Este é o 15.º artigo de uma série sobre a história da nomenclatura automóvel ao longo de 137 anos e três continentes. As partes anteriores podem ser lidas aqui:
- De onde vêm os nomes das marcas de automóveis? Parte 1: Rodagem
- Automobilwerk: De onde vêm os nomes das marcas de automóveis alemãs?
- Do “cavallino rampante” ao “cuore sportivo”: A origem dos nomes das marcas de automóveis italianos
- Entre a “Voiturette” e a “Dyane”; A história dos construtores de automóveis em França
- Morris, Aston Martin ou Rolls Royce: Os ingleses que deram nomes a marcas de automóveis
- Wartburg, Moskvich e a origem das marcas de automóveis da Europa de Leste
- Hispano-Suiza, Steyr, DAF: Histórias de marcas de automóveis da (outra) Europa
- Uma viagem entre Datsuns e Hinos: a história das marcas de automóveis japoneses
- Um Pony, um Tosca e um Nano seguem na mesma estrada: estes carros vêm da Coreia e da Índia
- Do riquexó aos SUVs de luxo: como a China se tornou no maior fabricante de automóveis do mundo
- Do Model T ao Mustang Mach-E: uma história da Ford e das suas marcas-satélite
- Da Chevrolet à Cadillac: os muitos rostos da General Motors
- A saga da Chrysler: as origens e a descendência de um dos “Três Grandes” da indústria automóvel
- Da Packard à Tucker: as marcas de automóveis americanas que não chegaram aos nossos dias
A indústria americana, cujo renome assentou, desde o pós-II Guerra Mundial, em “gas-guzzlers” – isto é, veículos com extraordinário apetite por combustível e que se diriam concebidos com o fito de deslocar-se do ponto A para o ponto B com o máximo de espalhafato –, está a reorientar-se para os veículos 100% eléctricos, com a ajuda da aura de inovação que rodeia a Tesla e do talento do seu esdrúxulo proprietário para montar operações de marketing e agitar as redes (ditas) sociais. Porém, não só os veículos eléctricos de fabrico americano têm perfil distinto dos típicos veículos eléctricos dos fabricantes europeus e asiáticos, como, ao contrário do que se passa na Europa e Ásia, cuja produção de veículos eléctricos tem sido dominada pelas marcas tradicionais, nos EUA a mobilidade eléctrica tem estado a ser liderada por novas marcas focadas exclusivamente em veículos eléctricos de visual futurista. É em volta destas que os media americanos zumbem, ansiosos por descobrir qual vai ser “a próxima Tesla”, sem se interrogarem sobre a sinceridade e fundamentação do empolgado discurso ambientalista com que estas marcas se promovem.
Tesla
Podem traçar-se paralelos entre Preston Tucker (ver Da Packard à Tucker: Uma história de marcas de automóveis americanas que não chegaram aos nossos dias) e Elon Musk: reputação de visionário que se propõe revolucionar o conceito de automóvel, vocação para o marketing e para o espectáculo, determinação inquebrantável, acusações de fraude pela SEC (Securities and Exchange Commission), a equivalente americana da nossa Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. Porém, apesar de alguns contratempos e de as realizações de Musk nem sempre coincidirem com as suas grandiloquentes ambições e anúncios, a marca automóvel com que é identificado, a Tesla, chegou muito mais longe do que a Tucker: já produziu 2.6 milhões de veículos e as vendas registam tendência ascendente: 367.000 veículos em 2019, 500.000 em 2020 e 936.000 em 2021 – e isto apesar da pandemia de covid-19, que quebrou as vendas da grande maioria das marcas. A Tesla é o maior fabricante de veículos eléctricos do mundo, com uma quota de mercado de 14% (dados de 2021), e o Tesla Model 3 é o automóvel eléctrico mais vendido de sempre, tendo ultrapassado a marca simbólica de um milhão de unidades vendidas em Junho de 2021. A tendência é fortemente ascendente: em 2021 venderam-se 301.000 Tesla Model 3, mas só no primeiro trimestre de 2022 as vendas deste modelo atingiram 310.000 unidades. Elon Musk prevê que até ao fim de 2022 existam 4 milhões de Teslas a circular pelas estradas do planeta.
Em Outubro de 2021, impulsionada por estes resultados – e pela tecno-euforia e pelo “helicopter money” despejado pelos bancos centrais para contrariar os efeitos recessivos da pandemia de covid-19 –, a capitalização de mercado da Tesla Inc. ultrapassou um bilião de dólares, um feito até então apenas conseguido por cinco outras empresas nos EUA. O valor das acções da Tesla tem registado fortes oscilações, por vezes mais influenciadas pelos tweets intempestivos e petulantes de Elon Musk do que pelo desempenho efectivo da empresa, e, à data da escrita deste artigo (Junho de 2022) a capitalização de mercado da empresa caiu para os 729.000 milhões de dólares, valor que faz dela a mais valiosa empresa do ramo automóvel do mundo e a coloca à frente de pesos super-pesados do mundo empresarial americano, como a Walmart, a Johnson & Johnson ou o Facebook – na verdade, é a 6.ª empresa mais valiosa do mundo, só sendo superada pela Apple, Saudi Arabian Oil Co., Microsoft, Alphabet (dona da Google) e Amazon.
