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MIGUEL A.LOPES/LUSA

MIGUEL A.LOPES/LUSA

José António Saraiva. O arquiteto diretor que pôs os jornais dentro de um saco

Diretor do Expresso durante 22 anos, fundou o Sol para fazer tremer o seu antigo jornal. Cavalheiro, teimoso e com um senhor ego, José António Saraiva vendeu tantos jornais quanto inspirou inimizades.

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Arquiteto, jornalista, escritor, cenógrafo, professor e adepto do Belenenses. Cavalheiro, opinador, aventureiro, cordato, confessado, polémico, sonhador e admirador babado de Jesus — não a criatura divina, a criatura que agora deu pilhas ao Sporting. Pouco flexível, ausente e com um senhor ego. O legado de José António Saraiva é grande, as memórias são muitas e o Observador foi ouvir quem trabalhou com o ex-diretor do Expresso e Sol. Esta é a história de um homem nascido em Lisboa, em 1948, que esboçava as primeiras páginas e escrevia os textos à mão. Estas são algumas pistas sobre um homem que deixou a sua marca no jornalismo português desde 1965, como redator, cronista, comentador, diretor e fundador de um projeto ambicioso, que prometia aniquilar o tubarão da praça.

José António Saraiva, filho do filólogo António José Saraiva e sobrinho do historiador José Hermano Saraiva, foi diretor do Expresso 22 anos e depois liderou o Sol, jornal que ajudou a levantar em 2006. Esta lengalenga, no entanto, começou muito antes e noutro campeonato: formou-se em Arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, em 1973. Neste hábil ofício de desenhar umas linhas que um dia ganharam forma, colaborou com Manuel Taínha em projetos como o Centro de Saúde Distrital de Lisboa, a agência da Caixa Geral de Depósitos, em Santiago do Cacém, e o centro social das Minas da Panasqueira, na Covilhã — informação retirada do currículo publicado pela Universidade Católica Portuguesa. Nunca se livraria do título e assim ficaria conhecido entre jornalistas: “O arquiteto”.

A aventura das palavras cravadas numa folha de papel iniciou-a em 1965, no Comércio do Funchal. O então coordenador deste jornal, Vicente Jorge Silva, seria, lá mais para a frente, personagem chave na vida de Saraiva. A escalada seria longa: Diário de Lisboa, Opção, A Bola, A Luta, Portugal Hoje, Vida Mundial, Espaço T Magazine e Baluarte. Os temas que abordava eram relativos a sociedade e, o seu grande fascínio, política. Eventualmente começaria a colaborar com a RTP, como analista político e jornalista. Entre 1977 e 1989, foi professor precisamente no Centro de Formação da Radiotelevisão Portuguesa — lecionava a cadeira “Escrever para televisão”.

“Batemos o Expresso em três anos”

Vicente Jorge Silva, que preferiu não falar com o Observador, voltaria a estender a corda a José António Saraiva, desta vez para este escrever no Expresso. Em fevereiro de 1983, conta o Expresso no artigo “A História de 2080 semanas”, José António Saraiva saltou de colaborador para subdiretor do semanário, para ajudar Augusto de Carvalho, o então diretor interino. “A nova dupla da direção desfaz-se em pouco tempo”, pode ler-se nesse artigo, cozinhado pela pena de José Pedro Castanheira.

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E continua: “Em outubro, na sequência de uma acesa querela em torno do destaque a dar a uma entrevista dada pelo Presidente de Moçambique, Samora Machel, o diretor apresenta a demissão, depois de ter publicado o seu trabalho no semanário concorrente ‘O Jornal’. Saraiva é, naturalmente, quem está na calha.” E estava mesmo. Mas ele torce o nariz e diz logo que não seria diretor, para ser “leal ao Augusto”, admite na altura. Mas Francisco Pinto Balsemão, regressado da missão no Governo, estava com essa fisgada e levou a decisão a votação entre os jornalistas. Resultado: 20 votos, cinco a favor, dois contra, um nulo e 12 em branco. “O resultado foi absolutamente desgraçado. (…) Acabei por assumir, com claro sacrifício”, revela Saraiva.

Pinto Balsemão,

Francisco Pinto Balsemão

Se a liderança parecia tremida desde início, houve um ou outro episódio que não jogaram a favor do diretor. A redação do Expresso tinha, e ainda tem, a tradição de votar na figura do ano. Num qualquer ano que não foi possível precisar, os jornalistas votaram em Maria José Morgado. José António Saraiva não apreciou e vetou. “Ele considerou que era estar a puxar muito pela senhora, que ela não tinha tido um ano em que se tivesse notabilizado assim tanto, que não merecia tal distinção”, lembra ao Observador um jornalista do Expresso desses tempos. “A redação reagiu, mas acabou por aceitar a decisão. Era uma coisa decidida com muita paixão, aos berros às vezes, aquilo podia durar um dia, ou muitas horas. Se fosse preciso, começava de manhã, íamos almoçar e voltávamos para a reunião até às seis da tarde.”

