Índice
Índice
“Os russos costumam referir-se à artilharia como o deus da guerra.” Quem o relembra é Olya Oliker, especialista em assuntos russos (e não só), durante uma entrevista radiofónica à NPR dos EUA. “A Rússia gosta de privilegiar aquilo a que os militares chamam de fogo: bombardeamentos, ataques de artilharia, mísseis”, conta a analista nascida na era da Rússia de Leonid Brejnev, mas que, ainda em criança, seguiu para os Estados Unidos como refugiada. Quis estudar guerra e é hoje uma das referências do think tank The International Crisis Group quando se fala de assuntos relacionados com a Rússia e a Ásia Central.
Os bombardeamentos russos a cidades como Mariupol ou Kiev têm passado por diferentes estágios desde a invasão da Ucrânia, ordenada por Vladimir Putin, há um mês, a 24 de fevereiro. Os primeiros ataques em nada se assemelham aos bombardeamentos mais recentes que aumentam de agressividade à medida que a guerra se alarga em dias. Se os alvos civis foram poupados nas primeiras horas do conflito, esse cuidado já não existe. A própria evolução das armas usadas — os russos começaram a recorrer a armas secretas e às hipersónicas —, vão escrevendo as páginas da história desta guerra que, para os especialistas ouvidos pelo Observador, tem todos os ingredientes para continuar a escalar de violência.
[Veja nesta imagem interativa como os ataques têm evoluído ao longo dos dias]
Expectativa: rendição instantânea. Realidade: resistência infinita
Todos os analistas apontam na mesma direção. A Rússia tinha um plano para a Ucrânia, que falhou em toda a linha. Esperavam que a demonstração do poderio militar, que se traduziu em longas colunas de tanques e veículos armados a percorrer lentamente o território ucraniano, fosse suficiente para que o governo de Volodymyr Zelensky entregasse Kiev e o Capitólio a Putin. O que falhou nas contas do Kremlin foi a força (e o moral) da resistência ucraniana que recusa a rendição.
“Acredito que o Plano A falhou e o plano B, militarmente, é esta mudança para o uso muito pesado de artilharia”, defende Olya Oliker, que acredita que a questão do que vai ser feito a seguir com uma cidade em ruínas, caso os russos ganhem, “não foi pensada”.
Falando com o Observador a partir de Moscovo, Oleg Ignatov, que trabalha na mesma equipa do Crisis Group, acrescenta um detalhe ao que diz Olya Oliker. “Há diferentes estratégias militares, mas não há diferentes estratégias políticas. As exigências de Putin continuam a ser as mesmas: a desnazificação, a desmilitarização e a neutralidade da Ucrânia.” O analista russo lembra que Putin quer que Zelensky reconheça a soberania russa na Crimeia e nas repúblicas separatistas, tudo “objetivos oficiais”, podendo haver outros que não são conhecidos.
A estratégia militar é outra questão. “Tinham um plano inicial, que falhou, e agora estão a adaptá-lo. Falo com muitos especialistas aqui na Rússia e todos acreditam que o plano inicial era tomar o regime. Esperavam uma campanha muito rápida, uma campanha de choque, em que a imagem das forças russas em Kiev, e a demonstração da força através do disparo de mísseis e do uso de artilharia, causaria o medo entre os líderes ucranianos.” Não foi o que aconteceu.
O que não esperavam, diz Ignatov (que já trabalhou para o Rússia Unida, o partido de Putin), era destruir o exército ucraniano, já que a convicção era de que o governo de Zelensky iria falhar muito rapidamente — ou, pelo menos, abandonaria Kiev. “Aí, as forças russas tomariam conta da capital muito rapidamente, instalando um novo governo. Penso que esta era a estratégia inicial. Não iam destruir o exército ucraniano, iam mudar o regime muito rapidamente através da demonstração da força militar russa. Contavam com 5, 6 dias”, diz o analista, lembrando que as forças militares chegaram aos arredores de Kiev muito rapidamente. Apesar disso, 27 dias depois da invasão, a capital não foi tomada.
