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Clara Azevedo/Gabinete PM

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Mariana Vieira da Silva. A mulher que atende o primeiro-ministro até dentro de água

De nadadora de alta competição do Sporting a radar de Costa no Governo. Mariana Vieira da Silva tem um apelido conhecido no PS que diz "dificultar afirmação". É uma das principais conselheiras do PM.

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[Este artigo foi publicado pela primeira vez a 13 de Abril de 2018. Voltamos a publicá-lo no dia em que Mariana Vieira da Silva foi anunciada como ministra da Presidência e Modernização Administrativa]

Há um ano, Mariana Vieira da Silva decidiu arranjar um smartwatch. A necessidade absoluta de estar contactável em todo o lado e a qualquer momento tinha um problema: como saber se o chefe precisava dela nos 45 minutos de treino de natação que não dispensa duas ou três vezes por semana? O trabalho como secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro é intenso e exige radar sempre ligado. Mesmo dentro da piscina. E a solução foi arranjar um aparelho à prova de água, ali à distância do pulso. Quando António Costa liga, Mariana Vieira da Silva interrompe o treino para o atender. É uma das pessoas mais próximas do homem que chefia o Governo. É a principal antena de Costa. É uma das vozes que ele hoje mais escuta, embora a relação de total confiança entre os dois só se tenha firmado nos últimos três anos. É uma figura dos bastidores, que nunca se ouve publicamente e só se vê mesmo como a sombra constante do primeiro-ministro. Agora tem nas mãos a coordenação da moção que o líder socialista vai levar ao congresso do fim de maio, o último antes das legislativas.

Tudo começou há cinco anos. Em 2013, Fernando Medina levou-a para a lista de candidatos autárquicos do PS em Lisboa, num lugar de eleição impossível — era a 15.ª da lista — mas com os olhos já no futuro. “António Costa estava a candidatar-se ao último mandato e pôs-se a questão da transição na Câmara de Lisboa”, conta Medina ao Observador sobre o tempo em que foi preparada a lista de candidatos do PS nessas autárquicas: “O que combinámos foi que, com a saída dele, saíam outras pessoas para subirem na lista os não eleitos”. Entre esses estavam dois nomes escolhidos por Medina: Mariana Vieira da Silva e Nélson de Souza. Ou seja, a ideia de Medina era poder contar com os dois no executivo municipal que lideraria depois da saída de Costa.

O plano não se cumpriu. António Costa acabou por sair da câmara dois anos depois, para se candidatar nas legislativas, e os dois nomes previstos por Fernando Medina acabaram por ir para o Governo. Um deles, o de Mariana Vieira da Silva, por influência direta do primeiro-ministro, que a quis levar para ser o seu braço-direito em São Bento. Chegou a secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro aos 37 anos e é a terceira pessoa mais nova (ver caixa) a ocupar o posto de onde se coordena a ação política e a comunicação de todo o Governo. É a primeira mulher naquelas funções. Participa nas reuniões de coordenação política, a que só tem acesso o núcleo duro de Costa. Prepara o primeiro-ministro para os previstos e os imprevistos, gere as crises, tenta que não existam sobreposições nem haja um Governo a duas vozes, fala com todos os membros do Executivo diretamente para definir a estratégia do dia-a-dia, e coordena os vários gabinetes ministeriais em reuniões que não têm uma periodicidade fixa.

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Quem já esteve no posto mais próximo do PM?

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O mais novo de sempre a chegar às funções de braço-direito, no Governo, do primeiro-ministro, foi Luís Marques Guedes (34 anos). Mas não foi o único sub-40. Veja quem já foi secretário de Estado Adjunto do PM:

  • António Capucho, entre 1981 e 1983, era o primeiro-ministro Francisco Pinto Balsemão, tinha o então social-democrata 36 anos;
  • António Campos foi o Adjunto do socialista Mário Soares, entre 1981-83, tinha 45 anos;
  • Cavaco Silva escolheu Marques Guedes (34 anos) como seu Adjunto, entre 91 e 95;
  • Fausto Correia, aos 48 anos, foi o homem que António Guterres escolheu para desempenhar estas funções;
  • José Arantes (46 anos) foi o braço-direito de Durão Barroso;
  • Filipe Batista chegou a São Bento, para estas funções, com José Sócrates, aos 41 anos;
  • Foi seguido de José Almeida Ribeiro, no Governo Sócrates II;
  • Carlos Moedas foi o nome indicado por Passos Coelho, tinha 41 anos.