O semanário, no entanto, cresceu e muito nos tempos de Saraiva, mesmo com o vento contra em certos momentos. A secção de economia ganhou nova expressão, com um caderno independente, passaram a existir sete cadernos e o famoso saco, um motivo de orgulho do ex-diretor.

O semanário, no entanto, cresceu e muito nos tempos de Saraiva. O seu “momento mais alto”, como referiu depois, terá sido quando o Expresso publicou ‘O Guia de Portugal’, no qual registaram pela primeira vez uma tiragem de 200 mil exemplares. “Não foi só pela tiragem em si. Foi também porque representou um pedregulho em cima de ‘O Independente’, que atirou a toalha ao chão”, disse.

O diretor promoveu também algumas alterações. A secção de economia ganhou nova expressão, com um caderno independente, passaram a existir sete cadernos e o famoso saco de plástico, um motivo de orgulho do ex-diretor. O jornalista do Expresso que o Observador ouviu lembra ainda que a relação entre diretor e o homem forte da Revista do Expresso, Vicente Jorge Silva, era tensa. “O Vicente exaltava-se muito com as decisões do Saraiva, que era mais contido. Chocavam muitas vezes.” Tinham visões diferentes, garante. “Saraiva é o diretor no grande crescimento do Expresso. Terá o seu mérito, mas também tem a ver com o mercado: boom económico, multiplicaram-se os jornais, foi um período de crescimento das empresas.”

Graças a essas mexidas todas no jornalismo português, deu à costa um novo jornal, o Público. O novo projeto de Vicente Jorge Silva levou muita gente do Expresso — foram quase 20 jornalistas. “[Saraiva] geriu como tinha que gerir, e geriu bem. Ele refez a direção, foi buscar gente. Conseguiu refazer o jornal e aguentar o impacto do Público, que era, como a malta dizia, ‘um semanário que saía todos os dias e um diário ao fim de semana'”, recorda. Este experiente jornalista vinca que, a seguir a esse rebuliço, a direção, juntamente com José António Lima, tornou-se muito mais sólida. “Eram o senhor Dupond e o senhor Dupont. Um dizia mata, o outro dizia esfola. Um dizia esfola, o outro dizia mata. Eram muito parecidos no modo de pensar, de escrever, eram tirados a papel químico.”

“”No discurso de saída da direção foi aplaudido de pé por muitos”, conta uma das secretárias dos seus tempos no jornal de Balsemão.

José António Saraiva foi diretor do Expresso entre 1983 e 2005, altura em que passou a dirigir a coordenação editorial dos jornais do grupo Impresa. “No discurso de saída da direção foi aplaudido de pé por muitos”, conta uma das secretárias dos seus tempos no jornal de Balsemão. Para os leitores, o grande legado será certamente a famosa crónica de opinião, intitulada “Política à Portuguesa”.

Em setembro de 2006, o arquiteto fundou o semanário Sol, com António Lima, Mário Ramires e mais uma vaga de jornalistas saída do Expresso. “Quando saiu para o Sol aquilo caiu mal, levou uma data de gajos”, diz o mesmo jornalista com quem o Observador conversou. A secretária que o acompanhou 12 anos recorda esse momento como um “processo complicado”, que resultou num ambiente difícil na redação.

“Quanto à história do bater o Expresso em três anos, faz parte do jogo. Era normal. Bom, não era muito normal… mas faz parte do jogo, a atitude e fanfarronice, para puxar pelo pessoal. Podia ser estratégia para mobilizar as suas hostes, mas eu estou convencido que ele também estava convencido daquilo. Ele sempre teve um ego muito grande, ele estava convencido daquilo”
Jornalista do Expresso dos tempos de José António Saraiva

A promessa era bater o Expresso em três anos. O Sol era, segundo afirmou Saraiva em entrevista ao Correio da Manhã, um jornal “em formato tablóide”, com o objetivo de rasgar o cinzento e fazer com que os outros parecessem “de outra época”. No cabeçalho do novo semanário cintilava uma frase polémica: “Um jornal que vale por si. Este semanário não oferece brindes nem faz promoções”. Esta era só mais uma bicada ao Expresso, mas que teria efeito boomerang. O Sol chegaria a distribuir livros com o seu jornal, mas Saraiva rejeitaria catalogá-lo como brinde. “Não se trata de um brinde, mas sim uma forma de melhorar as vendas, que são sempre mais fracas no verão”, disse o diretor ao DN. “A estratégia continua a ser a mesma, desde o início. Não estamos a pensar fazer o que o Expresso fez em relação, por exemplo, aos DVD, que considero ser um suicídio”, defendeu-se.

“Quanto à história do bater o Expresso em três anos, faz parte do jogo. Era normal. Bom, não era muito normal… mas faz parte do jogo, a atitude e fanfarronice, para puxar pelo pessoal. Podia ser estratégia para mobilizar as suas hostes, mas eu estou convencido que ele também estava convencido daquilo. Ele sempre teve um ego muito grande, ele estava convencido daquilo”, remata o jornalista.

