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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Entrevista a André Ventura. "Marcelo está a mentir no caso Tancos"

O candidato presidencial do Chega atira contra Marcelo: fala de Tancos, Salgado e de "um exercício patético de Presidência". E defende as suas medidas polémicas — as conhecidas e as menos conhecidas.

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André Ventura chegou à redação do Observador às 21 horas desta terça-feira, depois de uma longa maratona no Parlamento, com a audição da ministra da Saúde. É líder do Chega, deputado único do partido e agora também candidato presidencial. Durante uma hora e meia de entrevista no programa “Sob Escuta” (que pode ouvir aqui), da Rádio Observador, falou de todos os temas polémicos: defendeu o fim do IRS e o desaparecimento do Ministério da Educação; reconheceu que furou a promessa de não acumular as funções de deputado e de consultor; apresentou as suas propostas de castração química e de prisão perpétua; e atacou duramente Marcelo Rebelo de Sousa. André Ventura diz não ter dúvidas: o Presidente da República soube da encenação de Tancos e está a mentir quando diz o contrário.

[Destaques da entrevista a André Ventura:]

IRS. “O meu objetivo é chegar a uma quase anulação dos impostos sobre o rendimento”

O Chega defende o “combate ao atual sistema de extorsão fiscal transformado em terrorismo de Estado” e diz que o fisco “é uma máquina de assalto ao cidadão”. Nos quatro anos em que trabalhou na Autoridade Tributária e na Inspeção Tributária sentiu que estava a ajudar uma “máquina de assalto ao cidadão” a praticar “terrorismo de Estado”?
No programa defendemos que o sistema fiscal que temos hoje é um sistema fiscal de extorsão e isto porque temos um sistema montado sobre os impostos sobre o rendimento, com uma progressividade…

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Mas sente que participou dessa extorsão, que esteve a extorquir os cidadãos enquanto trabalhou lá?
Os trabalhadores não são os responsáveis pela execução de um sistema que não é deles nem foi montado por eles — foi montado pela Assembleia da República, que tem reserva de lei nessa matéria.

Mas teria outras saídas profissionais, não precisava de trabalhar para uma “máquina de assalto ao cidadão”.
Mas repare, muitas vezes, sentia na pele. Os trabalhadores da administração pública são os primeiros a sentir as falhas que o sistema tem e, como inspetor tributário, senti as falhas que o sistema tinha nesta matéria também. Quando temos um Estado que, para cobrar impostos, cobra de uma forma velocíssima, muitas vezes desrespeitando as garantias dos contribuintes, e quando tem de devolver dinheiro erradamente cobrado o faz sem juros e a demorar imenso tempo, as pessoas olham e perguntam: que máquina fiscal é esta? Quando é para cobrar um cêntimo está lá até ao fim, quando é para devolver dinheiro, já não está, não quer pagar e não paga a tempo.

Não tinha problemas de consciência em trabalhar lá?
Não porque sentia que estava a colaborar para implementar mais legalidade e mais eficácia. Mas ao mesmo tempo sempre fui um crítico do sistema fiscal tal como o que temos e acho que, na posição que tenho hoje, muito mais facilmente consigo fazer essa denúncia e combate do que como trabalhador. E vou continuar a fazê-lo.

Ainda tem vínculo à Autoridade Tributária?
Estou de licença sem vencimento.

Portanto, admite voltar a trabalhar nesta “máquina de assalto ao cidadão”.
Admito. Aliás, cheguei a estar numa lista para subdiretor da unidade dos grandes devedores, e não só, na ótica sempre de procurar que esta máquina esteja ao serviço do cidadão e não para explorar o cidadão. Embora também reconheça que os trabalhadores são os primeiros a sofrer na pele as injustiças que o sistema fiscal tem. O que apontamos é a falha do próprio sistema legal da Autoridade Tributária e do sistema legal como ele está implementado. Se olharmos para a progressividade dos impostos sobre o rendimento, vemos que ela tem uma lógica altamente perversa: não premiamos quem trabalha mais, nem quem se esforça mais. O que fazemos é que, à medida que alguém trabalha mais e se esforça mais, é mais penalizado ainda. Quem se quer entregar mais ao trabalho paga as despesa todas do Estado e daqueles que não querem fazer nada.

É por isso que defende a taxa única de IRS. 
Sim, é um modelo possível. Pode não ser única, podem ser três taxas. Não pode ter é este conjunto de escalões absurdo que temos hoje.

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Mas há uma proposta concreta vossa que é de uma taxa única que seria de 15% no primeiro ano, de 13,5% no segundo, de 12% no terceiro e de 10% no quarto ano. Alguém que seja casado com dois filhos e ganhe 800 euros, paga hoje uma taxa de IRS de 3,5% e passaria a pagar 15% com a sua proposta: passaria de um pagamento de 28 euros de IRS para 120 euros. Já um deputado na mesma situação familiar, que ganha 3600 euros, tem hoje uma taxa de IRS de 29,9%, e baixaria para 15%: passaria de um pagamento de 1076 euros para 540. E, no quarto ano, com a taxa de 10%, pagaria apenas 360 euros. Já explicou estas contas aos seus eleitores que ganham só 800 euros?
Sim, não haveria problema porque sempre defendi a redução do salário de deputado por isso não haveria problema.

Não seria para 800 euros, imagino.
Seria o que fosse.

Seja como for, as pessoas que ganham 3600 euros seriam beneficiadas.
Temos dois modelos que podemos analisar do ponto de vista fiscal: um diz que vamos ter taxas diferenciadas e o que damos às pessoas é a ideia de que uns redistribuem riqueza para outros — é o grande sistema social ocidental. Mas a taxa única por si já é diferenciadora: 15% para 100 não é o mesmo que 15% para 10 mil. Já é diferente. No sistema fiscal temos de compreender o mecanismo. Uma taxa única já diferencia rendimentos.

Claro, mas os seus eleitores que ganham 800 euros gostariam de perceber que vão passar a pagar 15% em vez de 3,5% de IRS.
E os eleitores que fizeram poupanças de uma vida e arrendam uma casa não pagariam o absurdo na categoria de arrendamento que hoje pagam em Portugal. Temos um sistema em que estamos a asfixiar e a matar a classe média. Podemos dizer que isto é para salvar os pobrezinhos, mas não é. Estamos a matá-los, a acabar com a classe média.

Mas vai salvá-los aumentando o que pagam de IRS?
Não, temos na nossa proposta uma taxa única que permite que quem se esforça mais…. Se eu hoje sair às cinco da tarde e for para casa e ganhar 800 euros, tenho uma taxa x, se eu sair de casa e ainda for trabalhar na minha hora de jantar e ainda fizer outro trabalho à noite para dar mais rendimento ao país, o que o Estado me dá em troca é uma taxa muito mais alta.

Na sua opinião, a diferença entre quem ganha 800 euros e quem ganha 3.600 é que um se esforça e o outro não?
Em abstrato. Em Portugal, não temos incentivo ao mérito, a fazer mais, e isso é o que me custa. Assim, nunca vamos ter talentos. Olham para o sistema fiscal que diz “Ah, querem ganhar mais, então temos uma prenda para vocês: pagar mais impostos”. Eu percebo que a lógica socializante que criámos nos últimos 45 anos seja no sentido de dizer que estamos a tirar aos ricos para dar aos pobres, mas isso é uma farsa. Os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres estão cada vez mais pobres. E não foi o sistema fiscal que ajudou. O aumento do salário é pernicioso em Portugal. As pessoas pensam assim: eu subi na carreira, aumentei de categoria e o que o Estado me dá em troca é pagar mais impostos — e acabo por ter menos rendimento líquido.

O seu pensamento fiscal até vai mais longe no IRS porque defende que haverá “uma segunda e última fase”, como lhe chama, em que o IRS desaparece.
Com o IMI temos a mesma coisa.

Mas deixa de se pagar IRS. Quando, já agora?
No IMI defendemos a abolição, porque é um impostos absurdo: pagamos quando compramos a casa, pagamos para vender, quando fazemos melhorias…

Mas qual a lógica parecida com o IRS?
É que também no IMI temos uma lógica de abolição mas faseada. Numa primeira fase para a habitação própria e permanente…

Quando tenciona chegar à abolição do IRS?
No IRS a nossa proposta é de uma taxa única, todos terem a mesma igualdade perante a lei.

Mas faseada até a um limite porque a proposta final é acabar com o IRS. Quando?
Tendencialmente, entendemos que há outro tipo de impostos na sociedade, sobre a riqueza e sobre o consumo. O que temos com estes sistema são mais impostos energéticos, mais IRS e IVA igual. Assim é impossível.

"Nos recursos humanos, a lógica é sempre evitar os despedimentos, as pessoas têm contas para pagar e há o dever de não lhes dizer que, depois de uma vida a pagar impostos, vão para a rua."

