Apesar de muitas vezes serem considerados ofensivos, os palavrões fazem parte da linguagem do dia-a-dia da grande maioria das pessoas. São um “hábito”, uma “convenção que se aprende”, que dificilmente se consegue largar, como defende o psicólogo norte-americano Timothy Jay. Estão por todo o lado, e não há como lhes escapar.
A maioria dos palavrões existe há várias centenas de anos e está longe de ser uma invenção dos tempos modernos. Melissa Mohr, especialista em literatura medieval e autora de Holy Sh*t: A Brief History of Swearing, defende que o hábito de dizer asneiras vem desde o tempo dos romanos.
“Os romanos são importantes na história dos palavrões porque as asneiras que usavam eram baseadas nos tabus sexuais e de excreção, como acontece na maioria das línguas modernas”, explicou a autora ao Observador. “Eram baseados no corpo humano e em ações. Mas, como tinham um esquema sexual muito diferente, alguns dos seus palavrões eram usados de maneiras diferentes.”
A pior maneira de insultar um homem, por exemplo, era sugerir que este “era sexualmente passivo” porque um “homem tinha sempre de ser um parceiro ativo”. Era por isso que palavrões como Cunnilingus (praticar sexo oral a uma mulher) eram especialmente maus, porque queriam dizer “que um homem era passivo em relação a uma mulher, uma posição muito vergonhosa em Roma”, assegurou Melissa Mohr.
Em inglês — como em português –, muitos palavrões são, de facto, de origem latina. “No ‘núcleo duro’ dos chamados ‘palavrões’ encontramos palavras que em rigor não são portuguesas, pois facilmente as reconhecemos nas línguas românicas que nos são mais próximas”, disse ao Observador João Paulo Silvestre, investigador do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL) e especialista em lexicologia.
Exemplo disso são palavras como merda (em espanhol mierda e em francês merde) ou puta (em espanhol puta e em francês putain), que provêm exatamente da mesma língua — a dos antigos romanos.”Todas estas palavras provêm do mesmo étimo latino e foram transmitidas pelos romanos. Eram palavras frequentes e naturalmente usadas para referir uma prostituta, os excrementos ou as relações sexuais”, salientou o linguista.
Apesar disso, a origem de alguns palavrões nem sempre é clara, como no caso de caralho. Apesar de se considerar que teve origem no espanhol carago, a palavra pode até ser anterior à romanização. “Em todo o caso, são palavras antiquíssimas e inequívocas quanto ao significado”, referiu João Paulo Silvestre. A história do “asneiredo” é longa e está longe de ter terminado.
Já Steven Pinker, psicólogo e linguista que se tem dedicado ao estudo dos palavrões, acredita que a raiz histórica de muitos palavrões — principalmente aqueles que surgiram durante a Idade Média — é a religião. “Para entender as asneiras religiosas, temos de nos pôr no papel dos antigos linguistas, para os quais Deus e o inferno eram uma presença real”, referiu o professor da Universidade de Harvard.
Na Idade Média, usar o nome de Deus ou de Cristo de forma blasfema era como usar o pior dos palavrões. “Acreditava-se que isso deixava Deus furioso e que era visto como uma forma muito de discurso muito negativa”, explicou Melissa Mohr. “Jurar pelas partes do corpo de Cristo — pelas unhas de Deus, pelas chagas de Cristo, etc. — era particularmente mau, porque se acreditava que esses juramentos podiam magoar fisicamente o corpo de Cristo, que estava no Céu, sentado à direita de Deus.”
Foi também durante a época medieval que surgiram expressões como vai para o diabo, em parte devido à superstição existente em torno de determinadas palavras (como é o caso de diabo). Para a autora norte-americana, porém, não é apenas uma questão de religião. O surgimento dos chamados palavrões “religiosos” está também relacionado com a definição de tabu e de privacidade que existia na altura.