Os fabricantes automóveis americanos surgidos no início do século XX foram quase sempre baptizados com o nome do seu fundador, mas no século XXI essas demonstrações de narcisismo são menos bem aceites pela opinião pública, pelo que o fabricante automóvel Tesla foi buscar o nome a uma das mais notáveis figuras da história da ciência: Nikola Tesla (1856-1943), que nasceu numa família sérvia em Smiljan (que então fazia parte do Império Austro-Húngaro e hoje é território croata) e se mudou para os EUA em 1884.
Nikola Tesla foi um génio da engenharia e da física e fez descobertas e invenções relevantes em vários domínios – as mais importantes foram realizadas no campo na corrente alternada e, destas, é de destacar a invenção do motor de indução (por vezes designado por “motor de Tesla”), conceito que foi usado no Model S e no Model X da Tesla e que figura, em forma estilizada, no logótipo da marca. Além do seu talento na área das ciências, Nikola Tesla possuía espírito empreendedor, a ambição de mudar o mundo com as suas criações e um invulgar talento de comunicação e persuasão. As suas realizações ficaram, todavia, atrás das suas capacidades e ambições, em parte devido a infortúnios e a campanhas de descrédito – como aconteceria mais tarde com Tucker, foram postos em circulação rumores de que alguns dos seus projectos eram fraudes, não sendo sustentados por tecnologia testada ou não sendo economicamente viáveis.
A aura de “génio visionário” que envolve Nikola Tesla (sobretudo entre os “nerds” cujo conhecimento do mundo assenta exclusivamente em factóides, vídeos amadores e podcasts realizados pr outros “nerds”) explica que muitas empresas tecnológicas queiram associar-se ao seu nome – e se a Tesla Inc. ficou com o seu apelido, o nome próprio foi tomado pela Nikola Corporation, um fabricante de veículos movidos por motores eléctricos e células de combustível fundado em 2014.
A Tesla Inc. e o seu proprietário são hoje alvo de um entusiasmo e de uma admiração que raia a idolatria e que nem sempre está assente em factos.
1) Comecemos pela sua origem: ao contrário do que é ideia corrente, a Tesla Inc. não foi uma criação do “visionário” Elon Musk. Foi fundada em 2003 por Martin Eberhard e Marc Tarpenning, e Elon Musk, empreendedor audacioso que já tinha então relevante curriculum na área da “nova economia” (Zip2, X.com, Paypal) e da exploração espacial (SpaceX), entrou no capital da empresa no ano seguinte, com dinheiro resultante da venda da sua participação na PayPal). Pouco a pouco, assumiu a sua liderança, tornando-se no seu CEO em 2008, o mesmo ano em que Eberhard e Marc Tarpenning abandonaram a empresa. Esta transição de poder não foi pacífica e em 2009 Eberhard processou Musk por difamação e quebra de contrato e acusou-o de o ter empurrado para fora da Tesla. Embora não seja possível saber se as acusações de Eberhard têm fundamento (o processo foi encerrado mediante acordo extra-judicial), a verdade é que 1) Musk se tornou no rosto da Tesla, 2) os produtos e a atitude da marca reflectem a “filosofia” de Musk e 3) Musk merece crédito pela sua fulgurante ascensão. Mas também é verdade que o sucesso subiu à cabeça de Musk, sendo um dos sintomas o anúncio formal pela Tesla, em Março de 2021, de que Musk iria deixar de usar o título de “CEO” e passaria a ser designado como “TechnoKing”, o que dá bem ideia da sua megalomania e puerilidade.
2) A extraordinária capitalização bolsista da Tesla tem pouco de concreto a sustentá-la. O ranking de construtores automóveis de 2021 em termos de unidades vendidas foi o seguinte: 1.º Toyota, com 9.56 milhões, 2.º Volkswagen, com 8.88 milhões, 3.º Hyundai/Kia, com 6.67 milhões, 4.º General Motors, com 6.29 milhões, 5.º Stellantis (Fiat Chrysler + Grupo PSA), com 6.14 milhões, 6.º Honda, com 4.46 milhões, 7.º Nissan, com 4.06 milhões, 8.º Ford, com 3.94 milhões, 9.º Renault, com 2.69 milhões, 10.º BMW, com 2.52 milhões. Quando se fazem as contas às receitas, o top 10 de 2021 foi o seguinte: 1.º Toyota, com 248.000 milhões de dólares, 2.º Volkswagen, com 247.000 milhões, 3.º Daimler-Mercedes, com 175.000 milhões, 4.º Ford, com 130.000 milhões, 5.º Honda, com 121.000 milhões, 6.º BMW, com 117.000 milhões, 7.º General Motors, com 99.000 milhões, 8.º Fiat Chrysler, com 99.000 milhões, 9.º Hyundai/Kia, com 85.000 milhões, 10.º Nissan, com 80.000 milhões.
Ora, em 2021, a Tesla vendeu 936.000 unidades e teve receitas de 54.000 milhões de dólares. Para mais, a Tesla tem sido denunciada por empregar “contabilidade criativa” para empolar as receitas nos seus relatórios & contas e Elon Musk foi acusado de fraude e multado pela SEC por usar os seus tweets para manipular o mercado accionista. Tudo isto leva a concluir que a valorização das acções da Tesla tem uma forte componente especulativa, associada à ideia de que a marca representa o futuro do automóvel, enquanto os grandes construtores “tradicionais” estão obsoletos e condenados ao declínio.