Mas quando acaba o IRS, quando é o momento ótimo?
Não sei, não lhe posso dizer assim.

Mas depende do quê?
Depende da evolução dos índices macroeconómicos, da arrecadação de receita, que teria de manter-se a um nível estável para se poder fazer alguns investimentos públicos que temos de fazer na área dos sistemas de segurança, dos bombeiros, do reforço do investimento nas empresas. Há um plano faseado, para que o IRS vá sendo cada vez mais baixo até a um ponto de anulação, mas isso tem de ser compensado com receita do Estado…

Mais baixo para uns, como já vimos, quem ganha 800 euros passa de uma taxa de 3,5% para uma de 15%…
Mas num ponto de anulação será de zero para todos.

Não se sabe é quando.
Se fosse Governo eu dizia-lhe, se estivesse hoje como ministro das Finanças dizia-lhe. Eu não tenho medo de datas, eu disse que em oito anos vamos ser o maior partido português e vamos ser, não tenham dúvidas.

Mas de que dados precisava?
Precisava de analisar o impacto real na economia, depende da conjuntura externa de importações, exportações para avaliar quando era possível transformar essa taxa única em zero. Mas sim, assumo isto. O objetivo é chegar a uma quase anulação dos impostos sobre o rendimento. Eu acho que é possível e temos de fazer um caminho de anos provavelmente. Esse objetivo não sei se vamos alcançar ou não, mas há um que sei que já devíamos ter alcançado: era premiar a classe média com menos impostos, porque o que temos hoje é extorsão fiscal.

Função pública: “As coisas para a vida acabaram. That’s life“. Mas sem despedimentos

Defende a criação de “um masterplan para a modernização do funcionamento do Estado”. Segundo o Chega, este plano levará a um “emagrecimento drástico do Estado”. Quantos funcionários públicos serão despedidos?
Não sei quantos serão despedidos. Quero dar um exemplo: quando tivemos eleições na Madeira, a primeira indicação que dei ao Chega da Madeira foi para me fazerem o levantamento da quantidade de órgãos e instituições que tínhamos e podiam ser extintos porque não serviam para nada. Sempre assumi isso, não tenho os complexos que o PSD tem de dizer que não pode extinguir nada porque vem aí a questão dos trabalhadores. Estamos a pagar uma série de observatórios, associações, fundações que não servem para nada e as pessoas sentem isso no bolso todos os dias. Havia 16 organismos.

Essa lista já foi feita pelo governo no tempo da troika. O que está em causa aqui é este “emagrecimento drástico” que propõe — e que não é feito seguramente dessa maneira, pois não?
Mas assumo isso, não é só uma questão da lista. Estou-me nas tintas para a lista, eu quero é ação. Listas já eu vi muitas. Se tenho 16 organismos na Madeira que são desnecessários, então porque é que continuamos a pagá-los? Só na Madeira! Agora veja, quando o Chega for Governo e conseguir pegar efetivamente em todas as pessoas que temos supérfluas — agora vem aí um Observatório para o Racismo também, como já tínhamos poucos vamos ter mais um — e quem é que vai pagar isto? Nós. Claro que podemos colocar a questão, e bem, de saber como é que isso vai ser do ponto de vista dos funcionários públicos. Primeiro, temos de reafetar recursos na administração pública: se há observatórios que não interessam, há muitos funcionários que podem ser reafetados.

Reafetar funcionários não emagrece o Estado.
Mas reduzimos em instituições, que é uma verba logo muito significativa. Veja quanto vai para fundações todos os anos.

O grosso das despesas do Estado é com salários. A seguir vai falar-nos das gorduras do Estado e dos consumos intermédios. Quem quer um emagrecimento “drástico”, como quer o Chega, tem de ter uma redução drástica de funcionários públicos. 
Extinguir 16 organismos na Madeira não é drástico? É drástico. E vamos fazer mais. Aliás, durante as presidenciais quero falar nesse assunto também. Se só na Madeira temos 16 considerados possíveis extintos, o que não acontecerá por esse país fora. Nos recursos humanos, a lógica é sempre evitar os despedimentos, as pessoas têm contas para pagar e há o dever de não lhes dizer que, depois de uma vida a pagar impostos, vão para a rua. Mas também temos o dever de salvaguardar que os contribuintes não ficam a pagar impostos excessivos para organizações que depois não servem para nada. Temos não sei quantos polícias a fazerem trabalho de secretaria. Isto cabe na cabeça de um Estado minimamente decente, quando podiam vir outros funcionários do Estado fazer isso mesmo para a polícia?

Mas isso não reduziria uma fatia grande de pagamentos salariais na função pública.
Não tem de haver despedimentos. Exceto em casos muito pontuais onde não fosse possível reafetar e especializar. A nossa lógica é reafetar, especializar, olhamos para a administração pública e vemos um desequilíbrio enorme entre áreas onde faltam quadros. Temos de fazer alguma coisa, não aceito este país em que se diz “Está ali a mais, não podemos fazer nada”. Mas passamos pela placa dos sítios e dizemos que ali é a fundação tal. Porque é que estão ali com o nosso dinheiro? E depois é tudo populismo…

Dizer que quer emagrecer o Estado se não tem uma resposta concreta sobre que emagrecimento é esse não é populismo? Reafetar não emagrece, pois não?
Emagrece se acabarmos com os institutos.

E essas propostas não são novas. Nem são politicamente incorretas, como gosta de dizer. Já todos os governos falaram disso. E já se percebeu que não é suficiente.
Já se percebeu que foi mal feito.

Mas o seu bem feito também não passaria pelo despedimento de funcionários públicos.
Não, não passaria. Porque acho que temos de ter uma administração pública forte, não gorda. Acho que temos de ter recursos especializados fortes, nas funções onde fazem falta.

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Por outro lado, quer o fim da manutenção do emprego para a vida na função pública para os novos contratos. Em que circunstâncias poderiam ser depois despedidos?
As coisas para a vida acabaram, é o mundo em que vivemos. Também gostava de dizer que o mundo lá fora é cor de rosa e não é, é a vida. That’s life. Queremos celebrar contratos à moda da União Soviética, dos anos 30 no século XX? Não dá.

O André Ventura é que acabou de nos dizer que não quer despedir ninguém. Interiorizou esse conceito.
Mas entre despedir e estabelecer objetivos que têm de ser cumpridos vai um passo muito grande. Uma coisa é dizer: “Isto vai acabar, ponham-se a andar”. Outra coisa é dizer: “Estás aí há seis meses sem fazer nada”. Quem está em casa percebe a linguagem. As pessoas pelo país todo matam-se a trabalhar.

Mas se essa reafetação não funcionar e as pessoas não se adaptarem? Despede-as?
Há três processos possíveis: reafetação, especialização, mobilidade. O despedimento só aconteceria num cenário extremo. Estou confiante que os recursos humanos portugueses que conhecemos todos querem trabalhar, querem sentir-se motivados, o que não querem é sentir que a uns é-lhes dado tudo e a outros, nada. Sim, vamos reduzir órgãos e instituições, vamos reduzir — de facto a expressão gorduras talvez não fosse a melhor — uma série de departamentos que não nos ajudam para nada. Não tem nada a ver com racismo, falamos sobre o racismo quando quiserem, se quiserem. Fiquei estupefacto do meio da discussão toda em que não temos dinheiro para a saúde, para justiça etc, e vem aí mais um observatório. Mas mais um observatório para quê? Para monitorizar, fazer relatórios — para isso já temos muitos. O que precisamos é de reorganizar o Estado. E isso passa por cortar alguns departamentos, reafetar os recursos humanos onde eles não fazem falta, reafetar na polícia, na proteção civil, no Ministério da Saúde, no Ministério da Justiça, sabemos que faltam recursos em quase todos os ministérios.

Não quer despedir quem está, mas quer poder despedir mais facilmente quem entra de novo na função pública. É isto?
É só quem não cumprir. Nem sou particularmente adepto de uma flexibilização absoluta em termos de despedimentos, as pessoas merecem e devem ter garantias. Mas se não cumprir os seus objetivos ao fim de um mês é chamada à atenção, ao fim de três é outra vez com mais veemência, ao fim de seis meses, provavelmente é despedida. Porque é que a quem está aqui ao lado não lhe acontece isso? Criámos esta divisão do mundo.

Quer um regime igual para o privado e para o público?
Não é exatamente igual. Mas temos áreas em que podem ser aproximados. O Pedro Passos Coelho já fez esta aproximação, antes dele Durão Barroso já tinha mais ligeiramente feito esta aproximação durante o seu Governo. Não é uma equiparação, mas acho que os portugueses não se podem sentir de primeira e de segunda. Por exemplo, na saúde, a preocupação do BE e do PCP não é se o Hospital Garcia da Orta vai reabrir ou não as urgências, mas se isso é feito com o público ou o privado. Em vez de estarmos a pensar nas pessoas, que vão ter direito aos serviços, estamos a pensar na lógica do público e dos privado.