O diretor, por um adjunto

Joaquim Vieira fazia mossa no jornalismo de investigação do Expresso e, depois da tal fuga de talentos para Público, chegaria a adjunto de José António Saraiva. “Ele tinha muita preocupação com a questão gráfica, por ser arquiteto. Estudava a evolução gráfica, tentou modernizar”, lembra numa conversa telefónica com o Observador. “Da informação que tratava, era a política que lhe interessava. Na prática, era quase um editor não declarado da secção política. Privilegiou muito a investigação jornalística. (…) Ele gostava da pequena historieta, da pequena intriga, dos episódios picantes. Ele adorava aquilo e fazia manchetes daquilo. Se calhar com alguma razão: ele tinha a perceção de que o público leitor apreciava mais isso do que propriamente temas sobre grandes tendências e correntes políticas”, explica.

"Ele gostava da pequena historieta, da pequena intriga, dos episódios picantes. Ele adorava aquilo e fazia manchetes daquilo. Se calhar com alguma razão: ele tinha a perceção de que o público leitor apreciava mais isso do que propriamente temas sobre grandes tendências e correntes políticas."
Joaquim Vieira, ex-direitor adjunto de Saraiva

“Saraiva escrevia à mão. Era homem de rotinas, era muito confiante, nunca discutia com ninguém. Nunca mostrava os textos antes de serem publicados, não sentia necessidade de os ler a outros, como tinha o Vicente. Fechava-se com a Conceição Lino no gabinete, talvez com ela discutisse os textos. Ele gostava de refletir o que era o senso comum dos portugueses, tinha uma convicção muito grande no que escrevia. Ele tinha uma escrita muito direta, simples, facilmente compreensível, terra a terra. Muita gente gostava do estilo dele. Não se importava de escrever coisas polémicas, que iam contra o pensamento dominante. Ele gostava muito de avançar com coisas que fossem pouco consensuais, que chocassem um bocado. Na atitude pessoal era convencional, mas, e talvez para compensar o convencionalismo da sua personalidade, tentava mais coisas de rutura na sua escrita.”

“”Ele tinha uma escrita muito direta, simples, facilmente compreensível, terra a terra. Muita gente gostava do estilo dele. Não se importava de escrever coisas polémicas que iam contra o pensamento dominante. Ele gostava muito de avançar com coisas que fossem pouco consensuais, que chocassem um bocado — Joaquim Vieira

Não desdenhando no papel e importância de Saraiva como diretor, Joaquim Vieira considera que o crescimento do Expresso se deveu também à Revista, liderada por Vicente Jorge Silva. “Era inovadora, chamou um público mais moderno e jovem.” Como líder, diz Vieira, Saraiva “não era muito interventivo, dava grande margem de manobra aos jornalistas”. A paixão, já se sabe, era o House of Cards à portuguesa. “Só se interessava pela secção de política. O internacional era irrelevante para ele.”

Por ocasião do 15.º aniversário do Expresso, houve alguma tensão entre José António Saraiva e Vicente Jorge Silva, pois foi criado um caderno especial de comemoração em que a Revista terá ficado para segundo plano. Vicente não gostou, “considerou que a Revista foi desconsiderada”, lembra Vieira. “A redação chegou a polarizar-se: Vicentistas e Saraivanos. O primeiro caderno e a Revista. O Saraiva não fazia questão de ter pessoas à volta, ao contrário do Vicente”, recorda. Até os convívios de quinta-feira à noite na Trindade, num “ambiente informal e descontraído”, acentuavam a distância, até porque grande parte do primeiro caderno era fechado à quinta e a Revista à quarta, por isso havia rotinas diferentes. “O Saraiva é muito calmo. Encolheu um bocado os ombros nesses conflitos lá dentro. Ele teve depois a necessidade de chamar o Vicente para a direção, para equilibrar as coisas ao nível do poder interno.”

“”Na atitude pessoal era convencional, mas, e talvez para compensar o convencionalismo da sua personalidade, tentava mais coisas de rutura na sua escrita” — Joaquim Vieira

Essas divisões, essa polaridade, já se haviam sentido até ao nível das convicções políticas: “Saraiva situou-se muito na área política de Cavaco [Silva]. A Revista era mais de esquerda, mais socialista. Havia este equilíbrio no Expresso. Ao longo dos anos, Saraiva passou a ser um admirador cada vez mais fervoroso de Cavaco. Às vezes falavam ao telefone. O Cavaco privilegiava o Expresso quando fazia declarações ou queria dar informações com fonte de São Bento. Era um canal privilegiado. Isso deveu-se muito à proximidade entre ambos.”

Sobre se o diretor era alguém mais ausente da redação, Joaquim Vieira encara isso com normalidade. “Inicialmente manteve a atividade de arquiteto. Não sei quanto tempo acumulou as duas atividades, é natural que fosse mais ausente. Quando passou a diretor deve ter largado o atelier. Estava um bocado mais fechado no seu gabinete, mais interessado na sua política”, lembra o jornalista que chegou ao Expresso em 1981. “Os diretores, com exceção do Augusto [de Carvalho], eram ausentes. O Marcelo [Rebelo de Sousa] era muito ausente, só lá ia à segunda-feira para as reuniões e sextas para fechar.” O agora candidato presidencial era o diretor do semanário quando Joaquim Vieira entrou.