Também há quem no PS lhe chame “o xanax de Costa”, pelo efeito calmante que tem no feitio por vezes irascível do primeiro-ministro. Uma socialista contou ao Observador como isso foi visível, por exemplo, na campanha das legislativas de 2015. “Muitas vezes, quando ele estava mais irritado, alguém dizia ‘é melhor irem chamar a Mariana’”. Outro socialista, que conhece bem os dois, confirma este “efeito de acalmar” que tem Mariana Vieira da Silva.

O seu papel é de “formiguinha”, como descreve um colaborador do Governo. Fora dos holofotes mas sempre atenta a tudo, municia o primeiro-ministro com informação e aconselha-o em alguns momentos, ajuda-o na preparação dos debates quinzenais do Parlamento. Se tiver de ser, até distribui um snack improvisado pela bancada do Governo durante um debate mais longo — já aconteceu, no último debate do Estado da Nação.

“A primeira coisa que faço de manhã é a última do dia anterior que é ver as capas dos jornais”, diz Mariana Vieira da Silva ao Observador. A secretária de Estado Adjunta recusa falar de si. Apenas diz ter sido “essencial” para a sua relação com António Costa funcionar bem “haver uma boa relação de trabalho” entre os dois. É descrita por amigos e colegas de Governo — mais e menos próximos — como “metódica”, “organizada”, “inteligente”, “muito focada” e também “muito reservada”. Em alguns momentos é mesmo “demasiado reservada”, sempre com a preocupação de não dizer mais do que pode. É filha do ministro José António Vieira da Silva e isso levanta sempre questões que ambos contornam, procurando desvalorizar o assunto. Quando foi convidada para o Governo ainda falou com Fernando Medina, mas era evidente para os dois que ficaria para trás o tal lugar no executivo da Câmara de Lisboa que estava na calha desde 2013.

[Pode ver no vídeo em baixo como Mariana Vieira da Silva resolveu o problema da fome na bancada do Governo durante o debate do Estado da Nação]

“Ainda hoje não deixo passar em claro e uso isso com o primeiro-ministro”, conta Fernando Medina. “Depende das situações: ou digo ‘eu cedi-te a Mariana’ ou ‘roubaste-me a Mariana’. Já é uma piada“, graceja o presidente da Câmara de Lisboa. “Conhecendo os dois”, rapidamente percebeu que, depois de Costa e Mariana Vieira da Silva se conhecerem, “era inevitável” que se entendessem: “Sei o que ele aprecia numa pessoa. Inteligência política e profundo conhecimento da governação e das políticas públicas”. Foi ele que os juntou. Depois da lista da câmara, voltou a recomendá-la a António Costa para colaborar na “Agenda para a Década”, o programa de longo prazo do PS, coordenado por Maria Manuel Leitão Marques.

Só por essa altura a relação com António Costa passou do “bom dia”, “boa tarde”. E já ninguém estranhou quando João Tiago Silveira propôs uma equipa para a direção do Gabinete de Estudos do recém eleito líder do PS, que lá estivesse Mariana Vieira da Silva. A menos de um ano de legislativas, a função não era menor: aquele grupo, coordenado por Silveira, ia preparar o programa eleitoral que Costa levaria às eleições. O resto dessa história já se conhece.

