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As maiores perdas da Santa Casa estão concentradas nas operações no estado do Rio de Janeiro
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As maiores perdas da Santa Casa estão concentradas nas operações no estado do Rio de Janeiro

Getty Images

As maiores perdas da Santa Casa estão concentradas nas operações no estado do Rio de Janeiro

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Santa Casa corre risco de sofrer perdas de 50 milhões no Brasil que vão ter impacto nas contas

Instituição tenta recuperar parte do dinheiro investido mas perdas deverão ter de ser reconhecidas nas contas deste ano. Responsáveis pelas operações podem vir a ser alvo de processos internos.

A auditoria à operação internacional da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) ainda não está concluída, mas os dados já apurados apontam para que as responsabilidades e riscos no mercado brasileiro possam atingir o dobro das perdas já sinalizadas publicamente pela instituição.

De acordo com informação obtida pelo Observador, a avaliação que a BDO está a realizar à Santa Casa Global, empresa criada para explorar oportunidades internacionais, detetou a existência de compromissos financeiros adicionais que podem recair sobre a casa-mãe em Portugal. Entre dívidas reclamadas à empresa que explora o jogo no Rio de Janeiro, empréstimos obrigacionistas, bancários e cartas de conforto obtidas junto de bancos, a somar aos investimentos feitos pela Santa Casa, os valores podem ultrapassar os 50 milhões de euros. A provedora Ana Jorge já tinha admitido publicamente que o valor das perdas na operação internacional poderia superar os 20 milhões de euros.

Provedora tem poucas esperanças de recuperar investimento internacional da Santa Casa que pode superar 20 milhões

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O principal risco está no Brasil, e especialmente concentrado nas operações no Estado do Rio de Janeiro onde foi detetada uma rede de empresas e parceiros locais, já noticiada pelo jornal Público, cuja estrutura dispersa está a levantar dúvidas à atual administração da Santa Casa. No centro desta rede estará a MCE Intermediação e Negócios, empresa que venceu o concurso para explorar a lotaria naquele estado e na qual a Santa Casa Global comprou uma participação maioritária, num negócio que terá sido realizado sem uma avaliação prévia. A multiplicação de participadas e sócios locais torna mais difícil o conhecimento da situação financeira pela casa-mãe, bem como o respetivo controlo dos recursos transferidos.

Os advogados contratados pela Santa Casa no Brasil estão a procurar formas de reduzir esta exposição, nomeadamente pela venda de participações, mas pelo menos uma parte das perdas no mercado brasileiro deverá ter de ser reconhecida nas contas deste ano da instituição. A auditoria em curso pode também determinar alterações às contas dos anos de 2021 e 2022 que foram apresentadas pela anterior administração de Edmundo Martinho e que a tutela se recusou até agora a validar. As contas da SCML estão também a ser alvo de uma reavaliação que terá em conta o resultado da auditoria à operação internacional, cujos impactos, exposições e riscos não estariam devidamente refletidos nos relatórios e contas consolidadas da Santa Casa e do Departamento de Jogos.

Além da não identificação nos relatos financeiros dos valores gastos ou comprometidos nas operações de internacionalização, estará também em causa a falta de autorização da tutela governamental da Santa Casa para a realização de cada um destes investimentos. Isso mesmo foi avançado pela ministra da Segurança Social, no Parlamento. Numa audição sobre a situação da Santa Casa, Ana Mendes Godinho revelou que, em 2020, quando deu luz verde ao negócio de internacionalização, impôs como condição que os investimentos tivessem autorização da tutela. Mas apenas em relação à constituição da sociedade Santa Casa Global, com capital social de cinco milhões de euros, lhe foi pedida autorização.

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Segundo Ana Jorge adiantou na altura, também no Parlamento, essa foi uma das “irregularidades” detetadas na auditoria da BDO ao negócio da internacionalização que levaram a nova mesa [órgão social da SCML] a enviar já informação sobre o negócio de internacionalização à Procuradoria-Geral da República (PGR). Os dados preliminares apresentados pela BDO apontavam para “procedimentos que não cumpriam as normas em vigor e indícios de irregularidades”, adiantou, na altura, a provedora.

A audição do ex-provedor foi chumbada pelos socialistas que argumentaram com o facto de a auditoria à área internacional não estar ainda concluída. Edmundo Martinho esteve à frente da mesa da Santa Casa entre 2016 e o início de 2023 e saiu antes do fim do mandato a pedido da ministra da Segurança Social.

PS bloqueou audição ao ex-provedor, Edmundo Martinho

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ao Observador, o ex-provedor viria a garantir que informou a tutela sobre os valores dos investimentos previstos para a expansão internacional através dos planos de atividade e orçamento apresentados pela SCML à tutela, documentos que foram sempre aprovados e nos quais os investimentos estariam previstos. Mas reconheceu que “não houve um pedido explícito [da Santa Casa a Ana Mendes Godinho] para esta intervenção aqui ou acolá. Não o fizemos porque entendemos que não havia necessidade depois da autorização dada em 2020″.

Ministra diz que não autorizou investimentos da Santa Casa Global (que tinham de ter aval da tutela)

A BDO estará nesta fase a recolher as explicações e esclarecimentos das pessoas envolvidas nas transações e decisões em causa para proceder ao contraditório e tirar as conclusões finais. Contactado, o antigo provedor confirmou que já foi entretanto chamado a prestar os esclarecimentos à auditora.

