposições além das reposições salariais. O Governo tem um novo desígnio, que é dar um grande impulso às políticas públicas e sociais, não apenas ao investimento público. Depois, vamos ter dois ou três dossiers particularmente importantes. A partir de abril, o passe único vai passar a existir. Isso vai significar, para muitas famílias, um nível de poupança superior ao aumento salarial que tiveram. Isto não está a ser valorizado porque ainda não está aplicado. Na última década, não imagino nenhuma reforma estrutural tão importante para as classes médias, sobretudo nas áreas metropolitanas, mas não só, como o passe único. As pessoas vão perceber isto e vai ser um instrumento importante para afirmar a política do Governo numa área que não é só da tarifa, mas a que se vai juntar o investimento público na rede de metro, na ferrovia, etc. O próximo meio ano não é um período pré-eleitoral, são seis meses de ação governativa com indicadores que vão ser muito positivos do ponto de vista eleitoral.
“Não há nenhum bom argumento para congelar a regionalização”
O ministro Eduardo Cabrita disse que a descentralização estava a ser um sucesso. Há razões para este otimismo todo?
Na semana passada, na Assembleia da República, o ministro também disse que tinha pena de não ter ido mais longe. No devido contexto, duas coisas aparentemente contraditórias são verdade. Ele diz que o número de adesões dos municípios aos diplomas setoriais é um sucesso…
Se olharmos para os valores, das 11 áreas setoriais em que os municípios podiam receber já novas competências, em muitos casos as autarquias não chegam a aderir a metade. Onde está o sucesso?
Do ponto de vista da reforma, a minha avaliação é a de que ela ficou aquém das expectativas nas adesões. A reforma devia ser aplicada no ano de 2019 e estamos em fevereiro ainda com diplomas por publicar, por isso, é uma reforma com alguns problemas de timing.
O que está a dificultar esse processo?
Está a seguir o processo normal de aprovação em Conselho de Ministros. O que tardou foi o processo negocial que não acrescentou nada. E agora podemos dizer coisas que podem parecer contraditórias. O Governo fez uma reforma estrutural que foi a descentralização. Era um ponto de honra de António Costa. Fê-lo. Como essa reforma entra tardiamente no mandato faz com que no encerramento do mandato tenha pouco impacto na vida das autarquias. Mas eu faria uma distinção entre a descentralização e a regionalização.
Como se pode avançar para a regionalização sem descentralizar?
Não são processos exclusivos. Podíamos avançar para a descentralização sem a regionalização. A regionalização vai trazer para o domínio regional uma legitimidade democrática para gerir vários dossiers. A descentralização está a atirar para os municípios uma série de responsabilidades novas.
Uma das questões em aberto é a da representação política ao nível regional. É um ponto fundamental?
A porta que o primeiro-ministro abriu é a da hipótese de uma eleição — que pode não ser direta, ver-se-á, mas penso que devia ser direta — do presidente da CCDR, que atualmente é nomeado pelo Governo. O que António Costa está a fazer é um ato de enorme inteligência, ao reconhecer que é possível experimentar processos de descentralização reforçada e demonstrar aos cidadãos que isto é útil. Porque nesta discussão é sempre muito fácil imaginar o argumento dos tachos e do aumento da despesa. Estou convencido de que não é o que vai acontecer. Basta olhar para os últimos 20 anos para perceber que depois de o referendo da regionalização ter sido rejeitado e depois de tanta promessa para reforçar a coesão do território, o território hoje está menos coeso e as pessoas estão mais alheadas. Acredito na regionalização como uma nova forma de reorganização do poder político em Portugal.
Faz falta uma voz forte e com peso político em cada região?
Sim, uma figura eleita, claro que sim. Estamos muito focados no debate que se vai fazer internamente: região contra região, região contra Governo central, Governo e governos regionais. Mas veja a dificuldade que há, neste momento, em dialogar com a Galiza em questões que são comuns como a ferrovia, a gestão do quadro comunitário, o ambiente. Estamos a lidar com patamares diferentes e de legitimidade diferente. Estamos a lidar com governos regionais versus governos nacionais. E ao nível das CCDR, estamos a falar de discussões entre quem tem poder de decisão e quem não tem esse poder. E isso tem-nos prejudicado na relação transfronteiriça e, até, no reforço da cooperação para novos desafios que o próximo quadro vai trazer. A questão não é apenas nacional. Começo até a sentir o contrário. É que não há nenhum bom argumento para manter congelado este processo de verdadeira reforma do país.
Gostava de se constituir como uma dessas vozes com peso regional?
Vou responder da forma mais arrogante que pode haver. É que penso que já sou. Enquanto presidente da Área Metropolitana, tem havido um espaço de diálogo com o Governo. O que sinto é que, mais uma vez, a minha legitimidade decorre de uma eleição entre pares e não direta. Seria muito útil para a região ter uma eleição direta. Com uma salvaguarda: é que não podemos com isto criar um novo centralismo, agora regional. Por isso é que cidades como Gaia e Porto já disseram que não têm nenhuma ambição de ser a capital ou ter a sede da região. Esse trabalho de confiança dos atores regionais é meio caminho andado para que as pessoas venham a acreditar no processo.
A questão do referendo é incontornável. Qual o timing mais acertado para avançar com esse processo?
A discussão já está a ser feita. O assunto está na ordem do dia da política e dos políticos. Pode ainda não estar para os cidadãos. O momento certo para começar a discutir é quanto mais rápido, melhor. Mas uma discussão desta envergadura não pode ficar marcada pelo momento eleitoral.
Há uma grande expectativa de que o resultado de um referendo não volte a ser o chumbo.