Com a tempestade levantada com a fundação do Público, Joaquim Vieira passaria a diretor adjunto de Saraiva. “Ele esteve sempre com a sua calma olímpica. Era como se não tivesse acontecido nada, encarava aquilo [a debandada de quase 20 jornalistas para o novo diário] com tranquilidade. Nunca houve angústia.” A relação entre ambos seria pacífica, embora com “conceções diferentes do jornalismo”, até ao dia em que, em nome do jornalismo, essa ligação conheceria um stop

“Saraiva situou-se muito na área política de Cavaco [Silva]. A Revista era mais de esquerda, mais socialista. Havia este equilíbrio no Expresso. Ao longo dos anos, Saraiva passou a ser um admirador cada vez mais fervoroso de Cavaco."
Joaquim Vieira

“Tínhamos conceções diferentes, outros conceitos de jornalismo. Eu preferia dar relevo a outros temas. Ele não era uma pessoa conflituosa, eu também não. Nunca foi difícil nem complicado, ele era o diretor e tinha de aceitar a sua autoridade”, assim começa Vieira a contar o princípio do fim. Joaquim Vieira ficaria depois encarregue, muitas vezes, de fechar ele o primeiro caderno. “O Saraiva disse-me que estava lá uma notícia que o Balsemão pediu para por, que era um exclusivo.” A notícia em causa era a entrada de Joe Berardo no capital da SIC: 10% por 10 milhões de contos (50 milhões de euros). “A maquete da primeira página em papel era dada aos informáticos, que a passavam para o ecrã. O cálculo dos gráficos nem sempre batia certo. A notícia era muito pequena, estava curta de mais, era preciso acrescentar. Fiquei descalço.” Joaquim Vieira viu-se então obrigado a pedir aos arquivos artigos do Expresso e outros jornais sobre Berardo, para dar mais corpo ao texto. “Recebi uns recortes e havia lá uma noticia do Independente a dizer que ele estava com dois processos a decorrer por evasão fiscal. Achei que essa era uma notícia mais de acordo com a nossa linha editorial e acrescentei a informação.”

“O Saraiva viu aquilo impresso e disse que eu o tinha desautorizado perante Balsemão. Ficou furioso. A única saída foi demitir-me porque tinha perdido a confiança do Saraiva"
Joaquim Vieira, sobre a notícia sobre Berardo que levou à sua demissão

O resultado não foi famoso para Vieira. “O Saraiva viu aquilo impresso e disse que eu o tinha desautorizado perante Balsemão. Ficou furioso. A única saída foi demitir-me, porque tinha perdido a confiança do Saraiva. Não fazia sentido fazer uma guerra, e o próprio Balsemão deu-me um prazo de 24 horas para me demitir ou ser demitido”, conta. A vida jornalística de Joaquim Vieira prosseguiria na Visão, Público e RTP.

E o legado de Saraiva no jornalismo? “A expansão do Expresso. Quando me demiti em 1993, tínhamos tido uma tiragem de 160.000. Não existe consenso: se o crescimento se deve a Saraiva, se à equipa, se à Revista… mas é indesmentível que Saraiva era o diretor.”

O perfil, por aqueles com quem partilhou a redação

“Tivemos momento mais tensos, outros menos tensos. O balanço, para mim, é ótimo”, começa por recordar ao Observador a secretária que passou ao seu lado 12 anos, uma mulher com a voz pesada e que trabalha no Expresso há 26 anos. “Trabalhei 12 anos com o José António Saraiva. Era um cavalheiro, alguém extremamente educado. Era um bocado teimoso, o que ele pensava era letra de lei.” Esta funcionária menciona a boa relação com o ex-diretor que tinha o tique de mexer na barba e diz que passa a vida a usar uma frase dele: “Eu que sou insuspeito…”

“”Era um cavalheiro, alguém extremamente educado. Era um bocado teimoso, o que ele pensava era letra de lei”, lembra secretária de Saraiva durante 12 anos.

Um jornalista com quem Saraiva se cruzou no Sol descreve alguém correcto e ausente, embora disponível para ouvir. “É uma pessoa de muito bom trato, não é nada a imagem que se tem (pelo que se ouve)”, começou por dizer ao Observador. “É muito correcto e educado, gosta de ouvir o que dizes e faz perguntas. Quando está em reunião, está sempre a inclinar a cadeira para trás, com a ponta da caneta a empurrar-lhe o lábio para cima”, recorda. O jornalista, que preferiu o anonimato, refere que José António Saraiva era um diretor ausente, que aparecia pouco na redação. “Não é uma presença habitual, mas deixa as pessoas à vontade para qualquer coisa, para lhe ligarem e ir-se lá a cima. Não é que deixasse a porta fechada…”, ressalva.

