A direção social-democrata não abre o jogo sobre uma eventual coligação pré-eleitoral para enfrentar as próximas legislativas. Ainda assim, a hipótese de uma aliança nos moldes tradicionais com o CDS parece não colher a preferência do núcleo duro de Luís Montenegro, que vai entendendo que é preciso um sinal mais forte para construir uma verdadeira frente alternativa. A existir uma coligação, o PSD quererá contar com figuras independentes ligadas à sociedade civil e a um espaço político que vá do centro-esquerda à direita moderada.
De resto, isso mesmo é sugerido nos critérios para a elaboração de listas de candidatos a deputados aprovados esta quarta-feira na Comissão Política Nacional do PSD. No documento a que o Observador teve acesso, pode ler-se que os sociais-democratas estão apostados na “inclusão de personalidades militantes e independentes com reconhecida competência, mérito pessoal, político ou profissional”.
Além disso, diz-se ainda que o PSD vai “contemplar uma composição equilibrada do grupo parlamentar, de modo a que do seu conjunto resulte uma diversificada competência política e preparação técnica multidisciplinar, que abranja as diferentes áreas de especialização setorial do Parlamento”, com adequada “renovação pessoal e geracional”.
Já depois de publicado este texto, Luís Montenegro confirmou, em entrevista à SIC, que está a ponderar de facto uma frente alargada à direita. “Ainda não tomamos uma decisão, mas estamos abertos a poder dialogar com esses partidos e com muitos cidadãos independentes. Não excluímos a possibilidade de haver uma frente mais alargada [incluindo com o CDS].”
Decisão sobre coligação até 12 de janeiro
O calendário também ficou definido na reunião que juntou a direção alargada do partido. Segundo ficou estabelecido, o partido só vai decidir formalmente se avança ou não com uma coligação a 12 janeiro, dia em que volta a reunir a Comissão Política Nacional para aprovar as listas de candidatos à Assembleia da República e a eventual participação em alianças pré-eleitorais. Entre 7 de dezembro e 11 de janeiro, começará o longo (e delicado) processo de desenho das listas de candidatos a deputados.
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A partir da próxima semana e até 15 de dezembro, as concelhias discutem e indicam os candidatos; de 19 a 30 de dezembro, as estruturas distritais deliberam sobre as listas, sendo que têm até 5 de janeiro para comunicarem os nomes à direção do partido; a partir daí, entre 8 e 11 de janeiro, a equipa de Montenegro fecha com as estruturas do partido a lista final. O Observador sabe que, nos últimos dias, têm-se intensificado os contactos entre direção do partido e eventuais figuras com o perfil procurado, sendo que Montenegro tem mantido a preocupação de encontrar protagonistas cujo reconhecimento vá para lá das fronteiras do partido.
Esse esforço, aliás, já vem de trás: a promoção de Inês Palma Ramalho a vice do partido já foi um sinal nesse sentido. A jurista, que integrou a Estrutura de Acompanhamento dos Memorandos da Troika, já tinha passado pela plataforma Manifesto X, de Pedro Duarte, presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do partido, colega de curso de Montenegro, antigo líder da JSD e muito influente junto do atual presidente do partido.
Aliás, as ligações entre a plataforma Manifesto X, entretanto descontinuada, e o CEN liderado por Pedro Duarte não se esgotam em Inês Palma Ramalho. Ana Isabel Xavier, coordenadora para Defesa Nacional, e Raquel Brízida Castro (Justiça) também já tinham colaborado com Pedro Duarte. Tanto mais que o CEN pode entrar nas contas para a elaboração de listas com gente que não seja necessariamente do partido mas que já colabore com o PSD. De acordo com as contas do próprio partido, entre os 25 coordenadores daquele órgão, 15 são independentes (não militantes).
Além disso, António Leitão Amaro, o vice-presidente do partido que tem tido um papel importante no desenho das propostas mais relevantes dos sociais-democratas enquanto partido da oposição, como foi o caso das medidas para responder à crise na oferta de habitação, a reforma fiscal, a proposta de revisão constitucional e uma parte do programa emergência social, tem trabalhado com um grupo alargado de especialistas, entre os quais Óscar Afonso, diretor da FEP, João Valle e Azevedo, quadro do Banco de Portugal, ou, por exemplo, Miguel Cortez Pimentel, fiscalista, advogado e antigo conselheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI). Também deste grupo alargado podem ser convidados a assumir futuras responsabilidades figuras não necessariamente ligadas à vida interna do partido.
Sinais dados pelo CDS são positivos, mas podem não chegar
Apesar da prioridade do PSD ser, neste momento, conseguir atrair quadros de mérito reconhecido, militantes ou não do partido, os sinais dados pelo CDS esta semana poderão ser importantes para as contas de Montenegro. Entre segunda e quarta-feira, Nuno Melo conseguiu reunir no Largo do Caldas um friso de personalidades como há muito não se via na sede do partido.
Paulo Portas, Manuel Monteiro, Assunção Cristas, Cecília Meireles, António Lobo Xavier, Pedro Mota Soares, Telmo Correia, Adolfo Mesquita Nunes, Francisco Mendes da Silva, Diogo Feio, Nuno Magalhães, Isabel Galriça Neto, João Almeida ou, por exemplo, Ana Rita Bessa, acederam ao convite do líder do CDS e aceitaram debater a estratégia do partido para as próximas eleições. Foi um toque a rebate de uma família que andou tantas vezes desavinda – à cabeça, Portas e Monteiro — que acabou desavinda com o eleitorado português.