3) A Tesla tem propalado a ideia de que o seu desígnio é o fabrico de automóveis eléctricos acessíveis a todos (o que, a ser verdade, aproximaria Musk de Henry Ford) e o desenvolvimento de sistemas de geração e armazenamento de energia com emissões zero de CO2. Em 2006, Musk enunciara assim o plano da Tesla: “Construir um carro desportivo. Usar esse dinheiro para construir um carro acessível. Usar esse dinheiro para construir um carro ainda mais acessível”. A ideia é paradoxal – é como uma empresa do ramo alimentar anunciar que o seu propósito é levar as pessoas a adoptar uma alimentação mais saudável e começar por lançar no mercado uma nova marca de batatas fritas com sabor a presunto. Pior ainda, 16 anos após esta proclamação, os modelos que têm vindo a ser lançados pela Tesla parecem cada vez mais longe da bolsa e das necessidades do cidadão de classe média cujo uso mais corrente do carro é ir ao hipermercado e levar os miúdos à escola.
Entre os modelos Tesla que estão actualmente em comercialização, o mais “acessível”, o Model 3, debita 340 HP e tem um preço-base (em Portugal) de 55.000 euros; o Model Y debita 350 HP e tem um preço-base de 67.000 euros; o Model S debita entre 382 e 794 HP e tem preço-base de 106.000 euros; o Model X debita entre 518 e 762 HP e tem preço-base de 115.000 euros. Por comparação, o primeiro modelo da Tesla, o Roadster de 2008 (produzido até 2012), que a Tesla fez crer que era o “carro desportivo” que pagaria o desenvolvimento dos “carros acessíveis”, tinha 248 HP de potência.
Nenhum destes modelos será, seguramente, o equivalente para o século XXI do Ford T, carro que debitava 20 HP e não vinha provido de luxo ou conforto algum e cujo preço, corrigido da inflação, rondou entre 1915 e 1927, os 4000-10.000 dólares.
O Tesla Roadster de 2.ª geração, que começará a ser comercializado em 2023, que estará equipado com um motor de 800-1000 HP, que permitirá atingir os 400 Km/h e acelerar dos 0 aos 100 Km/h em 1.9 segundos (1.1 segundos se equipado com um sistema de foguetes auxiliar!) e que terá um preço-base de 200.000 dólares (mais 50.000 para a edição limitada Founder Series), está ainda menos talhado para desempenhar o papel de “carro do povo”.
4) A Tesla proclama ter por objectivo a mobilidade sustentável, mas, por admiráveis que possam ser dos pontos de vista do design, da tecnologia e do desempenho, os modelos da Tesla – quer os que estão em produção quer os que estão anunciados – são paradigmas do consumismo conspícuo e da dissipação leviana de energia e recursos.
Um flagrante exemplo desta contradição é o Cybertruck, que, após vários adiamentos, verá a sua produção ter início em 2023. Antes de mais, convém esclarecer que “truck”, neste contexto, nada tem a ver com o “camião” português: o Cybertruck é um “pickup truck”, ou seja um veículo que combina uma cabina para passageiros com uma caixa aberta e que em Portugal (como no resto da Europa) é designado por “pickup” e que nos EUA é, muitas vezes, referido apenas como “truck”. Na sua origem a pickup era um robusto e modesto veículo de trabalho, popular sobretudo no meio rural, mas nos EUA é hoje usado sobretudo como automóvel de passageiros, disputando o mercado com os grandes SUV e possuindo peso e potência similares aos destes.
O Cybertruck é apresentado pela Tesla no seu website como combinando “melhor conveniência [sic] do que uma pickup, com um desempenho superior ao de um automóvel desportivo”. Trata-se de um monstro de quase seis metros de comprimento, dois metros de altura e 3 toneladas de peso, que parece ter nascido da cópula entre um avião de combate stealth e uma pickup; é construído em aço inoxidável, tem vidros à prova de bala e é movido por um motor de 814 HP, que permite acelerar de 0 a 100 Km/h em 3 segundos e atingir uma velocidade máxima de 210 Km/h, e nada nele indica que tenha sido concebido como ferramenta de trabalho para um agricultor, um carpinteiro ou um canalizador – o seu propósito é o exibicionismo e o seu público-alvo são machos-alfa com dinheiro, tempo livre e uma necessidade desesperada de afirmar a sua virilidade.
A ideia de que este Leviathan das estradas possa ser um modelo de “sustentabilidade” e “economia circular”, como tem sido escrito nos media devotados ao automóvel e à tecnologia, é uma anedota de péssimo gosto. Para mais, dado o peso, a altura e a estrutura rígida e indeformável da besta, é previsível que as probabilidades de sobrevivência dos ocupantes de um carro citadino que com ela colida sejam muito reduzidas (ver A caminho do Inferno, ao volante de um SUV). No fundo, o Cybertruck traz para a estrada e para a rua a atitude confrontacional, gabarolas, arrogante, “chico-esperta” e boçal que Elon Musk cultiva no Twitter e que encanta os 90 milhões de nerds que o seguem nesta rede.
