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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

"Governo chamou-me quatro vezes para falar do Montepio", revela João Costa Pinto

João Costa Pinto prefere não "fulanizar" mas percebe-se, em entrevista, que fala sobretudo do ex-ministro das Finanças. Governo (e Centeno) têm evitado falar do Montepio, mas a preocupação é real.

João Costa Pinto prefere não “fulanizar” mas percebe-se, em entrevista à Rádio Observador, que está a falar sobretudo do ex-ministro das Finanças Mário Centeno. “Nos últimos dois anos, fui chamado quatro vezes” pelo Governo para dar a sua visão sobre os problemas no Montepio Geral. E, também, para falar sobre as “soluções sólidas que devem ser procuradas” e que, na ótica do ex-vice-governador do Banco de Portugal, irão “mais tarde ou mais cedo levar à necessidade de mobilização de recursos [públicos]”.

Em entrevista à Rádio Observador, Costa Pinto, que é membro do conselho geral da mutualista, considera que “há no grupo Montepio quem continue numa posição de negação, a encontrar argumentos para negar a natureza dos desequilíbrios e das dificuldades”. “Eu, pessoalmente, tenho pena que existam essas posições ou atitudes de negação quando estamos perante problemas reais… e problemas que a experiência indica que ou são resolvidos ou nunca se resolvem por si – pelo contrário, agravam-se“.

O primeiro-ministro, António Costa, disse em 2018 no parlamento que o Estado faria “tudo para proteger aqueles que confiaram as suas poupanças” à mutualista Montepio. Mas, por regra, este é um tema a qual têm fugido todos os governantes com responsabilidades na matéria – até Mário Centeno, que numa recente audição parlamentar foi questionado várias vezes sobre o tema Montepio e fez ouvidos moucos.

Essa foi uma audição a Centeno relativa à nomeação para governador do Banco de Portugal. Costa Pinto, próximo de Carlos Costa e autor do famoso “relatório Costa Pinto” sobre as falhas do banco central no colapso do BES, defende que Mário Centeno é alguém com “uma experiência profissional e uma preparação adequadas” – e não faz sentido falar em incompatibilidades ou conflitos de interesse pelo facto de ter sido ministro das Finanças, defende.

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[Veja o essencial da entrevista a João Costa Pinto:]

Isolar o BES do GES. “A ideia do ring-fencing, de facto, não funcionou”

A acusação a Ricardo Salgado e a outras personalidades do universo BES sai precisamente na altura em que termina o mandato de Carlos Costa no Banco de Portugal. Costa Pinto, sendo próximo de Carlos Costa, considera que ele sai do cargo de consciência tranquila de que fez tudo o que podia para evitar aquilo que aconteceu com o BES?
Eu penso que só o próprio é que pode responder. De uma coisa eu estou convencido: o governador que está de saída sempre procurou atuar em função de um entendimento pessoal do que eram os melhores interesses para o Banco de Portugal, para a estabilidade do sistema financeiro e, portanto, para o país. Isso, estou convencido de que sim. É justo ter presente que este governador exerceu as suas funções ao longo de uma década, que termina agora, que foi talvez a mais difícil e complicada década já atravessada pelo sistema bancário português. E uma questão que é poucas vezes referida é que a crise do Grupo Espírito Santo e a crise do BES deram-se no momento em que havia uma alteração estrutural no quadro jurídico-regulamentar e político da Europa do euro, com a criação da União Bancária.

Mas isso tirou ferramentas ao governador, colocou-o numa posição de maior passividade?
Eu acho que não devemos falar do governador. Devemos falar da instituição Banco de Portugal. É evidente que o governador tem um estatuto muito especial no contexto da instituição, como sabemos. É um órgão social com funções e capacidades próprias, ao lado do órgão social conselho de administração (a que ele preside). A União Bancária alterou a capacidade dos países-membros da zona euro, tanto dos governos como dos bancos centrais, de autonomamente resolverem certo tipo de problemas. Houve responsabilidades e poderes que passaram para a área do BCE, da supervisão única e do mecanismo de resolução.

