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Desde 1930 que os portugueses já não são identificados como tal nos recenseamentos americanos do Havai. As estimativas apontam para que pelo menos 10% dos 1,44 milhões de habitantes do arquipélago tenham raízes em Portugal
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Desde 1930 que os portugueses já não são identificados como tal nos recenseamentos americanos do Havai. As estimativas apontam para que pelo menos 10% dos 1,44 milhões de habitantes do arquipélago tenham raízes em Portugal

Desde 1930 que os portugueses já não são identificados como tal nos recenseamentos americanos do Havai. As estimativas apontam para que pelo menos 10% dos 1,44 milhões de habitantes do arquipélago tenham raízes em Portugal

Naperons, papas de milho e malasadas. São cada vez mais os havaianos à procura das origens e da "ohana" em Portugal

Os incêndios em Maui revelaram que, apesar de serem só 30 os portugueses registados no Havai, os lusodescendentes serão mais de 100 mil. Muitos andam à procura das origens e da "ohana" em Portugal.

Desde que violentos fogos florestais deflagraram em Lahaina, na ilha havaiana de Maui, a 8 de agosto, os funcionários e voluntários do Heritage Hall, em Paia, na costa norte, não têm tido mãos a medir, tantos são os donativos que não param de chegar à associação, que junta as comunidades porto-riquenha e portuguesa.

Para já, os incêndios, que um mês depois ainda não estão controlados a 100% e afetaram também a vizinha Big Island, fizeram 115 mortos e deixaram pelo menos 11 mil pessoas deslocadas, depois de mais de 2.200 edifícios terem sido destruídos pelas chamas.

E, como se não bastasse, pelo menos 338 pessoas continuam desaparecidas, uma delas familiar de Audrey Rocha Reed, a octogenária luso-descendente que nos primeiros dias dos incêndios se desdobrou em entrevistas aos meios de comunicação portugueses para dar conta da situação.

“O último jornalista português só queria informações sobre os portugueses em Lahaina. Não percebeu bem quando lhe disse, no dia em que telefonou, que toda a gente em Maui era portuguesa — portuguesa-havaiana, portuguesa-chinesa, portuguesa-japonesa, portuguesa-porto-riquenha, portuguesa-caucasiana”, diz agora ao Observador, via e-mail, mais de duas semanas depois do contacto inicial, num dos raros intervalos do trabalho no Heritage Hall, cuja direção integra, como secretária.

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“Estamos todos a sofrer.  Não há nenhuma família em Maui que não tenha sido afetada de alguma forma pelo incêndio. O sobrinho da minha nora ainda está na lista dos desaparecidos. Vários familiares meus perderam casas, veículos, barcos, empregos”, lamenta Audrey, para depois assinalar “a generosidade e o altruísmo” do povo de Maui, o tal que será em grande parte constituído por descendentes dos portugueses que há 145 anos começaram a chegar em massa ao arquipélago no Pacífico, na época ainda longe de se tornar o último dos 50 dos Estados Unidos da América.

Entre 1878 e 1912, cerca de 30 mil portugueses instalaram-se no Havai, sobretudo vindos da Madeira e dos Açores, mas também naturais do continente e de Cabo Verde. Hoje, de acordo com o consulado português em São Francisco, são apenas 30 os cidadãos portugueses com residência registada no arquipélago e 200 os que têm dupla nacionalidade.

"Toda a gente em Maui é portuguesa — portuguesa-havaiana, portuguesa-chinesa, portuguesa-japonesa, portuguesa-porto-riquenha, portuguesa-caucasiana. Estamos todos a sofrer. Não há nenhuma família em Maui que não tenha sido afetada de alguma forma pelo incêndio. O sobrinho da minha nora ainda está na lista dos desaparecidos. Vários familiares meus perderam casas, veículos, barcos, empregos"
Audrey Rocha Reed, lusodescendente

Os números escondem uma realidade que a história do famoso ukelele inventado no século XIX a partir da braguinha madeirense por três imigrantes da ilha, e os menus de pequeno-almoço da cadeia McDonald’s no arquipélago evidenciam — afinal, em nenhuma outra parte do mundo é possível encontrar portuguese sausage, linguiça portuguesa, acompanhada de fiambre enlatado, ovos mexidos e arroz, nem sequer em São Miguel, ilha açoriana de onde é importado o enchido.

Por muito que a quantidade de portugueses no Havai seja residual, a comunidade de lusodescendentes rondará as 100 mil pessoas, se não mais. Em 2018, quando apresentou o documentário “Portuguese in Hawaii” e revelou aquela que descreveu como uma “realidade quase desconhecida”, o realizador Nelson Ponta Garça estimava que “mais de 10%” dos 1,44 milhões de habitantes daquelas ilhas teriam raízes em Portugal.

Este ano, que adaptou o filme a livro, o realizador açoriano radicado na Califórnia não atualizou a contagem mas contou ao Diário de Notícias o exercício que fez na altura com Danny Abreu, empresário de Honolulu com raízes na ilha da Madeira: andaram pelas ruas da capital havaiana a interpelar pessoas ao acaso e a perguntar-lhes de onde eram originários os seus antepassados. “Quase um em dois tinha uma costela portuguesa. Desde o cantor no restaurante à pessoa que conduzia o shuttle, ao empregado de bar ou ao dono do restaurante.”