Subsidiar o interior? “Veja onde nos levou. Não nos levou a nada, levou a uma desgraça”

Há uma área onde o André Ventura quer saber quem presta esse serviço, se é o público ou o privado, que é a área dos transportes. Defende que as empresas de transportes públicos sejam privatizadas. Deixam de existir transportes públicos?
Não, o nosso plano sobre os transportes é muito claro. Tendencialmente achamos que em áreas onde há concorrência, as de maior densidade populacional (Lisboa, Sintra, Setúbal, Almada, Porto Gaia, Braga, Gondomar), não temos grandes dificuldades na privatização, desde que assegurados os direitos dos trabalhadores que lá estão. A concorrência permitirá a médio prazo ter preços muito mais baratos para os utentes. Reconhecemos, no entanto, que há zonas onde provavelmente essa competitividade não vai ser possível — no interior vai haver zonas onde ninguém quer ficar com os preços que são obrigatoriamente impostos. Não podemos deixar que um prestador no interior, onde só há um meio de transporte a fazer um determinado circuito, possa pôr os preços que quiser.

E a ideia era poder intervir no preços nas grandes cidades também?
Não ao nível de preços.

Porque parte do princípio que os preços baixam existindo a concorrência. Mas não haveria necessidade de introduzir ali um limite ao preços?
Claro. Isso é como na energia, um mercado regulado. Aliás, nós somos dos que mais defendemos a regulação. Em vez de querermos a nacionalização de tudo, defendemos mercados regulados em que haja concorrência e em que os serviços e a estrutura de preços fique quase sempre melhor. Se podemos ter isto, andamos aqui a embicar porque há um texto que há 40 anos nos disse que tinha de ser assim e andamos nesta lógica que tem de ser tudo público. Era muito mais fácil eu andar aqui a dizer que queria tudo público, tudo a zero, etc. Mas, para renacionalizar, quem paga são os mesmos de sempre, que já estão atolados até à cabeça em impostos.

"Nós assumimos que o Ministério da Educação é para acabar. Gere o património. Não faz mais nada. Para além disso, impõe conteúdos às escolas."

Na campanha eleitoral o Chega respondeu a um inquérito no Portal dos Jesuítas portugueses e defendeu que “a melhor forma de levar as pessoas para o interior do país era tornar a vida das grandes cidades costeiras incomportável para parte substancial da sua população”. E isso seria feito pela “aplicação rigorosa do princípio do utilizador-pagador” em todos os aspetos da vida. De que forma pretende tornar a vida nas grandes cidades “incomportável”?
Essa expressão tem um certo tom excessivo.

Mas é vossa. Arrepende-se?
Não, é excessiva, tem um certo tom de carga quase simbólica. Há um desequilíbrio enorme entre cidade e interior. Apresentei a minha campanha presidencial em Portalegre e, se andassem comigo ali nas ruas, veriam que loja sim loja não está abandonada, prédio sim prédio não está devoluto ou a cair, as pessoas afastam-se, as casas estão ao desbarato. Não há ninguém.

A questão é saber como se resolve
Isso significa que o que tem sido feito não tem funcionado.

A solução era afugentar as pessoas do litoral?
Não, era tornar a vida mais apelativa no interior do que no litoral.

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O que está aqui no vosso texto é o contrário. É tornar a vida tão pouco apelativa no litoral que as pessoas têm de ir para o interior.
Por isso é que eu disse que era excessiva. Eu sou de Lisboa, sou de um subúrbio de Lisboa e a vida lá sempre foi um bocado incomportável, na verdade, por isso também não é nada de novo que estamos a dizer.

A questão é que tudo isto se liga. Há pouco disse que privatizando os transportes públicos tem a certeza de que os preços descem — mas neste texto está a dizer que, aplicando o princípio do utilizador-pagador, ou seja privatizando, vai tornar a vida nas grande cidades de tal forma “incomportável” que as populações têm de ir para o interior. Há uma contradição entre o que nos disse há bocado e o que nos diz agora.
Não, está a fazer um a avaliação que não pode ser feita. Que é a de que onde vai haver mais privatizações a vida torna-se infernal.

Vocês é que dizem — dizem que aplicar o princípio do utilizador-pagador torna a vida nas grandes cidades “incomportável”.
Isto não tem nada a ver com o mercado concorrencial. Onde há mais concorrência há mais liberdade. O utilizador-pagador pode ter importância quando nós vemos que há uma série de serviços que são sistematicamente pagos por uma zona do país que não está a beneficiar deles. Claro que é muito apelativo dizermos que vamos pagar tudo, mas quem os está a pagar são os contribuintes todos. Hoje temos um desequilíbrio estrutural e as regras até hoje não funcionaram e o que pode funcionar é tornar a vida no interior mais apelativa. É o contraponto de tornar menos apelativa.

Não, não é o contraponto, é totalmente diferente. Uma coisa é o que se tem feito até hoje em dia, que é subsidiar as pessoas que vão para o interior — isso é tornar a vida lá mais apelativa. Outra coisa é tornar “incomportável” a vida nas grandes cidades.
Veja onde levou a subsidiação que eles fizeram. Veja onde nos levou. Não nos levou a nada, levou a uma desgraça. Portalegre não é a zona mais desertificada de Portugal, é da Europa. Onde estão os governos de há 40 anos que subsidiaram tudo? Onde nos levaram os subsídios? Levaram a uma desertificação terrível. E aqui estamos no Estado zero, uma coisa nunca vista

Mas essa é uma conclusão de todos os partidos, de resto.
Mas têm de ser apontados responsáveis, porque se fosse o Chega caía o Carmo e Trindade. O que temos de mudar é tornar a vida no interior mais apelativa do que nas cidades. Temos, sem dúvida.

E tornar a vida nas cidades “incomportável”.
Nunca defendi isso como uma expressão direta, quando todos os dias digo que faltam polícias nas cidades para dar segurança às pessoas, para dar confiança aos filhos e aos avós. Isso não é tornar infernal, é tornar ainda melhor. Agora, o que falta fazer no interior não é estradas, essas já existem.

O que é que falta?
Falta não só uma política de emprego ativa nessas zonas — isso sim, falhou –, mas também efetivo apoio às famílias. Os governos, sobretudo os de esquerda, têm um complexo enorme no apoio às famílias. Acham que tudo o que é destruir a família é melhor ainda. E hoje temos muitas famílias que nos dizem “Vivo em Beja, em Portalegre, em Bragança e o Estado aqui apoia-me zero. Se eu vivesse num subúrbio de Lisboa tinha tudo”.

Não sei de onde é que tirou isso. Há várias políticas de incentivo às famílias que têm filhos nessas zonas.
Vai ser polémico, mas eu vou dar-lhe um exemplo que conheço bem. Comunidade cigana. Veja como é que vive a comunidade cigana à volta de Lisboa e no Alentejo. Vá ver com os seus olhos, e veja o que se dá em Lisboa e o que se dá no Alentejo.

Eu já percebi que quer falar muito de emigração e de ciganos. Mas vamos falar antes de outras coisas.
É um exemplo, para perceber a diferença entre subsidiar as grandes cidades porque dão votos e o resto não, porque não dá votos. Os grandes círculos eleitorais estão em Lisboa e no Porto.

Aliás, foi graças a isso que conseguiu ser eleito.
Sim. Mas o problema é que, por exemplo, Portalegre elege dois deputados. Como é que o sistema político pode olhar para Portalegre, se elege apenas dois deputados? Isto é ajudar a fixar pessoas no interior? É dizer vocês não valem nada politicamente, o que decidam ou não decidam é zero. Solução: subsídios diretos, que levaram à maior desgraça nos últimos 40 anos. Outra solução: regionalização. Mais tachos e mais deputados. Parece que vivemos num país a brincar.

A razão pela qual Portalegre tem dois deputados não é porque as pessoas que lá vivem não valham nada, é porque há menos população.
Mas acha que um território daquela dimensão, com aquele potencial, um dos maiores distritos, que por culpa da desertificação foi sendo menos povoado, merece ter dois deputados? Num sistema político que quer ser harmonioso, integrador?

Não houve nenhum responsável político que tenha decidido malevolamente “Vamos tirar todas as pessoas de Portalegre”. A desertificação tem razões mais complexas do que essas.
A desertificação é uma coisa. O sistema político ajudar à desertificação é outra completamente diferente. O que temos é uma Assembleia da República que há 30 anos ajuda à desertificação.

“Os professores têm mais competência para gerir as escolas do que o Ministério da Educação”

Outra área que representa uma grande fatia do Orçamento do Estado é a Educação. Aí, o Chega também tem um plano claro.
E inovador.

