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É difícil dizer concretamente qual a magnitude sísmica máxima que uma infraestrutura pode aguentar sem ficar danificada, mas tendo por base sismos passados torna-se possível uma análise. De uma lista de infraestruturas essenciais para o funcionamento da sociedade — como hospitais e pontes — a maior preocupação diz respeito àquelas que se situam em Lisboa. A Ponte 25 de Abril, enquanto projeto americano inovador à época, é mais segura do que pode parecer, mas o mesmo já não se verifica quando se fala do maior hospital do país, o Santa Maria. Num sismo de magnitude 7 na escala de Richter em terra (na zona Vale do Tejo) já seriam vários os danos provocados — cenário que agravaria significativamente caso se repetisse um sismo idêntico ao de 1755, que se estima ter tido uma magnitude superior a 8.
O sismo de magnitude 5,3 na escala de Richter, que se sentiu durante a madrugada desta segunda-feira, com epicentro a cerca de 60 km a Oeste de Sines, pôs toda a gente em alerta. O presidente da Câmara de Lisboa, numa tentativa de tranquilizar a população garantiu que “só 10%” dos edifícios [municipais] precisam de reforço” antissísmico, mas em 2023 estimava-se que metade dos edifícios da cidade não resistiriam a um sismo.
“Um hospital é o que chamamos uma estrutura sensível. A função principal de um engenheiro num edifício de habitação típico é proteger a vida humana. Mas no hospital não é assim: tem de se manter funcional“, explica Rodrigo Falcão Moreira, especialista em Estruturas e Segurança Sísmica de Edifícios. O professor do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) explica que “a magnitude, por si só, não chega” para avaliar as consequências de um sismo num edifício porque “apenas mede a libertação de energia”. É importante ter em conta o seu epicentro e a sua profundidade, diz. E também a data da construção dos edifícios.
Foi em 1953 que terminou a construção do hospital de Santa Maria — sendo depois acrescentados os edifícios da escola de enfermagem entre 1968 e 1972. E apenas quase 10 anos depois, em 1982, entrou em vigor o então denominado Regulamento de Segurança e Ações para Estruturas de Edifícios e Pontes, que obrigava à existência de proteções contra ações sísmicas. Se houvesse uma repetição do sismo de 1969, com uma magnitude de 7,8, os edifícios “construídos até à década de 80 sofreriam danos estruturais severos”, diz Rodrigo Falcão Moreira.
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“A escala de magnitude, por si só, não é linear. Mas só comparando magnitudes, um 5 — em cidades com ação sísmica mais frequente — não é preocupante, mas um 7 já não é assim, há riscos sérios”, afirma o especialista. Assim, se se registasse uma “ação sísmica tipo 2, com epicentro na zona de Vale do Tejo, em terra, e com magnitude 7, e olhando para a época, é provável que [o Hospital de Santa Maria] sofresse danos”.
Num cenário mais grave, se houvesse um terramoto idêntico ao de 1755, com uma magnitude de 8,7 e epicentro no oceano, “já haveria muito mais em jogo”, havendo uma libertação de energia significativamente grande, acrescenta o docente. Pior estaria ainda o Hospital de São José, cuja fundação é ainda mais antiga, e que se localiza numa zona central da capital e altamente povoada.
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Daí a importância do isolamento sísmico dos hospitais. De forma resumida, o engenheiro e projetista de pontes Armando Rito explica que “o pilar não fica encastrado, diretamente ligado entre o betão e a fundação. Há um sistema — que pode ser, por exemplo, uma borracha artificial — que amortece os efeitos.”
E os hospitais do Porto estão preparados?
No sismo desta madrugada “desviámo-nos de um evento que podia ter tido outras consequências”, em grande parte graças à profundidade e ao epicentro deste sismo. No entanto, “em termos regulamentares, um sismo à volta de 6 na zona de Vale do Tejo, provocaria vários danos. Lisboa tem edifícios muito antigos, as Torres das Amoreiras são da década de 70“, lembra Rodrigo Falcão Moreira.
No segundo maior centro urbano do país, o Porto, a realidade é outra no que toca aos hospitais — “a perigosidade sísmica decresce à medida que avançamos para Norte“, explica o especialista em Estruturas e Segurança Sísmica de Edifícios. “A perigosidade não é uniforme. No Porto, a ação sísmica é cerca de 70% inferior” à da capital, diz o especialista. “No dia em que tivermos consequências [sísmicas] graves no Norte, Deus nos livre do que se irá estar a passar em Lisboa.”
