Ficou traumatizado quando ouviu o seu nome ser chamado na gala dos The World’s 50 Best, em Valência. Com quatro estrelas Michelin arrecadadas, o chef José Avillez não acreditava ser possível que, numa lista onde Espanha lidera o 2.º e 3.º lugar, Portugal chegasse a fazer parte da metade daqueles 50. Mas assim foi. O Belcanto subiu 20 posições até à 25.ª do ranking The World’s 50 Best Restaurants 2023, a melhor classificação de sempre para um chef português.
Não é que não sentisse que o seu trabalho no Belcanto merecesse aquele reconhecimento — porque sentia —, mas o 33.º melhor chef do mundo — eleito pelos The Best Chefs Awards — considera inevitável que se não compare o setor da gastronomia e do fine dining em Portugal com Espanha quando, o próprio diz, “nos últimos 25 anos é o país do mundo que mais evoluiu em termos gastronómicos”, e isso verifica-se pelo elBulli, de Ferran Adrià, mas já lá vamos.
“Nós temos a sorte de estar ao lado, e de podermos beber e inspirarmo-nos, e o azar porque, em quase todos os guias, listas e comparações, nós estamos no mesmo barco”, confessa ao Observador, acrescentando que, apesar de Portugal ser um país pequeno, “se calhar não somos assim tão mais pequenos só que o que eles [Espanha] brilham ofusca um bocadinho o nosso brilho do lado de cá”.
É este brilho que, a partir de fevereiro, vai passar a ser apenas português. Pela primeira vez, Portugal vai ter um Guia Michelin exclusivo e separado de Espanha. A gala está marcada para o próximo dia 27 de fevereiro no hotel NAU Salgados Palace & Congress Center da Guia, em Albufeira, e, com a mesma ao virar da esquina, é importante perceber qual a opinião dos chefs portugueses quanto a um guia em nome próprio e como está o setor do fine dining atualmente. Que mudanças sofreu nos últimos anos? E o que podemos dizer que é hoje o próprio conceito de fine dining?
Tanto em Portugal como internacionalmente, a tendência tem seguido o mesmo rumo: a aposta em ambientes mais descontraídos, onde a formalidade da clássica escola francesa fica à porta, menus que já não pedem seis horas sentados de guardanapo no colo e, acima de tudo, o foco na qualidade do produto. Mas, qual a opinião dos nossos chefs sobre o futuro daquilo a que preferem chamar de alta cozinha, restaurantes gastronómicos ou cozinha de autor?
O fim do Noma e do elBulli
“É insustentável”. As palavras são de René Redzepi, o prestigiado chef do Noma que, no início de 2023, anunciou que o restaurante cinco vezes considerado o melhor do mundo ia fechar portas para se transformar num laboratório de comida, o Noma 3.0. Em entrevista ao The New York Times, caracterizava como emocional e financeiramente insustentável o modelo de fine dining que o próprio ajudou a criar com a abertura do Noma, em 2003. O restaurante dinamarquês foi pioneiro no estilo de cozinha que veio a ficar conhecido como Nova Cozinha Nórdica, onde a valorização dos ingredientes locais, a eco-consciência e a perfeição reinavam, inspirando uma nova geração de chefs, portugueses incluídos.
O anúncio do fim do Noma gerou uma onda de preocupação no mundo da alta cozinha, levando muitos a questionar o futuro deste estilo de cozinha criado por René Redzepi, e até mesmo a questionar se seria o fim do fine dining. “O que o encerramento do Noma significa para mim é um sinal de alerta para o fim do fine dining a nível mundial”, disse Dana Cowin, ex-chefe de redação da revista Food & Wine, à Bon Appétit em janeiro de 2023. “Se Redzepi não consegue torná-lo sustentável, quem conseguirá?”, interrogava-se. A verdade é que, segundo o chef Riccardo Canella — que passou sete anos na cozinha do restaurante dinamarquês — este modelo de fine dining “não foi sustentável durante muito tempo”, não só agora. Durante quase 20 anos, o Noma dependeu de mão de obra não remunerada para sobreviver: o modelo era usado por vários restaurantes, os aspirantes a chefes de cozinha chegavam à Dinamarca para um estágio não remunerado de três meses no Noma. As críticas ao seu método começaram a surgir e, em outubro de 2022, meses antes do fim do Noma como o conhecemos, o restaurante começou a pagar aos estagiários, acrescentando, segundo o chef contou ao The New York Times, pelo menos 50 mil dólares (cerca de 46 mil euros) aos seus custos mensais.
