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Até ao momento, o regime de Nicolás Maduro continua a resistir a qualquer pressão internacional

dpa/picture alliance via Getty I

Até ao momento, o regime de Nicolás Maduro continua a resistir a qualquer pressão internacional

dpa/picture alliance via Getty I

Homicídios e "vaga massiva de detenções". Como a Venezuela chegou a um "nível de repressão nunca visto" após as eleições

Situação é "preocupante" na Venezuela: regime de Maduro ordena "homicídios, detenções arbitrárias, perseguições" no pós-eleições. E país pode ficar ainda mais isolado internacionalmente.

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A promessa foi feita em tom de ameaça. Numa cerimónia esta segunda-feira, Nicolás Maduro declarou: “Sou, por razão da vida, o primeiro Presidente chavista da História da Venezuela e, quando entregar o meu mandato, entregarei a um Presidente ou uma Presidente chavista, bolivariana e revolucionária”. O líder venezuelano mandava uma mensagem clara à oposição e à comunidade internacional, deixando no ar que fará de tudo para que a Venezuela não mude de regime e continue a seguir o rumo que delineou para o país.

Proferidas num momento tumultuoso na Venezuela, após as eleições de 28 de julho, Nicolás Maduro quis deixar claro que não vai tolerar qualquer tentativa de que contestem o seu poder. E o regime venezuelano tem aumentado a repressão contra qualquer voz crítica. Prova disso é que a Justiça venezuelana emitiu um mandado de detenção contra Edmundo González, o candidato presidencial da oposição que reclama, por sua vez, vitória nas presidenciais.

O diplomata de 75 anos que concorreu às eleições está em paradeiro desconhecido e, segundo contou o seu advogado José Vicente Haro à rádio colombiana W, anda de “casa em casa” para “proteger a vida”, correndo o risco de ser detido a qualquer momento. O mesmo acontece com a líder da oposição María Corina Machado, que, embora mantendo uma presença ativa nas redes sociais, não revela a sua localização. Estes são apenas dois exemplos da repressão que sofrem todos aqueles que contestam o regime.

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María Corina Machado e Edmundo González estão em paradeiro desconhecido por questões de segurança

Bloomberg via Getty Images

Em declarações ao Observador, Marta Valiñas, presidente da Missão Internacional Independente de determinação de factos sobre a Venezuela do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, descreve a situação na Venezuela como “progressivamente mais preocupante”. “O que aconteceu depois das eleições foi uma repressão mais dura, mais violenta e que foi executada num período de tempo bastante curto. Deram-se entre 24 e 25 mortes logo nos dois dias seguintes às eleições, mas depois o que assistimos foi uma vaga massiva de detenções, associada a graves violações das garantias processuais”, constata a especialista.

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A missão elaborou dois relatórios para expor o que se passa em território venezuelano, apelando a que se trave “imediatamente a crescente repressão” e que se investigue “a fundo a avalanche das graves violações dos direitos humanos”. Internacionalmente, vários países têm censurado as ações do governo da Venezuela. E até parceiros regionais, como o Brasil ou a Colômbia, que se mantinham bastante tímidos nas críticas, já aumentam o tom contra Nicolás Maduro.

Uma aplicação para denunciar os vizinhos, detenções arbitrárias e coletivos: como Maduro apertou a malha desde as eleições

Formada em 2019, a missão do Conselho de Direitos Humanos da ONU investiga casos de violações de direitos humanos desde há dez anos. Mas, para Marta Valiñas, após o dia 28 de julho, a “repressão foi aumentando com uma escalada muito repentina e violenta”. Harold Trinkunas, especialista na Venezuela no Centro de Cooperação e Segurança Internacional na Universidade de Stansford nos Estados Unidos da América (EUA), é mais enfático, declarando: “Este nível de repressão nunca tinha sido visto na Venezuela sob o regime de Maduro”.

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Protestos contra o regime aumentaram depois das eleições

AFP via Getty Images

Em declarações ao Observador, o especialista explica que o nível de repressão aumentou “em termos de número de pessoas detidas” e na pressão que sofrem: “Centenas foram detidas, juntando-se aos milhares de prisioneiros políticos que já estavam detidos”. O regime também fez aumentar, segundo Harold Trinkunas, “o número de pessoas que são alvo de repressão”.

Um relatório da organização não governamental Human Rights Watch, publicado nesta quarta-feira, vai no mesmo sentido e denuncia que foram praticadas várias violações por parte das “autoridades venezuelanas e grupos armados pró-governo, conhecidos como coletivos”: “Homicídios, detenções arbitrárias, perseguições e intimidação contra críticos”. 