"Este governador exerceu funções ao longo de uma década que foi talvez a mais difícil e complicada década já atravessada pelo sistema bancário português. A União Bancária alterou a capacidade dos países-membros da zona euro, tanto dos governos como dos bancos centrais de autonomamente resolverem certo tipo de problemas."

No fundo, regras europeias que acabavam por ter efeitos a nível nacional…
Claro, e esse é um aspeto que eu e outros temos criticado: a União Bancária foi lançada não como uma evolução natural do processo de integração europeia, mas como uma resposta de emergência à crise financeira e sobretudo à ligação que existia, fortíssima, entre o risco soberano e o risco bancário.

Mas é nesse contexto que surge um problema como o BES, e as pessoas estão a ver as notícias da acusação e custa compreender como é que foi possível fazer aquilo tudo, num contexto de controlo adicional…
Eu devo dizer-lhe, como já disse várias vezes, que ainda considero que estou dentro do período de nojo que decorre do facto de eu ter sido presidente do conselho de auditoria do Banco de Portugal. Como acompanhava os conselhos de administração do Banco de Portugal onde eram tomadas as decisões importantes, eu tenho um dever de sigilo relativamente a um conjunto de informações confidenciais. Mas não considero que isso me impeça de dizer o que é o meu pensamento sobre o assunto, que é o seguinte: nós não conseguimos entender o que aconteceu ao BES-banco se não o analisarmos à luz do conglomerado Grupo Espírito Santo.

Duas realidades que deveriam ser separadas, essa era a prioridade de Carlos Costa e do Banco de Portugal, uma separação que acabou por não ser eficaz.
Era a ideia do ring-fencing. Que, de facto, não funcionou. Poderíamos discutir porquê. Mas o BES acabou por ser uma vítima colateral de uma evolução do conglomerado GES que a partir de determinada altura entrou em perda.

O banco foi vítima disso?
Foi, em grande parte, vítima disso porque foi atingido pelos desequilíbrios financeiros que a partir de certa altura tornaram o grupo insolvente.

Carlos Costa disse a certa altura que sentia a mesma frustração do polícia que chega tarde ao local do homicídio. Teria sido possível fazer melhor, olhando para trás?
Eu acho que é sempre possível fazer melhor. Mas há que ter presente que os problemas e as ligações entre o banco e o conglomerado não surgiram de um momento para o outro.

A acusação. Anatomia de uma associação criminosa que destruiu o Grupo Espírito Santo

Quem comprar o Novo Banco vai comprar um banco “limpinho”

Que futuro vê para o Novo Banco? Já se percebeu que as injeções do Fundo de Resolução irão provavelmente até ao último centavo previsto no acordo de venda, o que acha que pode acontecer à instituição depois disso?
Tenho muitas dúvidas e muita pena. Porque com todos os erros que certamente existiram na gestão do BES, o BES era um dos bancos mais importantes no financiamento das empresas portuguesas. E conserva muita clientela do tempo do BES, que continuou a ser leal ao banco. O que é que poderá vir a acontecer? As minhas dúvidas decorrem do facto de o acionista maioritário do Novo Banco ser um acionista que nunca teve nenhuma ligação à atividade bancária. Pelo contrário, aquilo que habitualmente marca o comportamento de um fundo como o Lone Star é a vocação para rapidamente recuperar, com ganho, os capitais porventura investidos, vendendo, alienando este ativo.

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E se não conseguir vender? O que é que acontece?
Não vejo porque é que não há de conseguir vender. O Novo Banco vai ser colocado à venda limpinho. Quer dizer…

Agora sim…
Com certeza. Pela limpeza extraordinária que tem sido feita do seu balanço é um banco que vai continuar a ter valor. Evidente que tudo depende de quem é que vá adquirir o Novo Banco. Primeiro, a Lone Star, depois de um período relativamente curto — 3 a 5 anos — pode alienar o banco. E tudo depende de que é que vai fazer quem o adquirir: se o vai manter inteiro, se o vai partir, tirando partido dos elementos mais importantes do seu balanço. Isso está tudo em aberto – mas, em rigor, acho que há um grande ponto de interrogação em torno do futuro do Novo Banco, exatamente pelas características e a experiência do seu acionista maioritário.