No entanto, o Noma não foi o primeiro nem será o último restaurante de fine dining a fechar portas, ou a reinventar-se. Em 2010, Ferran Adrià, um dos chefs pioneiros na cozinha molecular, anunciou que ia fechar o elBulli, o restaurante catalão considerado o melhor do mundo cinco vezes e com três estrelas Michelin: “Com um formato como o atual, é impossível continuar a criar. Em 2014, vamos servir comida de alguma forma. Não sei se será para um convidado ou para 1.000”, afirmou o chef espanhol numa conferência de imprensa no congresso Madrid Fusion. Intitulado de “última ceia”, o último jantar do elBulli aconteceu em 2011 e reuniu 50 pessoas, entre elas alguns dos melhores chefs do mundo, que se sentaram à mesa do restaurante em Roses, Espanha, para se despedirem de um menu composto por 50 dos mais conhecidos pratos de Adrià.
Em 2014, o elBulli reiniciou a atividade como fundação e centro de criatividade culinária e no ano passado abriu portas enquanto elBulli1846, um museu sobre a história, conhecimento e inovação do restaurante.
O termo “fine dining” assusta o público?
Segundo o dicionário de Cambridge, “fine dining” remete para um estilo de cozinha que geralmente tem lugar em restaurantes caros, onde é servida comida especialmente boa, e onde o serviço é, na maioria das vezes, formal. É isto que, para Marlene Vieira, assusta as pessoas.
“E essa palavra. Fine dining… Até acaba por afastar algum do público, e assusta um bocadinho. A palavra é forte no sentido que remete logo para valores altos e caros”, justificou ao Observador a chef do Marlene, e do Zunzum, ambos em Lisboa, acrescentando que o termo, para além de “ter os dias contados”, acaba por não remeter para o que realmente importa: a valorização da experiência que o restaurante cria para o cliente. “E por isso hoje fugimos e falamos em restaurantes gastronómicos, que remete mais para o trabalho feito lá, para a valorização do trabalho que é feito nesses espaços”, afirma.
No entanto, por muito que a sociedade procure democratizar o fine dining e torná-lo mais acessível — “pelo menos mais do que era antes”, como diz a chef Joana Duarte, antiga sous-chef do Tapisco, de Henrique Sá Pessoa —, é difícil quebrar esta alta ligação que o setor tem com a prática de valores altos. Ao Observador, o chef José Avillez explicou que, num restaurante de alta cozinha, não é possível comer “por muito mais barato do que se come em média”, isto porque, além dos ingredientes e dos produtos serem caros, “tem um número grande de pessoas a trabalhar e por isso uma mão de obra cara associada.”
Uma coisa é certa, diz-nos David Jesus, do Seiva, tem de haver honestidade: “Um restaurante tem que ser honesto e perceber que se um menu está com menos proteína, como carabineiros e lavagantes, não pode estar a praticar um menu de 150 euros.”
O outro aspeto que para os chefs pode afastar o público dos restaurantes de fine dining é a ideia de que um ambiente muito formal — no caso de o cliente não estar habituado — pode gerar algum tipo de desconforto: “Penso que é necessário que os convidados se sintam realmente confortáveis com a experiência, caso contrário, o que o chef está a fazer é apenas para si próprio”, comentou Riccardo Canella, chef do Oro, com uma estrela Michelin em Veneza, acrescentando que ir a um restaurante é como ir a um concerto: o cliente tem de ter uma experiência confortável, desfrutar e voltar para casa com um sorriso no rosto. “Eu quero que as pessoas queiram voltar ao meu restaurante”, afirma, em conversa com o Observador.
Esta ideia de conforto, defendida pelos chefs, vem quebrar a formalidade associada ao fine dining e abrir caminho para um novo estilo de restaurantes — fomentado pelos nórdicos — que vem desmistificar a alta cozinha e deixar para trás a ideia clássica imposta por França, apesar de continuar a haver espaço para ambos. Falamos do ambiente descontraído e informal.
A tendência global de descontração
Se há 20 anos uma pessoa podia sentir-se “um bocadinho atrapalhada” pela formalidade que imperava num restaurante de três estrelas Michelin em Paris, exemplifica o chef José Avillez, hoje o estilo de vida mais descontraído, adotado pela população em geral, vem ditar aquilo que é a reinvenção do fine dining.