As dificuldades para chegar às origens (ou os Eugénios que se tornaram Ogens)

Com a passagem dos anos e das gerações, as raízes mantêm-se, em casamentos cada vez mais inter-raciais e com pessoas de outras ascendências, mas os traços que as distinguem têm tendência a esfumar-se. Tanto que este desconhecimento chega a ser extensível até aos próprios lusodescendentes que, nascidos nos EUA, chegam a passar uma vida inteira sem conhecer a própria história.

Ou apenas a infância quase toda, como aconteceu a Kahealani Martins Curammeng, hoje com 76 anos, que já tinha feito os 8 quando a mãe finalmente lhe explicou que não, não era havaiana, mas sim descendente de portugueses, conceito que só não lhe era completamente estranho porque já estava farta de comer portuguese bread e malasadas, os fritos em forma de donut que ainda hoje se vendem em todas as festas havaianas, estilo farturas, e que chegaram ao arquipélago pelas mãos dos portugueses da Madeira e dos Açores.

“Dispomos de uma base de dados com mais de 30.400 imigrantes portugueses e seus descendentes. Já fizemos workshops em todas as ilhas. Levamos os nossos computadores portáteis, ajudamos as pessoas a identificar os seus antepassados e depois voltamos ao escritório, imprimimos a informação e enviamos-lhes cópias em papel"
Dan Nelson, lusodescendente e presidente da Sociedade Genealógica e Histórica Portuguesa do Havai

Dizem Dan Nelson, presidente da Sociedade Genealógica e Histórica Portuguesa do Havai, e Ana Isabel Spranger, investigadora madeirense com inúmeros primos espalhados pelo arquipélago, hoje são cada vez mais os herdeiros à procura das raízes desta “portugalidade”. “Dispomos de uma base de dados com mais de 30.400 imigrantes portugueses e seus descendentes. Uma impressão [da árvore genealógica de cada um] pode ser de apenas algumas páginas até às mil páginas, dependendo da data de chegada e do número de filhos que tiveram”, explica Dan Nelson, a partir da capital, Honolulu.

Neste momento, diz, são mais de 30 os pedidos de informação que têm em mãos, demasiados para a parca e não remunerada força de trabalho disponível na associação, feita à base do voluntarismo de meia dúzia de lusodescendentes, todos acima dos 60 anos. “Já fizemos workshops em todas as ilhas. Levamos os nossos computadores portáteis, ajudamos as pessoas a identificar os seus antepassados e depois voltamos ao escritório, imprimimos a informação e enviamos-lhes cópias em papel.”

Ana Isabel Spranger, investigadora da diáspora madeirense sobretudo para a Guiana Britânica mas também para o Havai, vai um pouco mais longe e diz que começa a ser trilhado uma espécie de “caminho inverso”, que não se traduz numa nova vaga de emigração, agora do Havai para Portugal, mas em viagens às origens, para conhecer parentes afastados e visitar o berço dos antepassados. “É curioso, porque neste momento eles têm uma cultura já diferente e já têm mais educação, e começam a tomar a consciência das suas raízes europeias e a interessar-se cada vez mais por elas”, diz a antiga professora, de 77 anos, que tem aproveitado a reforma para investigar mais sobre o assunto — e ajudar os que a procuram a chegar às suas próprias origens.

“Há um grupo de Facebook, de portugueses no Havai, de que faço parte, em que costumam surgir pedidos e algumas pessoas têm também entrado em contacto comigo, através de um primo que lá tenho, à procura dos seus antepassados. Tenho as listagens do arquivo regional e de passaportes de todos os passageiros que saíram da Madeira para o Havai. Vou ao arquivo, faço cópias, traduzo — porque o português do século XIX é difícil de entender — e depois envio”, explica Ana Isabel Spranger, que, entre 1989 e 1999, esteve quatro vezes no Havai, em Oahu, em Maui e na Big Island, não só para visitar os primos, descendentes de um irmão da bisavó materna, mas também para fazer investigação.

“Aqui na ilha, muitas crianças eram postas nas rodas dos conventos, para as freiras tomarem conta. Acontecia em épocas de grandes fomes mas também quando raparigas novinhas engravidavam ou quando gente fidalga não queria que se soubesse dos relacionamentos que tinham fora do casamento. Essas crianças recebiam a categoria de ‘expostos’ e ficavam à guarda das irmãs, com a ajuda das câmaras municipais. Tive de dizer à Georgette que lamentava, mas que era impossível saber a história da família”
Ana Isabel Spranger, investigadora

Apesar de garantir que geralmente “é fácil” recuperar estas histórias familiares, a madeirense admite que, por vezes, o trabalho pode acabar num beco sem saída. Foi o que aconteceu não há muito tempo, com um pedido de ajuda que lhe chegou por parte de Georgette, lusodescendente de Honolulu, que queria saber mais sobre a história do bisavô, que se chamava Roberto Câmara e tinha emigrado da Madeira para a agora malograda Lahaina, na altura um importante porto baleeiro.