O Cybertruck foi apresentado oficialmente ao público em Novembro de 2019 e decorrida menos de uma semana após a apresentação oficial, já 200.000 clientes tinham feito reservas de um exemplar (e o respectivo depósito), mas a entrada em produção do veículo tem vindo a ser sucessivamente adiada – agora anuncia-se que será no final de 2022.
A atitude efectiva de Elon Musk em relação ao ambiente e à sustentabilidade contradiz as suas virtuosas declarações de intenções: “dissipador de recursos” e “ecologicamente insustentável” são classificações que se aplicam quer ao seu estilo de vida quer aos seus projectos “visionários”, como o Hyperloop, a Boring Company e o turismo espacial promovido pela Space X. E a reacção insensível e obtusa de Musk ao ser confrontado, em Março de 2022, com a possibilidade de uma fábrica da Tesla perto de Berlim poder ser factor de desequilíbrio nos recursos hídricos da região, mostra bem que o único planeta com que está realmente preocupado é o seu ego (ver capítulo “Isto parece-lhe um deserto?” em Temperaturas recorde, fenómenos extremos, seca global: Seremos capazes de mudar o nosso comportamento?).
O tratamento reverencial, acrítico e deslumbrado de que a Tesla tem gozado pela parte dos media (a Wired elogiou-a por “ter vindo a desbravar caminho, quer no desempenho quer na sustentabilidade”) mostra que a propaganda da marca e a aura messiânica do seu TechnoKing têm conseguido implantar a ideia de que comprar e conduzir um dos seus modelos é contribuir para um planeta “mais limpo”. Curiosamente, a Tesla baptizou as versões de topo de gama dos seus modelos como Ludicrous, uma designação que não se percebe se é ingénua ou cínica: a palavra significa, em inglês, “ridículo, irrazoável, que não pode ser levado a sério”.
Rivian
A empresa foi fundada em 2009 por Robert Scaringe como Mainstream Motors, passou a Avera Motors e, em 2011, quando decidiu focar-se na produção de veículos eléctricos, foi rebaptizada como Rivian Automotive, que provém de Indian River, na Florida, por ter sido nas suas margens que o fundador da Rivian, cresceu (guardando do lugar boas memórias, presume-se). Ironicamente, Indian River não é um rio mas uma laguna costeira de água salobra – um desajuste que tem correspondência no desacerto entre as intenções anunciadas pela marca e os seus produtos.
A Rivian propõe actualmente dois modelos, o R1T e o R1S, que partilham um mesmo chassis e cerca de 90% dos componentes, sendo o primeiro uma pickup e o segundo um SUV.
O R1T, lançado no final de 2021, pesa cerca de 3 toneladas e é propulsado por quatro motores eléctricos que, em conjunto, geram 835 HP e permitem acelerações de 0 a 100 Km/h de 3 segundos – ou seja, pretende rivalizar com o Tesla Cybertruck, embora o seu design, que combina elementos futuristas e “tradicionais”, sugira que não quer correr o risco de assustar a clientela conservadora, que espera que uma pickup eléctrica se pareça com uma pickup, não com o carro do Robocop; já o preço-base de 70.000 dólares fica bem acima dos cerca dos 40.000-50.000 estimados para o Cybertruck.
O R1S, que começará a ser entregue no final de 2022, é mais modesto em peso e potência, “apenas” 2650 Kg e 753 HP, respectivamente, e tem um preço ligeiramente inferior ao do irmão: 67.500 dólares. Consciente de que os mercados europeu e asiático têm preferência por veículos mais pequenos, a Rivian já prometeu desenvolver versões que não ocupem dois lugares de estacionamento.
Tal como tem acontecido com a Tesla, os preços elevados dos modelos não impediram que os consumidores americanos tenham acorrido a inscrever-se para ter o direito a conduzir um Rivian – no final de 2021 havia 71.000 pré-encomendas, espelhando a excitação que, no último ano, a Rivian tem suscitado nos media e nas redes sociais. Em Novembro de 2021, The New York Times sugeria que ela era “a próxima Tesla”; a revista Time elegeu-a, em Março de 2022, como uma das “100 Empresas Mais Influentes do Ano”; o R1S foi escolhido pelo bilionário e Space Cowboy Jeff Bezos para conduzir os astroturistas ao foguetão fálico da Blue Origin, associação a que não é estranho o facto de a Amazon ter investido 700 milhões de dólares na Rivian a fim de que esta desenvolva uma carrinha de entregas eléctrica (cujos testes de estrada já começaram e de que a Amazon prevê adquirir 100.000 unidades). Este hype levou a que em Novembro de 2021, a capitalização bolsista da Rivian atingisse os 70.000 milhões de dólares, à frente de marcas como a Ford; o “feito” é tanto mais extraordinário quando se considera que, à data daquele valor recorde, a Rivian acabara de iniciar a produção do seu primeiro modelo e tinha entregue apenas escassas centenas deste.
Empolgada por esta atmosfera sobreaquecida, a Rivian anunciou que irá ampliar a sua fábrica para produzir 600.000 viaturas/ano, mas Elon Musk, roído de ciúmes por a Rivian ter roubado parte do protagonismo à Tesla e ter começado a comercializar a sua pickup antes de o sucessivamente adiado Cybertruck ter entrado em produção, já veio a terreiro, no seu usual estilo beligerante e lapuz, denunciar o R1T como um “desastre” e profetizar o colapso iminente da marca rival.