A opinião é geral. Apesar de considerarem que o clássico vai sempre manter-se — até porque, como diz Tiago Penão, do Kappo, há restaurantes que já são instituições —, o caminho que o fine dining está a percorrer prevê um futuro casual, e a culpa é da evolução da sociedade. Mais uma vez, José Avillez ilustra esta ideia com um exemplo concreto: “Há uns anos, íamos trabalhar e víamos uma data de pessoas de gravata, de fato e gravata a trabalhar. Hoje praticamente não se vê isso. As gravatas desapareceram e isso não tem a ver com o fine dining, tem a ver com uma tendência global de descontração”. Também Ana Moura, chef do Lamelas, em Porto Covo, segue a mesma linha de pensamento do estrelado chef, afirmando que, se tudo está mais descontraído e menos formal, “é normal que se reflita no restaurante”.
Mas, um restaurante não vai seguir uma vertente mais informal apenas devido à sociedade: é preciso o chef querer. Está na personalidade do chef — ou da pessoa que abre o restaurante — e isso manifesta-se também no design escolhido para o espaço. Se as mesas já estão despidas de toalhas brancas, há um elemento que, para os chefs, ajuda a manter a informalidade e uma consequente mais próxima relação dos clientes com a cozinha: o balcão.
É uma extensão do coração que é a cozinha e ao mesmo tempo o palco onde a arte da culinária se apresenta. Para além de permitir que o cliente possa assistir ao funcionamento de uma cozinha, quebrando uma barreira, o balcão permite ainda que o chef esteja atento à sala e consiga antecipar os desejos dos clientes, como acontece no Kappo, em Cascais, com o chef Tiago Penão.
Outro restaurante com balcão é o Euskalduna Studio, com uma estrela Michelin, no Porto. O chef Vasco Coelho Santos explica ao Observador que o seu balcão ajuda a desbloquear uma relação com os clientes que, depois de horas de conversa de costas para a sala e de frente para a cozinha, “ficam-nos quase a convidar para ir para casa deles”. “Mas se o cliente normal for a um restaurante estrelado lá fora, se calhar não tem este contacto, como tem no Euskalduna, como há ali um balcão, há ali uma informalidade, rapidamente as coisas tornam-se muito próximas, muito humanas, sabes?”, comenta, acrescentando que um outro aspeto informal no seu espaço é a forma como a equipa da cozinha se ajoelha quando vai às mesas “para falar olhos nos olhos”.
“Eu acho que tudo isto leva a isso. Foi sempre esse o caminho que eu quis. Eu também fico muito feliz que o Guia Michelin se tenha adaptado se calhar a um registo diferente. Nós fomos disruptivos nisso. Sabia que ia ser mais difícil mas eu sou assim, a minha mentalidade é assim, a minha personalidade é assim e eu quero um restaurante mais informal”, defende.
Mesmo com um ambiente informal, há algo que um restaurante de fine dining não pode descurar: o detalhe. Quem o diz é Tiago Bonito, que durante seis anos foi chef do Largo do Paço, da Casa da Calçada, com uma estrela. O atual chef do Través, do Hotel das Virtudes, no Porto, junto de Hugo Portela, garante que há regras de serviço que não se podem perder — como abrir e dar a provar o vinho antes de servir ao cliente, por exemplo —, uma vez que também isso marca a identidade do restaurante. “O ser informal não quer dizer que se retire pormenores”, sublinha.
E os longos menus de degustação?
“Eu sou contra”, afirma José Avillez de forma decidida, pouco antes de rapidamente completar a sua resposta: “quer dizer, eu não gosto de comer menus muito longos”. As opiniões seguem a mesma linha dos restaurantes de fine dining formais e casuais: vão sempre existir ambos, menus longos e menus mais curtos, no entanto, para os chefs, os segundos são mais apetecíveis.
Isto deve-se tanto pelo número de pratos como pelo tempo que o cliente fica sentado à mesa. Afirmam que o mesmo não pode sair do restaurante com fome — nem com má disposição — mas que o ideal é ter uma refeição que dure entre uma hora e meia a duas horas, no máximo. “Acredito que a comida sabe melhor se não for em excesso e se for conseguida também num curto período de tempo”, defende o chef do Belcanto, onde, para além do menu de degustação, dispõe também de carta, de forma a permitir que o cliente habitual possa ter uma refeição mais prática naquele restaurante estrelado.
Por sua vez, a chef Marlene Vieira acredita em menus longos se estes forem compostos por pratos pequenos, quase “finger food”. Desta forma, o momento num restaurante de fine dining acaba por “não ser algo tão efémero”: “A comida já é uma coisa que nós degustamos e acaba ali, quase. Acho que se tornou mais longo para se poder sentir mais o trabalho que foi feito para criar aquele menu, espaço e momento.”