“Fui ver os documentos e descobri que ele estava como ‘exposto’, por isso não consegui ajudar mais”, explica. “Aqui na ilha, muitas crianças eram postas nas rodas dos conventos, para as freiras tomarem conta. Acontecia em épocas de grandes fomes mas também quando raparigas novinhas engravidavam ou quando gente fidalga não queria que se soubesse dos relacionamentos que tinham fora do casamento. Essas crianças recebiam a categoria de ‘expostos’ e ficavam à guarda das irmãs, com a ajuda das câmaras municipais. Tive de dizer à Georgette que lamentava, mas que era impossível saber a história da família.”

Kahealani Martins Curammeng chegou aos primos, José e Margarida Pires, de São Miguel, através de testes de ADN

Kahealani Martins Curammeng, psicóloga e investigadora que passou trinta anos à procura dos antepassados madeirenses e açorianos — que afinal tinham visto os apelidos alterados na chegada ao Hawai —, diz que de fácil o processo não tem nada. Pelo menos a partir do Havai, a investigação genealógica “é um grande desafio”, sobretudo devido às mudanças de nome, diz, para depois exemplificar com uma das alterações com que mais frequentemente se depara — os Eugénios que se transformaram em Ogens, os Correia que passaram a Oliveira ou os Caldeira que na terra nova desapareceram para dar lugar aos Cordeiro.

Assim que chegaram às ilhas do Pacífico, tenha sido por questões de má pronúncia ou de “americanização”, poucos terão sido os portugueses que não mudaram de nome. Logo a começar em Jacinto Pereira, o faialense que em 1876 se tornou o primeiro cônsul honorário de Portugal no Havai — não sem antes passar a apresentar-se como Jason Perry.

“Cresci a pensar que era havaiana até aos 8 anos. Foi quando a minha mãe me disse que eu era portuguesa”

Hoje com 76 anos e a morar na zona de Hilo, na Big Island, Kahealani Martins Curammeng já conhece os ondes, os comos, os quandos e até os para quês.

Os bisavós maternos, naturais de São Miguel, nos Açores, emigraram em 1883 para o Havai a bordo do navio Bell Rock, para trabalhar nas plantações de cana de açúcar, e levaram consigo a única filha — sua avó. E vinte e quatro anos mais tarde, em 1907, a avó paterna seguiu para o mesmo destino, mas desde a Madeira, sozinha e a bordo do britânico Kumeric — no Havai haveria de trabalhar como empregada doméstica e conhecer o marido.

Mas durante quase toda a infância, não soube sequer que descendia de portugueses. “Cresci no Campo 1 da Plantação e Fábrica de Açúcar de Waiākea, mas na altura em que nasci os portugueses já tinham assimilado bem a cultura havaiana, por isso, infelizmente, não sabia nada sobre a minha herança ou cultura portuguesa”, conta Kahealani Martins Curammeng, que em 2018 publicou o livro “They Came in Ships to Terra Nova”, “uma compilação de 382 artigos de jornal escritos entre 1878-1913, documentando as viagens e experiências dos imigrantes portugueses que vieram para o Havai” que reuniu ao longo de cinco anos de investigação.

Os avós e os bisavós de Kahealani Martins Curammeng morreram todos antes de ela fazer 4 anos, e os pais, nascidos na Big Island, só falavam em inglês — e não se detinham em grandes reminiscências sobre o passado. “Não me lembrava deles e os meus pais nunca falaram deles. Nunca pensei em fazer perguntas. Cresci a pensar que era havaiana até aos 8 anos. Foi quando a minha mãe me disse que eu era portuguesa.”

“O conhecimento da minha ascendência portuguesa levou-me a questionar a minha identidade. Aprendi algo sobre mim que não sabia antes. Cheguei à conclusão de que o português é a minha etnia, mas o havaiano é a minha cultura. Aprendi bem o hula, a música e a língua havaiana. A partir daí, passei a precisar de saber mais sobre a minha ascendência portuguesa”
Kahealani Martins Cummareng, lusodescendente e autora de "They Came in Ships to Terra Nova"

Mas uma coisa é ficar a par de um facto, outra bem diferente é ter noção do que ele pode significar. Até se decidir a procurar as origens, revela a psicóloga, ainda se passaram umas quantas décadas. Foi preciso um trabalho do mestrado em casamento e terapia familiar, que em 1984 começou a fazer na Universidade de Biola, na Califórnia, para mergulhar nos arquivos históricos e conhecer as próprias origens.

No fim, não se ficou apenas pelo genograma da família que o enunciado pedia: “O conhecimento da minha ascendência portuguesa levou-me a questionar a minha identidade. Aprendi algo sobre mim que não sabia antes. Cheguei à conclusão de que o português é a minha etnia, mas o havaiano é a minha cultura. Aprendi bem o hula, a música e a língua havaiana. A partir daí, passei a precisar de saber mais sobre a minha ascendência portuguesa.”

