No dia 29 de julho, Eliza recebeu uma notificação no Facebook. Era um pedido de amizade do ex-marido. Cinco dias depois, a 3 de agosto, um novo pedido, mas desta vez no Instagram. Eliza bloqueou as duas contas, mas o que aconteceu em 2016 voltou a atormentá-la e regressou também o medo de passar por tudo outra vez. A tentativa de homicídio de que foi vítima valeu a Carlos Pinto — um conhecido antigo empresário e milionário — uma condenação em Espanha. Mas, depois de cumprir dois terços da pena de 11 anos e quatro meses, o homem saiu em liberdade condicional. O crime que aconteceu há oito anos foi amplamente noticiado também pela imprensa espanhola, tanto pelos contornos, como pelo objetivo financeiro que o português pretendia alcançar — a justiça espanhola acabou mesmo por dar como provado que Carlos Pinto tentara matar a mulher para conseguir uma indemnização de 150 mil euros do seguro de vida.
Ainda não tinham passado dois meses da sua saída, que foi a 7 de julho deste ano, quando Carlos Pinto conseguiu encontrar a ex-mulher, com quem tem uma filha, nas redes sociais. E, pela mesma altura, começou também a enviar mensagens aos amigos de Eliza que a deixaram ainda mais assustada. “Triste quando não se vê os nossos filhos crescer. Especialmente se tem somente dois anitos. Mas há gente que está a mais na vida”, lê-se numa das mensagens a que o Observador teve acesso. Agora, não é conhecido o paradeiro deste homem e a justiça espanhola quer que volte para a prisão, após ter tomado conhecimento de que não respeitou o afastamento da vítima.
A história do milionário português que tentou assassinar a mulher em Vigo
Tribunal espanhol proibiu Carlos Pinto de permanecer em Espanha e revogou liberdade condicional
Quando recebeu os tais pedidos de amizade nas redes sociais, Eliza não sabia que o ex-marido já não estava na prisão de Pontevedra. Descobriu quando entrou em contacto com a sua advogada e, posteriormente, foram pedidos esclarecimentos ao tribunal, contou Eliza ao Observador. Foi nessa altura, há pouco mais de uma semana, que percebeu que, uma vez que Carlos Pinto cumpriu dois terços da pena em março, lhe tinha sido autorizada a liberdade condicional.
Mas a justiça espanhola decretou, num despacho emitido em junho, que a suspensão da pena deveria ser cumprida em Portugal e que este homem não poderia ficar em Espanha. “Proibição de entrar e/ou residir em território espanhol, durante o tempo da suspensão da condenação a contar desde o momento efetivo da liberdade”, lê-se na decisão a que o Observador teve acesso. Além disso, também ficou definido que Carlos Pinto não poderia estar a menos de 500 metros da sua ex-mulher, nem da sua casa, nem do seu local de trabalho durante 18 anos. E foi também decretada a proibição de qualquer comunicação com Eliza “através de quaisquer meios”, também pelo período de 18 anos.
Sabendo que o ex-marido está em Portugal – até porque foi essa a determinação do tribunal –, foi na mesma altura, no início deste mês de agosto, que Eliza contou à Justiça espanhola que o homem a quem foi concedida liberdade condicional tinha tentado aproximar-se, ainda que por via virtual, quebrando um dos pressupostos da liberdade condicional.
[Já saiu o terceiro episódio de “Um Rei na Boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no YouTube. Também pode ouvir aqui o primeiro e o segundo episódio]
Esta aproximação e as mensagens enviadas aos amigos, que mencionavam existir “gente que está a mais na vida” foram suficientes para o tribunal de Salamanca decidir em poucos dias revogar a decisão da suspensão da pena. De acordo com o despacho com data de 8 de agosto, a que o Observador teve acesso, o tribunal de Salamanca entendeu que existem indícios suficientes, dados por Eliza, que permitem concluir que o nível de perigosidade aumentou e que, por isso, a decisão deveria ser revertida.
Carlos Pinto deverá então cumprir o resto da pena na prisão, tendo o tribunal determinado ainda que os meses passados em condicional não serão contabilizados como tempo de cumprimento da respetiva pena. No mesmo documento, é ainda referido que as autoridades europeias competentes devem ser avisadas para que o ex-marido de Eliza seja localizado, uma vez que já não deverá estar em Espanha, mas sim em Portugal. Ao que o Observador apurou, este homem ainda não foi encontrado.
Queixa na PSP pode vir a resultar em botão de pânico
O Observador tentou, junto de fonte da Polícia Judiciária, saber se já foi recebida alguma informação por parte de Espanha, mas não foi dada qualquer informação.
Assim que começaram as tentativas de contacto por parte de Carlos Pinto e assim que percebeu que este estava em liberdade, ainda que condicional, Eliza decidiu ir à PSP de Braga e apresentar queixa. Neste momento, contou, está à espera que sejam determinadas as respetivas medidas, sendo que uma delas poderá passar pela obtenção de um botão de pânico.
O Observador tentou perceber junto da PSP qual o seguimento dado à queixa em questão, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
Ataque violento que terminou em tentativa de homicídio
Em 2016, depois de seis meses de casamento e cerca de seis de namoro, Carlos Pinto, na altura com 57 anos, e Eliza, com 28, saíram do condomínio de luxo onde viviam, em Vila Nova de Gaia, e foram até Vigo, Espanha. O motivo seria uma reunião de negócios com o gestor de conta no Banco Santander, contava em 2018 o jornal espanhol El País. Carlos era um conhecido empresário natural de Viseu e Eliza uma jovem que tinha deixado as passerelles.
O primeiro hotel, onde tinham reserva, não lhes agradou e o casal acabou por passar a noite no NH Palacio de Vigo. Ou, pelo menos, era esse o objetivo. Pouco tempo depois da entrada naquele hotel, Carlos Pinto terá dito que não encontrava o telemóvel e que iria ver se estava no carro. Desceu para o parque de estacionamento e terá sido nessa altura que, relatava o Ministério Público espanhol, foi buscar uma maçaneta de calceteiro.
No dia seguinte, no momento em que Eliza saía do duche, Carlos Pinto terá utilizado a maçaneta de calceteiro para a agredir na cabeça. A mulher perdeu temporariamente a visão, mas ainda conseguiu perceber que quem a estava a atacar era a pessoa com quem mantinha uma relação. Foi agredida mais algumas vezes, mas conseguiu escapar e pedir ajuda aos funcionários do hotel.
Para o tribunal, ficou claro que o motivo da tentativa de homicídio era financeiro, uma vez que o casal tinha feito um seguro de vida meses antes, no valor de 150 mil euros. Dada a frágil situação financeira em que Carlos Pinto se encontrava, este teria sido considerado um motivo válido para o crime.