“Se a Europa não se mobiliza, milhões vão-se interrogar: para que é que serve esta Europa?”

O Banco de Portugal calculou recentemente que cerca de 22% dos créditos dos bancos estão neste momento em moratória. Também receia um tsunami quando as moratórias acabarem, como já disse o presidente de um dos bancos?
Isso leva-me a chamar a atenção para outro ponto: Não compete ao sistema bancário ser ele a absorver as perdas e a assumir os custos do combate aos efeitos de uma crise como a pandémica. Mas a atuação do sistema bancário, como espinha dorsal do sistema financeiro, a forma como os bancos atuarem é crucial quer neste momento de emergência à crise quer, posteriormente, no relançamento. Mas a margem de manobra dos bancos depende muito do suporte que lhe for proporcionado por recursos públicos, quer através de garantias, quer através e recursos públicos que são mobilizados para as empresas através dos bancos.

Bancos têm 39 mil milhões de euros de créditos em moratória, 22% do total

As linhas de crédito…
A moratória foi uma forma que foi utilizada para responder a uma situação excecional de emergência, com a paralisação da atividade económica; a generalidade das empresas e, em muitos casos, as famílias, deixaram de ter condições para responder normalmente aos compromissos que tinham junto dos bancos. Portanto, ou era feito um sistema que poderia ser este, da moratória, ou outro com os mesmos efeitos, para dar tempo para que houvesse um relançamento da atividade económica e posteriormente os bancos voltarem a cobrar e receber aquilo a que têm direito em juros e em capital daquilo que emprestaram. O grande risco é que possa haver danos estruturais na economia que significariam desaparecimento de empresas economicamente viáveis, ou seja, destruição de capacidade produtiva e destruição de emprego.

É inevitável que isso aconteça?
Se isso acontecer – não estou a dizer que vai acontecer – isso implicaria dificuldades inevitáveis e parte das carteiras dos bancos entrariam em perda. É preciso atuar para que isso não aconteça – e é aí que o papel da Europa é crucial, porque a questão é: ou a Europa percebe que está perante uma crise excecional que é provocada por um risco sistémico que afetou todos e que não resulta de erros de política pública que tenham sido cometidos e se mobiliza para evitar que algum dos seus membros entre novamente numa situação de default. E não pode passar só por dívida, tem de passar por outras formas de apoio, subsídios, o que seja. Ou, se a Europa não se mobiliza, se não é capaz de fazer isso, muitos milhões de cidadãos da Europa vão-se interrogar: para que é que serve esta Europa, para que é que serve este projeto europeu?

"Estímulos europeus não podem passar só por dívida, têm de passar por outras formas de apoio, subsídios, o que seja. Ou, se a Europa não se mobiliza, não é capaz de fazer isso, muitos milhões de cidadãos da Europa vão-se interrogar: para que é que serve esta Europa, para que é que serve este projeto europeu?"

Portugal podia ter feito mais para se preparar para uma crise destas, para ganhar folga para um momento como este?
Não creio. Porque nós tivemos uma crise há 10 anos e foi-nos imposto um programa com consequências estruturais fortíssimas. Sinceramente, eu acho que era pedir muito que tivéssemos sido capazes de responder às dificuldades que tivemos e, ao mesmo tempo, ter encetado reformas de fundo que pudessem ter alterado estruturalmente a situação. Agora é que penso que estamos perante – as crises podem trazer oportunidades – uma janela de oportunidade para lançar reformas necessárias não só para fortalecer o nosso tecido produtivo como para aumentar a capacidade competitiva das nossas empresas e recentrar o nosso modelo de desenvolvimento económico para reduzir o peso de setores como, por exemplo, o turismo, que são importantes mas são setores que, por um lado, não permitem a uma economia dar saltos qualitativos em termos de valor acrescentado, em termos de melhoria sustentada dos níveis médios de bem-estar das populações. Estamos perante um desafio que, se tiver o apoio da Europa, é um desafio que nós não podemos desperdiçar. E as dificuldades que vimos a nível europeu… eu acho inconcebível que pequenas economias que representam pouco num contexto europeu possam bloquear programas de apoio que são cruciais para a sobrevivência do projeto europeu como o conhecemos…

