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Menos de metade da inflação foi culpa da guerra na Ucrânia, calculam os economistas

Economistas dizem que as sementes da inflação já existiam antes da guerra. Ritmo de subida dos preços poderia não ter sido tão intenso mas teria sido superior a 7% mesmo sem a invasão da Ucrânia.

A zona euro teria tido um problema grave com inflação mesmo que Vladimir Putin não tivesse ordenado às suas tropas, a 24 de fevereiro de 2022, que invadissem a Ucrânia. Os economistas ouvidos pelo Observador dizem que menos de metade da “culpa” da subida dos preços é da guerra, calculando que a taxa de inflação teria superado os 7% mesmo sem a invasão da Ucrânia, ou seja, mais de três vezes o objetivo do BCE, de 2%. É também por isso que os economistas avisam que, mesmo que a guerra acabasse amanhã, o tormento da inflação não iria terminar nos próximos tempos.

“É difícil calcular”, mas Carsten Brzeski, economista-chefe do ING, diz ao Observador que “talvez estejamos a falar de entre 3 a 4 pontos percentuais na inflação” que são atribuíveis à guerra iniciada pela Rússia. Isto significa que, numa Europa onde a taxa homóloga chegou a ultrapassar os 10%, mesmo sem a investida de Putin a inflação poderia muito bem ter superado os 7%.

Martin Wolburg, economista da Generali Investments, faz uma simulação semelhante: “o impacto da guerra [na inflação] é difícil de avaliar” mas “estimamos que a inflação na zona euro teria sido, em média, 2,5 pontos a 3,5 pontos percentuais mais baixa sem a invasão russa da Ucrânia“. Tendo em conta que a inflação na zona euro fechou 2022 com uma média anualizada de 8,4%, isso implica uma taxa de inflação entre 5% e 6%, diz o economista.

Porém, quando se olha não para a média anual mas para o pico – que foi superior a 10% – Martin Wolburg acredita que “o ponto mais alto da inflação não teria passado os dois dígitos mas, provavelmente, teria atingido um nível ligeiramente superior a 7%“.

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São níveis que levam outro economista, Jack-Allen Reynolds, da Capital Economics, a afirmar ao Observador que “mesmo sem a guerra, que teve um impacto significativo, acreditamos que a zona euro estaria a sentir grandes dificuldades relacionadas com a inflação elevada – e o BCE teria de estar, de qualquer forma, a apertar a política monetária“.

Um “tsunami inflacionista com várias causas”

A razão por que os economistas consideram que a zona euro teria tido uma inflação elevada, mesmo sem a guerra, é que “o tsunami inflacionista tem várias causas que, no seu conjunto, criaram uma tempestade quase perfeita“, diz Martin Wolburg.

“A reabertura das economias após a pandemia levou a um aumento rápido da procura por serviços, onde a oferta estava condicionada pelo impacto da Covid-19” e, por outro lado, “os problemas nas cadeias de abastecimento globais, no contexto dos confinamentos em vários países, levaram a escassez de bens e aumentos de preços”, lembra o economista.

“Em Portugal, tudo parece acontecer em câmara lenta”, diz economista dinamarquês Steen Jakobsen

Steen Jakobsen, chief investment officer do banco holandês Saxo Bank, diz que avisou para o risco de inflação elevada logo em 2020. Em 2021, deu uma entrevista ao Observador onde já avisava que “o mundo real e físico [era] demasiado pequeno para as aspirações dos políticos”. O economista referia-se à escassez associada aos produtos energéticos, matérias-primas, falta de mão-de-obra, entre outros fatores que estavam a propelir os preços – e as metas ambientais associadas ao ESG iriam agravar ainda mais os desequilíbrios.

É por essa razão que, na opinião deste economista, é “absurdo” achar que se a guerra na Ucrânia chegasse ao fim em breve a inflação deixaria de ser um problema.

“O mundo de hoje é marcado por uma escassez de ativos reais e por um excesso de ativos intangíveis [incluindo financeiros, devido aos estímulos dos bancos centrais]”, diz Steen Jakobsen, acrescentando que o Ocidente “quis fazer um processo de transformação orçamental, monetária e ‘verde’, tudo ao mesmo tempo”. Por isso “a surpresa não é termos inflação, a surpresa é que alguém esteja surpreendido que estejamos a ter inflação”, ironiza.