Para chegar aos opositores após as eleições, o regime tem várias técnicas, refere Marta Valiñas. Uma delas passa por uma aplicação móvel desenhada pelo Estado: a VENAPP. “Pediam aos cidadãos comuns para denunciar outros que estivessem contra os resultados anunciados pelas autoridades eleitorais e que, nesse sentido, estariam a querer atacar o governo atual a ordem pública”; para essas denúncias utilizaram essa app. A líder da missão indicou que essa estratégia já existia, mas ganhou uma maior amplitude após o dia 28 de julho.

"Pediam aos cidadãos comuns para denunciar outros que estivessem contra os resultados anunciados pelas autoridades eleitorais e que, nesse sentido, estariam a querer atacar o governo atual a a ordem pública."
Marta Valiñas, presidente da Missão Internacional Independente de determinação de factos sobre a Venezuela do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas

Em meados de agosto, a App Store e a Play Store decidiram eliminar a VENAPP das suas lojas digitais, segundo a Amnistia Internacional, que deixou duras críticas ao regime pelo controlo e vigilância da população. Não obstante, a aplicação (que também dá para fazer compras ou cursos) ainda está disponível, principalmente para aqueles que ainda a têm instalada. No site, explica-se como se instala e se ultrapassa as restrições em vigor da Apple e da Google. No TikTok, explica-se igualmente como se faz uma queixa.

Além da aplicação, o regime manda vigiar atentamente “pessoas conhecidas ou membros da oposição” proeminentes, como “ativistas sociais e de direitos humanos”. “São seguidas por carros, muitas vezes sem matrícula, e isto temos documentado, porque acontece em casos em que depois as pessoas são efetivamente detidas, normalmente por membros dos serviços de informações”, expõe Marta Valiñas.

Em várias zonas pobres e desfavorecidas, reinam os Colectivos — forças paramilitares leais ao regime de Nicolás Maduro e que vigiam atentamente os passos de todos os críticos do regime. “Durante anos intimidaram e ameaçaram dissidentes e informaram o governo”, lê-se no relatório da Human Rights Watch. Ora, após as eleições presidenciais, o regime fez questão que este braço armado pudesse atuar ainda mais livremente.

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Coletivos vigiam atentamente bairros e abafam protestos nos bairros mais pobres da Venezuela

AFP via Getty Images

No momento em que o regime decide prender dissidentes, quase nunca sequer “lhes é apresentado um mandado de detenção”, diz Marta Valiñas, enfatizando que muitos “são acusados de crimes muito graves, como terrorismo, incitação ao ódio e conspiração” — não existindo qualquer “fundamentação factual e legal” por trás. “Estamos a falar às vezes de menores, menores que estão a ser acusados de terrorismo que foram detidos também neste contexto”, alerta a responsável da ONU.

Nesta fase pós-eleitoral, Marta Valiñas refere que muitos “cidadãos comuns” estão a ser detidos porque “simplesmente escreveram nas redes sociais que discordavam dos resultados anunciados pelo Conselho Nacional Eleitoral” e que deram a vitória com 51% dos votos a Nicolás Maduro. “As forças de segurança do Estado vão às casas das pessoas porque viram um vídeo ou algumas declarações nas redes sociais por parte de um membro de uma família que falou sobre a falta de transparência nas eleições e vão com esse vídeo ou essa declaração publicada nas redes sociais à casa das pessoas e levam as pessoas detidas.” 

Para além de quem critica as eleições, foram ainda detidos, relata Marta Valiñas, “membros das mesas de voto” que são “militantes ou simpatizantes de partidos da oposição”: “Foram simplesmente detidos nas suas casas e levados para centros de detenção onde ainda continuam”. Andrés Villavicencio esteve, no dia 28 de julho, em Punto Fijo, a vigiar atentamente a mesa de voto. Entretanto, o jovem de 30 anos, pertencente a um partido da oposição, conseguiu fugir e está em Espanha. E trouxe com ele, como mostra o El Mundo, as atas de votação — importantes para certificar o resultado e que o regime nunca revelou na íntegra.

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Protestos em Madrid num protestos contra o regime de Nicolás Maduro

LightRocket via Getty Images

Nem todos conseguiram fugir. Para Marta Valiñas, um dos maiores problemas e receios da missão das Nações Unidas é tentar perceber onde estão “todos” os presos políticos, nomeadamente aqueles que foram levados após dia 28 de julho. Isto porque muitos detidos  muitas vezes não têm acesso a um advogado e nem sequer conseguem falam com a família, ficando em paradeiro desconhecido. “É gravíssimo”, classifica.