“Uma história caricata é a viagem dele ao norte, com o Luís Rosa. Iam lá tratar de algo numa universidade, no Minho penso. O Luís Rosa saiu na estação certa, o António não e ficou para trás. O comboio arrancou e… passado um bocado, lá apareceu ele no fundo da estação a dizer ao Luís Rosa que saiu com o comboio em andamento. Ele é completamente informal nessas coisas, o problema é que transforma tudo isto em crónicas…”

O jornalista do Expresso que o Observador ouviu, uns parágrafos acima, que até chegou a lugares de chefia no Expresso, também começou por relevar a cordialidade de Saraiva. “Acho que nunca o vi irritado nem zangado, estava sempre tranquilo. Não quer dizer que não fervesse por dentro, mas não demonstrava. Era sempre ‘meu caro, como está?’ e tal…”, lembra. Este jornalista pinta alguém pouco flexível: “Convencia-se que tinha sempre razão em termos de análise política.” Mas assegura: “Como diretor, não tenho a mínima queixa.”

"Uma das criticas que algumas pessoas lhe faziam é que, caso a semana noticiosa estivesse mais fraquinha, ele fazia ali uns entorses nos títulos e entradas. De vez em quando, havia jornalistas que se queixavam"
Jornalista do Expresso nos tempos de Saraiva

Quanto à liderança do jornal, este jornalista, que prefere manter-se também ele no anonimato, lembra alguns episódios. “A primeira página era ele que desenhava à mão numa folha de papel — não havia computadores. Depois ia para o gráfico. Uma das criticas que algumas pessoas lhe faziam é que, caso a semana noticiosa estivesse mais fraquinha, ele fazia ali uns entorses nos títulos e entradas. De vez em quando, havia jornalistas que se queixavam, dizendo que o que estava na primeira página não correspondia ao que estava lá dentro. Ele dava um toque para puxar mais pela coisa…”

Surreal, para este jornalista, foram mesmo as pretensões de Saraiva em vencer o Nobel da Literatura. “Depois há aquelas coisas…”, arranca. “Escrevia os seus livros. Até disse uma vez que era grande escritor e que pensava no Nobel [gargalhada]. Quando a malta soube isso pensou ‘se calhar está na brincadeira’. Vaidade não lhe falta a esse nível. Achava que era o maior analista político e escritor.”

“”Ele desenha as capas do jornal à mão. Cheguei a ver, uma vez, e é lindo: ele decide o espaço para as fotos e para os textos, e desenha como se fosse um miúdo. Também os seus textos, tal como as crónicas, são escritos à mão e são passados para o computador por uma secretária”, lembra uma ex-jornalista do Sol

Já uma ex-jornalista do Sol abafa o mito do isolamento e lembra alguém que era capaz de ser convencido. “O senhor tratava-me por filha. Era uma maneira carinhosa que ele arranja para tratar as mais novas. (…) Ele desenha as capas do jornal à mão. Cheguei a ver, uma vez, e é lindo: ele decide o espaço para as fotos e para os textos, e desenha como se fosse um miúdo. Também os seus textos, tal como as crónicas, são escritos à mão e são passados para o computador por uma secretária.”

Esta jornalista vinca que Saraiva é um “tipo muito simples”, embora tenha crescido “num meio snob“. Ou seja, “não se dá só com malta do dinheiro”. O fascínio do arquiteto, garante, nunca deixou de ser o Expresso. “As memórias dele continuam a ser o Expresso. Tu percebes que os olhos dele ainda brilham quando fala nisso.”

"As memórias dele continuam a ser o Expresso. Tu percebes que os olhos dele ainda brilham quando fala nisso"
Ex-jornalista do Sol

As crónicas de todas as polémicas… e a história do casaco

As suas crónicas e o tom são muitas vezes criticadas, principalmente quando fogem à política e assumem contornos moralistas e repletos de juízos de valor. O artigo em que relata a experiência de ter partilhado o elevador com um homossexual e a explicação do “fenómeno” é um exemplo. Citemos um excerto: “À minha frente, no elevador, está um rapaz dos seus 16 ou 17 anos. Pelo modo como coloca os pés no chão, cruza as mãos uma sobre a outra e inclina ligeiramente a cabeça, percebo que é gay.” Depois, Saraiva disserta sobre o crescimento da comunidade gay e culpa as figuras mediáticas que assumem publicamente a sua homossexualidade.

“Julgo ser um facto notório que a comunidade gay está a crescer. Há quem afirme que não é assim – e o que se passa é que os gays têm cada vez menos receio de se assumirem, cada vez menos receio de revelarem as suas inclinações, tendo orgulho (e não vergonha) de serem como são”, pode ler-se no artigo.

Mas há mais, também as mulheres foram variadas vezes objeto de reflexão. A crónica “As mulheres são mais felizes” foi outro caso polémico. Em resposta a uma frase de Lídia Jorge sobre o papel da mulher na sociedade, Saraiva escreveu o seguinte: “[As mulheres] passam a preocupar-se muitas vezes mais com as carreiras do que com a família, começam a ter filhos mais tarde e têm menos filhos. Os filhos beneficiam menos da presença das mães. As mulheres conversam mais tempo com alguns colegas do que com os maridos, criando relações de cumplicidade. A família relativiza-se, passa a segundo plano. Os adultérios, concretizados ou apenas idealizados, tornam-se mais frequentes.”