“A Mariana tem um instinto político ímpar e tem um conhecimento técnico de várias áreas de governação como ninguém”, diz João Tiago Silveira quando explica por que motivo a recomendou a Costa para aquela tarefa. “Tive sempre a preocupação de encontrar gente nova dentro do PS que fizesse um mix entre qualidades políticas e técnicas. A política não se faz só do soundbyte“, remata. No programa eleitoral, tratou com “enorme autonomia” com os grupos de trabalho que estavam com o capítulo relativo às políticas sociais, concretamente saúde e educação. É sobre este tema que se debruça na tese de doutoramento que ficou pendurada depois da ida para o Governo (chegou a concluir a parte curricular do doutoramento, orientado pela ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues). António Costa depressa se apercebeu dos conhecimentos técnicos de Mariana Vieira da Silva. “Ele não gosta de pessoas puramente políticas, sem matéria prima”, diz um socialista para explicar a aproximação rápida entre os dois que se fez a partir daqui.

Um apelido é um fardo ou abriu portas no PS?

Clara Azevedo/Gabinete PM

Clara Azevedo/Gabinete PM

Há um ponto que os vários amigos contactados pelo Observador fazem sempre questão de referir quando falam de Mariana Vieira da Silva — ainda antes de serem (inevitavelmente) questionados sobre o assunto — que é a sua autonomia face ao pai e à sua carreira política. “Conheci-a antes de conhecer o pai dela, com quem só me tinha cruzado circunstancialmente”, garante, por exemplo, Fernando Medina. José António Vieira da Silva passou pelos últimos quatro governos do PS: o último de António Guterres, onde foi secretário de Estado da Segurança Social e também das Obras Públicas; os dois de José Sócrates, onde foi ministro do Trabalho e da Solidariedade Social e ministro da Economia; e no atual Executivo é ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. É colega de Governo da filha, mas isso é um assunto banido pelos dois do círculo de trabalho.

Numa declaração à revista Sábado, em fevereiro de 2017, Vieira da Silva pai separava as águas: “Ela tem a sua vida, quem a convidou não fui eu e foi por conhecimentos e trabalhos que não passaram por mim, tenho uma tranquilidade absoluta sobre isso”. Numa das primeiras entrevistas que deu, quando ainda fazia parte do Gabinete de Estudos do PS, Mariana Vieira da Silva foi questionada sobre se o seu percurso político tinha sido muito marcado pelo pai. “A minha vida toda é muito marcada pelo meu pai e pela minha mãe, pela forma como sempre me incutiram um objetivo de serviço público e de participação cívica e liberdade de pensamento. Não me considero nem mais nem menos por ser filha do meu pai… e da minha mãe, já agora”. Foi a forma como então respondeu ao jornal i sobre um tema que já disse que gostaria de um dia não ser assunto político. Em 2016, à revista Visão, falou na influência que a atividade política dos pais teve na sua formação como pessoa, mas também os problemas. “É evidente que tem imensa influência, nas conversas que se ouvem, nos amigos que vão lá a casa, em toda essa dimensão. Depois, é claro que existe uma dificuldade de afirmação e de ir construindo um caminho em que somos conhecidos sempre durante bastante tempo como ‘filhos de’, mas também mostrando a qualidade de trabalho, as nossas diferenças”.

Na bancada do Governo, no Parlamento, os lugares de pai e filha são distantes

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pai e filha estão juntos nas reuniões de coordenação política do Governo, todas as segundas-feiras, que é onde Costa junta o seu círculo mais próximo para ir afinando a estratégia política, e estão também juntos no Conselho de Ministros, onde os dois únicos secretários de Estado a ter assento são os do primeiro-ministro (a Adjunta e o dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos). O tratamento é sempre formal. Não há “pai” nem “filha”, mas sim “senhor ministro” e “senhora secretária de Estado”. São ambos absolutamente discretos. Mas muito próximos. José António e os dois filhos (Mariana tem um irmão, Miguel, que é músico) até têm lugares de leão no Estádio de Alvalade — as cadeiras com uma placa com o nome do proprietário — e vão os três com frequência aos jogos do clube do Sporting . Mas esse é outro capítulo da vida de Mariana Vieira da Silva a que já chegaremos.