Está previsto que a auditoria seja entregue ainda este ano (depois de dois adiamentos pedidos pela auditora), em meados de dezembro. O objetivo da administração da Santa Casa, sabe o Observador, é que este trabalho permita ao Ministério da Segurança Social aprovar as contas de 2021 e 2022 ainda com este Governo em funções.

Questionada pelo Observador, fonte oficial indica que “até à conclusão da auditoria externa em curso à Santa Casa Global, a Misericórdia de Lisboa nada mais tem a acrescentar, continuando empenhada na prossecução da sua missão social, que é aquilo que a caracteriza e para a qual foi criada”.

A auditoria pode ter outras consequências. Além das suspeitas de irregularidades comunicadas à PGR pela Santa Casa, os responsáveis pelas decisões e operações sob escrutínio podem vir a ser alvo de processos internos. Para já, dois dos diretores da empresa estão afastados de funções, um a pedido do próprio e o outro por baixa médica.

Além da auditoria ao negócio de internacionalização e da reavaliação das contas de 2021 e 2022, a Santa Casa tem em curso uma auditoria interna para aferir se as relações familiares existentes na instituição, que têm sido noticiadas, tiveram impacto nas decisões tomadas. Ainda não são conhecidas as conclusões.

O enigma da Ainigma

A auditoria aos negócios internacionais está também a investigar a aquisição por parte da Santa Casa Global de 26% de uma empresa, a Ainigma Holding LTDA, com sede no Reino Unido. Esta empresa, cujos principais acionistas não serão públicos, detinha 61% da Nexlot, empresa à qual tinha sido atribuída a licença de exploração da lotaria Torito D’Oro no Peru.

A Ainigma é a dona da Ainigma Holding Services (AHS), uma empresa de tecnologia para o desenvolvimento de plataformas eletrónicas para jogo cujo papel desempenhado na operação de internacionalização da Santa Casa está a ser averiguado.

Segundo uma nota interna da própria Santa Casa Global entregue ao antigo provedor, Edmundo Martinho, sobre a atividade internacional, foi feito um contrato obrigacionista com esta participada da Ainigma, a AHS, através do qual foi concedido um empréstimo de 4,5 milhões de dólares para assegurar o desenvolvimento de uma plataforma de suporte à atividade de venda de lotarias que pudesse ser usada no Brasil e em Angola. Este documento de março de 2023 reconhece que estes investimentos não tiveram os resultados estimados, apontando para a crise política e económica no Peru e aos atrasos das operações no Brasil, atribuídos à pandemia e a conflitos com a empresa que gere a lotaria do Rio de Janeiro, além da mudança de hábitos no jogo.

De Moçambique ao Brasil e Peru com um salto no Metaverso. O que correu mal na aventura internacional da Santa Casa

Ainda segundo este documento, a que o Observador teve acesso, só nas operações do Rio de Janeiro e São Paulo, a Santa Casa teria investido 120 milhões de reais (22,3 milhões de euros) até ao final do ano passado.

A Santa Casa já colocou um ponto final noutro projeto no Brasil, no Estado de Brasília, perante a elevada incerteza jurídica e financeira da parceria feita com o BRB (Banco de Brasília) para explorar a lotaria do distrito federal. Este projeto estava suspenso por causa de reservas levantadas pelo Tribunal de Contas do Estado, mas também porque não tinha sido obtida a autorização por parte do Banco Central do Brasil.

Para conter as perdas, evitando a obrigação de contrair um empréstimo de 140 milhões de reais (26 milhões de euros) junto do próprio BRB, a Santa Casa suspendeu o projeto.

Para gerir as operações no Brasil foi criada uma empresa, a Santa Casa Global Brasil, mas algumas transações foram feitas pela própria Santa Casa Global Unipessoal, empresa criada em 2020 e que em Portugal só apresentou contas até ao ano de 2021. De acordo com o documento consultado pelo Observador, a empresa teve neste ano prejuízos de 2,2 milhões de euros. A Santa Casa Global tinha capitais próprios de 13,5 milhões de euros —  dos quais cinco milhões em capital social (a única despesa que Ana Mendes Godinho diz ter aprovado) e 8,5 milhões de euros em suprimentos concedidos pela acionista. Os ativos financeiros (não identificados) estavam contabilizados em 11 milhões de euros.

Estas contas da Santa Casa Global não foram objeto de qualquer parecer de órgão fiscal, nem de certificação por parte de um revisor oficial de contas (ROC). Este relatório simplificado indica ainda que, em 2021, a Santa Casa Global tinha 10 trabalhadores e que gastou meio milhão de euros em remunerações, dos quais 128 mil euros com órgãos sociais.

Entretanto, a Santa Casa suspendeu o projeto lançado pelo ex-provedor Edmundo Martinho para um licença de exploração de jogo nos Países Baixos. E em Moçambique, onde a Santa Casa Global gere a Sojogo, que gere os jogos sociais no país, a aposta no jogo online e desporto, mais recentemente com o Placard, estará a dar frutos. A instituição tem intenções de aí se manter enquanto a operação não signifique perdas, até porque tem em Moçambique planos de cooperação com o Instituto Superior de Ciências da Saúde, em Maputo, inclusive para a formação de professores. Já a operação no Peru — por onde começou a internacionalização, apesar de não ser um país lusófono — é pequena e não terá impacto financeiro significativo.

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Além da revisão da expansão internacional iniciada pela anterior administração, a gestão de Ana Jorge tem-se focado no corte de custos dentro de casa com a concentração de serviços e a redução do número de unidades de autónomas e de chefias. Entre outras medidas para assegurar a sustentabilidade da instituição que gere os jogos sociais.

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