O texto que dedicou a Emídio Rangel, já depois da sua morte, também não foi bem aceite por uma parte dos leitores. É que a polémica com o histórico fundador da TSF e antigo diretor geral da SIC e RTP já vinha de trás, e era quentinha. Para os que têm memória, quem não se lembra da história do “casaquinho cor de merda”?

O texto intitulava-se: O Lesma. E Rangel entrava a pés juntos e de carrinho logo de início:

“”O Lesma” foi à televisão. Com o mesmo ar de homem das cavernas que lhe marca o perfil, com o mesmo casaquinho cor de merda que usa todos os dias e em todas as ocasiões, com os mesmos tiques de troglodita tímido que chega à cidade e não sabe onde pôr os pés.

Estávamos em 2002, e José António Saraiva tinha ido à televisão falar sobre um livro que tinha publicado. Emídio Rangel continuava a destilar ódio na coluna de opinião do diário.

Um dia passou por um jornal e quis ser jornalista. Num outro dia os jornalistas saíram (quase todos) e o arquitecto atarracado sentou-se no lugar do director. E lá vai gerindo os interesses que aí se jogam. Sem ondas, sem novidades, sem talento, aproveitando a boleia dos que construíram o projecto.

Referia-se à saída dos jornalistas do Expresso para o Público. Os mimos continuaram texto afora. E de tal maneira se solidificou esta inimizade, que já depois da morte de Emídio Rangel, José António Saraiva escreveu um texto sobre o fundador da TSF, no jornal Sol , intitulado “Repouse em paz”. Conta a história da sua relação com Rangel e que tudo começou com críticas de televisão publicada no Expresso.

O crítico de TV do Expresso, Jorge Leitão Ramos, fazia críticas a programas da SIC que irritavam Rangel – que se ia queixar a Balsemão. Este transmitia-me as queixas – que eu justificava, naturalmente, com a liberdade do crítico para criticar. Cada vez mais irritado, Rangel decidiu ‘responder’ com uma crónica inserida no programa A Noite da Má-Língua, cujo genérico incluía o Expresso a ser atirado para uma sanita. Era uma vingançazinha infantil.

E depois fala da relação com Margarida Marante, que tinha tentado a reconciliação de ambos. Começando pelo episódio do casaco.

Uma vez em que fui entrevistado no programa Grande Entrevista de Judite Sousa, Rangel escreveu um lamentável artigo no Correio da Manhã onde, entre outras coisas, dizia que eu usava “um casaco cor de m…”. E após a ruptura do casamento com Margarida Marante, vim a saber por ela de agressões físicas. Depois foi o cancro de Rangel e os tristíssimos episódios do consumo de drogas que Margarida Marante trouxe a público – percebendo-se que a relação entre os dois fora brutalmente destrutiva para ambos. Após a morte de Margarida, Rangel chegou a dizer que não lamentava o seu desaparecimento, pelo mal que ela lhe fizera.

Apesar destes episódios, a jornalista com quem falámos tem o seu ex-diretor em muito boa conta. “Apesar de parecer um tipo extremista naquilo que escreve, com ideias impopulares, acho que nunca encontrei um diretor que respeitasse tanto os jornalistas. Corre o mito de que é inacessível, de que está trancado no seu gabinete e não recebe ninguém, mas é mentira. (…) Uma vez, convenci-o a mudar um título de capa. Era possível dar-lhe a volta, desde que falasses educadamente.”

A jornalista não resiste a descrever alguns pormenores sobre a personagem José António Saraiva. “Ele não faz ideia de quanto ganha e diz-te isso sem ter noção de que pode ser ofensivo para quem ganha pouco. É um tipo que gosta de saber tudo o que está no jornal. Há várias reuniões durante a semana por isso, para ele saber o que está programado com alguma antecedência.” Este homem, que tem o hábito de “esfanicar canetas e lápis contra o nariz”, merece um lugar de destaque na história do jornalismo português, segundo esta jornalista.

Saraiva & Jesus: admiração, incondicionalismos e confidências

O histórico diretor não é católico. Foi ele que o escreveu. Numa crónica no jornal i, referiu que não tem fé no divino, mas sim crença numa pessoa: Jorge Jesus. Nos bastidores do jornalismo diz-se que são amigos, que se ouvem um ao outro, que o jornalista aconselhará até o treinador. Conheceram-se quando Jesus era treinador no Restelo, mas até chegar ao Benfica nunca tinham trocado umas ideias. A crença ganhou protagonismo quando o homem da bola trocou o clube da terra do Bom Jesus pela capital. “Quando Jorge Jesus trocou Braga pelo Estádio da Luz, disse aos meus amigos benfiquistas que ele iria romper o ciclo de derrotas e fazer história. Eles torceram o nariz. Era um homem que só treinara equipas secundárias, diziam. O que os benfiquistas queriam verdadeiramente era o regresso de Eriksson”, contou no i.