Defende a extinção do Ministério da Educação e defende que as instalações escolares sejam oferecidas “a quem nelas demonstre interesse dando-se prioridade absoluta aos professores que lecionam nelas”. Mas se os professores não puderem, quem quiser pode ficar com as instalações à borla. Como é que isto funcionaria?
Primeiro, o Ministério da Educação. Nós assumimos que este é para acabar. O Ministério da Educação deixou de ser da Educação e passou a ser das infraestruturas da Educação. Gere o património. Não faz mais nada. Para além disso, impõe conteúdos às escolas. É um sorvedouro de recursos, é um sorvedouro de empregos e não serve para mais nada. Quando as escolas precisam dele, nunca lá está.

Mas como é que funcionaria o seu plano? Não haveria escolas públicas?
Cria-se uma divisão de gestão de património e estruturas. Em relação à educação, o que criaríamos é uma secretaria de Estado especificamente alocada às questões da educação que pudesse coordenar a nível territorial o modelo de educação, mas garantindo liberdade às escolas nos conteúdos e nas políticas. A Educação é o sinal mais claro do modelo socializante que nós temos.

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Só não percebo uma coisa. Portanto, continuava a haver escolas públicas, mas os edifícios não eram públicos? Vocês ofereciam-nos.
Não, não. Não oferecíamos.

É o que está no vosso programa. Está lá escrito que, mesmo que sejam entregues à borla, o Estado poupa dinheiro porque deixa de ter de os gerir. Vou citar: “As instalações escolares passariam num primeiro momento para a tutela da direção geral de Património”, tal como disse há pouco…
… ora bem.

… que, de seguida, as ofereceria “a quem nelas demonstrasse interesse dando-se prioridade absoluta aos professores nelas lecionando nesse momento”. O que aqui está é oferecer.
Primeiro: os professores têm mais competência para gerir as escolas do que o Ministério da Educação. Não estou a dizer isto por eles serem centenas de milhares. Têm autonomia, capacidade e vontade. É isto que nos dizem nas escolas. Querem fazer diferente e o Ministério da Educação não deixa.

Então e o Chega quer o quê?
Quer um modelo de autonomia de escolas. Quer reduzir os custos brutalmente.

Não estou a perceber é que escola pública seria essa. Os professores juntavam-se em empresas e em cooperativas, ficavam com as instalações e depois tinham obviamente que ganhar dinheiro. Presumo que seria através do pagamento de mensalidades. Seria escola pública em que sentido?
Uma coisa é oferecer a gestão, outra é oferecer a propriedade.

Mas no vosso projeto falam em oferecer as instalações escolares.
Porque nós distinguimos muito bem a instalação da propriedade imaterial. Defendemos fazer a divisão da gestão. Para quê? Para gerir. E isto pressupõe que há escolas que ficam públicas. Caso contrário, não precisávamos de gerir nada. No que ficar público, haverá uma divisão da gestão que fará a gestão do património. E os professores terão autonomia em matéria de educação, na interligação com a comunidade educativa.

O que está no programa não é isso. Parece estar a recuar nisso.
Não, não estou, sabe porquê? Porque as cooperativas de professores vão geri-las muito melhor do que o Estado. E haverá situações em que nem os professores querem assumir, nem qualquer outra entidade.

E essas ficarão para o Estado?
Essas fica o Estado a gerir, no princípio da subsidiaridade. Ou seja, o Estado intervém onde não haja outros atores melhor colocados ou com vontade de o fazer. Isto para assegurar a autonomia de ensino, porque os professores que se organizem para esse ensino prestam melhores conteúdos aos cidadãos. O que temos hoje é o Estado a querer impor tudo a todos de qualquer maneira.

Mas ninguém está a falar aqui de autonomia. Eu ainda estava a tentar perceber a questão patrimonial. 
Mas a questão patrimonial é a mais fácil de resolver. A dos conteúdos é que não.

Pelos vistos não é, porque ainda não conseguiu explicar.
Hoje em dia o Estado é que define os conteúdos e veja que conteúdos é que são. Um revisionismo histórico absoluto, uma incapacidade tremenda de definir pedagogia e ideologia de género como está a acontecer cada vez mais. E, portanto, quando queremos dar esta autonomia aos professores e às famílias, é porque não tem de ser o Estado.

"Nós estamos a cumprir. Ninguém está a cumprir mais do que nós. Redução de deputados, prisão perpétua, castração química. Vai doer? Onde estão os projetos do PS, do BE e do PCP?"

Mas para já queríamos falar sobre dinheiro. No ensino superior é a mesma coisa. Defende que o Estado privatize uma série de universidades e politécnicos. Já sabe quais?
O Estado deve assegurar acima de tudo as necessidades fundamentais da comunidade. Olhamos para o panorama internacional e vemos que muitas das melhores instituições do mundo são privadas. Outras até são públicas. O que queremos é uma combinação.

Mas não tem uma ideia de quais seriam as universidades e politécnicos que seria interessante que o Estado pudesse privatizar?
Vou responder-lhe ao contrário.

Está sempre a responder ao contrário. Pedi-lhe um exemplo de uma universidade que neste momento é pública e que podia ser privatizada. Se vai responder sempre ao contrário, nunca chegamos lá.
Olhe, se calhar alguns dos politécnicos.

Mas quais?
Não trouxe a lista, não tenho aqui dados, não tenho aqui nada. Mas quando olhamos para a gestão de muitos politécnicos, percebemos a derrapagem que foi nos últimos anos. E percebemos que, se calhar, o que faltou ali foi gestão. Continuamos a pôr dinheiro dos contribuintes todos ou queremos novos modelos de gestão? Este é o desafio. Queremos um modelo misto em que se possa escolher. Daí o nosso cheque-educação. Porque é que quem é pobre tem de ir para o ensino público e quem não é pode ir para o ensino privado?

Nós não estávamos a ir ao cheque-educação porque essa não é uma ideia nova. Estamos a tentar que nos explique as ideias novas do Chega.
Mas esta é nova neste sentido. Queremos atribuir este mesmo montante, mas no privado. O que o Estado gasta consigo ou com o seu filho ou com alguém no ensino público? Mil euros? Então porque não há de contribuir com mil euros para quem prefira ir para o ensino privado?

Não há de contribuir com mil euros porque vocês, no vosso programa, põem um limite de 350 euros por aluno.
Não, estou a dizer mil euros como um exemplo. Por que não há de dar o mesmo valor para ir para o privado? Porque o Estado quer controlar a Educação, tudo, mandar em tudo na nossa vida e não podemos permitir isto, porque o Estado é o pior dos gestores e os portugueses estão a pagar muito caro essa má gestão do Estado.

E transpõe esse mesmo raciocínio para a área da Saúde, onde diz que o Estado tem de ter uma função essencialmente de arbitragem, de regulação e de inspeção. O Estado também não deve ter nenhum hospital?
Essencialmente e não totalmente. O que defendemos mais uma vez é um modelo misto de entidades privadas e públicas. Como se está a ver, ainda hoje as urgências do Garcia da Orta não funcionam porque os médicos não querem ir para o Serviço Nacional de Saúde. Querem ir para o privado porquê? Pagam mais? As condições são melhores? Será que a carreira é mais apelativa? Que coisa tão estranha, então o público é tão bom, é a melhor coisa dos últimos 40 anos, é uma grande inovação portuguesa. Afinal não consegue angariar cinco especialistas. O que é que isto leva a crer? Que aqueles tipos estão todos enganados. Todos. Precisamos de um novo modelo de saúde.

Já que se orgulha de ter uma visão tão diferente dos outros, imaginei que tivesse detalhes um bocado mais concretos. Com quantos hospitais o Estado português ficaria?
A nossa lógica seria esta. Nas zonas onde o mercado pudesse funcionar livremente e pudéssemos ter hospitais privados com qualidade e a preços acessíveis, o Estado teria menos custos e os cuidados seriam melhores do que tem atualmente uma grande parte do SNS. Quando falamos de arbitragem, estamos a falar de um mercado altamente regulado, que é o da Saúde, em que teríamos mais hospitais privados, mas também a saúde pública, os centros de saúde e os hospitais públicos em zonas onde os privados não pudessem funcionar ou onde não pudesse ser assegurada a prestação de cuidados de saúde. O fundamental é que ninguém fique sem cuidados de saúde.