Fez a viagem, que culminou nos Açores, a conhecer primos que nem sonhava que existiam e a que só chegou depois de fazer testes de ADN, a partir do zero: “Nunca me ensinaram nada sobre a cultura ou as tradições portuguesas. Há indícios de que os portugueses estão no Havai devido aos nomes dos alimentos, tais como sopa de feijão portuguesa, malasadas, pão português ou linguiça portuguesa. Resolvi descobrir a minha herança portuguesa e aprender o máximo sobre os meus antepassados, e para isso entrevistei membros da família e fiz pesquisa nos arquivos do Havai, de Washington DC e da Califórnia. Mais tarde, quando tive acesso à Internet, expandi a minha pesquisa para incluir outros imigrantes portugueses e os seus descendentes”.

Até aos 8 anos, Kahealani Martins Cummareng (aqui com 4) pensou que era havaiana. Depois de três décadas à procura dos antepassados, visitou finalmente os Açores

Hoje, além de presidente da Coleção da História Familiar dos Portugueses do Havai, Kahealani Martins Cummareng, que aos 37 anos não sabia nada sobre a pátria dos antepassados, faz parte da Câmara de Comércio Portuguesa da Ilha do Havai, da Sociedade Genealógica e Histórica Portuguesa do Havai, e do Centro Histórico e Cultural Português. E é autora de “Always Remembered, Never Forgotten”, a lista em seis volumes dos nomes de 17 mil dos emigrantes que entre 1878 e 1913 trocaram Portugal pelas ilhas havaianas — ou “Ilhas Canecas”, como durante muitos anos as conheceram, num aportuguesamento de kanaka, termo havaiano utilizado para definir os nativos em particular e os seres humanos no geral.

“Depois de ter pesquisado a minha história familiar e de ter sentido dificuldades em reunir informação de várias fontes, decidi facilitar a pesquisa da história familiar de outras pessoas”, explica, recorrendo a outra expressão em havaiano, a par do inglês, língua oficial no arquipélago. “Tenho a kuleana [responsabilidade] de deixar um legado.”

“Sóbrios, honestos, pacíficos e com grandes capacidades para o trabalho manual”

Não é por acaso que a emigração portuguesa para o Havai se estuda neste intervalo de tempo, entre 1878 e 1912 (ou 1913). Ao todo, ao longo destes anos, foram 27 os navios que aportaram no arquipélago transportando centenas de famílias portuguesas, numa vaga de emigração organizada por decreto (já lá iremos).

O primeiro navio a chegar, a 30 de setembro de 1878 e após 116 penosos dias de viagem, foi o alemão Priscilla, com “120 famílias a bordo, 80 homens, 40 mulheres, 60 crianças,  num total de 180 passageiros”, contabilizou Ana Isabel Spranger, num artigo que escreveu para o Grande Dicionário Enciclopédico da Madeira. O último, o Ascot, já a vapor, chegou a 4 de junho de 1913, com 424 homens, 327 mulheres e 532 crianças, num total de 1.283 passageiros, embarcados não apenas nas ilhas mas também no continente.

João Lázaro e Maria Josefa Lázaro Cabral, os bisavós maternos de Kahealani Martins Cummareng, chegaram no primeiro dia de novembro de 1883, juntamente com outros 1.403 açorianos.

"Os comandantes dos navios queriam trabalhadores escravos disponíveis para trabalhar o dia inteiro, e não os deixavam sair em qualquer porto. Quando chegavam ao Havai, que tinha muita baleia para a caça, nunca iam para o porto, ficavam à distância. Está claro que os nossos, que sabiam nadar, porque viviam junto ao mar, atiravam-se à água e fugiam"
Ana Isabel Spranger, investigadora

Francisco Alexandre Silva, o irmão da bisavó materna de Ana Isabel Spranger, fez a mesma viagem mas um ano mais tarde, a partir da Madeira e como clandestino. “Era filho de um morgado, que era casado com uma senhora que não tinha filhos, e da filha de um lavrador. A bordo namorou uma jovem que ia de São Roque do Faial, chamada Leopoldina Catanho Moniz. Depois casaram”, conta, para a seguir conceder que sim, o mais certo é que o tio bisavô, que no Havai se tornou Frank, já antes conhecesse aquela que viria a ser a sua mulher. “Tinha 22 anos, é bem possível que já namorasse a Leopoldina e que se tivesse metido no navio — a família dela foi toda legal, ele foi o único a viajar como clandestino. Trabalhou durante muito tempo numa plantação, tiveram 7 filhos, eu conheci 4. O contacto com a família manteve-se sempre.”

Nessa altura, quando os portugueses lá começaram a chegar em massa, o Havai unificado em 1810 pelo soberano Kamehameha, primeiro de seu nome, ainda era um reino — onde, de resto, já existia o tal cônsul honorário de Portugal, Jason Perry, e viviam cerca de quatro centenas de portugueses, sobretudo dos Açores e da ilha Brava, de Cabo Verde, que ali se tinham refugiado depois de, literalmente, terem saltado dos navios em que viajavam.