O mesmo lembra o engenheiro Armando Rito. Focando-se na emblemática Ponte D. Luís, o especialista diz que, além de um risco sísmico reduzido, a estrutura “é leve”. “Não acredito que, mesmo com um sismo intenso, possa ter problemas graves”, diz.
Uma ponte lisboeta com segurança à americana
Quando as pontes começaram a surgir em Lisboa, “na altura não se faziam análises dinâmicas, não havia meios”. “Considerava-se apenas que tinham de resistir a um sismo cuja força fosse 0,15 da massa da obra. Isso era a regulamentação”, lembra o projetista de pontes Armando Rito. Mas agora é diferente: “há dispositivos que amortecem o sismo”.
Foi há quase 60 anos que a Ponte 25 de Abril ganhou forma. “O projeto é americano. E os projetistas responsáveis estiveram até envolvidos na construção de pontes como a Golden Gate [em São Francisco, Califórnia] e outras, que estão em zonas altamente sísmicas. E na época, é possível que tivessem mais experiência, [apesar de] em Portugal se ir falando que era importante olhar para os sismos”, diz Armando Rito.
O engenheiro desconhece “qual é o grau de sismo previsto” para a ponte suportar, mas admite que “vai resistir a 10” se estivermos a falar da escala de Mercalli. À época da sua construção, numa edição de 1966 do Diário de Lisboa, lia-se que “a sua estrutura foi calculada para suportar abalos sísmicos da ordem dos 10 graus da escala internacional”. Em causa está a medida dos impactos do sismo e não da magnitude do mesmo.
“A ponte tem de resistir a 4,5 vezes as forças que vêm do sismo, foi feito um decreto especial”, porque se trata de “uma ligação fundamental entre o norte e o sul”, diz o engenheiro. E explica que se trata de uma verdadeira ponte suspensa: “Está apoiada, mas o tabuleiro está suspenso. Não creio que um sismo violento possa pô-la em risco. Pode haver danos, mas não colapso.”
Já a resistência da Ponte Vasco da Gama será apenas ligeiramente menor, uma vez que não tem cabos curvos, mas sim uns tirantes, que partem dos pilares principais. O tabuleiro está semi-suspenso, explica Armando Rito. “Não apoia na torre, tem uns dispositivos para amortecer. Se não existissem tínhamos movimentos do tabuleiro de até quatro metros. Agora, se abanar a torre principal, só será transmitido ao tabuleiro uma força baixinha.”
O especialista em pontes explica que “as regulamentações vão-se alterando; estão em permanente revisão consoante os conhecimentos”. “Se se achar conveniente e pudermos, muda-se a estrutura. Mas se fossemos mexer em todas as pontes mais antigas, durante anos não fazíamos mais nada”, diz, dando como exemplo as pontes no Douro. “O projeto é francês e na altura não pensavam em sismos. Essas não foram projetadas para aguentar [sismos].”
Armando Rito lembra, no entanto, que nos últimos anos foram levados a cabos alguns projetos de reabilitação, como o viaduto Duarte Pacheco e o Viaduto de Sacavém sobre o rio Trancão.
Com Sines, podíamos “entrar numa catadupa de eventos”
O epicentro do sismo da madrugada passada foi no oceano, mas, questionado sobre o que poderia ter acontecido em Sines caso tivesse sido em terra, Rodrigo Falcão Moreira aponta alguma preocupação, uma vez que se trata de uma localidade com uma refinaria e um indústria.
“Normalmente [estas infraestruturas] são previstas para resistir à intensidade sísmica acima da [intensidade prevista para] habitação, ou seja, o suficiente para garantir que a estrutura não colapsa e que as pessoas conseguem fugir”, diz o especialista em Estruturas e Segurança Sísmica de Edifícios do Porto. E lembra que em causa estão “além dos edifícios, condutas, pipelines e produtos inflamáveis”.
“Podemos entrar numa catadupa de eventos. Se houver rotura de uma pipeline, há um derrame de fluído inflamável, que leva a um incêndio. Tudo se pode precipitar”, diz, recordando o que aconteceu em 1755, quando um incêndio provocado por velas acesas em virtude do Dia de Todos os Santos se alastrou pela cidade.
E em Lisboa? Há ainda que pensar “nas redes integradas de gás”. Mais: “Focamo-nos nos edifícios, mas também temos a questão das pontes e das estradas. Se tenho uma estrada intransitável, como é que chego ao hospital, que até está bem construído e planeado?”, questiona Falcão Moreira.
“O sismo desta segunda-feira foi relativamente superficial. Mas se tivesse sido localizado aos mesmos 10 quilómetros e diretamente por baixo de Sines estávamos a contar números de mortos”, remata.