Portanto, não tem para nos dizer o nome de hospitais concretos que seriam privatizados: quer privatizar o Santa Maria, o São João, o Santo António?
Vai depender da eficácia… Ainda agora tivemos PPP, um modelo que nós defendemos, e o Estado reverteu o modelo, por exemplo em Braga, que até estava a funcionar bem por meras questões ideológicas. O que queremos é que estas parcerias…

… se multipliquem. Mas no fundo o Estado não fica afastado da função?
Fica muito menos. Se tiver uma PPP fica muito menos do que se tiver diretamente o sorvedouro público a pôr lá dinheiro. Criámos tanto este estigma nos últimos anos que não conseguimos sair disto. Se tivermos uma PPP multiplicada por vários hospitais, porque não utilizar o melhor que os privados têm e o melhor que os públicos têm? E o Estado cá estará para assegurar a função de estar onde os outros não querem estar e também para garantir que o que interessa são os cuidados de saúde.

O programa do Chega é mais extremado do que o que tem dito aqui.
O programa é muito sintético, agora estou aqui para concretizar.

Concretiza, mas o que está no programa é muito mais extremado do que aquilo que nos diz aqui. Parece estar a recuar. Está a cair no politicamente correto?
Não, nada, pelo contrário. Já lhe falei da taxa única, no modelo da educação e agora nisto da saúde.

Mas na Educação, não diz o que fica no Estado e o que não fica, na saúde a mesma coisa.
Como não lhe disse quais são as 16 direções gerais que vão acabar na Madeira. Se me tivessem dito, trazia de bom gosto. Se quiserem amanhã, já, para os portugueses saberem o que estão a pagar a mais, comigo é muito direto, não há meias conversas. Mas já falei das fundações, milhões de dinheiro dos contribuintes por ano, uma vergonha.

As fundações, mais uma vez, é uma ideia que vem de trás.
Mas o PSD tem uma diferença em relação a nós: já teve responsabilidade nesta matéria durante muitos anos e não conseguiu projetar nunca essa reforma no terreno.

De onde vieram estas PPP todas que diz que estão a funcionar tão bem na saúde?
Acha que foi uma reforma que fez o que nós queremos, que é que os utentes tenham melhores cuidados de saúde? Ainda ontem uma pessoa morreu seis horas à espera por cuidados de saúde.

O PSD é que introduziu a questão das PPP em Portugal.
Mas falta um mercado regulado na saúde e temos que nos preocupar mais com o utente. Porque é que não temos em Portugal um limite que diga que quando passarem x dias de espera por uma consulta, no público, então pode ir ao privado e o Estado paga? Isto é condicionamento ideológico.

Na questão da família, há bocado queixou-se que os partidos não têm iniciativas de apoio à família. O Chega defende que se fixe o valor de um ordenado mínimo para um agregado familiar com três filhos “com o fim de que a mãe possa optar por exercer plenamente o seu papel de mãe de família”. Se for o pai a querer exercer esse papel, pode?
A mesma coisa.

Porque é que escreveram assim, falando só das “mães de família”?
É a mesma coisa. O pai que quer exercer também pode, é uma questão de liberdade. Pode e o Estado deve estar lá para isso.

"Disse que ia logo deixar todas as outras atividades se fosse eleito deputado, foi possível deixar logo as aulas porque estávamos em outubro. Este [cargo de consultor], vou deixar aqui assegurado, tinha um acordo de ficar até junho, em junho sairei também."

Esta parte do programa também vai ser corrigida?
Não vamos corrigir, isso foi uma invenção. O que vamos fazer é o que todos os partidos fazem: clarificar pontos que temos de clarificar porque o programa era eleitoral e agora vai ser um programa de governação e é isso que vai ser feito. Vamos deixar-nos das coisas da mudança e da inversão.

A inversão é uma expressão sua que disse que ia haver uma “clarificação de sentido inverso”.
Não disse inversão, nunca disse. O que vamos ter agora é um programa de Governo que na próxima convenção será discutido e onde naturalmente as medidas terão de ser mais concretas do que as que estão aí. Terá de ser especificado.

Mas não estava à espera de ser eleito deputado?
Estava, com certeza.

Então porque é que o programa eleitoral não foi mais específico à partida? Os outros partidos não estão a fazer essa revisão do programa eleitoral e de medidas.
Mas nós entendemos que devemos, para sermos mais claros com os cidadãos. Entendemos que é assim que funcionamos. Se queremos reduzir 16 direções gerais temos de dizer às pessoas.

Mas está a ser mais transparente? Ou é o contrário? Elegeram-no por um programa eleitoral que está agora a mudar.
Nós estamos a cumprir. Ninguém está a cumprir mais do que nós. Redução de deputados, prisão perpétua, castração química. Vai doer? Onde estão os projetos do PS, do BE e do PCP? Se há partido que cumpriu fomos nós.

A pergunta é se isso não era menos transparente com os seus eleitores que votaram no seu programa e agora veem-no ser alterado.
Ao fazer o programa de Governo apercebemo-nos que muitos dos nossos eleitores tinham dúvidas em algumas matérias…

Assim é fácil: fazer um programa mais vago e depois mudá-lo a seguir às eleições.
Se há coisa que não era fácil era o nosso programa, porque eram dois terços do país a cair em cima dele. E mesmo assim fomos eleitos, agora imagine nas próximas eleições. Vamos fazer clarificação em alguns aspetos, mas não vamos fazer inversão nenhuma, nem mudança radical nenhuma porque as pessoas são as mesmas.

Exclusividade dos deputados? Sim, mas Ventura quer manter-se na TV e só sai do privado em junho

No documento do Chega “70 medidas para reerguer Portugal”, dizia que queria implementar a exclusividade no mandato de deputado. Depois, numa entrevista a uma televisão disse: “Sou professor universitário, consultor, e se for eleito deputado vou dar o exemplo, mantendo a exclusividade no Parlamento, mesmo perdendo dinheiro”. E acrescentou: “Isso é tudo o que as pessoas não gostam nos políticos: não podemos ter uma cara em público e outra em privado”. Agora André Ventura é deputado e é consultor da empresa de aconselhamento fiscal Finpartner, além de colaborar com a CMTV. Está a ter uma cara em público e outra em privado?
Eu disse isso e falei em exclusividade, alguns dias depois esclareci a entrevista, disse que não iria sair da televisão, esclareci logo imediatamente. Eu por mim não queria sair da televisão, via-a como algo complementar à minha atividade.

Complementar salarialmente?
Não, porque um deputado em exclusividade também ganha mais. E se não for em exclusividade os contribuintes gastam menos. Complementar em termos de expressão pública. Disse também que ia logo deixar todas as outras atividades, foi possível deixar logo as aulas porque estávamos em outubro. Este [cargo de consultor], vou deixar aqui assegurado, tinha um acordo de ficar até junho, em junho sairei também.

Porquê só em junho? Não era uma coisa imediata?
Por causa de dois projetos que ainda tinha de completar.

Disse de forma veemente que não ia acumular funções, mas afinal vai acumular funções durante quase um ano.
Tenho dois projetos que em nada chocam com a Assembleia da República, é completamente fora do conflito de interesses e em junho abandonarei.

Manterá os dois rendimentos até junho.
Sim, porque continuo a trabalhar, sabe que prefiro que me paguem os privados do que serem os contribuintes a gastar mais dinheiro comigo. Eu estou a ganhar menos como deputado. Mas quero deixar claro que, apesar de os deputados em exclusividade ganharem mais, eu quero manter-me como comentador televisivo. Agora não depende de mim, mas da Cofina neste caso, porque vejo o comentário televisivo como complementar à minha atividade pública, num momento em que muita da imprensa me corta as pernas em relação à expressão pública.

"Eu acho que Marcelo Rebelo de Sousa está demasiado comprometido com o que aconteceu no BES."

“Marcelo está a mentir no caso Tancos”

Desde que lançou a sua candidatura presidencial, tem falado várias vezes na relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Salgado. Quer associar o nome do Presidente da República ao colapso do BES só porque ele era amigo do presidente do banco?
Não. Vou tentar ser o mais cauteloso possível. Eu gosto de ser claro mas não gosto de dizer coisas que tenha de ligar amanhã a dizer que me arrependi. Eu acho que Marcelo Rebelo de Sousa está demasiado comprometido com o que aconteceu no BES. E não estou a falar de relações pessoais, aliás há uma fotografia muito engraçada do Presidente com Ricardo Salgado no open do Estoril em grande cumplicidade, mas não tenho nada a ver com isso. Mas enquanto comentador sempre se manteve ao lado daqueles que diziam que o BES era um banco sólido credível, sempre olhou para o lado, até com a responsabilidade pública que tinha de denunciar muitas outras situações, em relação ao que viria a acontecer no BES e que para muitos já era mais ou menos evidente.

O André Ventura é que falou nas férias em conjunto.
Sim, eu não iria de férias com José Sócrates ou com Ricardo Salgado. É verdade, não iria.

O que está a insinuar é que Marcelo Rebelo de Sousa passava férias com Ricardo Salgado e que por causa disso, de alguma forma…
Condicionou-se.