Um irmão da bisavó de Ana Isabel Spranger emigrou para o Havai em 1884. A família manteve-se sempre em contacto — até hoje

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“Eram homens que tinham sido raptados pelos navios baleeiros. Os comandantes dos navios queriam trabalhadores escravos disponíveis para trabalhar o dia inteiro, e não os deixavam sair em qualquer porto”, explica Ana Isabel Spranger. “Quando chegavam ao Havai, que tinha muita baleia para a caça, nunca iam para o porto, ficavam à distância. Está claro que os nossos, que sabiam nadar, porque viviam junto ao mar, atiravam-se à água e fugiam. Muitas vezes eram os próprios havaianos que os recolhiam e os ajudavam a esconder-se, para depois começarem a fazer a sua vida normal em terra.”

Governado por Kalākaua, o primeiro monarca a dar a volta ao mundo — em 281 dias de 1881, numa espécie de viagem de charme que tinha como objetivo atrair trabalhadores para as plantações de cana sacarina e de ananases das ilhas —, nesta altura o reino do Havai vivia sobretudo da exportação de açúcar e debatia-se com um problema de falta de mão-de-obra, que a chegada de grandes vagas de imigrantes chineses, japoneses e filipinos não tinha conseguido colmatar. Só em 1874, tinham sido exportados cerca de 11,3 milhões de quilos — só para os Estados Unidos (país com quem, um ano depois, viria a ser assinado um tratado de reciprocidade, que garantia exportações livres de impostos em troca da instalação de bases militares, e que acabaria, 24 anos mais tarde, por anexar o arquipélago). Era urgente aumentar a força de trabalho.

“Na altura houve várias epidemias na vinha — houve a filoxera —, e a Madeira também foi castigada com a doença das batatas, tal como a Irlanda, e muitos outros países. Depois veio a cólera; não havia o que comer, não havia trabalho, não havia nada, era o desespero total, quem pôde, emigrou para o Havai”
Ana Isabel Spranger, investigadora

Em 1876, já depois de Jason Perry ter feito várias recomendações nesse sentido, William Hillebrand, um botânico alemão que, depois de fazer pesquisa no Havai, tinha visitado Madeira e dos Açores e ficado com grande impressão dos ilhéus, enviou uma carta ao Departamento de Imigração havaiano a incentivar a sua contratação. Eram “sóbrios, honestos, pacíficos e trabalhadores com grandes capacidades para o trabalho manual”, escreveu o alemão, que nem sequer era parte interessada.

Em novembro desse mesmo ano, o governo havaiano deu luz verde à Hawaiian Sugar Planters Association, que representava os produtores de cana-de-açúcar do arquipélago, para começar a contratar trabalhadores portugueses oriundos das ilhas e respetivas famílias — situação que, na altura, não era permitida aos imigrantes asiáticos. Para além de lhes pagarem as viagens desde Portugal, invariavelmente nos conveses de navios de carga, os empregadores ficavam obrigados a fazer-lhes contratos de três anos, no mínimo, com um salário mensal de 10 dólares por mês para cada homem — sendo que as mulheres e crianças que trabalhassem também tinham direito a soldo, diz Ana Isabel Spranger.

Manuel Pereira Martins, o avô paterno de Willetta Martin Centeio, teve um matadouro na ilha de Maui. No início do século XX, o bisavô do marido, um baleeiro da Brava, abriu uma loja de bebidas na ilha

Em troca de 26 dias de trabalho mensal, com 10 horas de trabalho por dia, a partir do nascer do sol, os portugueses tinham direito a ração diária, alojamento, horta e até assistência médica e medicamentos. “Na altura houve várias epidemias na vinha — houve a filoxera —, e a Madeira também foi castigada com a doença das batatas, tal como a Irlanda, e muitos outros países. Depois veio a cólera; não havia o que comer, não havia trabalho, não havia nada, era o desespero total, quem pôde, emigrou para o Havai”, explica a investigadora.

Depois, seis anos mais tarde, já o Rei Kalākaua tinha passado por Lisboa, a meio da sua circunavegação, para conversações com o Rei D. Luís I, foi finalmente assinada uma convenção que, para além de consolidar as relações comerciais entre os dois reinos, regulamentava o fluxo migratório — e o incentivava ainda mais.

Se em 1878, a bordo do Priscilla, tinham seguido 180 passageiros, em junho de 1882 foram 857 os açorianos a fazer a viagem no Monarch, o primeiro navio a zarpar de Portugal rumo ao Havai depois de a convenção ser firmada. Desde então, e até à chegada do último navio ao arquipélago, a 4 de junho de 1913, foram 19.681 os portugueses que fizeram a viagem, contas feitas a partir dos registos resgatados por Ana Isabel Spranger.

“Os meus bisavós vieram nos navios para trabalhar nas plantações. Os portugueses eram conhecidos por serem trabalhadores fantásticos, que trabalhavam muito, no duro. Era por isso que os latifundiários faziam deles os lunas, que é a palavra havaiana para supervisor, porque trabalhavam bem e eram bons comunicadores, faziam a ponte entre os orientais e os patrões brancos”
Willetta Martin Centeio, lusodescendente

Entre eles estavam os bisavós de Willetta Martin Centeio, hoje com 72 anos, nascida e criada na ilha de Ohahu, filha do filho de dois açorianos e da filha de dois madeirenses, casada com um homem que é “metade português, metade okinawano, de Okinawa, no Japão”.

