Vários conselheiros ficaram surpreendidos com o desafio do Presidente da República para se pronunciarem sobre um Conselho de Estado dedicado à segurança e houve, sabe o Observador, quem nem sequer tenha respondido a Marcelo Rebelo de Sousa. Nem o vá fazer. E, mesmo entre os que responderam, muitos fizeram-no a desaconselhar a reunião ou a devolver a decisão ao Presidente da República. “Debilidade“, “ele é que tem de decidir”, “desresponsabilização”, “menorização do cargo” e “uma loucura” foram algumas das expressões ouvidas pelo Observador junto de vários conselheiros de Estado.
Um dos membros do Conselho de Estado ouvido pelo Observador admite que Marcelo Rebelo de Sousa tenha pedido a opinião aos conselheiros “para não se expor” depois de ter recebido uma carta do líder do Chega, André Ventura, a solicitar a marcação de um Conselho de Estado dedicado à temática da Segurança.
Um outro conselheiro diz ao Observador que ficou “absolutamente surpreendido” quando viu o email do Conselho de Estado, já que “não podem ser os conselheiros a tomar uma decisão que é do Presidente”. “Não faz qualquer sentido nem está em linha daquela que tem sido a política de Marcelo Rebelo de Sousa”, lamenta o mesmo conselheiro.
Outro conselheiro ouvido pelo Observador explica que é contra um Conselho de Estado e contra a diligência do Presidente, já que isso dará mais palco a André Ventura e permitirá que o líder do Chega condicione a atuação do órgão consultivo de Marcelo Rebelo de Sousa. Há ainda quem esteja a definir a forma como vai responder, ponderando responder por carta ao ao Presidente da República.
Houve até conselheiros que não se inibiram de falar no espaço público sobre o assunto. Luís Marques Mendes, conselheiro indicado por Marcelo Rebelo de Sousa, foi particularmente duro no seu programa semanal na SIC: “Marcar um Conselho de Estado, marcar a data do Conselho de Estado, e a agenda de estado é uma competência exclusiva do Presidente da República. Sublinho: exclusiva. Portanto, não é revogável, nem referendável. E, portanto, o Presidente da República vai ter de, na altura própria, tomar uma posição.”
Marques Mendes disse ainda no seu espaço de comentário que os membros do Conselho de Estado podem fazer “sugestões de temas a abordar, a título excecional” — e revelou que já o fez –, mas na própria reunião no Conselho de Estado e nunca substituindo o papel do Presidente que tem competência exclusiva na convocatória deste órgão.
O ex-líder do PSD frisou que “em matéria de segurança, pode haver todos os debates”, mas um “debate sério, profundo, que não seja populista”. E apontou timings que vão contra a rapidez com que Marcelo quer responder a Ventura: “Qualquer debate só fará sentido depois de vir a público o futuro Relatório Anual de Segurança Interna (RASI).”
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Mais duro ainda foi o presidente do PS, também conselheiro de Estado. Carlos César, em declarações ao Expresso, afirmou que “a metodologia que emana da iniciativa de Ventura é o caminho mais curto para uma grosseira manipulação partidária do Conselho de Estado, facto sem precedente na nossa ordem institucional”. E acrescentou que “na democracia institucional que temos, tal como no quadro do livre debate público, não faltam oportunidades e sedes, desde logo o Parlamento, onde esse como os outros temas podem e devem ser discutidos, especialmente ou em permanência”.
Para Carlos César, sendo o Conselho de Estado um órgão de aconselhamento do Presidente da República, é Marcelo Rebelo de Sousa que “tendo dúvidas ou achando melhor para a formação da sua opinião ou definição da sua intervenção, decide sobre o que necessita ou quer beneficiar da audição da opinião dos seus conselheiros”. O presidente do PS reforçou que o Conselho de Estado não é um “órgão de debate indiscriminado” e “ainda menos de persuasão de conselheiros”. E repetiu: “É ao Presidente da República que compete decidir.”
A direção do PS — que tem o seu líder, Pedro Nuno Santos, como um dos membros do Conselho de Estado — remeteu, ao Observador, para as declarações do presidente do partido, deixando claro que partilha a opinião de César.
Ventura pediu, Marcelo achou “prudente” consultar conselheiros
O tema chegou ao Conselho de Estado depois de André Ventura — que este ano passou a fazer parte do órgão consultivo do Presidente da República — ter feito dois anúncios sobre segurança: a marcação de um debate de urgência sobre o tema no Parlamento e o envio de uma carta para Marcelo Rebelo de Sousa, a sugerir a “realização e convocação urgente” de uma reunião do Conselho de Estado sobre o assunto.
Tudo porque, segundo Ventura, em Portugal vive-se um “estado de insegurança brutal” que justificaria que o Presidente da República “fosse aconselhado ou pelo menos ouvisse as forças vivas da sociedade” sobre o assunto. “É tempo que o mais alto magistrado da nação, que noutros momentos falou sobre tudo e mais alguma coisa, tenha a coragem, mesmo que não seja politicamente correto, de dizer aos portugueses que vivemos tempos de insegurança e que tudo fará para combater essa insegurança”, atirou, disparando uma série de ataques contra Marcelo Rebelo de Sousa.
Depois, o líder do Chega chegou mesmo a defender que estava a “dar uma ajuda ao Presidente da República” com esta sugestão. “A única coisa que eu sugeri, e sou conselheiro de Estado, é para isso que me pagam, é para isso que eu fui eleito, é tornar o Conselho de Estado um órgão útil e não um órgão em que esteja ali um conjunto de pessoas com mais de não sei quantos anos a dizer o que lhes passa pela cabeça que não interessa a ninguém”.
Ora a reação do Presidente da República passou por ouvir o Conselho de Estado, não sobre o tema da segurança, mas sobre a pertinência de uma hipotética reunião sobre o tema. No site da Presidência, Marcelo explicou que tinha recebido a “missiva” de Ventura e que solicitara que esta fosse enviada aos restantes conselheiros de Estado, “para transmitirem o que tiverem por conveniente”.
Já no final da semana passada, e na sequência de algumas críticas públicas sobre esta decisão, Marcelo justificou-se em declarações aos jornalistas, explicando que considerou “prudente” consultar os outros conselheiros. “É um pedido formulado por escrito e acho que eles têm direito, se quiserem, a pronunciar-se por escrito”, argumentou. “Se quiserem, podem não querer”, acrescentou Marcelo, frisando que normalmente os conselheiros sugerem, oralmente, durante as reuniões temas que queiram abordar no futuro e isso é “discutido à volta da mesa”. Não foi o caso.