Porém, com o passar do tempo, as “asneiras religiosas” foram perdendo o seu valor expressivo, à medida que a sociedade se ia tornando cada vez mais secularizada. Mas, se por um lado, isto fez como que as “asneiras religiosas se tornassem menos poderosas”, por outro, fez com que os falantes criassem expressões novas.
“Ao mesmo tempo que a secularização se ia estabelecendo, os palavrões religiosos iam-se tornando menos poderosos e os falantes criativos iam-nas substituindo por palavras que tinham o mesmo grau de influência afetiva, de acordo com as sensibilidades da altura”, explicou o psicólogo norte-americano.
É assim que se explica o aparecimento de formas como foda-se e de outros palavrões ligados à sexualidade e ao corpo humano. Nos tempos que correm, estes são, sem dúvida, os mais populares. Veja aqui a origem de alguns deles:
Puta:
Rafael Bluteau, no dicionário Vocabulario Portugues e Latino, editado em 1712, explica que puta chegou a ser “um vocábulo honestíssimo”, sinónimo de “moça puríssima e limpa”. Por corrupção, a palavra terá passado a significar prostituta, de modo a “encobrir a fealdade do vocábulo meretriz ou de outro igualmente feio”.
De acordo com o autor, a definição moderna de puta terá surgido através de uma corrupção da língua, um processo linguístico que consiste na mudança de significado de uma palavra. Originalmente, na base de puta, estaria a palavra putos, um adjetivo latino para puro ou brilhante. Uma outra hipótese, referida por outros autores, é a de que o palavrão se trata de uma derivação do verbo putere que, em latim, significa estar deteriorado ou cheirar mal.
Os antigos romanos tinham também por hábito chamar lobas às prostitutas. O termo terá dado origem à palavra lupanar, usada ainda hoje para descrever um bordel ou uma casa de prostituição. É por esta razão que, segundo Bluteau, alguns estudiosos defendiam que os gémeos Rómulo e Remo, personagens da mitologia romana, não foram criados por uma loba, mas sim por uma prostituta.
Porra:
Não se sabe ao certo de onde terá vindo a palavra porra. Na Origem da Lingua Portugueza, obra publicada no século XVII, o historiador Duarre Nunes de Leão refere que o termo é de origem árabe. Porém, a teoria mais consensual é a de que a palavra terá surgido em Espanha.
Segundo Rafael Bluteau, durante o reinado de D. Afonso V (1432-1418), terá chegado a Portugal uma família de nobres castelhanos de apelido Porra, cujo brasão apresentava cinco maças (armas) com cabos verdes sobre um campo dourado.
No Vocabulario Portuguez e Latino, Bluteau explica que a palavra porra é, nada mais nada menos, do que o diminuitivo da palavra cachaporra, uma espécie de pão que é mais grosso numa ponta do que na outra. De acordo com a definição de Eduardo Nobre, no Dicionário de Calão, na gíria popular porra serve para descrever o órgão sexual masculino, podendo também significar pau ou bastão.
Caralho:
“A frequência de uso dos termos que designam os órgãos sexuais, tanto femininos como masculinos, é relativamente baixa. Palavras que designam o sexo são normalmente banidas da conversação entre gente educada”, escreveu Heinz Kröll em O Eufemismo e o Disfemismo no Português Moderno. Apesar disso, em português, parecem não faltar palavras para as descrever. Uma delas é caralho.
É também de carajo que vêm expressões como carago ou caraças, formas mais suaves de dizer caralho. Alguns palavrões, “à força de serem evitados em toda a sua ‘expressividade’, deram origem a outras formas mais suaves, que geralmente mantêm uma das sílabas”, explicou o especialista em lexicologia.
Apesar de não se saber ao certo de onde terá vindo a palavra caralho, pensa-se que terá tido origem no espanhol carajo, uma expressão que pode designar um pau ou uma parte específica de um navio — a vigia, o lugar mais elevado de uma embarcação. A palavra, “muitíssimo frequente na Península Ibérica”, pode ter “uma origem ainda anterior à romanização”, defende João Paulo Silvestre.