“Há um dia em que o mar se voltará a encapelar”, avisa Vítor Bento, em entrevista

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Centeno tem “experiência profissional e preparação adequadas” para ser governador

Falávamos há pouco sobre o futuro do Novo Banco. Uma pessoa que vai ter uma grande importância nesse futuro é Mário Centeno, nomeado governador do Banco de Portugal. Revê-se nesta discussão sobre um eventual conflito de interesses?
Não, não revejo. E entendo-a mal, sinceramente. O tipo de experiência que o ex-ministro das Finanças ganhou nos anos em que esteve como presidente do Eurogrupo, a rede de contactos que desenvolveu, em cima da própria formação que já tinha, faz dele alguém com uma experiência profissional e uma preparação adequadas ao exercício do cargo de governador.

Um dos argumentos de Mário Centeno para recusar qualquer tipo de conflito de interesses é que quem fez, por exemplo, a resolução do Banif ou decidiu os termos da venda do Novo Banco à Lone Star foi o Banco de Portugal – e não o Ministério das Finanças. É um argumento válido?
Esse argumento tem alguma validade na medida em que quando o primeiro governo, socialista, integrado pelo doutor Mário Centeno, iniciou funções, esse processo estava a aproximar-se do seu estádio final. As grandes decisões haviam sido tomadas, quer quanto à resolução, às características da resolução e de venda, todas essas…e a negociação com a própria comissão europeia, em particular com a então comissária Vestager, que é hoje vice-presidente e que tutelava a DGComp [direção-geral da concorrência europeia], as grandes decisões estavam tomadas. Eu não vejo sinceramente como é que um novo governo, acabado de chegar, podia, num contexto como aquele, fazer inverter um processo que estava no seu estádio final.

Não podiam dizer “não vendemos”? Não podiam dizer, em 2017, não vendemos à Lone Star? Nacionalizamos o banco?
Podiam sempre. Era uma decisão política. Não digo que não podiam…

E quem é que tomou esse decisão? Foi o Governo ou foi o Banco de Portugal?
Repare, não foi o Banco de Portugal isoladamente que decidiu avançar na resolução. Eu costumo dizer que o governo da altura, por razões ideológicas e de cálculo político, decidiu afastar-se do colapso do grupo Espírito Santo e encarregou o Banco de Portugal de dar um destino primeiro ao BES e, depois, ao Novo Banco. E também costumo dizer que estou convencido que essa decisão política do Governo enfraqueceu, num momento crítico, a nossa capacidade negocial quanto a este dossiê com Bruxelas. E, portanto, houve uma cadeia de acontecimentos que é preciso ter presente para se perceber o ponto a que hoje se chegou. Portanto, não vejo que isso deva constituir um impedimento à nomeação do doutor Centeno como governador do Banco de Portugal.

"O governo [de Passos Coelho], por razões ideológicas e de cálculo político, decidiu afastar-se do colapso do Grupo Espírito Santo e encarregou o Banco de Portugal de dar um destino primeiro ao BES e, depois, ao Novo Banco. Estou convencido que essa decisão política do Governo enfraqueceu a nossa capacidade negocial quanto a este dossiê com Bruxelas."