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Putin não causou a inflação: cavalgou-a

O dinamarquês Steen Jakobsen não foi o único a avisar para uma rápida subida dos preços, bem antes da guerra. Também Stefan Hofrichter, economista-chefe da Allianz Global Investors, avisava em novembro de 2021, em entrevista ao Observador, que “o risco de inflação mais elevada esta[va] a ser subestimado” pelos analistas e que havia um sério risco de os bancos centrais acabarem por “subir as taxas de juro mais rapidamente do que estão a indicar ao mercado”.

Foi por essa altura que Christine Lagarde disse em Lisboa que era “muito improvável” que se reunissem as condições, ao longo de todo o ano de 2022, para que o BCE decidisse aumentar os juros.

Acabou por não acontecer aquilo que Lagarde indicou: as taxas de juro não só subiram em 2022 como subiram de forma muito veloz, a partir de julho. E o próprio Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, reconheceu já que logo em dezembro de 2021 houve consenso no BCE para que se avançasse num processo de normalização da política monetária – ou seja, o fim das taxas de juro negativas e a subida para níveis mais compatíveis com a tendência de longo prazo na zona euro.

A guerra só veio intensificar o aumento da inflação que já era óbvio para os analistas a partir da segunda metade de 2021. Ao timing escolhido por Putin não terá sido alheio este facto, isto é, o Presidente russo sabia que iria apanhar a zona euro numa fase de vulnerabilidade, por estar a gerir um processo inflacionista que já tinha começado. Essa inflação só se agravaria com a perturbação dos mercados energéticos que seria inevitável numa guerra com estes contornos.

Martin Wolburg lembra que, nas vésperas da guerra, os mercados financeiros estavam a antecipar que o preço do petróleo (Brent) chegaria a junho de 2022 na casa dos 79 euros por barril. Com a guerra, porém, chegou-se a junho com um preço bem diferente do que era esperado: 116 euros por barril, em média.

E os preços do gás natural foram de menos de 90 euros/MWh para um pico de 350 euros/MWh. “Os nossos cálculos aproximados dizem-nos que só o aumento dos preços da energia impulsionou a inflação em cerca de dois pontos percentuais“, diz o economista da Generali Investments.

Preço do gás natural já se afastou dos níveis estratosféricos que fixou em 2022, mas continua acima da média de preços de 2021. Fonte: TradingEconomics | Gás TTF euro/MWh

Ao impacto da energia, soma-se o efeito da subida dos preços dos alimentos. “A quebra no fornecimento de cereais ucranianos levou a um forte aumento dos preços da alimentação, obrigando os consumidores a pagar bastante mais pelas compras semanais no supermercado”, um efeito que o economista da Generali Investments contabiliza em cerca de 1,5 pontos percentuais de inflação adicional.

Wolburg nota que estas contas dizem respeito aos impactos mínimos, porque ainda faltaria contabilizar os chamados efeitos de “segunda ronda”. Isto é, em termos simples, a inflação que se gera à medida que os salários aumentam e os estados subsidiam as populações, para mitigar o impacto da subida dos preços (mas acabando por suportar os preços, em certa medida).

Salários, apoios e… margens de lucro das empresas

Nesta fase, Steen Jakobsen diz que há “uma probabilidade igual a zero” de que a inflação pudesse voltar rapidamente a níveis normais caso a guerra terminasse em breve. Mais do que, por exemplo, os preços da energia, “neste momento, a grande questão relacionada com a inflação e como ela vai evoluir daqui para a frente reside nas negociações salariais na Europa. Estamos a ver acordos de aumentos salariais de 5%, 6%, 7%… Portanto, não, a inflação tão cedo não irá baixar e isso não tem nada a ver com a guerra”.

O governador do Banco de Portugal, porém, tem alertado que não são só os salários que estão a alimentar a inflação – “é igualmente importante prestar a atenção ao papel das margens de lucro neste processo inflacionário”, disse Mário Centeno em novembro. Porquê? Porque “um euro de salários pago acima do que é compatível com a estabilidade de preços, causa uma pressão igual na inflação à de um euro a mais nas margens de lucro das empresas”.