“Os meus bisavós vieram nos navios para trabalhar nas plantações. E os meus avós também trabalharam nas plantações, tal como os pais quando vieram para cá. Os portugueses eram conhecidos por serem trabalhadores fantásticos, que trabalhavam muito, no duro. Era por isso que os latifundiários faziam deles os lunas, que é a palavra havaiana para supervisor, porque trabalhavam bem e eram bons comunicadores, faziam a ponte entre os orientais e os patrões brancos”, diz a lusodescendente, explicando depois que, quando chegaram, os portugueses foram encaixados na categoria racial de “europeus” (por oposição a “brancos”). “Todas as pessoas que vinham trabalhar para as plantações tinham de falar inglês, não lhes era permitido falar a sua própria língua em público, era proibido”, acrescenta ainda. “Porque os proprietários das terras eram todos brancos e falavam inglês. Não queriam que os trabalhadores pudessem falar mal deles ou dos lunas, sem se aperceberem.”

“This mama is a good portuguese lady”

Os antepassados de Kahealani Martins Curammeng, que ao contrário de Willetta Martin Centeio conserva o “s” português no primeiro apelido, também chegaram ao Havai nesta segunda vaga migratória. Um dos seus maiores objetivos, assim que percebeu de onde tinham vindo, diz, foi conseguir reconstituir a viagem e perceber por que provações passaram aquelas pessoas, sobre quem durante décadas não soube nada — mas que lhe marcaram indelevelmente a existência.

As descobertas que fez não a deixaram aliviada: “Durante meses, viveram na cabine de comando do navio, que é o convés inferior onde a carga é armazenada. Eram vulgarmente designados por ‘carga humana’ ou ‘passageiros de terceira’. A viagem implicava uma série de dificuldades, incluindo alimentação inadequada, falta de privacidade e alojamentos apertados”.

"Durante as tempestades, a porta era fechada à chave, deixando os passageiros com pouca luz ou ar fresco. O cheiro a vómito e a vasilhas não esvaziadas podia ser avassalador. A constante agitação provocada pelas condições climatéricas e pelas ondas fazia com que, em muitos dias, fosse difícil manterem-se de pé. Nos piores dias, os passageiros nem sequer conseguiam ficar nas suas camas para dormir, mas andavam a deslizar pela cabina"
Kahealani Martins Cummareng, lusodescendente e autora de "They Came in Ships to Terra Nova"

Para além dos expectáveis enjoos, continua a contar, as doenças rapidamente começaram a surgir e a espalhar-se entre os passageiros, que eram demasiados para o espaço, que obviamente também não tinha quaisquer condições de higiene.

“Muitas doenças resultaram em mortes. As mulheres davam à luz no navio, nestas condições. Os passageiros dormiam em beliches estreitos e muito apertados. Durante as tempestades, a porta era fechada à chave, deixando os passageiros com pouca luz ou ar fresco. O cheiro a vómito e a vasilhas não esvaziadas podia ser avassalador. A constante agitação provocada pelas condições climatéricas e pelas ondas fazia com que, em muitos dias, fosse difícil manterem-se de pé. Nos piores dias, os passageiros nem sequer conseguiam ficar nas suas camas para dormir, mas andavam a deslizar pela cabina”, continua a descrever, para passar depois para as partes positivas que, assegura, estas viagens também tiveram, com direito a nascimentos, casamentos, jogos de cartas e bailes improvisados nos conveses. “Apesar das dificuldades, muitos estavam entusiasmados com a aventura e a aproximação do seu novo lar. Para muitos imigrantes, a viagem para o Havai foi uma experiência importante e memorável. Não foram apenas as mudanças que a chegada ao Havai trouxe às suas vidas, mas a própria viagem em si que causou uma impressão duradoura nas suas vidas.”

Entrevistado em 2003 para o documentário “Pukiki – The Portuguese Americans of Hawai’i”, Edgar Knowlton Jr, reputado linguista e autor norte-americano, professor de português, espanhol e italiano na Universidade do Havai até 1991, assinalou a especial capacidade de adaptação dos imigrantes portugueses ao território — que provavelmente fez com que a maioria dos que ali chegaram, ali se tivessem mantido.

“Provavelmente foi mais fácil para eles adaptarem-se do que para os chineses ou japoneses. Acho que os portugueses tiveram a vantagem de a língua ser muito similar ao inglês e de o clima e a zona envolvente serem semelhantes aos de Açores e Madeira”, observou Knowlton, tradutor dos poemas do mais famoso imigrante português no Havai, Manuel Jesus Coito, o “Poeta de Punchbowl”“A vante as novas ideias/ A vante os esforços novos/ Deixae os remotos povos/ Com suas antigas peias/ Rebentae vós as cadeias/ Que há tempos traz algemada/ Nossa associação, sublimada/ Tornae-a brilhante aurora/ Pois tem as rédeas agora/ A joven rapaziada”. 