Afinal, as relações de amizade afetaram a decisão e o comentário de Marcelo.
Condicionou, não sei se foi pela relação que existia entre a companheira de Marcelo Rebelo de Sousa e o BES, que também era conhecida, se era pela relação dele com Ricardo Salgado. Condicionou-o. E hoje temos um Presidente que fala sobre todos os assuntos, não há assunto em que não faça de comentador, mas quando chega a assuntos como Tancos e BES, disso não fala. Torna-se um Presidente — não é ele porque eu tenho imenso respeito por Marcelo Rebelo de Sousa — torna-se um exercício patético de Presidência que só está lá para dar abraço, beijos.

Acha que se fosse Presidente iria ter algum condicionamento desses? Por exemplo…
… não me vai falar do Benfica agora…

Vou. Aliás, não vou falar-lhe do Benfica, vou falar-lhe de um empresário. Quando o BES entrou em colapso, o empresário Luís Filipe Vieira era um dos maiores devedores do banco e hoje tem uma dívida de 54 milhões ao Novo Banco e faz parte da lista de 60 grandes devedores. Quer aproveitar para lhe fazer aqui uma crítica?
A diferença é, que sendo amigo do Luís Filipe Vieira, benfiquista e comentador até afeto ao Benfica fui dos primeiros a dizer que todos os casos que envolvem a análise de corrupção, quer do empresário quer do Benfica, tinham de ser investigados até ao fim.

Isso é o que diz Marcelo Rebelo de Sousa. “Doa a quem doer”.
Disse isso sobre o BES antes de ser eleito? Nunca disse. E eu também disse que se fosse comprovada alguma responsabilidade não haveria meias medidas e teria de sair do Benfica, sendo meu amigo.

Mas isso dizem todos.
Não, não dizem todos.

Dei-lhe o exemplo de Tancos. Estava a dizer que Marcelo Rebelo de Sousa não fala de alguns temas. Mas a verdade é que Marcelo Rebelo de Sousa também disse “doa a quem doer” sobre Tancos. Disse exatamente a mesma coisa. A questão é saber se as mesmas relações pessoais, e sendo benfiquista, não o estão a condicionar a si também.
Não, não me condicionam nada…

O que está em causa aqui nem é a avaliação sobre uma ilegalidade. Há uma coisa que é objetiva: Luís Filipe Vieira é, objetivamente, um dos grandes devedores de alguns bancos. Portanto a questão é saber se este facto, que não precisa de mais comprovação, lhe merece alguma crítica ou alguma observação.
Mas repare: uma coisa é ser um dos grandes devedores, outra é estar a ser criminalmente investigado por ter feito uma derrocada ou por corrupção, como está Ricardo Salgado e estão muitos dos casos da banca portuguesa a que Marcelo Rebelo de Sousa virou os olhos na altura em que precisava de intervir. Que eu saiba, isso não está a acontecer com Luís Filipe Vieira.

Portanto, as grandes dívidas à banca não o preocupam.
Pelo contrário, preocupam. Muitos dos grandes empresários têm hoje dívidas insustentáveis à banca. Essa mesma banca que, quando é preciso, está lá para penhorar e para destruir a vida das pessoas. Agora, não tem que ver com uma questão criminal objetiva, como é o caso de Tancos, de Ricardo Salgado, do BES. No momento em que Luís Filipe Vieira, sendo meu amigo, fosse condenado — coisa em que eu pessoalmente não acredito, mas não acredito por o conhecer, por ser amigo — por corrupção desportiva eu era o primeiro a dizer duas coisas: tinha que sair e o comportamento seria miserável.

Ricardo Salgado não foi condenado ainda. Nem acusado foi. Está a ser investigado.
Como José Sócrates também…

… como o Benfica…
Mas olhe, o Benfica tem uma vantagem. O processo E-Toupeira chegou à frente e já deixou de ir a julgamento.

Tal como acusa Marcelo de fazer, também não está a tocar no caso de Luís Filipe Vieira…
Eu estou, todas as semanas sou confrontado por dois tipos, de que gosto muito, que estão à minha frente e que me fazem questão de recordar isso todas as semanas. E eu digo sempre: tem que ser investigado, tem que ser apurado.

Mas o ser investigado é o quê? Entregar à Justiça o que é da Justiça é o que todos os políticos dizem. O que é que o diferencia?
A diferença é que o André comentador já dizia isso antes de ser político. E Marcelo Rebelo de Sousa como comentador nunca foi capaz de apontar o dedo ao BES. Sabendo, como sabia, que já havia relatórios, já havia mais do que rumores de que o BES estava a encaminhar-nos para a falência. Desde os Governos de José Sócrates que já sabíamos isso. Sobre Tancos, o que eu notei foi isto, vou ser muito sincero: acho que Marcelo Rebelo de Sousa nunca esteve tão condicionado na sua vida política como quando o vi falar de Tancos. Estava nervoso, estava preocupado e estava condicionado.

Acha que ele sabia?
Acho, acho que sabia.

Só para clarificar: acha que o Presidente da República soube da farsa da recuperação das armas?
Estou a dar-lhe só a minha opinião pessoal, fora do que o Ministério Público ou a PJ pensam. Acho muito difícil um chefe da Casa Militar saber e o Presidente não saber. Os militares têm uma cultura de hierarquia impressionante. Alguém neste país acredita que um chefe da Casa Militar receberia uma notícia destas e não a diria imediatamente ao Presidente da República, que é o Chefe de Estado?

Portanto, o Presidente está a mentir?
Eu acho que está, no caso de Tancos. E acho que por isso está condicionado.

Mas está a mentir no caso de Tancos?
Se ele disser que não sabe, na minha opinião sim. E achei muito estranho os procuradores quererem inquirir Marcelo Rebelo de Sousa, como aparentemente foi noticiado, e não ter sido permitido fazer-se uma inquirição. Pergunto eu: porque é que não se pode inquirir em Portugal o Presidente da República? Porque é que ele não pode esclarecer o que sabia ou não sabia sobre Tancos? Será que vem mal ao mundo? Não acha isso grave?

É mais grave um Presidente mentir.
As duas coisas são graves. Porque a Justiça é um pilar fundamental do Estado. E onde a Justiça não funciona ou é condicionada, deixa de haver democracia real.

A sua candidatura presidencial é, sabemos, uma quarta escolha — nem sequer é uma segunda, é uma quarta.
Agora está a deixar-me sentir mal, uma quarta escolha…

Falou-se em Carlos Alexandre, em Joana Marques Vidal e em Jaime Nogueira Pinto. Mas no fim teve que avançar André Ventura. É assim tão difícil convencer alguém a dar a cara pelo seu projeto político?
Vou ser honesto sobre isso. Hoje é difícil dar a cara muitas vezes por este tipo de projeto. Em conversas que tive — e não quero dizer com quem — muitas das questões prendiam-se com o nível de animosidade e ódio que o Chega gera hoje na sociedade, num processo de crescente radicalização. Muitas pessoas não querem entrar no lodo que é a política portuguesa e não querem entrar neste conflito de ódios, em que o Chega está permanentemente debaixo de fogo. Portanto, sim: não é fácil. Mas eu entendi também que no meio deste processo, nomeadamente porque defendemos um regime mais presidencial, fazia sentido que o próprio líder do partido assumisse esse desafio. Mesmo sabendo que há um risco enorme nestas eleições. E o risco enorme é, tenho de reconhecer, que Marcelo Rebelo de Sousa é um Presidente com um nível de popularidade bastante elevado. Portanto, esta candidatura para mim tem vários riscos. Tem o risco de podermos chegar a um resultado muito abaixo daquilo que seria expectável e de isso me fragilizar politicamente, tem o risco de passar a ideia de que o Chega não é tão forte quanto as sondagens indicam. Mas eu acredito mesmo — e sinto cada vez mais isso na rua, no apoio das pessoas e nas sondagens também — que vai haver uma segunda volta e que vai ser disputada entre mim e o professor Marcelo Rebelo de Sousa.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Falou da presidencialização do regime, que defende. O Presidente passaria a acumular as competências do primeiro-ministro e essa figura desaparecia. Como funcionaria este novo regime?
O sistema hoje é muito pouco claro. Por um lado, o Presidente é o órgão com mais legitimidade, é eleito diretamente pelos cidadãos e tem que ter uma maioria clara, tem de ter mais de metade dos voto. E depois está reduzido a uma espécie de corta-fitas da República. Basta ver porque é que muitos dos meus apoiantes não queriam que eu fosse candidato — dizem que o Presidente não serve para nada, só serve para andar a passear, para ir à Índia… Esta não é a função que constitucionalmente lhe cabe, é aquela a que foi reduzida pelo exercício destes últimos Presidentes.