Continuando a ter clientes interessados em menus mais longos, os chefs Tiago Penão e Vasco Coelho Santos concordam que o investimento compensa. Se o chef do Kappo defende que um restaurante é um negócio, e “não pode ser um buraco”, o chef do Euskalduna afirma, dando o exemplo dos chefs do Porto — como Pedro Lemos e Rui Paula —, que “não está ali para perder dinheiro” e que, ao contrário do que se podia dizer há uns anos, acredita que os restaurantes de fine dining são lucrativos.
De rockstar a mensageiro: o papel do chef
Fomentado por programas de televisão, filmes e séries — como é o caso de The Bear, que no início do ano fez sucesso nas galas dos Globos de Ouro e dos Emmys —, a imagem do chef tem vindo a mudar. Se antes pouco se via, por estar mais para os lados da cozinha, o chef tem agora um papel de destaque, em alguns casos chega a ser “quase um rockstar”, diz Tiago Penão.
Mas para além da sua imagem e reconhecimento, o chef tem um papel que Tiago Bonito destaca pela sua importância: o de ser um mensageiro. Seja através do prato que cria, do produto que prepara ou do vinho que serve e apresenta, tem a função de transmitir o conhecimento, de dar a conhecer Portugal e de fomentar a curiosidade do cliente sobre as nossas regiões: “Nós temos que ajudar a narrativa para que quando o cliente saia do nosso restaurante tenha vontade de visitar o Alentejo, por exemplo, e nós estamos a potenciar o crescimento da região para quem não a conhece”.
“Quando o produto é bom só temos uma responsabilidade: é não o estragar. Temos a responsabilidade de deixar o produto falar por si e transmitir a sua mensagem”, acrescenta. Falamos aqui do produto português pela valorização que o mesmo tem tido nos últimos tempos, potenciada por projetos como o Matéria, de João Rodrigues, mas chegaremos lá.
Antes disso é importante referir que o chef e a equipa não são personagens separadas. “Eu faço parte da equipa. A minha maior qualidade é a minha equipa”, afirma José Avillez antes de se referir à cozinha e à sala como uma “orquestra que se requer muito bem ensaiada”. “É quase como um bailado na sala e na cozinha”, completa. São assim um só e é por isso também que a saúde mental e um ambiente de trabalho saudável são cada vez mais valorizados na cultura dos chefs de fine dining.
“Há uma cultura de cozinha que está a mudar e a evoluir e não é apenas a cultura de cozinha, é a forma como estamos a construir a nossa sociedade. Não se pode tratar as pessoas como se tratava há 15 anos. Não só no nosso sector, as coisas estão a mudar para melhor”, afirma o chef Canella, sustentado pelo chef do Kappo que explica que, após a pandemia da Covid-19 — uma época difícil para o setor da restauração —, os cozinheiros e equipa de sala perceberam que se um restaurante não der condições para trabalhar, estas pessoas não vão trabalhar. “Ser cozinheiro não é sinónimo de escravidão”, defende, acrescentando que cada vez mais os chefs tentam dar as melhores condições de trabalho às suas equipas.
Se para Canella a ideia de um ambiente de trabalho tóxico na cozinha “já acabou”, para Avillez “é a morte do artista”, sendo por isso proibido criar e fomentar um ambiente assim. “Acho que é algo que não podemos mesmo fazer e é um trabalho com alguma pressão, com um rigor quase militar, e não quero dizer que nós às vezes não nos enervemos mais na cozinha uns para os outros e respondemos de uma maneira um bocadinho mais dura mas eu digo sempre que se isso acontecer acaba o serviço. Acaba o serviço de almoço ou de jantar, falem uns para os outros e resolvam-se”, descreve o chef.
“Também acho que a energia negativa passa pela comida. Se estivermos a cozinhar e estivermos zangados, chateados e a gritar com as pessoas, a comida vai absorver essa energia e vai levá-la para a sala, para os convidados. Acredito mesmo nisso”, confessa o chef italiano.
O “voltar para dentro” e a valorização do produto português
Um nome por várias vezes referido pelos chefs portugueses com quem o Observador falou foi João Rodrigues. Eleito o número 1 no Top 10 Chefes Preferidos dos prémios Mesa Marcada 2023, o chef do Canalha e do Projeto Matéria é considerado o grande responsável pela valorização do produto português — e dos produtores — nos últimos anos.