A Rivian parece oscilar entre as profecias tenebrosas de Musk e um futuro radioso: o relatório financeiro do 1.º trimestre de 2022 revelou prejuízos três vezes superiores ao previsto, a produção está atrasada devido às dificuldades de fornecimento de microchips e o anúncio pela marca de que, devido à subida da inflação, os veículos pré-encomendados teriam um acréscimo de preço de 15.000 dólares, suscitou uma reacção tão negativa dos seus clientes que a decisão teve de ser revertida. Estes factos contribuíram para que a capitalização de mercado da Rivian declinasse acentudamente ao longo dos primeiros meses de 2022, mas o Verão de 2022, trouxe uma recuperação: à data da escrita deste artigo (Setembro de 2022), era de 36.000 milhões de dólares, o que a coloca em 14.º lugar entre as empresas do sector automóvel, à frente da Nissan ou da Renault, e é um valor desfasado da realidade – basta considerar que no 1.º trimestre de 2022 a Rivian entregou apenas 1227 veículos, enquanto a Nissan entregou 201.000.
Lucid
Se o 14.º lugar da Rivian no ranking de capitalização de mercado entre as empresas automóveis, não menos extraordinário é o 17.º lugar que a Lucid Motors ocupa em Setembro de 2022 e que corresponde a 27.700 milhões de dólares.
A Lucid começou por chamar-se Atieva e fabricar baterias, motores e transmissões para outros construtores de automóveis eléctricos – em 2016, já sob a direcção técnica de Peter Rawlinson (que foi um dos criadores do Tesla Model S), foi rebaptizada e reorientada para produção dos seus próprios veículos, o que se concretizou, após vários adiamentos, com a saída do primeiro Lucid Air da linha de montagem em Casa Grande, Arizona, em Setembro de 2021 (o mesmo mês que viu nascer o primeiro Rivian). Entretanto, Rawlinson ascendeu, em 2019, a CEO da Lucid Motors.
O único modelo actualmente em produção é o Lucid Air, concebido para competir com o Tesla Model S e os Mercedes Classe S e está disponível em seis versões, cuja potência varia entre 480 HP na versão Pure e 1111 HP na Dream Edition Performance, que permite uma em 2.7 segundos. A Dream Edition Range fará uma pequena concessão ao desempenho (menos 178 HP e mais duas décimas de segundo na aceleração 0-100 Km/h) em favor da autonomia, que se prevê atingir 900 Km, valor que deixará atrás toda a concorrência. O preço-base da versão mais “económica” é de 77.400 dólares; o preço-base da versão Dream Edition nos EUA é de 169.000 dólares, mas, mesmo que os possua e esteja disposto a gastá-los, já é tarde, uma vez que já estão preenchidas todas as reservas desta edição limitada). A boa notícia para os europeus endinheirados é que a Lucid Motors acaba de abrir, em Maio passado, do seu primeiro stand na Europa, na Odeonsplatz, em Munique (um desafio à BMW na sua própria capital), a que se seguirão novos stands na Alemanha, Holanda, Noruega e Suíça, e está a aceitar reservas para um novo lote do Air Dream Edition, com preços à volta de 220.000 euros. Se também não conseguir reservar um modelo, tenha paciência: anuncia-se para breve o primeiro SUV da Lucid Motors.
Faraday Future
A Faraday Future, de Los Angeles, foi fundada em 2014 pelo empresário Jia Yueting e retira o seu nome da lei da indução de Faraday, que está subjacente ao funcionamento dos motores eléctricos e que foi baptizada em honra do físico britânico Michael Faraday (1791-1867), que foi quem a enunciou – e fez muitas outras descobertas valiosas no domínio do electromagnetismo e da electroquímica. A Faraday Future partilha, pois, com a Tesla o facto de ter sido baptizada com o nome um cientista que fez contributos decisivos no domínio da electricidade.
A empresa apregoa que a sua “visão é criar um ecossistema de mobilidade inteligente partilhada” e o primeiro passo para alcançar este nobre desiderato é o modelo FF 91, cuja produção tem sofrido sucessivos adiamentos e apenas se iniciará no final de 2022 (o website já permite fazer reservas). O FF91 debita 1050 HP e acelera de 0 a 100 Km/h em 2.4 segundos e pretende competir com o Model S da Tesla. Tem um preço estimado entre 200.000 e 300.000 dólares.
Fisker Inc.
A Fisker Inc., fundada em 2016, em Los Angeles, por Henrik Fisker (que desenhou bólides como o BMW Z8 e os Aston Martin DB9 e V8 Vantage), é a sucessora da Fisker Automotive, fundada em 2007 e dedicada ao fabrico de híbridos plug-in como o Fisker Karma. A Fisker Automotive defrontou-se com infortúnios (o furacão Sandy destruiu 338 Fisker Karma prontos a serem embarcados para o mercado europeu) e dissensões internas (o fundador abandonou a empresa) e acabou na bancarrota. Hoje os híbridos plug-in são, aos olhos da indústria, um formato condenado à obsolescência, pelo que a nova empresa de Henrik Fisker (e da sua esposa, Geeta Gupta-Fisker) aposta nos veículos 100% eléctricos.