Há duas expectativas. A de que isto é para depois das eleições, mas também de que o debate comece já. Até porque os partidos podem ter a tentação de fugir ao assunto nos seus programas eleitorais. O PS defende a regionalização de forma muito clara, tendo gente dentro do partido que é contra, como em todos os partidos. Mas a maioria é claramente favorável. E ao fim do primeiro ano de intervenção temos todas as condições para ter gerido e digerido o debate pré-eleitoral, a situação do país, os equilíbrios no Parlamento e dar a voz ao povo. Não quer dizer que se for passado um ano ou um ano e meio já estejamos atrasados.
Mas não nunca além disso.
Terá de ser na próxima legislatura. O mais importante de tudo é o que António Costa disse: pormos a possibilidade de abrir portas a experiências de legimitação democrática eleitoral de figuras regionais e fazer disso uma estratégia de demonstração das virtudes do processo de regionalização. Na verdade, o que vai ser referendado não pode ser um vazio.
Presidenciais. “Nem sempre a popularidade e a autoridade são compatíveis”
Ainda estamos a dois anos, mas o tema tem andado sempre na agenda. O PS deve apoiar Marcelo Rebelo de Sousa, caso o Presidente da República decida recandidatar-se?
Serei solidário com aquilo que o PS faça.
Pergunto-lhe qual é a sua posição.
O PS deve ter um candidato próprio e assumindo claramente a especificidade das eleições presidenciais que é apoiar — não é atirar — um candidato…
Como fez com Sampaio da Nóvoa?
Se calhar, mas sobre isso não posso falar, porque não o apoiei. Dizia que o PS deve apoiar um candidato que preencha os valores do PS de forma muito clara.
Encontra figuras no PS que se enquadrem nessa definição?
Sinceramente, encontro. Mas perceba que não lhe vá dar nenhum nome. As pessoas até podem estar sossegadas na sua vida e ver aparecer o nome delas ligado a uma campanha presidencial atirada por mim.
Mulheres?
Mulheres, sim. Mulheres com experiência europeia, com experiência governativa nacional.
António Costa deu um apoio tácito a Marcelo Rebelo de Sousa ao dizer que, caso se recandidate, o atual Presidente da República tem vitória garantida?
Ele também disse que, não tendo a certeza de que Marcelo vote nele, também não tem a certeza de que vote em Marcelo. Do ponto de vista da estratégia do partido e da apresentação de uma alternativa, que é sempre saudável, o PS pode e deve apresentar um nome próprio.
Uma figura que ombreie com Marcelo?
Que promova o debate. A popularidade não é um fim em si mesmo.
O Presidente da República tem cedido à vontade de conquistar popularidade?
A conjuntura é mais fácil do que há uns anos. O Presidente da República beneficia de um país que, basicamente, não teve crises. Não teve as crises que Cavaco teve, não teve crises.
Os incêndios foram um momento de crise aguda.
Sim, em que o Presidente da República teve um papel importantíssimo, do ponto de vista da estabilização emocional, mas que foi gerido superiormente pelo Governo.
A ministra Constança Urbano de Sousa esteve à altura dos acontecimentos?
Se tivesse estado, provavelmente não teria saído do Governo. Mas, em termos estruturais, o Governo geriu bem o processo. Houve ali problemas que até acho que foram de comunicação. Não foi falta de estratégia, não foi falta de meios, foi um episódio que, à distância, já todos perceberam que teve uma explicação de dimensão natural e climatérica que dificilmente teria sido possível evitar. Houve lacunas na forma como o processo foi gerido daí em diante, e por isso a ministra saiu. Agora, o Governo comportou-se à altura. O ministro Pedro Marques esteve no processo de aplicação de fundos e reabilitação de toda aquela zona. A única coisa que me causa estupefação é que os únicos que ficaram com as culpas foram os presidentes de câmara.
É uma avaliação injusta daquilo que se passou?
É, pelo menos, insuficiente.
Havia mais responsáveis?
Se o presidente da câmara tem culpa sobre os postes da EDP, se tem culpa de as telecomunicações não funcionarem…
Há processos judiciais ainda em curso.
Mas os autarcas já estão. Está mais difícil que os outros processos tenham uma conclusão. Num país onde fazer a viagem Lisboa a Porto ao telefone significa perder a rede umas dez vezes, responsabilizar o Governo por falhas de comunicações num hiper-mega processo de incêndios é, pelo menos, exagerado. E isso ficou bem claro nas palavras do primeiro-ministro. Agora, foi um período de crise não suficientemente replicado para dizer que o Presidente da República teve momentos de crise. As grandes negociações em que o Presidente da República participou foram as Jornadas da Juventude com o Papa, a Web Summit, tudo momentos áureos. É expectável que as pessoas olhem para o Presidente da República como, diga-se de passagem, olham para o primeiro-ministro: alguém que trouxe novo oxigénio ao país, nova esperança, reconciliação nacional. O Governo PSD tinha conseguido esta proeza de por portugueses contra portugueses — um pouco como Ana Rita Cavaco está a fazer. Pôr pais contra professores, funcionários públicos contra privados e privados contra públicos, ele tinha conseguido isto. Apesar de tudo, acho que a situação hoje é muitíssimo mais tranquila. A dúvida que tenho é se o Presidente da República, num momento de crise, consegue acionar essa popularidade para resolver a crise.
Falta a Marcelo ser posto à prova?
Nem sempre a popularidade e a autoridade são compatíveis. Não quereria por à prova o Presidente da República porque isso significaria que teríamos um episódio muito grave. Mas há espaço para que outras figuras venham a jogo e debatam com o Presidente da República.