A Festa portuguesa costumava durar dois dias, mas agora é só um: "A comunidade portuguesa é a única — a única! — que não tem gente acabada de sair do barco", lamenta Willetta Martin Centeio

Foi justamente em Punchbowl, a zona de Honolulu que serviu de aposto ao poeta madeirense, que se instalaram grande parte dos portugueses — como comprovam a Lusitana ou a Lisbon Street. “Era uma zona mais elevada, de colinas e escarpas que lhes faziam lembrar a Madeira e os Açores. Era onde o avô do meu marido tinha uma loja de bebidas. E é lá que está a nossa capela do Espírito Santo, que é a igreja mais antiga construída pelos portugueses nos Estados Unidos, e é onde fazemos as domingas para a festa portuguesa”, explica Willetta Martin Centeio, as “domingas”, tradição religiosa trazida dos Açores, e a “festa” ditas assim mesmo, em português.

Apesar de não falar a língua dos antepassados — “Falo um bocadinho”, diz entre risos, para depois passar em exclusivo para o inglês” —, Willetta diz que faz questão de manter as tradições dos bisavós, que têm no outono, em data que nunca foi certa, o ponto mais alto: a “Festa”, em tempos tão famosa nas ilhas que até os gregos de Oahu, em muito menor número, chegaram a pedir conselhos aos portugueses sobre como organizar o seu próprio festival.

“A única diferença é que eles servem muito álcool na festa deles. Nós já há uns 15 anos que não servimos”, diz, justificando-se com licenças legais, escaramuças e contratação de polícias extra. “Por isso é que o festival grego continua a ser um grande acontecimento. Toda a gente sabe que pode ir e beber, e depois fartam-se de dançar no baile, porque estão cheios de álcool. Na nossa festa não. Já foi maior, antigamente fazíamos ao sábado e ao domingo. Agora é só ao domingo.”

"Da última vez que decidimos fazer uma pequena reunião de família, juntámo-nos em Maui. Apareceram 250 pessoas. Sempre que estava com uma nova rapariga, um dos meus filhos perguntava, ‘Mãe, ela é portuguesa, será que somos parentes?’ E eu dizia-lhe que tinha de perguntar ao avô, que uma vez lhe disse, ‘Sabes que mais, George, não interessa. A distância entre gerações é tão grande que não interessa. Só os primos em primeiro grau é que não se casam.’ No fim, acabou por casar com uma rapariga do Illinois!”
Willetta Martin Centeio, lusodescendente

As pessoas vão morrendo ou ficando mais velhas, as tradições vão sendo cada vez mais difíceis de manter, lamenta, para depois garantir que continua a fazer a sua parte: para além de ser vice presidente do Conselho do Património Português e de já ter estado em Portugal duas vezes, continua a cozinhar os pratos que aprendeu com as avós e com a mãe. “Faço sopa de feijão portuguesa — e não uso molho de tomate, como quase toda a gente faz aqui —, faço papas de milho, com uma pequena atualização, com linguiça portuguesa muito fininha e couve, e depois, claro, faço as malasadas! This mama is a good portuguese lady!

Também mantém contacto com a família, de que também faz parte Audrey Rocha Reed, e que está espalhada pelas várias ilhas, incluindo Maui. “Todos conseguiram fugir antes de os incêndios lhes terem destruído as propriedades e os apartamentos, estamos contentes com isso. Da última vez que decidimos fazer uma pequena reunião de família, juntámo-nos em Maui. Apareceram 250 pessoas”, volta a rir, para depois recordar a principal preocupação de um dos três filhos quando arranjava namorada nova. “Sempre que estava com uma nova rapariga, dizia, ‘Mãe, ela é portuguesa, será que somos parentes?’ E eu dizia-lhe que tinha de perguntar ao avô, que uma vez lhe disse, ‘Sabes que mais, George, não interessa. A distância entre gerações é tão grande que não interessa. Só os primos em primeiro grau é que não se casam.’ No fim, acabou por casar com uma rapariga do Illinois!”

Bibelôs, naperons e limpeza à portuguesa — em busca dos primos de Tanya Kapaku

Tal como no final do século XIX os portugueses ajudaram a mudar a demografia do então reino, também agora o arquipélago está a mudar, diz Willetta Martin Centeio ao telefone, a partir da casa onde mora, nas colinas sobre a famosa praia de Makaha, uma das mecas do surf havaiano.

“Desde que as pessoas começaram a mudar-se para sítios onde o clima é melhor e o ambiente é descontraído e a vida é calma, as ilhas havaianas mudaram muito. Há cada vez mais gente a mudar-se para cá, gente que gosta de passear de barco e de ir à praia depois do trabalho e esse tipo de coisas — e que está a tornar o Havai cada vez mais caro”, diz, mimetizando sem saber, o processo por que também está a passar Portugal, a mais de 12 mil quilómetros de distância.

Depois, tal como o realizador Nelson Ponta Garça experimentou fazer há uns anos, conta o teste que fez, num dia recente em que se sentiu particularmente estrangeira no próprio país: “Estava na sauna do ginásio e disse, ‘Ok, estou curiosa. Está aqui imensa gente. Posso pedir que quem nasceu e cresceu aqui no Havai levante a mão?’. Mais ninguém levantou, só eu”.

