Ao todo são 59 as mulheres que outras duas, Luísa V. de Paiva Boléo e M. Margarida Pereira-Müller, reuniram em “As Primeiras — Pioneiras Portuguesas num Mundo de Homens”.
E se Maria de Lourdes Pintasilgo, primeira primeira-ministra portuguesa, ou Manuela Ferreira Leite, que, além de primeira presidente de um partido político, foi também a primeira a desempenhar os cargos de ministra de Estado e das Finanças, seriam sempre obrigatórias, o que não faltam são biografias de mulheres com nomes menos sonantes, mas reconhecíveis. Ou até completamente desconhecidos, como o de Patrícia Pinto que, depois de uma passagem pelo Exército, se converteu, em 2000, na primeira mulher aos comandos dos comboios da CP.
“O objetivo desta nossa obra ‘As Primeiras – Portuguesas Pioneiras num Mundo de Homens’ é ajudar a retirar da sombra as vidas, vivências e legado de mulheres portuguesas que tiveram a coragem de se emancipar e serem pioneiras numa determinada área, muitas vezes contra tudo e contra todos”, explicam as autoras na introdução.
No ano em que “duas mulheres vão liderar, pela primeira vez, duas importantes instituições europeias – a Presidência da Comissão Europeia e o Banco Central Europeu”, quiseram reunir numa “obra abrangente” as mulheres que em Portugal foram as primeiras. Para isso, mergulharam em bibliotecas, arquivos familiares, hemerotecas e centros de documentação e desdobraram-se em entrevistas, com as próprias pioneiras, familiares ou amigos.
O resultado é um livro onde tanto se contam as histórias da primeira médica, da primeira realizadora de cinema ou da primeira juíza do Tribunal Constitucional, como os percursos da primeira calceteira de Lisboa, das primeiras faroleiras, da primeira polícia ou da primeira empresária vinícola. “Porquê estas ‘primeiras’ e não outras? Privilegiámos mulheres que desbravaram caminhos em profissões e meios tradicionalmente ocupados por homens”, explicam Luísa V. de Paiva Boléo e M. Margarida Pereira-Müller, não descartando a hipótese de um segundo tomo, com “outras” pioneiras.
O Observador faz a pré-publicação de “As Primeiras — Pioneiras Portuguesas num Mundo de Homens” e revela as histórias de 11 destas 59 mulheres.
Primeira apresentadora de televisão
Maria Armanda Falcão (1917‑1996)
Até meados do século xx, não havia televisão em Portugal. A 7 de março de 1957 viveu‑se com muito entusiasmo o nascimento da caixinha mágica.
Mas antes desse primeiro momento de televisão, já a RTP tinha tido várias emissões experimentais, que começaram a ser emitidas em circuito fechado a 18 de julho de 1955 a partir do Pavilhão das Indústrias Portuenses, instalado na Feira Popular do Porto.
Porém, o grande momento foi às 21h30 do dia 4 de setembro de 1956, na Feira Popular de Lisboa, no Parque da Palhavã em Lisboa, quando Maria Armanda Falcão, até então secretária da RTP e que mais tarde viria a tornar‑se famosa como cronista social sob o pseudónimo de Vera Lagoa, abre a primeira emissão experimental aberta, logo após as palavras de boas‑vindas de Raul Feio. Outro rosto que marcou essa fase experimental foi o de Gina Esteves, uma locutora que vinha da rádio.
Maria Armanda Pires Falcão nasceu na Ilha de Moçambique no dia de Natal de 1917. Quando Maria Armanda era ainda criança, o pai, antifascista, é deportado para a Madeira e, mais tarde, para os Açores e para Cabo Verde.
Casa muito cedo e trabalha como secretária na RTP. Quando abriu o concurso para locutora, candidatou‑se. Passou os testes, mas para ficar com o lugar teria de mudar a cor do cabelo, pois a RTP não queria locutoras com o cabelo preto. Ficou pouco tempo na televisão, tendo sido despedida por excesso de protagonismo.
Antifascista e muito decidida, foi secretária do general Humberto Delgado, tendo participado ativamente na sua campanha em 1958. Foi aí que conheceu o seu segundo marido, José Manuel Tengarrinha, de quem se separa em 1965.
A convite de Francisco Pinto Balsemão, foi para o Diário Popular, onde assinava com o nome de Vera Lagoa crónicas sociais, «Bisbilhotices», temidas pela elite, pois era muito frontal e não tinha papas na língua.