Vai a repressão diminuir nos próximos tempos? Há uma polémica lei “contra o fascismo” que pode piorar tudo

A oposição venezuelana não tem baixado os braços desde as eleições presidenciais. Inspirados pela ideia de ser “até ao final” — propagada durante a campanha eleitoral por María Corina Machado —, as plataformas que reúnem os críticos do regime continuam ativas (muitas delas a funcionar desde o estrangeiro), convocando manifestações e pedindo ajuda à comunidade internacional. Para os opositores a Nicolás Maduro, não há dúvidas de que Edmundo González venceu as eleições — e que tem de se seguir uma transição de poder.

Uma transição de poder é uma ideia completamente posta de parte por Nicolás Maduro. O Supremo Tribunal venezuelano validou os resultados do Conselho Nacional Eleitoral e as forças armadas juraram “lealdade absoluta” ao Presidente venezuelano, não aceitando os resultados apresentados pela oposição. É, portanto, de esperar que continuem os protestos. E, por conseguinte, a repressão.

Justiça venezuelana ordena detenção de líder da oposição González Urrutia

“Nada neste momento nos indica que esta repressão e estas estratégias de silenciar qualquer voz dissidente vão abrandar. Pelo contrário, e isso é verdadeiramente preocupante. Porque cada dia estamos a ter notícias de mais uma forma de limitar não só a liberdade de expressão, mas também direitos fundamentais, como o direito à vida, a integridade física”, afirma Marta Valiñas.

Com uma agravante, segundo a líder da missão do Conselho das Nações Unidas: o “medo” instalou-se na sociedade venezuelana. “Nunca tínhamos visto. Hoje em dia, estamos a ter mais dificuldades de documentar o que se passa, nomeadamente, por exemplo, as mortes que ocorreram logo a seguir às eleições”, prosseguiu Marta Valiñas, salientando que as pessoas não testemunham porque têm receio de represálias.

No horizonte, existe um projeto lei que ainda pode ainda castrar os direitos políticos na Venezuela. Chama-se “lei contra o fascismo, neofascismo, e expressões similares”. Já foi aprovada pelo Parlamento em primeira leitura, mas ainda aguarda a aprovação definitiva. A legislação prevê constituir uma “rede internacional de pessoas, agrupamentos, movimentos sociais e instituições comprometidas com a luta contra o fascismo”.

Definição de "Fascismo" e "Neofascismo" segundo o projeto lei

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Fascismo: postura ideológica ou expressão baseada em motivos de superioridade racial, de origem étnica, social ou nacional, que assume a violência como métodos de ação política, encarna a cultura da morte, denigre a democracia, as suas instituições e valores republicanos, ou promove a supressão dos direitos e garantidas reconhecidas na Constituição a favor de determinados setores da sociedade por motivos discriminatórios. São rasgos comuns a esta postura o racismo, o chauvinismo, o classicismo, o conservadorismo moral, o neoliberalismo, a misoginia e todo o tipo de fobia contra o ser humano e o seu direito à não discriminação e à diversidade.

Neofascismo e expressões similares: toda a postura ideológica ou expressão independentemente da sua denominação que reproduza total ou parcialmente os fundamentos, princípios, propósitos, métodos e rasgos próprios do fascismo.

Lei Contra o Fascismo, Neofascismo e Expressões Similares

Apertando ainda mais a malha nos meios de comunicação e também nas redes sociais, o projeto-lei preocupa a missão das Nações Unidas. De acordo com Marta Valiñas, “o problema desta lei é que há todo um contexto em que ela poderá ser adotada e esse contexto inclui uma série de estratégias” para limitar a liberdade de expressão.

Marta Valiñas dá um exemplo de como a lei pode diminuir a liberdade de expressão na Venezuela: “Conservadorismo e neoliberalismo são expressões que passam a ser proibidas por essa lei”. E questiona igualmente as “definições amplas e ambíguas” do que é fascismo e neofascismo.

Brasil, Colômbia e México. A pressão internacional pode funcionar?

Neste contexto de aumento da repressão e violações de direitos humanos, na opinião de Marta Valiñas, tem de haver “pressão internacional” — ou a situação dificilmente se reverterá. Para a líder da missão da ONU, há três países que podem desempenhar um papel fundamental: o Brasil, a Colômbia (ambos partilham fronteira com a Venezuela) e o México. Sem embargo, até ao momento tem apenas havido tímidas críticas e pedidos de publicação das atas daqueles três governos, que tentaram não hostilizaram diretamente o Presidente da Venezuela, adotando uma posição cautelosa no pós-eleições, mais neutra do que a generalidade dos vizinhos na América Latina.