“Putin não esperava a queda do governo em 24 horas, mas em poucos dias. No máximo uma semana. Isso falhou devido à resistência ucraniana, falhou porque Zelensky não deixou Kiev e falhou porque o governo não colapsou”, defende Oleg Ignatov.
Quando o plano A fracassa, é preciso mudar para o B e começam os bombardeamentos das cidades em força, como já tínhamos visto na guerra da Síria. “As forças russas estavam prontas para uma campanha curta, para uma demonstração de força, não estavam preparadas para uma longa campanha”, defende Ignatov. Um dos problemas é que os exércitos dos dois países são muito diferentes e a Rússia não usou o seu poderio como seria de esperar.
“O exército russo tem muitos veículos, carros armados e tanques, usam diferentes colunas, usam estradas e são um alvo fácil para as tropas ucranianas que funcionam em pequenos regimentos”, argumenta. Assim, os tanques, mesmo quando são do mais avançado que existe, “são fáceis de atacar porque os russos não têm forças terrestres suficientes para proteger estas colunas”.
Quanto à forma de fazer guerra, Oleg Ignatov diz que as forças militares estão a fazer o que aprenderam a fazer e recorre ao tradutor online para ter certeza de que passa a mensagem correta. “Não sabem fazer as coisas de outra maneira, não sabem lutar de outra maneira. Não têm experiência de outra guerra. Podemos comparar com o que aconteceu na Chechénia e na Síria: destruíram Grózni, Alepo, Palmira. Estão a fazer o mesmo na Ucrânia, porque não sabem fazer de outra forma.”
As tropas russas, diz, “não se importam com o lado humanitário da guerra” e até os ucranianos “ficaram surpreendidos por a Rússia não querer saber dos corpos dos seus soldados”.
Para a estratégia russa, Mariupol pode desaparecer debaixo das cinzas
Ao 19.º dia de guerra, Edward Stinger, antigo diretor de operações no Ministério da Defesa britânico, já previa aquilo que agora é certo. Mariupol, peça estratégica para os russos, será bombardeada até à rendição, sem poupar casas, hospitais, escolas ou maternidades. Pelo contrário, os ataques a alvos civis ganham maior importância como forma de obrigar Zelensky a capitular. Mas não foi isso que aconteceu (até agora) e apesar da destruição — a organização Human Rights Watch descreve o cenário como “infernal e congelante, repleto de cadáveres e prédios destruídos” — os ucranianos recusam a rendição.
Ministro ucraniano diz que resistência de Mariupol está a salvar outras cidades
Segunda-feira, 20 de março (25.º dia de guerra), o deputado ucraniano Dmytro Gurin já não escondia o desalento, ao dizer que não havia comunicações com Mariupol. Na sua opinião, a estratégia russa é matar os habitantes à fome. “Os russos não abrem corredores humanitários e não deixam as colunas humanitárias entrar na cidade. O objetivo é haver fome para imporem a sua posição nas negociações diplomáticas, e se a cidade não se render, eles não vão deixar sair ninguém.”
Dois dias depois, a cidade estava cercada, e a ser atacada por, pelo menos, sete navios a partir do Mar de Azov. Segundo os serviços de defesa norte-americana, havia tropas na cidade onde ainda estão cerca de 200 mil pessoas.
Por que motivo há esta obsessão com Mariupol? Edward Stringer explicava a 14 de março: “O que está a ser revelado gradualmente é o plano B da Rússia. Se olharmos para o sul, que é onde os esforços militares têm sido mais bem sucedidos, há uma tentativa de ligar a Rússia, via Donbass, à Crimeia. Mas Mariupol não foi tomada, apesar de ser muito bombardeada.”