Depois daquela época terrível do Benfica em que Jesus perdeu tudo no final (2012/13), foram almoçar os dois. “(…) Não o encontrei abatido. Perguntei-lhe se iria sair e respondeu-me que desejava ficar. E acrescentou: ‘Quero sair do Benfica pela porta grande, depois de ganhar.’ Não o contraditei – mas não acreditei que fosse possível. Depois de uma equipa perder um campeonato nos últimos segundos, não é fácil estar no ano seguinte outra vez na disputa do título. E o FC Porto parecia invencível. Mas Jesus conseguiu o milagre. Ganhou. E no ano seguinte voltou a ganhar. É obra!”

Jorge Jesus

Jorge Jesus, atual treinador do Sporting

O fascínio é evidente, a crença no milagre gritava, a fé na figura era clarinha, clarinha. Ao estilo do seu livro “Confissões”, onde relata algumas conversas pessoais que teve com políticos, contou nessa crónica mais um episódio. “(…) Telefonou-me um dia um seu amigo, o advogado Luís Miguel Henrique, convidando-me para um almoço com Jesus. Aceitei com gosto. Estranhei o restaurante escolhido: o Olivier Avenida. Um restaurante de nouvelle cuisine? – interroguei-me. Percebi que a sugestão também não fora de Jorge Jesus quando ele disse à empregada, já à mesa, que queria ‘um peixinho’. Jesus só come peixe. E raramente bebe vinho. A empregada respondeu que peixe não havia. Eu sugeri bacalhau. Lá veio então o bacalhau, mas apresentado de um modo que nem se percebia o que era. No almoço seguinte fomos ao Solar dos Presuntos – onde Jesus já se sentia como peixe na água. E depois levei-o várias vezes ao 8.18, um restaurante propriedade do semanário SOL.”

“”Percebi que a sugestão também não fora de Jorge Jesus quando ele disse à empregada, já à mesa, que queria ‘um peixinho’. Jesus só come peixe. E raramente bebe vinho. A empregada respondeu que peixe não havia. Eu sugeri bacalhau.”

Cassete à frente. Quem é, afinal, Jorge Jesus para José António Saraiva? “É um homem simples. Muito esperto. Abre-se pouco. Às vezes temos de adivinhar o que ele quer dizer. Confidencia-me que há truques que não conta a ninguém, nem aos seus próprios adjuntos. ‘São coisas que inventei, segredos meus.’ É genuíno e frontal: recentemente, quando eu fazia uma crítica a Lopetegui, disparou-me: ‘O Lopetegui é um homem corajoso!’ Ontem à noite, quando lhe perguntaram a quem dedicava o título, respondeu algo como: ‘Aos adeptos do Benfica e aos meus amigos que não são do Benfica mas que eu converti.’ Senti-me um dos destinatários da mensagem. De facto, sou um dos ‘convertidos’. Momentos antes tinha-lhe enviado um sms dizendo: ‘Sinto-me feliz por sempre ter acreditado em si.’ Mas ele já o sabia.” E assim fecha o texto, uma espécie de carta de amor para alguém que admira sem barreiras, de quem nunca duvidou. Jesus é a prova viva, por ficar subentendido que Saraiva passou a apoiar o Benfica, que o “teimoso” arquiteto também pode ser convertido.

Confissões. “Quem, em Portugal, poderia escrever um livro como este?”

O ego e a confiança com a sua verdade é algo que salta à vista ao ler poucas linhas do livro “Confissões”, onde conta histórias dos “últimos anos no Expresso, o nascer do Sol e as conversa com políticos à mesa”. José António Saraiva admite que hesitou escrever o livro, por revelar vários episódios íntimos e conversas pessoais. Não o escreveu por vontade de provocar polémica ou atacar alguém, diz, mas sim por “amor à verdade”.

O “aviso” inicial do livro publicado em outubro de 2006 deixa claras as razões da existência do mesmo: “Decidi-me a avançar, sobretudo por uma razão: quem, em Portugal, poderia escrever um livro como este? Quem teria condições de liberdade (exterior e interior) para o fazer? Quem teria um material tão rico para pôr à disposição dos leitores (um material que retrata o âmago do maior semanário e do maior Grupo de media do país, e que mostra a classe política por dentro)? Não sendo provável que alguém volte a estar tantos anos à frente de um grande jornal como eu estive, e tenha contactos tão diversificados com políticos como eu tive — por força do cargo que ocupei, da minha condição de comentador político e desse longo período em funções –, talvez ninguém volte a reunir em Portugal as condições necessárias para escrever um relato desta natureza.”

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O índice é rico, alimenta logo a imaginação, constrói um buraco de três metros na curiosidade de cada um (para os que gostam de política e politiquice). Entre os dias que ditaram a sorte do Expresso, que incluem a despedida e as palavras trocadas com Francisco Pinto Balsemão, o nascer do novo semanário que ajudou a fundar e alguns episódios de cariz pessoal, é um mar de capítulos para folhear.