Em 1959, é convidada para organizar o concurso de Miss Portugal, que não quer que seja somente um espelho da beleza da mulher, mas também uma mostra das suas qualidades intelectuais. Este primeiro concurso é ganho por Maria Teresa Mota.
Em 1975, já grande defensora de ideais da direita, co-fundou com Nuno Rocha o semanário O Tempo. Um ano depois, criou o seu próprio jornal, O Diabo, onde, destemida, enfrentava políticos e empresários poderosos, de tal modo que, após o 2.º número, o Conselho da Revolução suspendeu o jornal por «ofensas ao 25 de Abril e às Forças Armadas».
Todos os anos, Vera Lagoa organizava uma manifestação na Avenida da Liberdade no dia 1 de dezembro para lembrar o Dia da Restauração – muito criticada pelos partidos de esquerda, mas com grande apoio popular. Por exemplo, a 1 de dezembro de 1977 esta manifestação contou com 150 mil pessoas.
Faleceu em Lisboa a 19 de agosto de 1996.
Primeira maquinista da CP
Patrícia Pinto (1968)
Nascida em 1968 em Lisboa, Patrícia Pinto nunca sonhou com profissões tradicionais. Ao acabar o 12.º ano, teve vários trabalhos esporádicos até que, em 1995, aos 23 anos, resolveu candidatar‑se ao Exército. Fez a recruta lado a lado com os seus colegas masculinos mas, contrariamente ao que esperava, foi colocada como amanuense no Arquivo Geral do Exército – o Exército já tinha aberto as portas às mulheres, mas dava‑lhes trabalho de secretaria e não de ação.
Foi pedindo transferência para outras unidades e até para missões no estrangeiro, mas o Exército mantinha‑a num trabalho dentro de portas, em que nem precisava de usar uniforme.
Ao fim de cinco anos, farta e desiludida, começou à procura de alternativas. Um dia, ao comprar um bilhete na CP na Linha de Sintra, viu o anúncio do concurso para maquinista da CP e candidatou‑se, apesar de nem ter carta de condução! Nesse ano de 2000, duas mulheres chegaram ao fim desse processo de seleção: Patrícia Pinto e Isabel Baptista, tornando‑se assim as duas primeiras mulheres maquinistas da CP.
Foi difícil ultrapassar os receios baseados em preconceitos. Muitos foram os comentários negativos que tiveram de ouvir tanto de colegas como de passageiros. Chegaram até a aparecer queixas, junto do Departamento de Recursos Humanos, de funcionários da CP, dizendo que havia maquinistas que levavam as namoradas para os comboios e até as deixavam conduzir! Colegas masculinos deixavam mensagens muito pouco corretas nos telemóveis de serviço. Na estação do Rossio chegou a ouvir um passageiro a dizer: «Este comboio vai ser conduzido por uma mulher. Nem pensar», e saiu para entrar no comboio estacionado ao lado e que sairia mais tarde.
Atualmente, a CP tem quatro mulheres maquinistas, sendo que uma já é inspetora e já não está a conduzir.
Primeira eleitora portuguesa
Carolina Beatriz Ângelo (1878 ‑1911)
Carolina Beatriz Ângelo, médica, feminista, crítica literária, escritora, lexicógrafa, filóloga de língua portuguesa e a primeira mulher a votar em Portugal (e na Europa Central e do Sul), nasceu na Guarda a 16 de abril de 1878, tendo aí feito a escola primária e o liceu.
Mudou‑se para Lisboa para ingressar nas Escolas Politécnica e Médico‑Cirúrgica, onde concluiu o curso de Medicina em 1902, tendo mais tarde tirado a especialidade de ginecologia. Foi a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de São José.
Em 1902, casou ‑se com o seu primo Januário Barreto Duarte, ativista republicano, de quem teve uma filha em 1903.
Iniciou a militância cívica em 1907, com outras médicas, vindo a aderir a movimentos femininos a favor da paz e da implantação da República e à Maçonaria, onde foi iniciada nesse mesmo ano na Loja Humanidade, da qual viria a ser Venerável.
Enviuvou em 1910.
A 12 de maio de 1911, após divergências surgidas na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, potenciadas pela questão do sufrágio feminino, fundou a Associação de Propaganda Feminista com outras mulheres.