Montepio. “Mais tarde ou mais cedo haverá necessidade de mobilização de recursos [públicos]”

É membro do conselho geral do Montepio, foi durante muito tempo um crítico de Tomás Correia. E esteve presente numa reunião do conselho consultivo do Banco de Portugal em que, segundo o que foi noticiado, falou-se no Montepio como um próximo BES, uma “bolha”, um esquema Ponzi, uma Dona Branca. Acha que existe um problema grave no Montepio que está a passar entre os pingos da chuva neste país?
É um assunto que deve ser abordado, como compreende, com alguma precaução. Porque é uma instituição que está no mercado, está a operar. É uma instituição a quem mais de 600 mil pequenos aforradores entregaram poupanças. Agora, os problemas do Montepio e do grupo são conhecidos há muito tempo. De facto, a Associação Mutualista, que é o centro do grupo Montepio, tem problemas de capitalização e, portanto, de solvabilidade. Nessa reunião do conselho consultivo – e só falo nisto porque foi noticiado – houve um dos conselheiros que levantou essa questão, afirmando que estava preocupado porque a associação mutualista estava a financiar o serviço da sua dívida emitindo novos títulos de dívida. Os problemas que atualmente afetam o grupo Montepio refletem aquilo que foi o falhanço de um projeto de expansão a nível nacional e internacional da atividade bancária a partir daquilo que era a caixa económica (hoje Banco Montepio), suportado pelos capitais mutualistas. Esse projeto, que também é conhecido nas suas consequências, levou o banco para mercados como Angola, por exemplo, a caixa económica a adquirir…

O Finibanco…
Um banco interno com imensos problemas. O insucesso desse projeto de expansão, suportado por fundos mutualistas é uma das razões. A outra, lá está, a crise financeira atuou como acelerador e os problemas que existiam na caixa económica… houve perdas muito grandes que se acumularam e que forçaram aumentos de capital que passaram por mobilização de fundos mutualistas pela associação. Esses desequilíbrios foram acelerados pela crise financeira e, portanto, o problema é que eu considero que está a haver demora na resolução dos problemas de fundo que afetam o grupo Montepio. E isso é que me preocupa.

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Algum dia foi chamado por alguém do Governo, para explicar, para dar a sua visão sobre este tema?
Sim, devo dizer-lhe – não vou dizer-lhe quem eram os membros do Governo, mas – tive oportunidade até na sequência de escritos que tenho publicado a manifestar as minhas preocupações que decorrem de uma dupla posição: como economista, com alguma experiência nestes problemas, preocupa-me que uma instituição com a importância do grupo Montepio tenha de enfrentar os desequilíbrios e os desafios e os problemas que tem. Além disso, eu sou associado do Montepio há muitos anos e, portanto, também tenho uma ligação afetiva ao Montepio e ao próprio mutualismo. Como sabe, eu durante mais de 10 anos tive responsabilidades num grupo cooperativo financeiro, a Caixa de Crédito Agrícola, que também é uma forma de mutualismo.

Mas foi chamado por membros do Governo?
Fui…

Mais do que uma vez?
Mais do que uma vez, sim.

Duas vezes? Três vezes?
Quatro vezes ao longo dos últimos dois anos. Quatro vezes em que tive oportunidade de manifestar as minhas preocupações e de chamar à atenção para soluções definitivas. E um reconhecimento do tipo de desequilíbrios e de riscos que existem para o grupo Montepio e que fossem procuradas soluções sólidas. E gente capaz de as levar a cabo.

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Mário Centeno… não é um tema de que ele fale muito, o Montepio, foi ele que recorreu a si para tentar inteirar-se?
Não vou… Eu preferia não falar em nomes, embora seja natural que um ministro das Finanças, que é constitucionalmente responsável pela estabilidade de todo o sistema financeiro, se preocupe com um problema com as características e com a dimensão potencial do grupo Montepio.

Agora, no Banco de Portugal, vai ter uma responsabilidade também, mas de um ponto de vista diferente…
Agora, no Banco de Portugal, tem um tipo de responsabilidade que é complementar desta como uma focagem que não deixa de ser distinta na medida em que passa a ser o responsável direto pela supervisão da principal instituição do grupo Montepio que é o Banco Montepio.

Mas qual é que é a sua avaliação sobre o risco de que seja necessário uma intervenção pública no Montepio?
A natureza do desequilíbrio que afeta o Grupo Montepio na minha opinião mais tarde ou mais cedo vai levar à necessidade de mobilização de recursos para o estabilizar.