Tem um poder principal que é a nomeação do primeiro-ministro.
Mas na verdade viu-se: o anterior Presidente nomeou Pedro Passos Coelho mas o Parlamento não permitiu ter Pedro Passos Coelho e foi António Costa. Na verdade, até nisso foi um corta-fitas, um bocadinho.

Foi corta-fitas mas houve acordos escritos que só existiram por exigência do anterior Presidente da República, portanto houve aí influência.
Mas na verdade o Parlamento impôs-se e o Presidente não conseguiu ter mão no Parlamento.

De qualquer forma, acha que o Presidente não tem os poderes suficientes.
Acho que não tem. E acho que o sistema que temos hoje não é claro, não é transparente e é excessivamente caro para os contribuintes. Acho que um Presidente eleito por maioria expressiva dos cidadãos pode, até pela legitimidade que tem, ser muito mais a expressão do Estado, quer na orientação das questões governativas quer na representação externa, do que acontece hoje. O que temos hoje é uma grande confusão. Na verdade, o Governo é que define quase todas as prioridades de condução da política portuguesa e o Presidente está reduzido a uma figura quase simbólica de ser a cara de Portugal no estrangeiro, de ter uma bomba atómica e de ter um veto que quase nunca exerce. E no caso de Marcelo Rebelo de Sousa tem ainda outra coisa. É que está tão obcecado em ganhar o apoio do PS, tão obcecado, que nem o veto usa como arma política. Se eu for eleito Presidente, há uma coisa que os portugueses podem esperar: é que o veto é para utilizar. Eu, por exemplo, não deixaria passar um orçamento em que se reduzem as competências do Tribunal de Contas. Se o veto existe é por alguma razão. É para o Presidente chamar a atenção do Parlamento. E o Parlamento se quiser pode reconfirmar, mas fica com a responsabilidade. Se há um Orçamento que reduz o orçamento para a PJ quando se diz que se quer combater a corrupção, então o Presidente não pode deixar passar.

Bem, em coligação negativa, que o incluiu, aliás, houve um reforço para a PJ, portanto essa questão já não se coloca no orçamento que Marcelo Rebelo de Sousa tem em mãos para avaliar.
Acha que Marcelo vetaria caso não tivesse havido essa aprovação na especialidade? Claro que não vetaria. Foi preciso os partidos unirem-se para isso. Mas houve uma questão que passou, que foi a questão do Tribunal de Contas. Como é que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa aceita um Orçamento que reduz competências do Tribunal de Contas nas autarquias, que é o maior cancro de corrupção no nosso país? E ele, nada, está tudo bem, sigam para a frente. Para isso não é preciso um Presidente, basta um Rei qualquer que esteja lá.

“Vou entregar projeto de revisão constitucional para permitir a prisão perpétua e a castração química”

Sobre este novo regime que defende: há aqui um pontapé de saída que seria uma revisão constitucional.
Posso anunciar-lhe agora que entra esta semana no Parlamento — como vê prometemos e cumprimos — um primeiro passo para a revisão constitucional, que neste caso se vai prender com o artigo 27 da Constituição e com as questões do internamento compulsório porque entendemos que esta norma não serve em caso de um surto de epidemia. Temos uma Constituição completamente anacrónica. E, nas próximas duas semanas, vai dar entrada um projeto para permitir, entre outras coisas, a prisão perpétua e a castração química de pedófilos. Já não enquanto lei, mas enquanto projeto de revisão constitucional. Queremos mudar vários artigos, entre eles o da proibição de penas de duração indefinida. E estamos a fazer isto com apenas quatro meses no Parlamento, agora imagine o que não teremos daqui a quatro anos. Todo um país melhor, todo um conjunto de projetos fantásticos que os portugueses vão adorar.  Eu percebi uma coisa com esta última situação da castração química. Percebi que enquanto nós não mudarmos a Constituição esta é uma luta de surdos, em que eu estou a dizer que estas medidas fazem falta e o Parlamento está a dizer “Sim, senhor, fazem falta mas é inconstitucional”.

Explique-nos como é que funcionaria juridicamente a castração química?
No nosso projeto está como pena acessória, ou seja, é incluída como acessória à pena de prisão e não como pena principal.

Acumula à pena de prisão?
Sim. A pessoa é condenada a seis ou sete anos de prisão e, em pena acessória, tem a castração química em alguns casos mais graves.

Enquanto estão presos?
Enquanto estão no sistema prisional, sim.

Porque lá fora a castração química é usada quando há uma antecipação da saída da prisão. No seu projeto não.
Não: é quando estão presos e é coactivo. Não é uma medida voluntária, seria aplicada como pena. E eu assumi isso desde logo, não está lá sequer como medida de segurança, como o PS parecia às tantas estar a sugerir que pudesse ser. Não. É pena acessória. Porque eu, ao contrário de alguns deputados do PS, não acho que os pedófilos sejam inimputáveis. Os pedófilos não são inimputáveis. Temos variadíssimos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça a deixar claro que os pedófilos não são inimputáveis. Portanto, pode ser-lhes aplicada uma pena. No nosso projeto, para os casos mais graves e para os de reincidências e de especial censurabilidade e perversidade, aplicava-se a pena de prisão, que seria maior em termos de moldura penal do que é hoje e a par disso haveria ainda a pena de castração química. Atenção: o nosso projeto não é de castração voluntária. É uma medida coactiva, como acontece noutros países.

Em poucos países…
Acontece em vários…

Na maioria dos países, nomeadamente aqueles que estão na Europa, é voluntário. Os médicos, como sabe, não podem fazer procedimentos sem o consentimento das pessoas. Como é que isso vai funcionar?
Primeiro, temos que perder esta ideia de que a Constituição, como fala da dignidade da pessoa humana, não permite nada…

Ninguém falou na Constituição…
Estou a dizer isto por causa da questão dos países europeus. E aí temos um caso. A Polónia tem a castração química obrigatória. E não caiu ninguém, nem morreu ninguém. Aplica-se. E sabe o que diz na Constituição? Que respeitará sempre a dignidade da pessoa humana. Só que nós cá devemos ter uma interpretação completamente diferente de todos os outros no mundo sobre a dignidade da pessoa humana.

"Eu estou preocupado, num caso de castração de pedófilos, com a vontade do paciente? Eu estou preocupado é em proteger as crianças, em proteger a sociedade. Honestamente, não estou muito preocupado com a forma ser mais ou menos gravosa para o pedófilo."

Mas ninguém está a falar da Constituição. Eu perguntei-lhe pelos médicos.
Mas a Polónia é um país da União Europeia. É um país católico. É um país de civilização ocidental.

Como é que ultrapassava a barreira dos médicos, que têm de ter o consentimento do doente?
Mas isso não é só em Portugal, é no mundo inteiro. E há países onde é aplicado. Os que têm objeção de consciência não aplicam e os que aceitam aplicar aplicam.

Mesmo contra a vontade do paciente?
Eu estou preocupado, num caso de castração de pedófilos, com a vontade do paciente? Eu estou preocupado é em proteger as crianças, em proteger a sociedade. Honestamente, não estou muito preocupado com a forma ser mais ou menos gravosa para o pedófilo. E ouvi com alguma estupefação a esquerda a dizer “Isso não funciona, não serve”. Sabe uma coisa? O que não serve foi o que fizemos nos últimos 40 anos, em que todos os dias aparecem novos casos. Sabe o que fizemos nos últimos anos? Nada. Ficámos à espera que o sistema funcionasse por si. Nós ao menos demos um passo. Dir-me-á: a castração química não é 100% eficaz. Não é. Mas é um passo que damos. Olhe, existe nos Estados Unidos, na Austrália, na Polónia, existe em muitos outros países. Porque é que nós não havemos de dar esse passo? Depois dizem-me: “Não existe em quase nenhum país da Europa, é muito arriscado”. A eutanásia também não existe em muitos países da Europa e nós arriscámos.

Mas no seu projeto escreve que “o horizonte da reabilitação e da reinserção social dos criminosos tem de se manter sempre vivo e preponderante”. Portanto, alguma preocupação tem com os criminosos.
Claro, até porque o artigo 40 do Código Penal refere como uma das principais funções da medida penal a reinserção e a reabilitação. Isso não deixa de existir. Agora, temos que fazer a ponderação dos bens que estão aqui em causa. O que é que é mais importante? É garantir o conforto e a integridade do agressor ou a proteção das vítimas e daqueles que podem ser as futuras vítimas, as crianças? Nós temos em Portugal casos de dupla e tripla vitimização. Esta questão da pedofilia deixa-me completamente nervoso.