A sedução pela política começou em casa, mas, ao contrário do que possa parecer, não foi através do PS. Mariana Vieira da Silva não gatinhou nos corredores do Largo do Rato, onde o partido tem a sua sede nacional. Os pais, José António Vieira da Silva e Margarida Guimarães, fizeram parte do Movimento de Esquerda Socialista (MES), fundado no pós 25 de abril. Falava-se de política em casa, claro. Um dos grandes amigos da família era Eduardo Ferro Rodrigues, um dos fundadores do MES que, tal como muitos dos seus membros, acabou por transitar mais tarde para o PS.

Numa entrevista ao Negócios, em 2015, Mariana Vieira da Silva lembrou esses tempos e o que significaram na sua formação: “Nasci quatro anos depois do 25 de Abril, e os meus pais eram militantes do Movimento de Esquerda Socialista. Aqueles anos, na minha memória afetiva, reconstruída a partir das histórias familiares, são anos muito marcados pelas ideias de liberdade e participação, por essa coisa magnífica de se desenharem programas políticos alternativos, de se fazerem listas às eleições, de se estar horas à espera de votar. Anos de tantas possibilidades, depois de décadas de impossíveis”.

António Costa. Como ele comanda a “geringonça”

A mãe, Margarida, não era militante do PS e durante mais de 30 anos foi funcionária da Câmara da Amadora, para onde entrou em 1980. O socialista Joaquim Raposo, que foi autarca naquele município entre 1997 e 2013, recorda que a sua diretora financeira era “exigente, mas solidária”, “muito rigorosa na ação e responsável”: “Eu costumava dizer que tinha a melhor diretora financeira que existe: além de ser competente, ela é que era a má. Era ela que enfrentava os vereadores com o primeiro ‘não’, já que era “implacável em matéria de disciplina financeira”, recorda Raposo. “Vejo o mesmo estilo na filha, a mesma maneira de estar”, diz o socialista quando refere que Margarida, que se separou de Vieira da Silva com a filha já adulta, era “muito reservada em relação a tudo”. “Guida”, como era conhecida entre amigos, morreu em junho do ano passado e a sua “liderança exigente, mas próxima” foi recordada numa nota de pesar do município.

Com ambos os pais economistas, embora tenha chegado a iniciar-se nessa área, Mariana Vieira da Silva licenciou-se no ISCTE, em Sociologia, em 2002. Foi por essa altura que entrou para o PS, já tinha 24 anos, não tendo nunca feito o percurso das juventudes partidárias. Participou no “Movimento Imaginar Portugal”, que era um clube de reflexão política do PS composto por jovens quadros ligados à academia. Um dos promotores do movimento foi Miguel Cabrita, que hoje é secretário de Estado de Vieira da Silva, e um dos impulsionadores era Eduardo Ferro Rodrigues, nessa época líder do PS. A origem deste movimento esteve precisamente na campanha das legislativas que “Ferro Rodrigues perdeu de forma tão renhida”, como descreveu a própria Mariana Vieira da Silva na entrevista já citada ao i. Foi depois dessa derrota, nas legislativas de 2002, que se inscreveu no PS. No movimento estavam outros nomes, tais como Fernando Medina (que entrou no partido pela mesma altura), Pedro Adão e Silva (comentador, sociólogo, socialista que chegou a ser do secretariado de Ferro) ou Filipe Nunes (outro socialista que está no gabinete de Ferro Rodrigues, o presidente da Assembleia da República).

A “Maria rapaz”, atleta de alta competição do Sporting

Na década de oitenta, a família Vieira da Silva viveu no Bairro 25 de Abril, em Linda-a-Velha, numa casa paredes meias com a da família Cordovil (os pais também eram do MES). Carlos Cordovil tem exactamente um mês de diferença de Mariana: ele é de 8 de abril de 1978 e ela de 8 de maio do mesmo ano. Ela é a sua “melhor amiga”. Cresceram juntos, sempre na casa um do outro e nas mesmas escolas. Começaram a ir juntos a pé para a escola de Miraflores depois de, na véspera do primeiro dia de aulas, os pais os obrigarem a fazer o circuito para garantirem que não havia enganos no caminho.