Por exemplo, o Presidente do Brasil, Lula da Silva — que nunca escondeu a sua proximidade a Hugo Chávez — sugeriu inclusivamente a repetição do ato eleitoral, ou uma “solução negociada” entre a oposição e o regime. Não obstante, estas tentativas de mediação para agradar Nicolás Maduro não resultaram até ao momento.

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Lula da Silva e Gustavo Petro contestaram mandado de detenção contra Edmundo González

AFP via Getty Images

Esta posição relativamente neutra está a dar sinais de estar por um fio. O mandado de captura emitido pela Justiça venezuelana para deter Edmundo González motivou uma reação brasileira e colombiana. Numa nota conjunta, os dois países admitem que a decisão judicial prejudica a busca pela democracia e a “promoção de uma cultura de tolerância e convivência”. “Dificulta, ademais, a busca por uma solução pacífica, com base no diálogo entre as principais forças políticas venezuelanas.”

Mesmo antes desta nota, o assessor da presidência brasileira para os Assuntos Internacionais, Celso Amorim, veio denunciar o pendor “autoritário” do regime de Nicolás Maduro. “Não sentimos abertura para o diálogo, há uma reação muito forte a qualquer comentário, temos notícias de várias prisões — o próprio governo anunciou mais de duas mil prisões, não sei se para intimidar. Não há dúvida de que há um autoritarismo”, criticou.

Perante estas críticas e até pelo pedido de divulgação das atas, Nicolás Maduro não esconde o desagrado com o posicionamento dos seus vizinhos. Lembrando as eleições presidenciais brasileiras de 2022, o Chefe de Estado venezuelano recordou, na semana passada, que, na sequência das eleições brasileiras e a contestação de Jair Bolsonaro relativamente ao processo eleitoral brasileiro, a Venezuela não emitiu nenhum “comunicado”. “A Venezuela disse algo? Nós dissemos apenas que respeitamos as instituições brasileiras e o Brasil resolver os seus problemas internamente, como deve ser”, atirou.

Brasil critica “escalada autoritária na Venezuela”. Mandado de detenção em nome de Edmundo González é “muito preocupante”

A tensão com os parceiros regionais ainda ficou mais visível esta quarta-feira. O Presidente venezuelano deveria ter uma reunião virtual, organizada pela Colômbia, com os seus homólogos — o mexicano, Lopéz Obrador, o colombiano, Gustavo Petro, e o brasileiro, Lula da Silva. No entanto, Nicolás Maduro cancelou e Diosdado Cabello (número dois do regime) veio atirar contra a diplomacia de Bogotá: “Acreditam que podem vir e enfiar o nariz na Venezuela. Acham que pode dizer ‘estamos a coordenar uma reunião entre Colômbia, Brasil e México para discutir a questão da Venezuela’. Como é? Nós, venezuelanos, discutimos a questão da Venezuela.”

As relações estão cada vez mais conturbadas e a Venezuela corre o risco de ficar isolada, pelo menos a nível regional, sem o apoio brasileiro e colombiano. Ainda assim, Caracas continua a confiar em alguns aliados, principalmente em duas potências: a Rússia e a China. Quer Moscovo, quer Pequim foram duas das capitais que mais rapidamente congratularam Nicolás Maduro, após o Conselho Nacional Eleitoral venezuelano ter declarado que a sua vitória era “irreversível”.

Em 2019, num momento em que o regime atravessa um momento complicado no que toca à contestação interna, a Rússia enviou aviões militares para a Venezuela. E continua a apoiar Nicolás Maduro, sendo que o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, chegou a apelar à oposição para “aceitar os resultados”. “É muito importante que as tentativas de alterar a situação dentro da Venezuela não sejam incentivadas por países terceiros e que a Venezuela esteja livre de influência estrangeira”, atirou o responsável da presidência da Rússia.

Putin e Maduro mantêm-se como aliados

ALEXEI DRUZHININ / SPUTNIK / KREMLIN POOL / POOL/EPA

Em declarações à BBC, Nicolas Forsans, vice-diretor do Centro de Estudo Latino-Americano e das Caraíbas na Universidade de Essex, explicou que Nicolás Maduro “tem dependido” de Moscovo e Pequim. “Além de uma ideologia partilhada e do desejo comum de desafiar a supremacia dos Estados Unidos, Rússia e China estão interessadas em proteger os seus investimentos, garantir o acesso privilegiado ao petróleo e aos minerais abundantes da Venezuela e assegurar que as dívidas acumuladas sejam pagas”, expõe o especialista.