Um deles é o Fisker Ocean, cujas primeiras unidades serão entregues em 2022 e que está disponível em duas versões, de 275 e 540 HP. Talvez motivada pelo painel solar no tejadilho e pelos revestimentos do habitáculo em plástico reciclado, elaborado a partir de lixo resgatado ao mar (daí o nome do modelo), a Newsweek classificou o Ocean como “o SUV mais verde de sempre”. O preço da versão mais barata começa em 50.000 dólares e em Fevereiro de 2022 a marca anunciou já terem sido realizadas 30.000 reservas.
Um pouco mais próximo da tão badalada “sustentabilidade” está o Fisker PEAR, que a marca apresenta como um “urban lifestyle vehicle” e cujo nome alude à palavra inglesa para “pêra” e, ao mesmo tempo, é um acrónimo de “Personal Electric Automotive Revolution” (o que faz do condutor de um PEAR um Che Guevara do combate pela sustentabilidade). Começará a ser entregue em 2024 e já pode ser reservado; o preço começará nos 30.000 dólares e a marca prevê produzir 250.000 unidades por ano.
São poucas as marcas americanas de veículos eléctricos capazes de resistir à tentação de competir com o Model S da Tesla e, para o efeito, a Fisker anunciou o EMotion – o nome faz um trocadilho entre “emoção” e “movimento (eléctrico)” – um desportivo com 780 HP de potência, velocidade de ponta de 260 Km/h e aceleração 0-100 Km/h em 3 segundos.
Canoo
A Canoo foi fundada em 2017 em Torrance, na Califórnia, e tem hoje a sua sede em Bentonville, Arkansas. Começou por lançar o Lifestyle Vehicle, um mini-van de 5 portas e 350 HP com preço-base de 35.000 dólares, e prepara-se para concorrer no segmento das pickups, com um modelo de 600 HP.
No início de 2022, o futuro da Canoo parecia periclitante, mas a marca recebeu dois “empurrões” providenciais: em Abril a NASA anunciou que a Canoo seria a transportadora oficial das tripulações do programa espacial Artemis (uma jogada análoga à associação da Rivian ao transporte dos astroturistas da Blue Origin) e em Julho a Walmart, o colosso do comércio de retalho dos EUA, anunciou a compra de 4500 carrinhas de entregas da Canoo (baseadas no Lifestyle Vehicle), com opção de compra até 10.000 unidades.
A Walmart, que é a maior empresa do mundo em termos de receitas, detém 10.500 lojas físicas em 24 países, das quais 5300 nos EUA, país onde 90% da população vive a menos de 15 km de uma loja Walmart. Apesar desta profusão de lojas físicas, a Walmart está a apostar fortemente nas entregas ao domicílio, desafiando o domínio da Amazon neste domínio. O contrato da Walmart com a Canoo interdita esta de fornecer veículos eléctricos à Amazon, uma cláusula cujo intuito parece ser sobretudo fazer pirraça à rival, já que não faltam ofertas de veículos eléctricos no mercado e a Amazon estabelecera uma parceria com a Rivian antes de a Walmart se aliar à Canoo.
Outras startups eléctricas
A Lordstown Motors, de Lordstown, Ohio, propõe a pickup Endurance, de 600 HP e preço-base 52.000 dólares – ainda não saiu nenhum exemplar da linha de montagem, mas a empresa anuncia ter já 50.000 reservas.
A Atlis Motor Vehicles, fundada em 2016 em Mesa, no Arizona, e que tem por missão (nas suas próprias palavras) “construir o ecossistema tecnológico que impulsiona as nossas vidas”, apresenta-se no mesmo segmento – pickup eléctrica de 600 HP – com o modelo XT, com preço estimado a partir de 45.000 dólares.
A Alpha Motor Corporation, com sede em Irvine, Califórnia, começará a comercializar em 2023 a pickup eléctrica Alpha Wolf, que opta por um visual “retro” (destoando da concorrência) e cujo nome deixa claro que o público-alvo são pessoas que se identificam com o lobo que chefia a alcateia (apesar dos progressos dos últimos anos, o mundo dos carros continua a ter como principal combustível a testosterona).
Dir-se-ia que a pickup eléctrica de 600 HP é o paradigma da “mobilidade sustentável” para um apreciável número de americanos, já que a Bollinger Motors, com base em Oak Park, no Michigan, também propõe um modelo com estas características, o B2 (irmão do SUV B1).
A Nikola Corporation, fundada em 2014 por Trevor Milton e com sede em Salt Lake City, no Utah, está vocacionada sobretudo para veículos pesados movidos por motores eléctricos e células de combustível (que requerem hidrogénio como combustível), ou uma combinação de ambos, e fez a primeira entrega do seu camião semi-reboque Nikola Tre em Dezembro de 2021. Os veículos pesados não são assunto desta série e a Nikola, no sector dos automóveis de passageiros, só tem no curriculum o protótipo de uma pickup eléctrica, a Badger (“texugo”), com 906 HP e uma aceleração 0-100 Km/h de 2.9 segundos, a ser construída em parceria com a General Motors. Todavia, vale a pena referir a Nikola, por ser um paradigma do hype e da euforia irracional que rodeia as startups de veículos eléctricos.
