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Marcelo Rebelo de Sousa esteve no palco ao lado do Papa Francisco
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Marcelo Rebelo de Sousa esteve no palco ao lado do Papa Francisco

ANDRÉ DIAS NOBRE/OBSERVADOR

Marcelo Rebelo de Sousa esteve no palco ao lado do Papa Francisco

ANDRÉ DIAS NOBRE/OBSERVADOR

Marcelo é fã de Francisco até na hora dos embaraços: faltaram alguns aplausos quando Papa falou da eutanásia

Não foram precisas muitas horas para que o Papa Francisco tocasse num ponto sensível que muitas vezes levou Marcelo a não conseguir distanciar-se da fé: eutanásia foi tema logo no primeiro discurso.

Um Presidente da República embevecido, um Governo que congelou quando o Papa falou da eutanásia e uma sala repleta das grandes figuras da sociedade portuguesa que receberam o chefe da Igreja Católica com pompa e circunstância no Centro Cultural de Belém (CCB). Depois de aterrar em Figo Maduro e de ser recebido no Palácio de Belém, todos os holofotes apontavam para o momento do primeiro discurso de Francisco, em particular para as mensagens que trazia para a Jornada Mundial da Juventude e para os recados que tinha preparados.

Faltavam mais de duas horas para o arranque da cerimónia e já as cadeiras começavam lentamente a ser preenchidas no grande auditório do CCB. Duas cadeiras brancas em cima de uma carpete vermelha e um pano de fundo castanho com dois símbolos cravados a dourado: Vaticano e Portugal. A sala foi enchendo e sobravam ao fundo umas dezenas de lugares vazios quando o Papa Francisco entrou de cadeira de rodas pela porta lateral do palco.

Levantou a sala, que o aplaudiu longamente enquanto saía da cadeira de rodas para se sentar na poltrona que o esperava. Ficou de pé durante um tempo, ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa, que não se poupou nas palmas. Francisco agradeceu com a mão na cruz que trazia ao peito e com várias pequenas vénias. O sorriso e a postura do chefe de Estado, já depois da receção emotiva no aeroporto de Figo Maduro, deixava notar, mais do que o Presidente da República, o fã do Papa Francisco.

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E o curto discurso só o veio confirmar: “Portugal acolhe-vos de braços abertos. Acolhe o vosso testemunho de dignidade das pessoas, entre elas e na relação com a natureza, de esperança, de paz, de fraternidade, de procura das periferias, de luta contra fomes, misérias, opressões, abusos, xenofobias, intolerâncias, exclusões dos deserdados destes tempos.” E, além das palavras sobre a necessidade de os jovens combaterem a “mundanidade, imobilismo, conforto e fechamento”, referiu ainda que “o essencial está sempre por cumprir”.

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Estava aberto o caminho a um longo discurso do Papa Francisco — que valeu um aparte e até uma ameaça de que não terminaria o que preparou para o primeiro discurso. Retomou o raciocínio logo a seguir à gargalhada coletiva e foi tocando em algumas das bandeiras mais relevantes dos seus dez anos de pontificado (celebrados em abril de 2023), do tema das periferias às questões fraturantes da sociedades das quais a Igreja se distanciou durante muitos anos.

Apesar de ter optado por falar em italiano, Francisco teve um cuidado especial para que toda a narrativa do texto girasse à volta da cidade de Lisboa e de Portugal. Citou grandes nomes da cultura portuguesa, Luís de Camões (“Aqui… onde a terra se acaba e o mar começa”), Amália Rodrigues (“Lisboa tem cheiro de flores e de mar”), Sophia de Mello Breyner Andresen (“Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim”), Fernando Pessoa (“Navegar é preciso, viver não é preciso (…) o que é necessário é criar”) e José Saramago (“O que dá verdadeiro sentido ao encontro é a busca; e é preciso andar muito para se alcançar o que está perto”) e descreveu Lisboa como a “cidade do oceano“, que “lembra a importância do conjunto, a importância de conceber as fronteiras não como limites que separam, mas como zonas de contacto”.

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As palavras espelhavam algumas das mais importantes bandeiras levantadas naquele que foi o percurso como Pontífice nos últimos dez anos: chegar às periferias, aos pontos mais longínquos, e o Papa Francisco tem-no feito através das muitas viagens que tem realizado a vários pontos do mundo, mas também ao tocar em temas fraturantes na sociedade, nomeadamente para a Igreja Católica, como é o caso das mulheres na organização clerical, dos divorciados ou da comunidade LGBTQI+.

Passou por temas como a guerra na Ucrânia e deixou desafios (em jeito de críticas) à Europa: “Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a caracteriza, apetece perguntar-lhe: para onde navegas se não oferecer percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensaguentam o mundo?” A preocupação do bispo de Roma prende-se com o facto de haver, “em muitos lugares”, um investimento contínuo de recursos em armas “e não no futuro dos filhos” — “Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança.”