A nova lei eleitoral da República, publicada em 14 de março de 1911, concedia o voto a todos os cidadãos portugueses, maiores de 21 anos, chefes de família que soubessem ler e escrever. Carolina Ângelo era médica, viúva e mãe de uma filha menor. Fez uma leitura diferente da lei e recorreu aos tribunais, argumentando que a lei não excluía o sufrágio feminino, porque ao enumerar os requisitos do cidadão eleitor não fazia referência ao seu sexo. Após grandes discussões públicas, o juiz João Baptista de Castro (pai de Ana de Castro Osório), do Tribunal da Boa‑Hora, aceitou a argumentação e autorizou o seu recenseamento (em 1913, a República mudou a lei e interditou o voto das mulheres). Assim, Carolina Ângelo pôde votar a 28 de maio de 1911 para a Assembleia Nacional Constituinte, tendo sido a primeira mulher portuguesa a votar em eleições nacionais.
Faleceu de síncope cardíaca a 3 de outubro de 1911.
Primeira administradora de um banco central, presidente do Conselho de Administração de um banco e presidente do Conselho de Administração da RTP
Maria Manuela Morgado (1937)
Maria Manuela Matos Morgado Santiago Baptista teve uma vida profissional de excelência com uma carreira principalmente ligada à banca, tendo sido a 1.ª mulher a liderar um Conselho de Administração de um banco em Portugal, a 1.ª mulher do mundo como administradora de um banco central e a 1.ª mulher em Portugal a liderar a RTP, além de ter sido gestora de topo de várias empresas.
Nasceu a 24 de maio de 1937 em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa. Gostaria de ter seguido a área de Direito mas foi para Economia porque não tinha outra hipótese. Tinha feito o Curso Comercial e o percurso natural seria continuar no Instituto Comercial para poder fazer o exame de aptidão ao curso de Economia. Para tirar Direito teria de voltar atrás, repetir uns anos e assim iria perder tempo.
Nunca se sentiu economista, tanto que trabalhou sempre como gestora, especialmente na banca, mas também em muitas outras empresas públicas e privadas.
Terminado o curso superior em 1960, entrou imediatamente no Banco de Fomento (mais tarde integrado no BPI). Nessa altura não pensava em carreira. As mulheres trabalhavam para complementar o ordenado do marido, não para seguir uma carreira. Aliás, segundo Manuela Morgado disse numa entrevista a Ana Sousa Dias, «a carreira de uma mulher é mais difícil, pois os homens não tomam a mulher a sério». Ao sentir a discriminação, começou a querer mostrar que era melhor e a competir lado a lado com os homens. Nessa altura, as jovens licenciadas em Economia frequentemente preferiam uma carreira no ensino secundário em vez de competirem com os homens noutras áreas – com exceções, claro está. Na Associação Industrial Portuguesa, pela mão do professor Francisco Moura, e no Fundo de Desenvolvimento da Mão de Obra, eram maioritárias as economistas, talvez por serem órgãos de estudo, pouco virados para a ação. Na banca, havia ainda Isaura Simões, no então Banco Português do Atlântico, que reportava diretamente ao professor Xavier Pintado que terá vindo com ideias mais abertas do Fundo Monetário Internacional e lhe concedeu ação e visibilidade.
Após a Revolução, saiu, temporariamente, do Banco de Fomento, para participar no 6.º (e último) governo provisório, chefiado por Pinheiro de Azevedo, tendo tomado posse a 17 de dezembro de 1975 como subsecretária de Estado dos Investimentos Públicos e dos Seguros. A vida política continuou quando, no 1.º Governo Constitucional, presidido por Mário Soares, o ministro das Finanças, Henrique Medina Carreira, convidou Manuela Morgado para secretária de Estado das Finanças, cargo que acumulou a partir do ano seguinte com o de secretária de Estado do Tesouro.
Em 1979, foi nomeada para o Banco de Portugal, onde foi administradora entre 1979 e 1980. Foi a 1.ª mulher – não só em Portugal como no mundo – com um cargo de topo num banco central. A sua assinatura está eternizada nas notas de 500$, Ch. 11, emitidas a 4 de outubro de 1979, e de 100$, Ch. 8, emitidas a 2 de setembro de 1980. A sua saída do Banco de Portugal foi considerada um saneamento político.
Voltou para o seu «porto de abrigo», o Banco de Fomento, de onde saiu de novo em 1987, para ir liderar o Banco Nacional numa sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Manuela Morgado considerou a sua saída uma grande injustiça, tendo canalizado a raiva sentida num tapete de Arraiolos de 6 m2 que lhe demorou seis meses a completar – «6 m2 de raiva».