Merda:
Apesar de ser muitas vezes associada ao francês merde, a palavra merda é muito mais antiga. No latim clássico, merda era sinónimo de esterco ou de excremento. De acordo com alguns autores, o palavrão será uma derivação da palavra Erda, uma localidade romana conhecida por ser muito suja.
Em português, a palavra é geralmente substituída por outras que rimam com ela, como nas expressões vá a Palmela! ou vá pr’á marela, salientou Heinz Kröll. Mais comum, porém, é a expressão vá pentear macacos!.
Foda-se:
A expressão foda-se não é recente. O Novo Dicionário de Calão de Afonso Praça, editado em 2001, cita a forma fosga-se, uma interjeição alternativa e menos grosseira para foda-se. Para Clotilde Almeida, isto significa que a palavra já existe há bastante tempo, pois até “já foram cunhadas formas alternativas da mesma que se encontram dicionarizadas”.
José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, uma das poucas obras dedicadas à etimologia portuguesa, refere que o verbo foder — do qual provém a palavra foda-se — vem do latim futere, que significa ter relações sexuais com uma mulher. Ainda de acordo com José Pedro Machado, o termo aparece em textos desde o século XII, não se sabendo ao certo quando terá sido cunhado.
“Trata-se de uma expressão de desagrado que é bem portuguesa”, explicou Clotilde Almeida. Através de um processo de redução e de supressão, a palavra foda-se passou a (fo)dasse, mantendo o sentido original. Foi também a partir de foda-se que surgiram as formas fosga-se, fosca-se ou fónix, que querem dizer exatamente a mesma coisa. Estas foram criadas para suavizar (e ocultar) o sentido original do palavrão.
Afinal, o que é que os palavrões têm de tão especial que não conseguimos parar de os dizer?
A dificuldade em produzir ou compreender palavras ou frases pode ocorrer devido a uma lesão no lado esquerdo do cérebro, a zona responsável pela comunicação oral e pelos movimentos do lado direito do corpo. Apesar disso, quando uma lesão destas acontece, esta raramente afeta a reprodução de palavrões. Para alguns cientistas, isto pode querer dizer que este tipo de palavras está ligado a uma outra área do cérebro — a das emoções.
É o sistema límbico, uma zona escondida no interior do cérebro, que é responsável pelas emoções básicas, pelos impulsos e por alguns aspetos da aprendizagem. E os palavrões têm uma forte componente emocional — são “uma forma de aliviar o stress e de transmitir o que sentimos aos outros”, explicou ao Observador o psicólogo Timothy Jay.
Mas não é apenas nas alturas mais complicadas que os palavrões surgem. Estes também podem ser uma maneira de “sermos engraçados, de procurarmos a coesão social ou de nos sentirmos inseridos”, salientou o especialista em palavrões.
É por estas razões que alguns investigadores acreditam que as asneiras podem estar mais ligadas à expressão de emoções do que à articulação de uma ideia, o que pode explicar o facto de a sua produção não ser afetada por lesões no lado esquerdo do cérebro. Para além disso, são também uma espécie de discurso automático e, muitas vezes, são ditas sem nenhum motivo em especial, servindo para preencher o espaço que existe em duas ideias diferentes.
Para além de servirem para expressar emoções, Richard Stephens, professor de Psicologia na Universidade de Keele e vencedor de um Ig Nobel, acredita que as palavras “feias” também são uma “resposta natural à dor” e podem mesmo ajudar a suportá-la. “Todos sabemos que as pessoas dizem palavrões quando estão a sofrer. Eu e os meus alunos questionamo-nos se dizer palavrões ajudaria a aliviar a dor. E parece que ajuda”, disse o psicólogo britânico ao Observador.
Para comprovar a teoria, Stephens pediu a vários voluntários que pusessem uma mão dentro de um balde com água gelada e que aguentassem o máximo de tempo possível. O grupo de voluntários ao qual foi permitido dizer palavrões conseguiu ter a mão mais tempo dentro de água do que o grupo ao qual apenas foi permitido dizer palavras neutras.