A ideia de que há a necessidade de “abrir caminhos de encontro mais vastos” foi reiterada pelo Papa Francisco de diversas formas, que atirou ao facto de “num momento tempestuoso” se sentir “a falta de rotas corajosas de paz“.

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O embaraço do tema eutanásia

“Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga do que as águas do mar?” As palavras do Papa, seguidas de uma curta pausa à espera da reação, enquanto olha para o público (um gesto replicado por Marcelo, que esboça um sorriso), e a crítica àquilo a que chamou as “leis sofisticadas da eutanásia“. Ao contrário dos muitos aplausos durante o discurso, este não foi consensual. Nos lugares da frente, onde se sentavam vários elementos do Governo, o silêncio foi praticamente total quanto o Papa tocou no tema — e António Costa esteve entre os que não aplaudiram. Pelo ambiente da sala percebeu-se que o tema continua a dividir.

Em Portugal, depois de dois vetos políticos do Presidente da República e dois chumbos no Tribunal Constitucional, a eutanásia foi aprovada em maio, depois de o Parlamento a enviar sem alterações para Marcelo Rebelo de Sousa, que se viu obrigado a promulgar. Agora, ao lado do Papa, no olhar do chefe de Estado lia-se um sinal de concordância de um católico que colocou vários entraves à aprovação da eutanásia.

No mesmo sentido, o Papa disse ainda dedicar os pensamentos a “idosos abandonados a si mesmos”, a “tantas crianças não-nascidas”, numa referência ao aborto, e aos que morrem durante naufrágios quando tentam chegar ao velho continente: “Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios?”

Depois da mensagem mais forte no que toca a uma decisão política do país, o Papa Francisco dedicou ainda parte do discurso à esperança que a “maré de jovens” que está na Jornada Mundial da Juventude em Lisboa representa: olha para estes crentes como pessoas que “cultivam anseios de unidade, paz e fraternidade”. E alertou para os extremismos — “Se em muitos lugares se respira hoje um clima de protesto e insatisfação, terreno fértil para populismos e conspirações, a JMJ é ocasião para construir juntos.”

As presenças (e ausências)

As mais altas figuras do Estado marcaram presença na receção ao Papa Francisco: se Marcelo Rebelo de Sousa esteve ao lado do Pontífice no palco, Augusto Santos Silva e António Costa sentaram-se na primeira fila para assistir ao primeiro discurso em território português. Muitos ministros estiveram também a assistir à cerimónia no CCB.

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Dos partidos com assento parlamentar todos se fizeram representar à exceção do Bloco de Esquerda, por opção, e do Livre, sendo que Rui Tavares está fora de Lisboa por motivos pessoais e não esteve nenhum substituto no CCB.

Eurico Brilhante Dias, líder parlamentar socialista, marcou presença em nome do PS; Luís Montenegro esteve no CCB como presidente do PSD, com a juventude do partido a ser representada por Alexandre Poço, líder da JSD, e com o líder parlamentar social-democrata, Joaquim Miranda Sarmento também no local.

Em termos políticos, uma das dúvidas na visita do Papa a Portugal estava no posicionamento do Chega. André Ventura não é fã de Francisco, já chegou a dizer que este Pontífice “tem prestado um mau serviço ao cristianismo” e acabou por estar fora do continente exatamente durante a Jornada Mundial da Juventude. O líder do Chega está na Madeira juntamente com uma comitiva para preparar as eleições regionais, mas o Chega não dispensou os lugares que tinha no CCB: foi Pedro Santos Frazão, deputado e vice-presidente do partido, a representar o Chega, ao lado de Rita Matias, que esteve em nome da juventude do partido. Aliás, além de a deputada ser uma das inscritas, como voluntária, na JMJ, Frazão fez questão de marcar o início do evento com uma publicação no Twitter: “Podem atacar a Igreja, podem caluniar, perseguir ou tentar silenciar os cristãos… mas é Cristo que vive nos corações e percebam é Jesus quem mobiliza o mundo inteiro.”

Rui Rocha esteve na receção ao Papa em nome da Iniciativa Liberal, que também foi representada por Pedro Schuller, que é o rosto dos jovens liberais. E, apesar de não ter assento no Parlamento, também o CDS se fez representar pelo presidente do partido, Nuno Melo.

Nomes como o ex-Presidente da República Ramalho Eanes, o vice-almirante Gouveia e Melo ou Francisco Pinto Balsemão também estiveram durante a manhã no Centro Cultural de Belém, onde António Costa partilhou a primeira fila com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, e a presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Dulce Neto.

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