Ora, este pode ser um dado importante para os sociais-democratas porque um CDS unido e coeso, capaz de ser de novo um albergue das várias sensibilidades que sempre coexistiram no partido, pode permitir ao PSD duas coisas: seduzir o eleitorado que fugiu para o Chega – a agenda mais conservadora responde, em parte, aos anseios desses eleitores; e travar a fuga de eleitorado que possa existir para a Iniciativa Liberal – basta lembrar que, nas legislativas de 2022, Adolfo Mesquita Nunes, a personificação dessa linha política que sempre existiu no CDS, apelou ao voto em Cotrim Figueiredo.
Se Melo conseguir juntar esta gente à campanha, isso daria um embrulho diferente a qualquer coligação que possa vir a surgir. De resto, os democratas-cristãos já não escondem que esse é o plano A do partido. Na segunda-feira, durante a reunião no Caldas, que decorreu à porta fechada, Portas balizou aquela que deve ser a estratégia do CDS: até ao momento da decisão, partido deve mostrar-se disponível, mas não obcecado com uma coligação pré-eleitoral. Aos jornalistas, Melo, Monteiro, Cecília Meireles e Lobo Xavier repetiram a mesma ideia.
Ao Observador, figuras como Luís Nobre Guedes e Assunção Cristas repetiram que PSD e CDS tinham tudo a ganhar se fossem juntos a votos. “É um momento especialmente sensível para o país, onde todos os mandatos, todos os votos vão poder fazer a diferença”, sublinhou a antiga líder do CDS, numa entrevista que será publicada esta sexta-feira.
Objetivamente, a matemática está do lado dos que defendem uma aliança pré-eleitoral. Graças ao sistema eleitoral português, a forma como é calculada a distribuição de mandatos favorece sempre as coligações porque não há votos desperdiçados. Isto porque, nos círculos mais pequenos, onde só os dois grandes partidos elegem deputados, os votos depositados nos partidos das franjas vão para o ‘lixo’; uma coligação poderia permitir ao PSD juntar aos seus os votos do CDS e eleger mais parlamentares.
No toque a rebate de Melo, Portas define regra para aliança com PSD: disponíveis, não obcecados
A política contra a matemática
Mas a política não é matemática, vai-se lembrando na cúpula do PSD. Montenegro está apostado em fazer uma campanha pelo centro para captar o eleitorado moderado, flutuante, que estaria disposto a deixar de escolher o PS para votar nos sociais-democratas. Ora, uma coligação PSD/CDS nos termos clássicos poderia ter três efeitos negativos: em primeiro lugar, atendendo ao momento atual que atravessa o CDS, a aliança arriscar-se-ia a parecer meramente tática não produzindo a ideia que se pretende; em segundo lugar, porque, apesar de responder aos anseios das franjas da direita, poderia assustar, precisamente, o eleitorado do PS que Montenegro espera seduzir; por fim, falta ainda avaliar se a marca PSD é, neste momento, mais forte sozinha do que coligada.
No rescaldo das eleições de 2022, que culminaram na maioria absoluta de António Costa, foram muitos os que apontaram o dedo a Rui Rio por ter decidido não fazer uma coligação com Francisco Rodrigues dos Santos, precisamente porque, matematicamente, essa aliança pré-eleitoral teria impedido a maioria. No entanto, antes como agora, há quem faça o raciocínio ao contrário: todas as pessoas que votaram no PSD de Rio teriam votado no PSD de Rio mais o CDS de Rodrigues dos Santos? E como se comportariam os eleitores do CDS, votariam na mesma nos democratas-cristãos? Possivelmente, a resposta é não às duas perguntas. O mesmo dilema coloca-se agora.
Com a Iniciativa Liberal de fora da solução – Rui Rocha recusou terminantemente qualquer ideia de coligação pré-eleitoral – a narrativa política criada em torno de uma aliança não socialista (sem Chega) fica naturalmente mais coxa. Neste contexto, uma eventual coligação apenas com o CDS poderia permitir-se a uma leitura: o PSD julga ser incapaz de vencer sozinho as eleições.
Tal ideia, a instalar-se, enfraqueceria ainda mais a posição de Luís Montenegro, que, apesar da implosão do Governo socialista, se vai mantendo taco a taco com o PS nas sondagens que vão sendo publicadas. Por maioria de razão, não fazer essa aliança poderia transmitir um sinal de autossuficiência e de confiança ao eleitorado (do partido e não só).
Aliás, em entrevista ao Observador a partir do 41.º Congresso do PSD, em Almada, José Matos Correia, antigo deputado, senador e presidente do Conselho de Jurisdição do PSD, pôs-se do lado dos que acreditam precisamente nesta tese: o partido não pode permitir que se instale a ideia de que é incapaz de derrotar o PS de igual para igual.
“Custa-me achar que o PSD para ganhar eleições tem de fazer coligações. Incomoda-me a menorização do PSD, que só conseguimos ganhar em coligação”, afirmou Matos Correia, frisando, várias vezes, que não é dirigente do partido e que não falava em nome da direção social-democrata. A última palavra será mesmo a de Luís Montenegro.