Na escola, só se separaram na Secundária de Linda-a-Velha, quando chegou a altura de escolherem os agrupamentos. Carlos foi para o agrupamento 1, porque queria seguir desporto; Mariana foi para económicas (era o agrupamento 3). “Sempre foi uma pessoa com muita cultura, sabia tudo o que se passava no mundo. Organizava-me o estudo, lembro-me de ela me explicar ‘Os Maias’. As minhas notas são mais dela do que minhas!“, atira ao Observador sobre a amiga de quem lembra as “boas notas” constantes, embora não a recorde como uma “marrona”. Nos tempos de faculdade é descrita precisamente da mesma forma: “Sempre foi muito boa aluna” e tem “uma rapidez enorme em perceber as coisas”.

“Quando íamos para a escola, ela ia a falar do quotidiano e eu ia a ouvir como se estivesse a ouvir a rádio“, recorda sobre a amiga. “É como se fosse uma irmã”. Os tempos eram marcadamente políticos, com a democracia ainda a dar os primeiros passos e Carlos lembra-se de ouvir Mariana falar dessas lides, mas também de ser uma miúda normal nas brincadeiras, até “um bocadinho Maria rapaz, sempre muito ativa e desportista”.

“Ela tinha uma grande ocupação do tempo extra-curricular, o tempo livre estava todo ocupado e organizado”, recorda o amigo. Mariana Vieira da Silva era nadadora de alta competição do Sporting Clube de Portugal. Aprendeu a nadar aos 4 anos e entrou para a competição aos 9. Especializou-se no estilo mais exigente do ponto de vista técnico, mariposa, e na prova mais longa: 200 metros. Desistiu da alta competição aos 19 anos, dedicando-se nos dois anos seguintes a dar aulas a miúdos entre os 3 e os 10 anos. Hoje, nada sempre que consegue, tentando impor a disciplina de nadar duas a três vezes por semana, ao final do dia, depois de sair do gabinete. Mas, quando era atleta, o treino era de manhã cedo. Na entrevista ao Negócios, feita por Anabela Mota Ribeiro, contava mesmo como “treinava até julho, duas vezes por dia, para tirar partido das férias escolares e preparar os campeonatos nacionais”: “Aqueles treinos às 7h da manhã na piscina dos Olivais são dos meus maiores tesouros (gelados)”. À Visão, chegou a dizer que “ter sido nadadora de competição dá uma certa capacidade de sacrifício e resistência necessária”.

Nesta época, o Sporting ainda não tinha piscinas e os seus atletas treinavam noutras instalações. Mas a ligação ao clube ficou para sempre e festeja-o com frequência no Twitter, a sua rede social preferida. Por lá vai partilhando notícias do Governo, muita música, mas também muitos comentários desportivos, sobretudo futebolísticos, enquanto assiste a jogos (aqui em baixo durante a segunda mão do Sporting/Astana, numa eliminatória da Liga Europa).

No estádio ou na televisão, recusa-se sempre a ver os penáltis da equipa pela qual está a torcer, ainda que seja uma adepta calma durante o jogo. Quando se irrita, desliga. Na final da Taça de Portugal, em maio de 2015, quando o Sporting defrontou o Braga no Jamor, só soube pelo barulho na rua que o clube tinha quebrado o jejum de sete anos de títulos. Estava no Largo do Rato com a sua equipa, a ultimar o programa eleitoral do PS que tinha de seguir para a revisão final nos dias seguintes e desligou o rádio antes do fim do jogo, farta do resultado (derrota por 2-0 aos 80 minutos). Não ouviu, aos 84′, o golo de Slimani, nem o da reviravolta, por Montero aos 90′. Muito menos os penáltis. Quando ouviu buzinas na rua, espreitou à janela da sede do PS e só então percebeu o que tinha acontecido.