De que forma? Através de uma injeção, um empréstimo?
Não queria discutir esse assunto, embora haja uma questão técnica que, já agora, vale a pena referir. Repare: se nós olharmos para o risco que corre qualquer investidor ou aforrador que resolve dirigir as suas poupanças para depósitos existe um fundo que o protege. Se adquirir produtos emitidos por seguradoras existe um fundo que o protege. Se adquirir produtos emitidos por uma entidade de natureza mutualista não existe esse fundo. Há muito tempo que preconizo a criação de um fundo que cubra responsabilidades das mutualistas de forma a estabelecer uma rede protetora dos interesses dos aforradores que dirigiram as suas poupanças para o mutualismo. No meu entender, esse era um dos caminhos possíveis.

"Está a haver demora na resolução dos problemas de fundo que afetam o grupo Montepio. E isso é que me preocupa. Mais tarde ou mais cedo vai levar à necessidade de mobilização de recursos [públicos] para o estabilizar."

O primeiro-ministro António Costa garantiu em 2018 que o Estado irá fazer tudo para garantir as poupanças dos portugueses que as confiaram à mutualista Montepio…
E depois essas palavras do primeiro-ministro tiveram eco também em declarações do próprio ministro das Finanças. E em meu entender essas declarações são um elemento que explica em grande parte a confiança que centenas de milhares de aforradores continuam a ter no grupo Montepio. Houve um compromisso de um governo, que o faz em nome do Estado, de que não teriam prejuízos. Agora é uma questão de a essas palavras se seguirem atos no sentido de uma vez por todas resolver os rumores que periodicamente afetam o Montepio, a sua credibilidade, têm consequências sobre o próprio banco uma vez que ainda recentemente uma agência de rating internacional baixou o rating do Banco Montepio com prejuízos para os interesses do próprio grupo. É necessário, de facto, encontrar soluções duradouras.

“Não faz sentido, na nossa leitura” falar em apoio público ao Montepio, garante administração da mutualista

A administração que está à frente da mutualista é parte do problema ou parte da solução?
Eu não gosto de fulanizar as coisas.

Sim, mas tendo em conta as declarações que fizeram. Disseram que nem sequer compreendiam o debate [sobre a ajuda pública]…
Um dos problemas que eu acho é que há quem no grupo Montepio continue numa posição de negação, a encontrar argumentos para negar a natureza dos desequilíbrios e das dificuldades. Eu, pessoalmente, tenho pena que assim seja porque essas posições ou atitudes de negação quando estamos perante problemas reais… e problemas que a experiência indica que ou são resolvidos ou nunca se resolvem por si – agravam-se. E toda a atividade financeira, quer bancária, quer seguradora quer mesmo a mutualista – que é uma instituição híbrida porque tem uma parte mutualista e tem outra parte que concorre no mercado por exemplo com produtos de capitalização que são emitidos pelas seguradoras – neste aspeto acho que quanto mais tarde demorar a encontrar soluções, em meu entender, pior.

Ex-ministro das Finanças Campos e Cunha lançado para a liderança da mutualista Montepio

O seu nome foi referido na última assembleia-geral como uma pessoa que poderia ser o rosto de uma mudança no Montepio, em corte com a atual administração. Estaria disponível para isso?
Sinceramente, excluo, na medida em que considero que a natureza… Na vida das pessoas há momentos para tudo. Como associado do grupo e como membro dos seus corpos sociais, uma vez que pertenço ao Conselho Geral, sempre estive disponível para dar o meu contributo. Porque acho que é uma instituição das mais importantes do país. Com uma história daqui a pouco quase dois séculos que é preciso preservar e porque tem que ver com os interesses de centenas de milhares de pessoas. Nessa perspetiva, sempre estive disponível para colaborar, de facto, na procura de soluções. Em que qualidade… é uma questão que… nunca se me colocou esse problema.

[Veja a versão alongada da entrevista a João Costa Pinto:]

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