Ao longo de 2019 e início de 2020, a capitalização de mercado da Nikola rondou os 2700 milhões de dólares; em Março o valor das acções iniciou uma subida quase vertical que fez com que a capitalização de mercado da marca atingisse 11.000 milhões de dólares a 1 de Junho; uns dias depois, a Nikola anunciou que os clientes podiam começar a reservar a pickup Badger, ainda que o protótipo nem sequer tivesse sido apresentado; a 29 de Junho, apesar de as receitas da Nikola no primeiro semestre terem sido de apenas 80.000 dólares, a capitalização de mercado atingiu um pico de 21.600 milhões de dólares, o que a colocaria abaixo da Kia e acima da Tata, Suzuki, Geely, Volvo e Nissan. Em Setembro, após algumas oscilações violentas, a acusação lançada por um fundo de investimento bolsista de que a Nikola seria uma “fraude intricada” e o concomitante anúncio de uma investigação pela SEC (a equivalente americana da “nossa” Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) fizeram o valor das acções da Nikola cair a pique; Trevor Milton, o CEO da Nikola, negou as acusações de fraude e atribuiu a queda a uma acção concertada nas bolsas de “fãs da Tesla”, mas acabou por demitir-se; em Novembro, a GM anunciou a sua retirada da parceria com a Nikola, levando ao cancelamento da Badger e a uma nova queda na capitalização de mercado da Nikola, para 4600 milhões de dólares; em Julho de 2021, Trevor Milton foi formalmente acusado pela SEC de fraude; no início de Agosto de 2022, a Nikola tinha entregue um total acumulado de 48 (quarenta e oito) veículos; a capitalização de mercado da Nikola tem continuado a oscilar, mas com tendência declinante e está agora em torno dos 2200 milhões de dólares (abaixo do valor de 2019).
Os primórdios do moderno automóvel de passageiros eléctrico
Os modelos das “novas marcas eléctricas” não só competem entre si como terão de enfrentar a reacção das novas marcas “tradicionais”, que têm vindo a afadigar-se no lançamento de modelos 100% eléctricos para disputar os segmentos dos SUVs, pickups e desportivos de luxo. Mas antes de apresentar esse panorama, vale a pena examinar a falsa partida que o automóvel eléctrico teve em 1996 nos EUA.
A General Motors pode reivindicar ter sido o primeiro fabricante a produzir em massa um automóvel eléctrico, o EV1 – nos tempos modernos, entenda-se, já que houve tentativas neste domínio na viragem dos séculos XIX/XX, nomeadamente pela parte da Studebaker, mas que acabaram por fracassar devido à fraca capacidade das baterias e à incipiência da rede eléctrica. O General Motors EV1 foi também o primeiro veículo deste fabricante a ser concebido de raiz como carro eléctrico (embora inspirando-se no concept car Chevrolet Impact, revelado em 1990) e teve duas gerações, a 1.ª produzida entre 1996 e 1999, a 2.ª, entre 1999 e 2003.
O EV1 não foi vendido, sendo disponibilizado aos condutores mediante um sistema de leasing, e só podia ser assistido num número restrito de oficinas da GM. Estas duas restrições funcionaram contra este modelo pioneiro, mas talvez tenha pesado mais para o seu abandono o facto de, na época, o aquecimento global e as alterações climáticas, embora sendo já uma inquietante realidade para a qual os especialistas em ambiente alertavam, estavam ainda muito longe de entrar no radar do cidadão médio, quanto mais de lhe tirar o sono ou de o fazer sair para a rua com um cartaz com os dizeres “Não há planeta B!”. Pelo menos, foi isso que a GM concluiu: entendendo que o carro eléctrico era um produto de nicho que não lhe traria lucros (cada carro tinha um custo estimado de 250.000 dólares e o leasing era de 300 dólares por mês), cessou a produção, retirou todos os veículos de circulação (rejeitando até as propostas dos automobilistas que, agradados com o carro, pretendiam a extensão do leasing) e converteu-os em sucata.
Propostas eléctricas das marcas “tradicionais”
Talvez para dar continuidade ao pioneirismo do EV1, a General Motors desenhou um ambicioso programa de transição energética, tendo anunciado que irá lançar 30 modelos eléctricos até 2025 e que deixará de fabricar automóveis com motor de combustão interna em 2035 (algo que não foi estipulado pelas autoridades dos dois países que constituem os principais mercados da GM, EUA e China). a GM prevê para 2023 o início das entregas do Cadillac Lyriq, o primeiro veículo 100% eléctrico da marca Cadillac; é um crossover com 340 HP e preço a partir de 63.000 dólares, que foi recebido com tal entusiasmo que toda a produção prevista para 2023 foi reservada pelos clientes em poucas horas; em 2024, esta versão, com tracção traseira, ganhará a companhia de uma versão com tracção integral e 500 HP.