Os mísseis não pararam de cair na cidade, mostrando a importância que tem para a Rússia garantir passagem segura nem que seja através de ruínas. É que ao tomar aquele pedaço de terra, os russos ganham um corredor terrestre que permite reabastecer as tropas com homens, comida, combustível e munições, um problema que tanto russos como ucranianos têm sentido no terreno.
“O bombardeamento a residências é outra das partes do Plano B, infelizmente. Se os russos não conseguirem reunir forças para sitiar e tomar estas cidades, o mais provável é cercarem-nas, bombardearem-nas, tentando aterrorizar a população para pôr pressão em Zelensky, forçando-o a negociar e a dar algo à Rússia por este aventurismo militar”, explica o analista britânico. E é isso que tem sido visto em várias localidades, com maior ou menor intensidade.
Forças ucranianas continuam a repelir tentativas russas de ocupar Mariupol
Em Mariupol, já foram atingidos vários alvos civis, como um hospital pediátrico e uma maternidade e, mais recentemente, um teatro que servia de refúgio a civis, crianças incluídas, mesmo estando sinalizado com letras garrafais com a palavra crianças em cirílico de que abrigava menores.
Enquanto Mariupol não cair, Edward Stringer acredita que o foco dos russos não será desviado para outros pontos, como Odessa. “Parece que a Rússia não consegue juntar as forças para conseguir aquilo que seria um troféu óbvio”, disse o britânico. Assim, tem de escolher um alvo de cada vez para a destruição total. Esse ataque em força a Odessa, acredita o analista militar, só acontecerá depois de a Rússia garantir Mariupol, mesmo que pelo caminho não parem de cair mísseis por todo o território ucraniano.
A 21 de março (26.º dia de guerra), os Estados Unidos detetaram aumento da atividade naval russa no mar Negro, a partir de onde é possível sair um ataque de artilharia de larga escala a Odessa. Segundo o Pentágono, os russos dispõem de “pouco mais de uma dezena de navios de guerra, embarcações de combate anfíbias de diferentes classes e tamanhos, navios de superfície, draga-minas e patrulheiros que colocaram a norte do mar Negro”.
Na semana passada, outro militar da Força Aérea britânica lembrava a importância histórica deste corredor. “Se recuamos 200 anos, toda esta linha costeira era controlada pela Rússia. Se pensarmos no ponto de vista de Putin, e na recuperação do Império Russo, ele quer toda esta terra de volta”, argumentou Sean Bell na Sky News. “Do ponto de vista estratégico, se Putin tem a Crimeia no sul e a Mãe Rússia no este, pode criar aqui uma ponte terrestre a ligar as duas regiões. Poder abastecê-las é muito importante. Mariupol é a ferida nessa estratégia e, portanto, tem de ser uma das suas prioridades.”
A 22 de março, no seu relatório de guerra, o Ministério da Defesa ucraniano avançava a informação de que as tropas russas só teriam munições e reservas alimentares para um máximo de três dias, escasseando também o combustível que tem chegado aos militares através de camiões-cisterna.
A importância deste corredor é uma ideia reforçada pela analista Alex Walmsley, do Royal United Services Institute, que acredita que Mariupol pode cair depois de literalmente cair no chão. “Mariupol pode cair no contexto de que a cidade pode ser pulverizada. Os russos estão a ir além dos alvos estratégicos, estão simplesmente a bombardear, espalhando destruição e devastação. Se cair, dá à Rússia uma rota clara, por terra, até à península da Crimeia”, explicou numa entrevista à Sky News.
Já o analista Michael Clarke defendia, no mesmo canal, que a queda de Mariupol poderá estar para breve. “Os ucranianos vão ter de decidir se a abandonam e vão defender outros locais, como Kiev, sabendo que, se o fizerem, vão perder boa parte do território que tão ferozmente têm defendido.”
Seja em Mariupol, seja noutras cidades ucranianas, Oleg Ignatov diz ao Observador que a estratégia russa, depois do falhanço do plano A, será igual em todo o país: “Cercar cidades e tentar causar crises humanitárias. Atacar as cidades, destruir casas, apartamentos. É uma tragédia e uma catástrofe humanitária e penso que estão a provocá-la deliberadamente, por exemplo, em Mariupol.”.