“A comunidade portuguesa é a única — a única! — que não tem gente acabada de sair do barco. Continuam a chegar pessoas de todos os outros países, das Filipinas, China, e até do Brasil, têm vindo muitos surfistas do Brasil”
Willetta Martin Centeio, luso-descendente

Garantindo que não tem nada contra os que vêm de fora, diz que só lamenta que a torneira de imigrantes vindos de Portugal tenha fechado definitivamente em 1919, duas décadas depois de a convenção ter cessado e de a invasão militar e posterior anexação do arquipélago por parte dos Estados Unidos ter proibido a “importação” de trabalhadores migrantes.

“A comunidade portuguesa é a única — a única! — que não tem gente acabada de sair do barco. Continuam a chegar pessoas de todos os outros países, das Filipinas, China, e até do Brasil, têm vindo muitos surfistas do Brasil.”

Em compensação, há cada vez mais havaianos a descobrir que têm uma ou várias costelas portuguesas — e a querer fazer o tal caminho de regresso às origens, de que falam Ana Isabel Spranger e Kahealani Martins Cummareng. “Atualmente, há um aumento de descendentes de portugueses que querem conhecer a sua ascendência”, diz a havaiana. “No entanto, devido aos casamentos mistos, muitos indivíduos não se identificam como portugueses. O recenseamento de 1930 dos EUA foi o último a registar os portugueses como um grupo étnico separado. Em 1930, foram registados 27.588 portugueses no Havai, que representavam 7,5% da população. Depois disso, os portugueses passaram a ser registados como caucasianos.”

A casa dos Gomes, os bisavós de Tanya Kapaku, é hoje considerada um dos marcos históricos de Makawao, na ilha de Maui. Tanya, 66 anos, vem a Portugal em outubro, com o irmão e outros lusodescendentes

Tanya Kapaku tem 66 anos e viveu toda a vida em Makawao, na ilha de Maui. Em abril deste ano, depois de uma vida inteira a trabalhar, no setor do aluguer de carros, reformou-se e resolveu dedicar-se à investigação das raízes da família materna, que sempre soube ser de origem portuguesa — o bisavô chegou a Honolulu aos 11 anos, em agosto de 1879, vindo da Madeira; a bisavó era açoriana e atracou em Oahu em 1883, aos 10, apurou, depois de pedir ajuda à Sociedade Portuguesa de Genealogia.

“O meu bisavô paterno morreu quando eu tinha 4 anos, não me lembro dele. Mas a casa do meu avô era mesmo ao lado da dele e como a irmã mais velha do meu avô, que cuidou dos pais até eles morrerem, ficou lá a morar, eu e o meu irmão às vezes íamos visitá-la — não muitas, porque ela não era muito simpática — e explorávamos a casa”, explica, para depois desfiar as memórias que atribui ao “ser português” — o piano antigo, a cozinha grande e espaçosa com um fogão de querosene, o forno de pedra no quintal, os pratos de porcelana, os bibelôs sobre os móveis, uma quantidade incomensurável de naperons de linho bordado nos tampos das mesas, tudo impecavelmente limpo.

“Eu e o meu irmão, juntamente com dez outras pessoas de Maui, todas de ascendência portuguesa, os Pacheco, os Fevella e os DeCambra, vamos passar 14 dias em Portugal. Vamos visitar Lisboa, Madeira e Açores, o meu objetivo é tentar visitar os locais de nascimento da minha ohana [família]”
Tanya Kapaku, lusodescendente

Já em outubro deste ano, tenciona tornar todo este imaginário tangível: “Eu e o meu irmão, juntamente com dez outras pessoas de Maui, todas de ascendência portuguesa, os Pacheco, os Fevella e os DeCambra, vamos passar 14 dias em Portugal. Vamos visitar Lisboa, Madeira e Açores, o meu objetivo é tentar visitar os locais de nascimento da minha ohana [família]”.

A esperança que tem é que, até lá, consiga descobrir mais sobre a família que ainda terá espalhada em Portugal, para poder finalmente conhecê-la — “A minha trisavó, que era viúva quando veio para o Havai, deixou cinco filhos nos Açores”, diz.

Talvez algum dos seus descendentes esteja a ler: Margarida de Jesus da Costa Vasconcelos, natural da freguesia de Bretanha, em São Miguel, terá nascido entre 1828 e 1832, filha de Pedro Rodrigues e Antónia Francisca de Jesus. Embarcou em 1883 no Bell Rock, o mesmo navio em que seguiram os antepassados de Kahealani Martins Cummareng (que já esteve no arquipélago, a conhecer os primos e a perceber que, afinal, os pratos “portugueses” que se fazem no Havai não têm nada a ver com os originais). Com ela seguiam três filhas, três filhos, uma irmã, Maria, de 28 anos, e uma sobrinha, de apenas 5. Para trás, ficaram outros cinco filhos, já adultos: Manuel, Vitória, José, Maria e Maria.

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