Edmundo Martinho no primeiro emprego na União das Mutualidades

Raramente é surpreendida pela informação, seja ela qual for. “Está sempre à procura de informação em todo o lado. Será sempre a primeira a saber o que aconteceu em qualquer lado e que possa ter relevo político”, garante um socialista próximo de Mariana Vieira da Silva mesmo quando fala nos tempos pré-Governo. Já tinha estado noutros Executivos — noutro nível –, aliás a sua carreira passa essencialmente por funções em gabinetes ministeriais de governos socialistas. Em 2005 foi nomeada adjunta de Maria de Lurdes Rodrigues no Ministério da Educação. No Governo seguinte, o segundo de José Sócrates, seguiu para adjunta do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, o ex-espião José Almeida Ribeiro. Ficou em São Bento até ao fim, 2011.

Dessas duas vezes foi requisitada ao seu posto de origem, a União das Mutualidades Portuguesas, onde ainda é funcionária. Luís Sá e Silva, o atual presidente, explica que quando assumiu funções, em janeiro de 2012, recebeu um pedido de licença sem vencimento de Mariana Vieira da Silva — que foi concedido — porque queria dedicar-se ao doutoramento. Pediu a prorrogação dessa licença e foi nesse período que chegou a governante. “A sua situação foi falada no Conselho de Administração, que entende que continua a ser nossa funcionária. Quando sair do Governo continua a ter aqui o seu lugar“, diz Sá e Silva ao Observador.

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Mariana Vieira da Silva começou a trabalhar na União das Mutualidades praticamente depois de terminar a licenciatura, em maio de 2003, era Edmundo Martinho o presidente do Conselho de Administração (tinha entrado no início desse ano), que o socialista que José António Vieira da Silva escolheu recentemente para Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (passou de vice para presidente, depois da saída de Pedro Santana Lopes). A ligação entre os dois é, no entanto, bem mais antiga.

Em maio de 2005, Edmundo Martinho saiu das Mutualidades depois de ter sido nomeado por Vieira da Silva para presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, com mandato renovado em 2008 (esteve lá desde 2005 a 2011, quando entrou o Governo PSD/CDS). No currículo tem, desde 1996, funções públicas de relevo em gabinetes técnicos, comissões e institutos ligados à sua área de formação, o serviço social, sempre na órbita do Ministério da Segurança Social enquanto este esteve em mãos socialistas. Exemplos: foi presidente da Comissão Nacional do Rendimento Mínimo entre 1996 e 2002 e ao mesmo tempo presidente da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, entre 2001 e 2002 foi Coordenador do Plano Nacional de Ação para a Inclusão e, entre 2010 e 2011, foi representante do Ministério do Trabalho e da Solidariedade no Conselho Económico e Social. Faz parte da Comissão Nacional do PS. O Observador tentou questionar Edmundo Martinho sobre os motivos da contratação de Mariana Vieira da Silva em 2003, quando chegou à presidência da entidade que agrupa as associações mutualistas nacionais, mas o atual provedor da Santa Casa não se mostrou disponível para responder.

A piada de caserna e a gestão de crises

É comum um secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro ouvir perguntar: afinal o que faz no Governo? É um trabalho na sombra, sobretudo recolha de informação para o primeiro-ministro. Depois também há a parte de coordenação com os 17 ministros do Governo, as 43 secretarias de Estado, que nem sempre estão em total sintonia e quase sempre competem pelo espaço mediático (muitas vezes mesmo como concorrentes). Se com Costa a relação de Mariana Vieira da Silva é ao minuto e com os restantes governantes o contacto é na base diária, com os vários gabinetes não há uma periodicidade fixa para se reunir. De dois em dois meses, ou de três em três, os assessores da imprensa dos ministros recebem um mail da secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro a convocar para uma reunião de coordenação em São Bento, regra geral nas segunda-feiras à tarde.

Aí, aproveita-se principalmente para passar a doutrina, ou seja, a estratégia política para os tempos que se seguem. Por exemplo, numa reunião já este ano, depois de Rui Rio ter chegado à liderança do PSD e dos rumores sobre estarem reunidas condições para um Bloco Central, Mariana Vieira da Silva pediu aos gabinetes que tornassem “mais explícita a relação com a esquerda” nas comunicações do Governo para o exterior, segundo conta um participante nessas reuniões. Não é, portanto, um acaso quando os ministros começam, de repente, todos a dizer a mesma coisa quando são questionados de várias maneiras pela comunicação social sobre um mesmo assunto. Mas a afinação nem sempre corre bem e isso também é analisado.