Kiev. Ganhar os arredores para levar a infantaria até ao Capitólio
Na capital da Ucrânia, a estratégia é outra. Incapaz de entrar no centro da cidade, a Rússia virou-se para os arredores. Michael Clarke, analista de Defesa, explica a importância de usar esses ataques de artilharia: se conquistarem os arredores de Kiev, os russos podem “ameaçar reduzir a cidade de fora para dentro”.
Interativo. Imagens mostram cidades da Ucrânia antes e depois dos ataques da Rússia
O analista da Sky News, em dois momentos diferentes, explicou o que se esconde atrás deste tipo de ataque. “A importância de conquistar estes arredores de Kiev é que, a partir daí, a artilharia pode ser transportada para muito próximo da capital e isso fará toda a diferença. Apesar de não serem armas precisas, fazem o estrago necessário”, explicou, a 16 de março (21.º dia da guerra). “São tanques howitzer, parecem tanques, mas têm uma grande arma por cima, com calibre de 152 mm, que disparam 6 ou 8 rounds por minuto.” Se conseguirem cercar a cidade desta forma, podem ameaçar reduzi-la a cinzas, o que levaria uma a duas semanas de bombardeamentos com armas de baixa precisão, segundo as estimativas de Michael Clarke.
Ao 24.º dia, a sua análise mantinha-se inalterada. Sem grandes mexidas ou mudanças no mapa que mostra a localização das tropas, os bombardeamentos continuam. “Não houve avanços no mapa, mas a Rússia está numa estratégia de atrito. Tem tropas em vários sítios, há mais bombardeamentos, há mais civis mortos, e estão a levar a artilharia para mais perto de Kiev.”
O facto de as tropas não mexerem não é propriamente um bom sinal. “Estamos sempre à procura das mudanças e quando não as vemos pensamos que tiraram o dia de folga. Nada está mais longe da verdade”, defendeu Sean Bell, militar britânico. Na sua opinião, a estagnação da ofensiva tem a ver com um reabastecimento em massa, de combustível, armas, soldados e mantimentos — “tudo o que for necessário para o próximo embate”.
Oleg Ignatov não tem grandes dúvidas sobre o futuro da capital: “Se as forças russas tentarem cercar Kiev, vamos ver o mesmo que vimos em Mariupol. Neste momento não conseguem cercar a cidade, mas podem enviar mais recursos”, defendeu no 22.º dia de guerra. Para o analista russo, tudo depende do que acontecer nas negociações de paz, nas quais não deposita grandes esperanças. “Se Zelensky ceder às exigências não veremos o bombardeamento de Kiev, mas se a Ucrânia recusar — pode aceitar a neutralidade, mas recusar outras concessões — o ataque será forte.” No entanto, a sua análise é de que a liderança russa não está a apostar tudo nessa negociação. “Estão a reorganizar-se. Se a negociação não funcionar, veremos lutas por Kiev.”
Bombardear Kiev causando destruição ao nível da que já aconteceu em Mariupol daria, a Vladimir Putin, benefícios estratégicos: “Se ele não conseguir o que quer nas negociações, vai tentar ter outro tipo de influência, vai tentar ter mais argumentos para que os ucranianos concordem com as suas exigências, como tomar Kiev ou demonstrar que a cidade não tem recursos para manter esta resistência”, sublinha Ignatov. As populações poderiam pressionar o governo a baixar os braços.
Na sua opinião, Putin vai tentar ganhar mais territórios, tantos quantos puder, o que não quer dizer que consiga. “Tudo depende do que acontecer no terreno, da resistência ucraniana, dos seus recursos, e dos recursos russos. A situação ainda está em aberto. Não consigo dizer que um deles vai ganhar”, conclui o analista.
