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O aviso de Centeno à navegação de Montenegro: Portugal tem “caminho estreito” para não voltar a ficar "exposto na próxima crise"

Depois de anunciar uma forte revisão em alta das previsões de crescimento, Mário Centeno avisou que a política deve ser "contra-cíclica", ou seja, aproveitar os bons momentos para acautelar os maus.

Quando as crianças jogam à “apanhada” há um lugar onde quem está a jogar, se for para esse sítio, não pode ser “apanhado” – está a salvo. Chama-se a esse lugar o “couto” ou a “casa”. É aí que Portugal está neste momento, diz Mário Centeno, já que o atual equilíbrio das contas públicas é “invejado por 90% dos países europeus”, tal como também é a redução que foi feita na dívida das famílias e empresas. Não pôr isso em causa deve ser a prioridade do poder político, diz o governador do Banco de Portugal, num “aviso à navegação” para Luís Montenegro.

Em pleno processo de transição governativa, Mário Centeno veio anunciar uma forte revisão em alta das projeções económicas para 2024 e para os próximos anos. Os dados do Banco de Portugal apontam para três anos de um crescimento económico (“estrutural”) superior a 2%, algo que, a confirmar-se, será a primeira vez que acontece neste século. Ao mesmo tempo, a ameaça da inflação parece estar sob controlo, aponta Centeno.

Este é um ímpeto positivo na economia que o governador do Banco de Portugal diz que ainda se faz sentir e que cria uma “margem financeira” que deve ser aproveitada pelos governos para “salvaguardar” o futuro, em vez de se “consumir no presente”. Nunca Centeno se referiu, explicitamente, à mudança de governo ou à liderança de Luís Montenegro, mas o recado está dado.

Portugal viveu, entre 2000 e 2017, 80% dos seus dias sob um Procedimento por Défices Excessivos”, recordou o governador do Banco de Portugal que era ministro das Finanças quando foi, finalmente, retirada essa classificação negativa de incumprimento das metas orçamentais europeias.

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O risco, diz Mário Centeno, é que as regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, que foram suspensas na pandemia, vão voltar a estar (totalmente) em vigor a partir do ano que vem. E vão regressar num modelo um pouco diferente do que existia anteriormente: os estados-membros vão passar a ser sobretudo avaliados pelo “equilíbrio” entre a despesa primária (ou seja, excluindo juros de dívida) e a receita.

No final do ano passado, os ministros do Ecofin acolheram uma proposta alemã de introduzir um limite máximo anual de crescimento dos gastos públicos. Em termos simples, os Estados-membros só podem desviar-se da trajetória da despesa líquida em 0,3 pontos percentuais do PIB (potencial, nominal) anualmente. Por outro lado, mesmo que nunca haja um desvio de 0,3 num dado ano mas, ao longo de quatro anos, houver um desvio acumulado de 0,6 décimas de ponto percentual, “esse país fica exposto”.

É por causa destas regras, avisa Mário Centeno, que seria um erro pensar que o caminho daqui para a frente é outra coisa que não “muito estreito” – e é “muito estreito” mesmo considerando os recentes bons resultados na frente económica e orçamental. Esses bons resultados dão alguma “margem” para a política económica criar “almofadas” para o futuro mas, à luz dessas novas regras europeias, a “margem” existente torna-se “essencialmente nula”, disse o governador do Banco de Portugal.

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“Portugal viveu, entre 2000 e 2017, 80% dos seus dias sob um Procedimento por Défices Excessivos”, recordou o governador do Banco de Portugal.

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“Se não acautelarmos a margem financeira que nos permita enfrentar as próximas crises, o país corre os mesmíssimos riscos que corria no passado”, avisou Mário Centeno, lembrando que “uma das poucas coisas sobre as quais podemos ter certezas é que haverá próximas crises”.

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“É das poucas certezas que temos: a próxima crise vai existir. E a primeira coisa que nessa altura vamos perguntar é se estávamos preparados para a enfrentar. E, nessa altura, serão feitas as avaliações“, avisou Mário Centeno.

Centeno diz que economia continua a “aquecer” e pede política “contracíclica”

Em concreto, o ex-ministro das Finanças avisou Luís Montenegro, e a equipa económica/financeira que este vier a formar, que a política “deve ser sempre contracíclica”, ou seja, acudir em maus momentos e, nas fases melhores, não estimular desnecessariamente a atividade – até porque isso, além de fomentar a inflação, acarreta muitas vezes a assunção de compromissos que, depois, se transformam em responsabilidades (crescentes) que ficam para o Estado ao longo de décadas.

Mário Centeno alertou várias vezes, ao longo de 2023, para a necessidade de o Estado controlar a “despesa corrente permanente”. Agora, parece dar mais ênfase aos riscos do lado da receita, ou seja, eventuais medidas que o Governo de Luís Montenegro pode tomar e que podem afetar a receita do Estado – como reduções de impostos. “Qualquer desvio de um dos lados terá de ser compensado do outro lado”, avisou.