Depois de, em junho de 2022, ter deixado o Feitoria, onde passou 13 anos e conquistou uma estrela Michelin, o chef decidiu dedicar-se a fundo ao seu Projeto Matéria. Lançada em 2016, esta plataforma sem fins lucrativos divulga e mapeia pequenos produtores nacionais, cujo respeito pela natureza e princípios das boas práticas agrícolas e produção animal vão ao encontro daquilo que João Rodrigues defende. Integrada neste projeto, nasceu no início de 2023 a Residência. Este restaurante itinerante percorreu Portugal de lés a lés, passando por aldeias, vilas e cidades, fomentando o contacto próximo com os produtores, produtos, hábitos e pessoas das diferentes regiões do nosso país.
O Projeto Matéria permitiu assim que fossem estabelecidas relações diretas entre os chefs e os produtores, promovendo um maior respeito pelo produto e pelo valor e destaque que lhe é dado no prato. “Houve uma preocupação tanto da parte dos produtores de saberem quem é que estava a consumir o produto deles, como da parte dos chefs de cozinha, que quiseram saber ‘Mas quem faz isto? De onde é que isto vem?’. E isso é bonito. É bonito e é importante também”, afirmou Joana Duarte. A antiga sous-chef do Tapisco, de Henrique Sá Pessoa, que fez uma pausa no fine dining para se focar à Rota das Algas, um projeto sobre apanha de algas, sustentabilidade e cozinha, em Portugal, acredita que, ao estarem a valorizar o que é nosso, os chefs estão a ganhar orgulho da identidade gastronómica de Portugal.
“Estamos a voltar para dentro, sim, e eu dou 100% os louros ao João Rodrigues e ao Projeto Matéria. Acho que foi quem teve mais culpa nisso. Já muita gente o faz para trás mas o chef foi sem dúvida nenhuma a pessoa que criou aqui uma plataforma grande”, defende Tiago Penão.
Um Guia Michelin português é sinónimo de chuva de estrelas?
Desde 1910 que Portugal e Espanha estão unidos no Guia Michelin Ibérico. Agora, pela primeira vez, Portugal estreia-se em nome próprio numa gala que deixa os chefs e o setor do fine dining português em expectativa.
Apesar de estarmos ao lado de Espanha, os chefs defendem que esta decisão já devia ter acontecido há mais tempo, dadas as diferenças culturais e gastronómicas, apesar da proximidade geográfica. “Seria a mesma coisa que juntar uma Itália e uma França”, comenta Joana Duarte.
Assim, sozinho, Portugal vai poder ter o seu próprio destaque, e brilho — como dizia José Avillez —, e a oportunidade também de crescer, tanto em estrelas, como em notoriedade a nível internacional. No entanto, não esperam — nem querem — uma chuva de estrelas: a conquista tem de ser merecida pela qualidade do trabalho e não por haver um guia próprio, que possa inflacionar decisões.
“Supostamente, não deveria haver uma chuva de estrelas porque a organização é a mesma, não é? Não pode haver dois pesos e duas medidas”, questiona Tiago Penão, sustentado por José Avillez, convencido de que o critério de avaliação não vai mudar.
Por sua vez, David Jesus acredita que a dinâmica vá ser ajustada para Portugal e que podem vir a ser atribuídas mais estrelas em duas áreas: mais restaurantes com estrela verde — confessando ser um dos objetivos do Seiva — e mais restaurantes vegetarianos a fazer parte do guia, tanto a nível de recomendado como de estrela. Atualmente, o Encanto, de José Avillez, é o único restaurante vegetariano em Portugal e na Península Ibérica com uma estrela Michelin.
No meio da boa expectativa, há um ponto que Vasco Coelho Santos e José Avillez destacam como menos bom: a perda do networking. Apesar de Portugal se sentir “abafado” por Espanha, os dois chefs referem como era benéfica a relação e ligação que criavam com os profissionais da mesma área através do guia. “Nas galas há a oportunidade para estar com eles, para trocar ideias, para aprender. Tenho pena de não partilhar os momentos de nervosismo e de alegria com os meus colegas espanhóis“, confessa o chef do Belcanto. Na mesma linha, Vasco Coelho Santos lamenta que os chefs que “virão a seguir” vão perder esta experiência e a oportunidade de se poderem inspirar com o trabalho do chefs espanhóis e de criar ligações com os mesmos.
Agora em nome próprio, Tiago Bonito defende que os chefs portugueses têm de se manter unidos e trabalhar tanto para o mundo como para os clientes em território nacional: “Temos que nos unir de uma forma conjunta e não deixar a chama apagar. Esta chama foi-nos dada e agora temos a responsabilidade de manter a sede e de a alimentar”, afirma, acrescentando: “Acho que 2024 vai ser um ano brilhante para Portugal.”