“Dizer asneiras ajuda as pessoas a tolerarem mais facilmente a dor”, garantiu Richard Stephens. E “temos informação por publicar que mostra que as pessoas recebem uma maior dose de alívio com palavrões fortes do que com palavrões fracos“.
Mas o efeito anestésico das asneiras pode desaparecer se o seu uso for constante. “As pessoas que dizem mais palavrões diariamente recebem menos benefícios com a experiência. Parece que é possível tornar-se habituado aos palavrões, de tal modo que o seu efeito emocional desaparece. Esta é uma boa razão para não dizer muitas asneiras todos os dias — guarde-as para quando precisar delas!”
Hábito ou não, os palavrões podem surgir nos contextos mais variados, dependendo da personalidade da pessoa e da situação em que esta se encontra. Uns preferem dizer asneiras entre amigos, outros até as deixam escapar no trabalho. “Dizer palavrões é um hábito — uma convenção que se aprende –”, garante Timothy Jay. Apesar disso, existem pessoas que, devido à sua personalidade, têm uma tendência maior para usar este tipo de palavras, “como os extrovertidos, personalidades de tipo A (os típicos stressados) ou os agressivos”.
Mas, regra geral, os palavrões surgem “em contextos emocionais e mais provavelmente ao pé de pessoas conhecidas”. Não existe uma regra definida, mas Timothy Jay acredita que existe uma espécie de etiqueta, que dita “quem, o quê, onde e quando” os palavrões podem ser ditos.
“A etiqueta determina a diferença entre o ser divertido e o ser ofensivo”, referiu o psicólogo. Isto porque, dizer palavrões, não é necessariamente bom ou mau. Depende da situação. “É positivo quando são usados para aliviar o stress, como substituto para a violência física ou para criar uma coesão social (o chamado team bonding). É mau quando é contra a lei — em situações de assédio sexual, em discursos de ódio, de discriminação, em ameaças ou obscenidades”.
Os palavrões e as crianças. Há algum mal nisso?
De acordo com um estudo realizado por Timothy Jay e Kristin Janschewitz, na altura de entrarem para a escola, os mais pequenos já têm um vocabulário de asneiras composto por 30 a 40 palavras. As primeiras asneiras costumam surgir ainda muito cedo — por volta dos dois anos de idade — e costumam ser uma preocupação para a grande maioria dos pais. Mas haverá mesmo motivo para preocupações?
Apesar de ainda não ter sido possível determinar o conhecimento que as crianças têm do significado dessas palavras, uma coisa parece ser certa — mesmo sem saber o que elas significam, os mais pequenos aprendem a usá-las com uma rapidez impressionante. Aos 11 anos, já sabem usar os palavrões como os adultos, refere o mesmo estudo.
“Todas as crianças ouvem palavrões. Ouvem-nos dos pais, dos irmãos e dos colegas. É um facto”, garantiu ao Observador Timothy Jay. “Não interessa o que os pais e professores façam para prevenir as crianças de dizerem asneiras. Quando crescerem, a maioria vai dizê-las. Por isso, encarem os factos: não há nada que se possa fazer para preveni-lo e não há nada que funcione ou que vá funcionar. Dizer asneiras é uma circunstância da vida moderna.”
Por estas razões, o psicólogo acredita que o mais importante é pensar nos motivos que levam uma criançaa dizer asneiras. “Se é bom ou mau, depende do contexto. A maioria dos pais castiga os filhos quando estes dizem um palavrão e nem sequer perguntam porque é que isso aconteceu. Se calhar querem a atenção da mãe, foram provocados por outra criança, estão chateados com alguma coisa ou, simplesmente, ouviram uma nova palavra e querem ver o que o pai ou mãe irão fazer quando a repetirem.”
“O problema não é o palavrão per se“, defende Timothy Jay. “É apenas um sintoma ou uma reação a qualquer coisa. Não é necessariamente um problema, mas antes uma fase pela qual todas as crianças e todos os pais têm de passar.”
—
Texto: Rita Cipriano
Ilustrações: Andreia Reisinho Costa