Recursos como munições são fundamentais e, segundo os serviços secretos ucranianos, citados pelo Instituto de Estudos da Guerra, a Rússia terá gasto quase todo o seu stock de mísseis de cruzeiro (armas de precisão) durante os primeiros 20 dias do conflito.
“As guerras não acabam quando fica o último homem de pé, acabam com negociação e cada um dos lados quer estar tão forte quanto possível nesse momento”, lembra Sean Bell. O militar britânico partilha alguns pontos de vista com Ignatov: “Putin quer ganhar a maior quantidade de terreno que conseguir antes de negociar, para ter a mão mais forte possível ao discutir um cessar fogo.”
Mesmo que as tropas russas consigam fazer cair Kiev, Jeremy Friedman não crê que a Rússia tenha condições de administrar a cidade e muito menos o país. “Mesmo que consigam achatar Kiev com bombardeamentos e mísseis, a capacidade para ocupar e administrá-la está para lá da compreensão russa”, disse ao Observador o investigador do Centro Davis para Estudos Russos e Euroasiáticos da Universidade de Harvard, onde é também professor. “Seria preciso cerca de meio milhão de pessoas, entre administrativos e soldados, para ocupar um país do tamanho da Ucrânia. A Rússia não consegue suportar isso.”
Ataques perto da fronteira da NATO são, acima de tudo, avisos
Foram, até agora, dois ataques. Com 5 dias de diferença, as tropas russas fizeram cair munições bem perto da fronteira com a Polónia, primeiro em Yavoriv, depois em Lviv. Os analistas acreditam que, em ambos os casos, mais do que atacar os alvos, a Rússia quis enviar uma mensagem à NATO.
O primeiro caso, a 13 de março (18.º dia de guerra) é flagrante. O alvo foi o Centro para a Manutenção da Paz e Segurança Internacional onde os instrutores da NATO treinam militares ucranianos. A 18 de março (23.º dia), foi atingido o aeroporto de Lviv.
A leitura de Edward Stringer, militar britânico, é clara e, de novo, prende-se com os recursos necessários para manter a guerra viva. “Se a nossa leitura do plano B está certa, todas estas tropas precisam de se realinhar, reabastecer e recolocar, e estão em corrida com as forças ucranianas, que têm sido muito bem sucedidas, mas que também precisam de se reabastecer”, afirmou. Com o ataque a Yavoriv, a Rússia “está a passar uma mensagem, está a dizer ao Ocidente ‘nem pensem em abastecer as forças ucranianas’”.
Oleg Ignatov acredita no mesmo: “Foi um ato simbólico porque é ali que os instrutores da NATO treinam os soldados ucranianos. Foi uma mensagem”, disse, lembrando que o ministro russo Sergey Lavrov e Dmitry Peskov, porta-voz presidencial, avisaram que a Rússia atacaria colunas europeias que tentassem chegar à Ucrânia com armas.
A ameaça foi feita depois de vários países do Ocidente anunciarem o envio de armas letais para a Ucrânia. A esse aviso, Joe Biden respondeu com outro. O presidente norte-americano não tenciona enviar soldados para a Ucrânia, mas defenderá cada centímetro da NATO.
A ideia de que pode ter sido um erro, ou engano, não convence a analista Alex Walmsley. “O ataque ao aeroporto deverá ter sido com um míssil cruzeiro, que pode viajar milhares de quilómetros, e pode ter partido do Mar Negro ou de territorio terrestre russo”, argumentou. Estas são armas de grande precisão, recorda. “Dificilmente se tratou de um erro, foi com intenção de destruir infraestruturas e de enviar uma mensagem para os aliados da NATO: a Rússia consegue atingir praticamente a fronteira” dos países da Aliança Atlântica. “Um míssil cruzeiro pode ser direcionado para atingir uma janela… Foi um sinal para mostrar o que a Rússia é capaz de fazer.”