Foi para Macau liderar a Autoridade Monetária e Cambial de Macau (AMCM). Estabelecida em 1980 como Instituto Emissor de Macau (IEM), passa a ter a denominação atual em 1989.
Em novembro de 1995, Manuela Morgado aceitou o convite do Governo para ser presidente do Conselho de Administração da RTP, a 1.ª mulher a ocupar esse cargo, do qual se demite a 28 de março de 1996.
Em janeiro de 1999, é convidada para presidir ao Instituto de Seguros de Portugal, após o pedido de demissão de Tomé Gil. Também pertenceu ao Conselho de Administração da Cosec (Companhia de Seguros de Crédito).
Foi presidente da Associação Portuguesa dos Economistas (APEC), que transformou em Ordem dos Economistas, de que foi vogal do Conselho Geral, de 2005 a 2010.
Na altura da reforma, deixou a vida ativa, mas não deixou a sua participação cívica na sociedade. A 30 de novembro de 2012 foi uma das personalidades, encabeçadas por Mário Soares, que assinaram uma carta aberta ao primeiro‑ministro e ao presidente da República exigindo a Passos Coelho que mudasse de política ou apresentasse a sua demissão do cargo de primeiro‑ministro, na sequência da aprovação de um Orçamento do Estado «iníquo, injusto, socialmente condenável, que não será cumprido e que aprofundará em 2013 a recessão».
É Grande‑Oficial da Ordem de Mérito. Manuela Morgado relaxa cantando o fado e preparando – com muito prazer e com todos os pormenores – refeições para amigos. Além disse, escreve poesia, já tendo três livros em edições não comerciais.
Primeiras enfermeiras paraquedistas
«As Seis Marias»: Maria Arminda Pereira, Maria de Lourdes Rodrigues, Maria Zulmira André, Maria do Céu Policarpo, Maria Ivone dos Reis e Maria da Nazaré Duarte Mascarenhas
Vamos começar pelo princípio. A ideia de formar um corpo de «enfermeiras dos ares» partiu da primeira paraquedista portuguesa – Isabel Bandeira de Mello, que conseguiu mostrar ao governo vigente em 1956 a necessidade e importância de as populações no continente poderem ser apoiadas ou retiradas por enfermeiras paraquedistas em caso de catástrofes, grandes nevões ou incêndios em locais inacessíveis por estradas ou caminhos.
É bom frisar que Isabel Bandeira de Mello, católica e com um forte sentido social, quando foi falar com o secretário de Estado Kaúlza de Arriaga, de quem dependeria a autorização desse corpo militar, visava apenas Portugal continental. No entanto, a circunstância do início da Guerra do Ultramar em África em 1961 fez desencadear tudo muito rapidamente.
Kaúlza de Arriaga conseguiu convencer o presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, bem como as chefias militares, da necessidade desse corpo de intervenção feminino, que podia salvar vidas, como aconteceu.
Assim, em maio de 1961, foram abertas vagas para o primeiro curso de formação de mulheres paraquedistas. As candidatas teriam de ter idades entre os 18 e 30 anos, serem solteiras ou viúvas sem filhos, sem cadastro e com «boa formação moral, profissional e religiosa».
Responderam 11 jovens mulheres, que passaram nos testes médicos, mas houve cinco que ficaram para trás por não conseguirem ultrapassar as exigentes provas físicas. Terminaram seis alunas de colégios católicos que ministravam cursos de Enfermagem.
Era preciso coragem e determinação para entrar num mundo exclusivamente masculino como eram as Forças Armadas, numa altura em que a sociedade portuguesa era ainda bastante conservadora e considerava que as mulheres, em princípio, não deviam trabalhar fora de casa, exceto em algumas profissões como professoras ou outras atividades ligadas ao artesanato.
Antes de partirem para as zonas de combate, as enfermeiras paraquedistas receberam dois meses de intensa instrução em Tancos – saltos, corrida e manejo de armas de fogo –, pois iam para um severo teatro de guerra. Logo em agosto de 1961, duas enfermeiras paraquedistas foram chamadas a Angola para irem apoiar as famílias portuguesas expatriadas de Goa. Em Goa tiveram problemas com as populações que «destruíam os campos de aterragem, não por serem mulheres a saltar mas pela animosidade contra o Portugal colonial», como referiu a paraquedista Isabel Rilvas.