Em 2025 chegará o Cadillac Celestiq, um sedan em quatro versões, com desempenhos similares ao do Tesla Model S (que parece ser o alvo a bater para as marcas americanas que se lançam no mercado eléctrico) e preços-base que, inicialmente, foram estimados entre 90.000 e 120.000 dólares, mas que irão situar-se, afinal, para lá dos 200.000 dólares. A Chevrolet, outra marca do grupo GM, propõe para 2023 versões 100% eléctricas do SUV Blazer, do crossover Equinox (para o qual se anuncia um preço-base inusitadamente módico: 30.000 dólares) e da pickup Silverado (com 664 HP), cuja versão a combustão interna tem vindo, nos últimos tempos, a desafiar a supremacia da Ford F-150 no segmento.
Há também novidades nas três marcas americanas do grupo Stellantis. A Chrysler propõe para 2025 o Airflow, que recupera o nome de um mítico e arrojado modelo produzido em 1934-37; o novo Airflow debitará 400 HP e terá preço a começar nos 50.000 dólares. A Dodge avança o eMuscle, que revive o conceito estarola e adolescente do “muscle car”, que tinha sido escorraçado pelo choque petrolífero de 1973 (a ideia parece ser: “uma vez que a energia agora é renovável, vamos poder voltar a queimar borracha”). E em 2022 a Jeep apresentou o “concept car” Wrangler Magneto 2.0, com 625 HP e aceleração 0-100 Km/h entre 2 e 3 segundos, que se prevê ser o ponto de partida para o Wrangler EV cuja produção irá iniciar-se em 2023 e cujo preço começará nos 50.000 dólares.
Há quatro décadas que a Ford domina o mercado americano de pickups com a série F, e em particular, com o modelo F-150, cuja primeira versão foi lançada em 1975 e que tem sido, desde 1977, nas suas sucessivas encarnações, a pickup mais vendida nos EUA, ano após ano, até ter sido destronada em 2021 pela Chevrolet Silverado (também vendida sob a designação GMC Sierra). A Ford propõe-se retomar essa liderança no “Novo Mundo Eléctrico”, com a F-150 Lightning (“lightning” = “relâmpago”), que começou a ser produzida em Abril de 2022 e tem 452 a 580 HP (correspondendo a segunda a uma aceleração 0-100 Km/h entre 4 e 5 segundos) e preços-base entre 40.000 e 90.000 dólares.
Entretanto, já está disponível, desde 2021, o GMC Hummer EV, que é uma reinterpretação para a Era Eléctrica do Hummer fabricado entre 1992 e 2010 pela AM General e que era uma versão civil do veículo militar Humvee, também produzido pela AM General. O Hummer, que teve três gerações e foi fabricado em versão SUV e pickup, foi um dos maiores automóveis de passageiros do seu tempo e um hino à alarvidade e ao desperdício e a sua reencarnação eléctrica pretende ir ainda mais longe: tem um peso vazio de quatro toneladas, é propulsado por motores que vão dos 625 aos 1000 HP, está disponível em versão SUV e SUT (Sport Utility Truck) e os preços-base vão de 80.000 a 110.000 dólares.
É importante esclarecer que esta panorâmica não excluiu carros citadinos e económicos. Acontece simplesmente que as propostas de mobilidade eléctrica dos fabricantes americanos não incluem modelos equivalentes ao Renault Zoe, ao Nissan Leaf, ao Volkswagen e-Up! (ou ao seu irmão ao Skoda Citigo-e), ao Fiat 500 Electric, ao Opel Corsa-e, ou ao Kia e-Niro, que são frequentes no mercado europeu, e muito menos algo na linha do Wuling Hongguang Mini EV, um micro-carro com motor de 27 HP, que se vende na Europa por 3700 euros e que foi o automóvel mais vendido no mercado chinês em 2021 (ver Do riquexó aos SUVs de luxo: Como a China se tornou no maior fabricante de automóveis do mundo). O mais barato automóvel eléctrico de fabrico americano disponível no mercado é o Chevrolet Bolt (“bolt” = relâmpago), lançado originalmente em 2016 e equipado com um motor de 200 HP – a versão mais recente tem um preço-base de 36.500 dólares.
Convém não confundir o Chevrolet Bolt com o Chevrolet Volt (um desafio para falantes de espanhol e japonês), que a GM começou a comercializar em 2010 e que, apesar do que o nome sugere, não era um carro eléctrico mas um híbrido plug-in. O nome do Volt (que cessou de produzir-se em 2019) provém da unidade homónima que mede a diferença de potencial eléctrico e que foi assim baptizada em homenagem ao físico italiano Alessandro Volta (1745-1827), que desenvolveu trabalho pioneiro na área da electricidade (em particular no que viria a ser a electroquímica) e é visto como o pai da bateria eléctrica.
Para aumentar a confusão terminológica, o Chevrolet Volt (híbrido plug-in) foi comercializado na Europa continental como Opel Ampera e como Vauxhall Ampera no Reino Unido, enquanto o Chevrolet Bolt (eléctrico) foi comercializado na Europa como Opel Ampera-e entre 2016 e 2018. “Ampera” provém da unidade que mede a magnitude da corrente eléctrica, que, por sua vez, homenageia o físico francês André-Marie Ampère (1775-1836), um contemporâneo de Alessandro Volta que é visto como um pioneiro da ciência do electromagnetismo.
Um pioneiro da electricidade cujo nome dificilmente agraciará qualquer modelo de automóvel eléctrico é Alfred P. Southwick, um dentista e inventor natural de Buffalo, a quem é atribuída a concepção da cadeira eléctrica.