Questionado pelo Observador, na conferência de imprensa, sobre se a mudança de governo o tornou mais preocupado com a receita do que com vinha estando com a despesa, Mário Centeno garantiu que está preocupado apenas com o “equilíbrio” – palavra dita inúmeras vezes na apresentação do governador. Além disso, Centeno sublinhou que as novas regras orçamentais dão igual importância a ambos os lados da equação e não a um mais do que ao outro.

“Todos os equilíbrios são possíveis e todas as combinações de impostos e despesa são possíveis”, afirmou Mário Centeno. Porém, “do ponto de vista do Banco de Portugal e daquilo que os bancos centrais têm recomendado, o objetivo deve ser “não perturbar o tal equilíbrio e não criar pressões sobre a procura [pressões no sentido de aumentar a procura económica] porque as contas públicas querem-se contra-cíclicas”.

“O ciclo económico continua a expandir-se e a aquecer. E se, um dia, ele arrefecer podemos deixar de falar em saldo [orçamental positivo] e passamos a falar em défice. E deixamos de falar em despesa pública e passamos a falar em cortes”, avisou o governador do Banco de Portugal.

O Governador do Banco de Portugal, Mário Centeno(C), intervem durante a apresentação do Boletim Económico de março, em  Lisboa, 22 de março de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSA

"As contas públicas querem-se contra-cíclicas”, afirmou Mário Centeno.

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Luís Montenegro fez campanha prometendo uma reforma fiscal para empresas e famílias, que pode significar a perda de vários milhares de milhões de euros em receita fiscal mas que, para a Aliança Democrática, irá provocar um aumento da atividade económica que pode fazer o PIB crescer até 3,4% em 2028. Centeno, vestindo o fato de professor de Economia que já foi, concordou que “os livros dizem que ter menos impostos é sempre bom para a economia”.

Porém, acautelou, “assim como reconheço que é isso que diz a teoria, a dúvida que imediatamente me assola é o que eu faria para financiar os mais de 22 mil funcionários que hoje trabalham no setor da saúde e que há oito anos não estavam lá, por exemplo, bem como o investimento público que está a ser alvo de compromissos que somam largos milhares de milhões de euros que terão de ser pagos, como na ferrovia, aeroporto, hospitais…”.

Nós não podemos perceber a noção das responsabilidades que vamos assumindo”, asseverou Mário Centeno.

Mais investimento, mais exportações e o dobro do consumo privado

Os alertas do governador do Banco de Portugal surgiram momentos depois de o supervisor financeiro estimar que a economia portuguesa vai crescer, em 2024, muito mais do que o previsto há poucos meses.

O Produto Interno Bruto (PIB) irá, segundo as novas projeções do Banco de Portugal, divulgadas esta sexta-feira, expandir-se em 2% – acima dos 1,2% que o supervisor financeiro estimou em dezembro. É, também, bastante mais do que os 1,5% previstos pelo Governo no Orçamento do Estado apresentado em outubro.

Na edição de março do Boletim Económico, um relatório que o Departamento de Estudos Económicos atualiza trimestralmente, o Banco de Portugal afirma que, depois dos 2% de 2024, a economia portuguesa vai continuar a acelerar no ano seguinte, com um crescimento de 2,3% em 2025. Em 2026, o último ano deste horizonte de projeção, a economia crescerá praticamente o mesmo: 2,2%.

Apesar de o Banco de Portugal destacar, para 2024, o investimento (que subirá 3,6% e não 2,4% como previsto em março) e as exportações (que vão crescer 3,5% e não 2,4%), a análise do departamento de estudos económicos também mostra um contributo muito importante do consumo privado, que será mais do que o dobro do que o previsto em dezembro: 2,1% versus 1%.

Economia vai crescer muito mais que o previsto, prevê Banco de Portugal. PIB deve aumentar 2% neste ano

O consumo privado cresce, em média, 1,9% em 2024-26, num contexto de ganhos de rendimento disponível real e de aumento da poupança. O rendimento disponível real das famílias sobe 4% em 2024 e 1,9% em 2025-26, beneficiando da “descida da inflação e das expectativas de redução da taxa de juro, da dinâmica dos salários e das prestações sociais, e da redução dos impostos diretos”, afirma o Banco de Portugal.

As exportações, diz o Banco de Portugal, vão “manter-se como um dos principais motores do crescimento da economia. Sobem, em média, 3,6% em 2024-26 e dão um contributo (líquido de conteúdo importado) de 0,9 pontos percentuais para a variação média do PIB neste período”. O investimento, por seu turno, irá melhorar “em reação à recuperação da procura global, ao alívio gradual das condições de financiamento e à maior execução financeira do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e de outros fundos europeus”.

Neste cenário mais otimista, a expectativa do Banco de Portugal é que a taxa de desemprego nunca excede os 6,5% em todo o horizonte de projeção (até 2026), ao passo que em dezembro se admitia subidas para valores superiores a 7% nos próximos anos.

O boletim traz, também, boas notícias na inflação. A expectativa do Banco de Portugal é que a “inflação diminui para 2,4% em 2024, apesar de efeitos temporários sobre os preços dos bens alimentares e energéticos ao longo do ano”. Mas já em 2025, a inflação deverá situar-se em 2%, e no ano seguinte, em 1,9%.

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