As armas secretas da Rússia
Desde o início da invasão que o armamento usado pelos russos tem surpreendido o Ocidente, ora por se tratarem de armas proibidas (cujo uso pode ser considerado crime de guerra), ora por usarem armas secretas, como o engodo no sistema Iskander-M, ora até por recorrem a mísseis hipersónicos, pensados para uma guerra apocalíptica entre potências nucleares.
Bombas de estilhaço e de vácuo. A Rússia pode estar a cometer crimes de guerra na Ucrânia
Depois de se suspeitar do uso de bombas de estilhaços e de vácuo (termobáricas), a Rússia admitiu estar a usar estas últimas, segundo um dos relatórios de guerra do Ministério da Defesa britânico. Conhecida como o Pai de Todas as Bombas, o explosivo interno usa o oxigénio do ar à sua volta para gerar uma explosão de elevada potência, que evapora tudo o que a rodeia. Além disso, cria uma enorme bola de fogo, que suga todo o oxigénio à sua volta, com temperaturas elevadas o suficiente para destruir órgãos internos e explodir pulmões.
Podem ser disparadas de várias plataformas, como os mísseis balísticos Iskander-M (capazes de transportar uma ogiva termobárica de 700 quilos), mas, segundo a inteligência britânica, terão sido lançadas a partir do TOS-1, um lançador múltiplo de foguetes (pode lançar 24 termobáricas numa área de 200 metros).
O sistema Iskander-M está a ser usado em conjunto com um tipo de arma secreta, que serve como engodo, para confundir e escapar aos sistemas de defesa anti-aéreos, nunca usado em nenhum conflito anterior. Segundo os serviços secretos norte-americanos, estes mísseis balísticos de curto alcance — os principais responsáveis pelas baixas civis que têm, entre outras, ogivas de fragmentação — transportam consigo uma armadilha.
Em forma de dardo, muitas destas munições começaram a ser encontradas na Ucrânia e, inicialmente, acreditava-se que fossem bombas de fragmentação. Agora, os especialistas acreditam que é mais um dos muitos elementos do complexo sistema Iskander, complementos que nunca saíram da Rússia para não caírem em mãos inimigas.
O seu papel é proteger os mísseis russos dos sistemas de defesa ucranianos que usam tecnologia de radar ou calor. Disparados com o míssil principal, soltam-se a meio do voo e confundem os sistemas de defesa através do envio de ondas rádios. Com esses sistemas de defesa focados nesta munição de engodo, o míssil principal segue a sua viagem até ao alvo, correndo menor risco de ser abatido.
Outra novidade, anunciada pela Rússia, foi o uso de mísseis hipersónicos Kinzhal (em português, punhal) para destruir um armazém de munições ucranianas. Terá acontecido a 19 de março, 24.º dia da guerra, segundo a agência de notícias estatal russa Interfax.
“O sistema de mísseis de aviação Kinzhal com mísseis balísticos hipersónicos destruiu um grande armazém subterrâneo contendo mísseis e munição de aviação na vila de Deliatyn, na região de Ivano-Frankivsk”, disse o porta-voz do Ministério da Defesa, Igor Konashenkov, citado pela agência.
A região faz fronteira com a Roménia, membro da NATO.
O analista Michael Clarke lembra que não há defesa possível contra este míssil que terá sido lançado a partir de um caça MIG 31K. “São armas que foram desenvolvidas para a ideia de uma guerra apocalíptica entre super potências nucleares”, disse no seu comentário habitual na Sky News. “Não são para ser usados numa guerra contra um país mais pequeno. É mais um limite que foi passado.”
Além dos caças MIG 31k, o Punhal pode ser lançado do Tupolev Tu-22M, um avião supersónico. Esta designação é dada a velocidades superiores à do som, Mach 1, e a aeronave desloca-se a uma velocidade entre Mach 1 e Mach 5. Já o míssil em si é hipersónico, ou seja, viaja a uma velocidade superior a Mach 5.
Pode ser carregado com munição convencional ou nuclear.