A experiência em África foi perigosa, porém extremamente importante e bem‑sucedida. Nos anos seguintes, dezenas de jovens paraquedistas, «anjos descidos dos céus», como lhes chamavam as populações, apoiaram e salvaram milhares de soldados e foram o único conforto no meio de uma guerra em terras inóspitas. A última missão ocorreu um ano depois do 25 de Abril de 1974 quando apoiaram a retirada de civis de Timor para Lisboa, aquando da descolonização em curso.
Primeira primeira‑ministra portuguesa
Maria de Lourdes Pintasilgo (1930‑2004)
Nascemos com talentos inatos? A hereditariedade tem muita ou pouca influência no nosso destino? E o meio em que nascemos, culto ou inculto, rico ou pobre, é determinante no nosso futuro? Estas são perguntas que nos fazemos muitas vezes quando lemos as vidas de pessoas como Leonardo da Vinci, Teresa de Ávila, Vasco da Gama, Mandela, Gandhi ou Maria de Lourdes Pintasilgo.
Num Portugal conservador, dominado pelo poder masculino e pela Igreja Católica, Maria de Lourdes Ruivo da Silva Matos Pintasilgo licenciou‑se em Engenharia Química‑Industrial, pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa, em 1953, com 23 anos. Neste curso, num total de 250 alunos, havia apenas três mulheres.
Nesse mesmo ano, Maria de Lourdes tornou‑se investigadora na Junta de Energia Nuclear e no ano seguinte é nomeada chefe de serviço no Departamento de Investigação e Desenvolvimento da Companhia União Fabril (CUF), grande e inovadora empresa que teve pela primeira vez uma mulher nos seus quadros técnicos superiores.
Em 1957, depois de uma passagem pelos Estados Unidos da América, Pintasilgo criou em Portugal, com Teresa Santa Clara Gomes, o movimento internacional católico Graal. O Concílio Vaticano II (1962‑1965), que trouxe grande renovação à Igreja Católica, entusiasmou esta católica esclarecida. Em 1969 aceitou ser procuradora à Câmara Corporativa, como independente, e liderar um grupo de trabalho sobre a participação feminina no mercado laboral.
Em democracia, depois do 25 de Abril de 1974, foi nomeada secretária de Estado da Segurança Social no 1.º Governo Provisório e ocupou como ministra a pasta dos Assuntos Sociais nos 2.º e 3.º Governos Provisórios entre julho de 1974 e março de 1975. O programa de ação que concebeu introduziu o princípio da universalidade das prestações sociais do Estado.
Em 1979, o então presidente da República general António Ramalho Eanes, que conhecia bem Lourdes Pintasilgo e o seu currículo, convidou‑a para ser primeira‑ministra. Não hesitou, por se tratar de um serviço à comunidade, e aceitou. E assim foi a primeira e única até hoje.
Os jornalistas tiveram algumas hesitações na maneira como escrever o seu cargo: «A primeira-ministro ou a primeira‑ministra?» E a gramática ajudou, porque o substantivo tem masculino e feminino.
Na Europa, Maria de Lourdes Pintasilgo foi a segunda mulher a desempenhar este cargo, depois de Margaret Thatcher do Partido Conservador na Grã‑Bretanha, primeira‑ministra entre 1979 e 1990.
Maria de Lourdes candidatou‑se à presidência da República em 1986 contra três candidatos com fortes carreiras políticas – Diogo Freitas do Amaral, Francisco Salgado Zenha e Mário Soares. A candidata percorreu o país e, embora pouco apoiada pela Igreja Católica mais conservadora, foi recebida efusivamente pelas camadas populares e por muitos intelectuais, mas não foi a escolhida.
Assumiu cargos com grande protagonismo e visibilidade, nomeadamente na UNESCO, onde foi embaixadora. Integrou o Conselho da Ciência e Tecnologia ao Serviço do Desenvolvimento da ONU (1989‑1991), presidiu à Comissão Independente para a População e a Qualidade de Vida (1992‑1999) e foi copresidente da Comissão Mundial da Globalização, entre muitos outros cargos. Lutou ativamente contra a desigualdade social e a discriminação das mulheres.
Maria de Lourdes Pintasilgo nasceu em Abrantes a 8 de janeiro de 1930 e faleceu em Lisboa a 10 de julho de 2004, vítima de ataque cardíaco. O seu importante legado, não apenas escrito, mas como mulher de pensamento e ação, está presente na Fundação Cuidar o Futuro.