Assim sendo, o apoio chinês e russo servem como uma tábua de salvação para o governo de Nicolás Maduro, particularmente em questões económicas. Com grandes projetos de explorações petrolíferas e de minerais na Venezuela, a Rússia e a China ajudam a Venezuela a contornar as pesadas sanções impostas pelos Estados Unidos da América (EUA) — e a financiar o regime. Além disso, geopoliticamente, os rivais de Washington também mantêm uma presença em redor de território norte-americano.

Não é só a Rússia e a China. Por ideologia, países como Cuba, Nicarágua ou a Bolívia apoiam o governo venezuelano. Por oposição aos Estados Unidos e também por interesses económicos, o Irão também é um aliado de Nicolás Maduro. Estado-membro da NATO, a Turquia também nunca escondeu a sua simpatia pelo regime venezuelano, ainda que o líder turco, Recep Tayyip Erdoğan, tenha sido cauteloso na maneira como felicitou o Presidente venezuelano no pós-eleições de 28 de julho, desejando  “paz, prosperidade e bem-estar ao povo venezuelano” e querendo contribuir para “o processo de diálogo” no país.

"Além de uma ideologia partilhada e do desejo comum de desafiar a supremacia dos Estados Unidos, Rússia e China estão interessadas em proteger os seus investimentos, garantir o acesso privilegiado ao petróleo e aos minerais abundantes da Venezuela e assegurar que as dívidas acumuladas sejam pagas."
Nicolas Forsans, vice-diretor do Centro de Estudo Latino-Americano e das Caraíbas na Universidade de Essex

Em contraciclo, os Estados Unidos e alguns Estados da América Latina com governos centristas ou à direita — com a Argentina governada por Javier Milei a ter uma posição muito vocal — têm feito pressão para que Nicolás Maduro ceda o poder à oposição. Países como o Uruguai, a Costa Rica ou o Peru, não perderam tempo em reconhecer Edmundo González como Presidente eleito da Venezuela, após Washington o ter feito. A União Europeia tem igualmente lançado críticas ao regime, mas nunca reconheceu o diplomata que está em parte incerta como Presidente.

Os Estados Unidos estão a fazer pressão e até apreenderam um avião privado de Nicolás Maduro. Além disso, o porta-voz do Conselho de Segurança da Casa Branca, John Kirby, admitiu, na terça-feira passada, que Washington e “outros parceiros” estão a “considerar uma gama de opções” para demonstrar ao “senhor Maduro e os seus representantes que as suas ações na Venezuela terão consequências”, deixando no ar a aplicação de sanções mais pesadas.

Neste contexto, será que a pressão do Ocidente, do afastamento brasileiro e colombiano e da oposição cerrada de alguns países da América Latina vão obrigar Nicolás Maduro a ceder? Até ao momento, Harold Trinkunas não tem dúvidas de que o “regime tem aumentado a sua abordagem autoritária e repressiva”, o que significa que “a natureza da pressão internacional” não está a funcionar. “Realisticamente, o regime não mostrou até ao momento sinais de fratura face à pressão internacional.” 

"Realisticamente, o regime não mostrou até ao momento sinais de fratura face à pressão internacional."
Harold Trinkunas, especialista na Venezuela no Centro de Cooperação e Segurança Internacional na Universidade de Stansford nos Estados Unidos da América (EUA)

O especialista sugere que a forma como são aplicadas as sanções têm de “mudar” — e não “apenas aumentar”. Harold Trinkunas realça ao Observador, ainda assim, que a política sancionatória contra o regime deve manter-se, uma vez que demonstra a “rejeição internacional da fraude eleitoral da Venezuela” e o “não reconhecimento dos resultados” ditados pelo Conselho Nacional Eleitoral. Tem ainda um importante efeito, acrescenta: “Evitar que o regime de Maduro leve a cabo ações mais drásticas contra a oposição”.

Até ao momento, o regime de Nicolás Maduro continua a resistir a qualquer pressão internacional. A repressão contra a oposição e contra todos aqueles que se atrevem a levantar a voz ao regime tem aumentado — e a democracia na Venezuela parece longínqua. Se a pressão internacional alguma vez resultar, Harold Trinkunas aponta que a comunidade internacional pode “acelerar o processo”, oferecendo apenas nessa altura um aliviar de sanções.

Enquanto Nicolás Maduro e os seus correligionários permanecerem no poder, a repressão na Venezuela não deverá abrandar, sendo um exemplo disso a “lei contra o fascismo”. Indiferente a abusos de direitos humanos, a Rússia e a China vão garantindo os seus interesses geopolíticos e económicos no país — e não parecem dispostas a tirar o tapete ao seu aliado. No entanto, a oposição, mesmo que escondida, promete continuar a resistir, esperando que, no plano internacional, se faça mais pela Venezuela.

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