A destituição como diretor do Expresso levou-o a sugerir sair dos quadros, pois era tempo de afirmação da nova direção. Essa ideia foi comunicada por carta, escrita dias antes de ir passar o Natal com o filho ao Paquistão, que estava na embaixada. “A carta terminava com uma proposta de rescisão do contrato, em que eu aproveitava para recordar alguns momentos da minha acção no Expresso e no Grupo ao longo dos 22 anos na direcção”, escreveu. “Balsemão respondeu-me de pronto, marcando uma conversa que teve lugar no seu gabinete. Num estilo um pouco diferente do habitual, disse-me que não queria reduzir-me o ordenado, que não estava preparado ‘para viver sem mim’, que achava que de certo modo eu lhe pertencia (‘eu vejo-o como sendo meu’), confessando no fim que, talvez de uma forma um tanto confusa, dissera o que lhe ia na alma.”

“”Tivera com ele uma relação próxima no tempo em que estava na oposição, almoçávamos com regularidade (no 33 e no Conventual, quando era ele quem convidava, ou no Pabe, quando o convite era meu), pelo que, logo após a vitória eleitoral, falámos — tendo ele prometido dar-me em primeira mão a constituição do próximo Governo. O que cumpriu”

A sua praia, a política, também é dissecada sem recurso acentuado ao travão. Aqui fica mais um trecho. “Com [António] Guterres, porém, as coisas passavam-se modo diferente. Tivera com ele uma relação próxima no tempo em que estava na oposição, almoçávamos com regularidade (no 33 e no Conventual, quando era ele quem convidava, ou no Pabe, quando o convite era meu), pelo que, logo após a vitória eleitoral, falámos — tendo ele prometido dar-me em primeira mão a constituição do próximo Governo. O que cumpriu”, conta. O arquiteto revela ainda que Guterres lhe daria a primeira grande entrevista e que lhe mostraria os meandros de São Bento — as zonas privadas, o jardim, a piscina. “Como ouvi falar muito dessa residência desde pequeno, a visita teve para mim um especial significado”, admite no livro. E revela ainda o convite intemporal de Guterres para Saraiva, Fernando Madrinha e Orlando Raimundo: “Podem cá aparecer de toalha ao ombro, sempre que quiserem.”

O capítulo 44 tem como protagonista Cavaco Silva, o atual Presidente da República. “(…) É um homem pouco simpático e mesmo um pouco agreste. Creio que, parcialmente, isso se deve à sua timidez: é uma pessoa reservada e contraída, que não se sente à vontade no contacto pessoal”, descreveu. “Um dia recebi um telefonema dele no Expresso pedindo-me cópia (se possível em disquete) das entrevistas que concedera ao nosso jornal, considerando-as as mais marcantes dos seus tempos de primeiro-ministro”, conta no “Confissões”. O favor foi feito, mas o agradecimento nunca chegou, o que deixou Saraiva sentido. “Devo dizer que fiz o favor desinteressadamente e não esperava nada em troca. Apenas cito este facto por considerar que ele é revelador da maneira de ser de Cavaco Silva.”

"Dada a tensão que as pessoas consideravam existir entre mim e o Vicente Jorge Silva, entendem o fim da Revista como uma espécie de vingança que eu servi fria, depois de o Vicente ter saído do Expresso. Não pode haver leitura mais falsa. À frente do Expresso sempre me guiei exclusivamente por aquilo que considerava ser o melhor para o jornal"
José António Saraiva, em "Confissões"

Mas este livro não revela apenas as relações com personalidades ou políticos da praça. A sua ligação com Vicente Jorge Silva seria também dissecada aqui e ali. Na página 203 pode ler-se: “Dada a tensão que as pessoas consideravam existir entre mim e o Vicente Jorge Silva, entendem o fim da Revista como uma espécie de vingança que eu servi fria, depois de o Vicente ter saído do Expresso. Não pode haver leitura mais falsa. À frente do Expresso sempre me guiei exclusivamente por aquilo que considerava ser o melhor para o jornal (…). Nunca me pautei por razões pessoais, muito menos de natureza mesquinha. Sempre percebi a importância que a Revista criada pelo Vicente tinha para o Expresso — e em várias ocasiões, quando a senti a fraquejar, fui eu próprio para os cornos do touro, assumindo pessoalmente a sua coordenação. E salvando-a em momentos críticos.”

Resistamos à tentação de contar mais histórias do livro, a coisa agarra. José António Saraiva foi arquiteto e começou em 1965 nesta vida dos jornais. Escreveu, arranjou notícias graças aos seus famosos almoços com políticos e está associado ao grande crescimento do Expresso. Saiu, decidiu ir à luta e tentar ganhar a corrida ao menino dos seus olhos. Ironicamente, um bocado como o seu amigo Jorge Jesus, que deixou o Benfica e meteu-se no Sporting para mostrar a toda a gente que é nele que está a chave do sucesso. Infelizmente, o desfecho da história é triste. A aventura iniciada em 2006 terminou em 2015, culminando com muitos despedimentos e vidas a fugirem aos pés de muitos jornalistas. O ciclo de José António Saraiva na alta roda do jornalismo terá terminado. Mas, quem sabe, pode inspirar-se em Jorge Jesus que gosta de dizer: “Isto não é como começa, é como acaba.” Tudo isto mas com uma variante: isto não é como acaba, é como foi.

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