Exemplo? No início deste ano, a ministra da Justiça deu uma entrevista à TSF onde foi questionada sobre o mandato da procuradora-geral da República. São seis anos sem renovação ou com renovação de mandato? A sua opinião, “na perspetiva da análise jurídica”, incendiou a manhã mediática, com notícias sobre o que diz a lei, o que dizem magistrados, constitucionalistas, juristas. E também adversários políticos a afiarem as garras para o combate que teriam à tarde com o primeiro-ministro no Parlamento. O assunto era, por si só, sensível. Colocou o Governo numa posição delicada e não havia necessidade de pôr uma ministra a falar quando o primeiro-ministro ia estar num debate quinzenal nesse mesmo dia. Ainda para mais numa matéria como aquela. O assunto foi comentado, embora Mariana Vieira da Silva evite pessoalizar, nestas reuniões, e muito menos entrar em confronto.

O mesmo aconteceu na reunião que, depois da primeira vaga de incêndios no verão passado, se dedicou exclusivamente a esse tema. A assessora do Ministério da Administração Interna queixou-se que tinha sentido algum desamparo quando tinha estado com a então ministra Constança Urbano de Sousa, no terreno. Mariana Vieira da Silva não se focou na pessoa, mas começou a repetir, desde essa altura, que quem perceber que não tem capacidade para controlar tudo, numa altura de crise, tem de dar imediatamente o alerta.

Paulo Vaz Henriques/Gabinete PM

Paulo Vaz Henriques/Gabinete PM

O controlo da informação também é importante. Este tipo de reuniões que juntam assessores de todos os ministérios (por vezes são dois por gabinete) deixaram de existir nos governos de José Sócrates, por causa das fugas de informação que facilitavam. No atual executivo, os encontros mantêm-se, mas são habitualmente longos e servem mais à secretária de Estado do que aos assessores, já que todos têm de ouvir o que os outros têm a dizer e torna-se pouco produtivo”, comenta um colaborador.

Um antigo elemento deste Governo descreve Mariana Vieira da Silva como alguém que “faz tudo o que lhe pedem“, “é eficiente em responder ao que é pedido, a recolher e a produzir informação”. Aquelas reuniões inserem-se nessa lógica, mas também pretendem antecipar problemas, com a antevisão de questões com “maior risco mediático” a ser pedida aos assessores. A mesma fonte, que não quis ser identificada, acrescenta, no entanto, que “se esperava no papel de coordenação um papel mais ativo” e que “há um défice de atenção” de Mariana Vieira da Silva em relação à agenda dos ministérios, uma vez que “as reuniões são muito afastadas umas das outras”. “Se fossem mais amiúde, também se tornava tudo mais traiçoeiro”, acrescenta, por outro lado, um assessor.

Os encontros são”muito informais” e até descontraídos, como descrevem os assessores contactados pelo Observador, mas não existe propriamente um convívio de grande proximidade. É um momento de trabalho, que tem um formato “um bocado estanque”, descreve uma colaboradora. “É muito pragmática”, diz outro colaborador em relação a Mariana Vieira da Silva que, apesar de ser “descontraída” e “disponível”, é reservada na informação que vai passando. “Diz o que é necessário e não mais do que isso”, explica um colaborador do Governo. E vai ouvindo algumas queixas dos ministérios, como aquela que já se transformou numa espécie de piada de caserna: “Todos os problemas se resolveriam se as Finanças nos dessem dinheiro…”

A função hoje é de bastidores, mas o percurso governativo, aos 39 anos, já não é irrelevante. Isso pode criar a tentação de passar ao lado de um lugar mais visível da política, num cargo executivo? “O dever é sempre mais forte do que a vontade para ela”, comenta um amigo. Fernando Medina garante que Mariana Vieira da Silva “se realiza na concretização das políticas e não na vaidade das luzes”: “A vocação dela é das políticas públicas e não dos holofotes”. Uma coisa não tem de, necessariamente, inviabilizar a outra.

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