Preço do trigo, um dos principais produtos exportados pela Ucrânia, também continuam acima da média dos últimos anos. FONTE: TradingEconomics | Dólares por alqueire

E pode-se admitir que a inflação normalize ainda que a guerra não acabe em breve? “Mesmo que a guerra continue, é possível que a inflação regresse a níveis mais normais, simplesmente porque os preços da energia estão a estabilizar e, até, a cair”, afirma Carsten Brzeski, do ING.

Porém, o economista salienta que mesmo que os números da inflação se moderem nos próximos meses, a chamada “inflação subjacente” – aquela que exclui os preços da energia e dos alimentos não-processados – vai continuar a mostrar-se mais “pegajosa” – isto “porque estamos a ver os salários a aumentarem e os governos a continuarem a lançar estímulos orçamentais”, avisa Carsten Brzeski.

É isso que está a acontecer, pelo menos para já. A taxa de inflação “headline”, aquela que inclui todos os preços, parece ter ultrapassado o pico, com o Eurostat a calcular uma subida anual dos preços de 8,6% em janeiro (contra 9,2% em dezembro). Porém, a tal inflação subjacente, que também não inclui, por exemplo, os preços das bebidas alcoólicas, atingiu um novo recorde, de 5,3%.

Esse novo recorde, num indicador que é o mais valorizado pelo BCE, torna praticamente certo que as taxas de juro irão voltar a subir mais meio ponto percentual em março – e Christine Lagarde poderá não ficar por aí.

“Está a sonhar quem pensa que sanções económicas vão travar Putin. Guerra só acaba com derrota no campo de batalha”

A inflação 3D: “desglobalização, demografia e descarbornização”

Em entrevista ao Observador, o economista russo Vladislav Inozemtsev estimou que Vladimir Putin poderá continuar com a guerra (à intensidade atual) “mais de dois anos, pelo menos“. E se Carsten Brzeski, do ING, acredita que é possível que a inflação normalize mesmo com o conflito a perdurar, outros economistas alertam que os próximos anos vão ser marcados por uma inflação mais elevada e mais volátil do que aquilo a que estávamos habituados.

“Antecipo que a inflação média nos próximos 10 anos seja o dobro da média das últimas duas décadas”, diz Steen Jakobsen, do Saxo Bank. A confirmar-se, isto significaria que os preços iriam subir anualmente a um ritmo entre 3% e 4% na Europa e entre 4% e 6% nos EUA.

“A nossa geração nunca mais vai ver taxas de juro zero”, aposta o economista dinamarquês, citando o recuo demográfico, a falta de crescimento da produtividade e a “desglobalização” como fatores que, “por definição” significam custos mais elevados.

Este é, também, um ponto sublinhado por Carsten Brzeski. A longo prazo, “é claro que as forças desinflacionistas relacionadas com a globalização vão inverter-se e isso vai contribuir para gerar pressão inflacionista a prazo”. Essa “desglobalização” é um dos três D que, na opinião do economista-chefe do ING, vão provocar inflação na década em curso: os outros dois D são a “demografia” e a “descarbonização“.

Petróleo aproximou-se dos 125 dólares por barril, logo após o início da invasão. Um ano depois, barril está a ser negociado na casa dos 80 dólares. FONTE: TradingEconomics | Futuros Brent/$

Numa ótica mais de curto e médio prazo, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Forum para a Competitividade, reconhece que mesmo com a guerra a continuar a inflação já está a dar sinais de baixar, face aos picos do ano passado. Porém, independentemente de o conflito ser resolvido de forma mais ou menos “cordata”, o economista diz que “esta guerra vai deixar marcas que não vão desaparecer“.

“Uma coisa é deixarmos de estar em guerra, outra é nunca termos estado em guerra”, diz o economista, assinalando que “há marcas que ficam como o facto de nunca mais se poder confiar na Rússia como fornecedor de gás natural e petróleo. A consequência é uma perda de confiança para sempre”.

O economista nota que “tivemos um inverno muito pouco rigoroso, o que ajudou a Europa, mas sempre se avisou que o primeiro inverno poderia ser o mais fácil e que o maior desafio poderia ser o inverno de 2024“. Em 2023, “a Europa reduziu o consumo, conseguiu resultados ótimos, e tinha os reservatórios de gás praticamente a 100%, o que ajudou muito”. Agora, sabendo-se que “as primeiras poupanças são sempre as mais fáceis”, o receio de Pedro Braz Teixeira é que “o segundo inverno seja mais complicado“.

 
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