“Não proporei a pena de morte, não acredito na pena de morte. Se me perguntar se me chocava ver o Pedro Dias executado, não me chocava”

E a questão da prisão perpétua? Quais são os crimes abrangidos?
Temos um projeto também sobre isso. Se for possível alterar a Constituição, haverá efetivamente a possibilidade de prisão perpétua para casos de homicídios em casos de especial censurabilidade e perversidade, para casos de reincidência de crimes sexuais e em casos também especialmente censuráveis; e para, em geral, casos de terrorismo que impliquem também uma situação de múltiplos homicídios. Para já serão estas três situações muito específicas. Há prisão perpétua noutros países, como em Inglaterra ou na Alemanha.

No caso do homicídio, se eu simplesmente der um tiro em alguém, sem ser uma situação especialmente gravosa, não tenho prisão perpétua?
Como já acontece hoje, há uma escala.

No limite, eu posso violar alguém e ser condenado a prisão perpétua enquanto outra pessoa mata alguém e não é condenada a prisão perpétua?
Pode por exemplo violar três pessoas e ter prisão perpétua e matar uma pessoa e não ter. Pode acontecer, como acontece noutros países. Sabe o que temos hoje na nossa lei? Se eu agora tirasse uma arma e matasse aquela sua colega, esta sua colega e a si, às tantas é indiferente continuar e matar todos os que estão ali fora. A pena vai ser a mesma. Não é justo.

Mas havendo prisão perpétua também acontece isso. A dada altura, eu já tenho a prisão perpétua, para quê parar de matar?
Mas há uma grande diferença. É que com a prisão perpétua a pessoa pensa duas, três, quatro, cinco, seis vezes — porque é para a vida toda.

Nesses crimes, acha que pensa mesmo?
Acho que pensa mesmo. A prisão perpétua é uma forma de dissuadir. Não aceito um país em que o Pedro Dias matou não sei quantas pessoas a sangue frio…

Em vários estados dos EUA onde há prisão perpétua continua a haver índices de homicídio gigantescos…
Com certeza, mas se não tivesse prisão perpétua provavelmente até existiam mais.

Não sabemos
Até há pena de morte nos EUA.

E admite ir até aí? Já disse que era contra a pena de morte, mas em 2017 tem uma frase onde diz que não se choca com a execução de um terrorista.
E assumo-o aqui…

Mas admite propor isso? Pode ser o próximo passo?
Não. Para mim, casos como o de Pedro Dias são de prisão perpétua, ou o caso da mãe da Joana, que deu a filha a comer aos porcos. O que eu disse sobre a pena de morte é que não me choca em alguns casos, para ser honesto.

Mas vai propor? Sobre os terroristas, para os quais pretende prever a prisão perpétua, disse que não se chocaria “absolutamente nada” com a execução. Ou de um pedófilo, também.
Bem, são casos diferentes.

A citação é sua…
Eu não proporei no Parlamento o regresso da pena de morte. Acho que é uma medida que tem um enorme problema: é o de ser irreversível.

Já na prisão perpétua…
No nosso projeto de prisão perpétua vai haver uma revisão obrigatória de 25 em 25 anos, que é outra das medidas que permite a tal reinserção. Se ao fim de 25 ou 50 anos estiver comprovado que a pessoa está numa situação completamente diferente, que já sabe viver em sociedade, que aceita a norma e o direito, nenhum problema em vir para liberdade. Agora: não proporei a pena de morte, não acredito na pena de morte. Se me perguntar se me chocava ver o Pedro Dias executado, não me chocava, para ser honesto.

No site do Chega está publicado um artigo de opinião de Diogo Pacheco de Amorim onde o seu vice-Presidente, falando sobre emigração, escreve a seguinte frase: “Bem vindos os de todas as cores, desde que respeitem a nossa cor”. Diga-me uma coisa: qual é a nossa cor?
Não falo pelo dr. Diogo Pacheco de Amorim, é um artigo de opinião…

Está no site do seu partido…
Certo, mas é um artigo de opinião. Certamente que há muitos artigos de opinião publicados no Observador e vocês não têm que concordar com eles. Neste caso…

Não concorda com o artigo, então?
Só estou a dizer que não falo por ele, que certamente estará muito mais habilitado do que eu para falar sobre isso…

Sobre cores?
Sobre o que escreveu. Quem vem que venha para se integrar naquilo que é a nossa cultura…

… na nossa cor?
Acho que cor, aqui… não sei, têm que perguntar ao dr. Diogo Pacheco de Amorim…

É que ele depois tem outra frase que é: “Bem-vindos os de todas as raças desde que respeitem a nossa raça”. Também não percebi bem: qual é a nossa raça?
A raça aqui é quase num sentido civilizacional, cultural…

… é uma coisa poética?
É no sentido de dizer: eu aceito a imigração, agora não aceito imigração para viver à conta do Estado, para isso já temos cá muitos.

Portanto, “raça” era figura de estilo?
Eu penso que sim, terá que lhe perguntar…

É a raça dos trabalhadores, é isso?
Se eu o escrevesse, eu diria assim: “Que venham de todas as raças, de todas as etnias, mas que venham para se integrarem e para cumprir, não venham para destruir o tecido social, não venham para impor regras como o casamento de mulheres com 12 e 13 anos, para obrigar mulheres a andar de burca, e não venham para impor regras à nossa civilização”. Era isso que eu diria. mas infelizmente temos tribunais que quando olham para casamentos de miúdos e miúdas de 13 anos dizem assim: “Ah, é tradição, temos que manter”. Isso é que é o pior que nós temos na nossa sociedade.

“Não sou racista, não sou xenófobo, não quero ninguém a trabalhar comigo que seja racista nem xenófobo”

Já retirou a confiança política a Luís Graça?
Não, não retirei a confiança política a Luís Graça. O Luís Graça garantiu-me pessoalmente que nunca pertenceu ao movimento Nova Ordem Social.

Existindo um vídeo dele a participar numa ação…
… não na Nova Ordem Social…

Tem razão, não é na Nova Ordem Social, mas é no Movimento Oposição Nacional, que esteve na génese do Nova Ordem Social.
Mesmo no PNR. Houve muitos militantes do PNR que vieram para o Chega, como do CDS e do PSD. Hoje diria que o maior número de militantes que temos provavelmente vem do PSD. Mas também temos militantes do PNR, isso temos. Deixei duas questões muito importantes a todos os meus dirigentes: se algum dia tinham tido alguma participação em atos de violência, subversiva ou de natureza rácica contra alguém; e, segundo, se pertenceram ao movimento Nova Ordem Social. Perguntei e garantiram-me que não.

Mas houve dirigentes que saíram. É o caso de Tiago Monteiro.
Sim, sim. Assumiu e teve uma grande atitude. Assumiu que pertenceu àquele movimento e saiu.

Pelos vistos o seu filtro falhou.
O meu filtro não falhou. O meu filtro começou muito depois de a notícia sair. Eu não estava na altura tão preocupado como estive quando saíram as notícias.

E antes disso?
Antes, eu não sabia. Sabe quantos militantes temos agora, em poucos meses? Cerca de 10 mil…

Estamos a falar de dirigentes, de conselheiros do Chega.
O Tiago Monteiro era conselheiro nacional, o Luís Graça é presidente da Mesa. Por isso a minha especial preocupação. Eu sou assim em tudo. O porta-voz Sousa Lara: eu fui contra as subvenções vitalícias, descobrimos que recebia, o que é que eu fiz? Retirei-lhe a confiança. Não tolero aqui meias medidas: retirei a confiança. É o que faria caso descobrisse que algum destes dirigentes me mentiu. Perguntei, disseram-me que não.

Pode garantir que isso não volta a acontecer?
Não posso garantir.

O deputado André Ventura é que garante que veio para mudar o sistema.
Isso é verdade. O BE não veio para mudar o sistema de certeza.

Se veio para mudar o sistema, se o partido é diferente, e de repente temos dirigentes a demitirem-se. A questão é no que é que difere dos outros partidos. Não conseguiu fazer esta filtragem.
A diferença é que eu agi muito rapidamente mal soube. Agora, se me mentirem… Eu não sou a PJ. Acredito nos dirigentes que tenho. Acredito que as pessoas vêm por bem, para trabalhar e para servir. Eu não ando a ver à lupa e a pedir fotografias de quando as pessoas tinham 16 anos. Nem eu nem nenhum partido. É impossível. O que é que fazemos? Reforçámos os mecanismos. Quando este processo estiver completo,incluiremos no formulário de registo do partido se pertenceu a qualquer tipo de organização de várias naturezas.

Onde estão organizações extremistas e xenófobas?
 Sim, nós não queremos isso. Eu não sou racista, não sou xenófobo, não quero ninguém a trabalhar comigo que seja racista nem xenófobo. No dia em que souber que alguém participou em crimes de natureza racista, de natureza violenta por motivos raciais, pode ter a certeza que retirarei imediatamente a confiança política. Para mim é uma questão fundamental.

[Vídeo da entrevista na íntegra:]

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