A devolução do tempo de serviço dos professores era o ponto central na agenda de um dia cheio para Fernando Alexandre, com 10 encontros entre o novo ministro da Educação e sindicatos do setor. À saída, um a seguir ao outro, os dirigentes sindicais iam deixando pistas sobre as diferentes propostas (e foram apresentadas várias) para concretizar a devolução desses seis anos, seis meses e 23 dias — nenhuma delas em linha com a proposta do Governo de diluir esse processo pelos quatro anos e meio da legislatura. Do lado dos sindicatos, ficou a ideia de que há margem do novo ministro para negociar; Fernando Alexandre preferiu deixar tudo em aberto e não se comprometer com qualquer solução.

Numa inovação face à prática instituída nos últimos 30 anos, o ministro da Educação optou por receber os dirigentes de cada um dos sindicatos de forma individual (e não em grupo), em sessões de meia hora cada. No final dos encontros, ASPL (Associação Sindical de Professores Licenciados), SEPLEU (Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados) e Pró-Ordem mostravam-se alinhados na ideia de que a devolução do tempo congelado pode ser distribuída ao longo de vários anos, mas deverá estar concluída em 2027 (e não no ano seguinte, como defendeu o Governo).

Mas mesmo entre os muitos sindicatos do setor essa solução não é consensual. Também esta quinta-feira, a Federação Nacional de Educação e Investigação (FENEI), a Federação Portuguesa dos Profissionais de Educação, Ensino, Cultura e Investigação (FEPECI) e o Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU) surgiam a defender a solução de uma devolução ao longo dos próximos quatro anos. O Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE) também admite esse calendário, desde que a primeira tranche — que deverá chegar a 25% do período total a devolver — seja devolvida até junho deste ano.

Outro modelo apresentado na primeira ronda de negociações (esta sexta-feira são ainda recebidos dois sindicatos com maior representatividade, a Fenprof e a Federação Nacional da Educação): uma divisão a meio, com a devolução de 50% do tempo já este ano e os restantes 50% no ano que vem, defendida pelo STOP. Argumento: “De facto, há um excedente histórico” que serve de almofada ao Governo, sublinhou André Pestana.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Outra nuance que saiu das intervenções dos líderes sindicais e que mostra que, depois de o Governo ter assumido a disponibilidade para concluir este processo, ainda vão ser necessárias mais reuniões para se chegar a um modelo final (assumindo que Fernando Alexandre tem margem para rever a posição inicial): entre os sindicatos que defendiam um calendário mais curto, foi admitida a abertura para estender o processo por quatro anos, desde que uma parcela mais significativa do tempo congelado (por exemplo, entre 30 a 40%) fosse devolvida já este ano.

Margem para negociar? Sindicatos viram “sinais”

Filipe de Paulo, líder do Pró-Ordem, foi o primeiro a afirmar que “parece haver abertura negocial para que o tempo de serviço seja devolvido (…) mais depressa”. Questionado sobre se o ministro tinha dito claramente que há espaço para essa antecipação dos prazos, Filipe de Paulo argumentou que Fernando Alexandre não tinha afastado taxativamente essa hipótese. A mesma opinião foi depois partilhada por Pedro Gil, dirigente do SEPLEU, que disse não ter ouvido um “não” da tutela a esse respeito.

Também Júlia Azevedo, presidente do SIPE, se mostrou confiante de que o ministro Fernando Alexandre está disposto a negociar. Contudo, o sindicato dirigido por Júlia Azevedo quer que o Governo dê um “sinal de esperança” aos professores nos próximos 60 dias: os tais 25% devolvidos “até junho, para ir a tempo das reuniões de avaliação de professores” (o mecanismo que permite a progressão de carreira). Segundo a dirigente sindical, o ministro da Educação e os secretários de Estado que participaram nos encontros, “mostraram abertura” para acolher essa proposta.

Governo não vai antecipar devolução do tempo de serviço

À medida que os dirigentes sindicais abandonavam a sala de reunião, ia ganhando força a ideia de que o Governo poderia mesmo estar disposto a negociar. Se isso aconteceu dentro de portas, à saída, nos cerca de cinco minutos em que esteve a prestar declarações aos jornalistas, Fernando Alexandre não deixou escapar qualquer sinal nesse sentido.

Pelo contrário, o ministro da Educação optou por não se comprometer com uma devolução do tempo de serviço antecipada, lembrando que o Governo quer a “recuperação do tempo de serviço dentro do tempo da legislatura”, portanto, num período de “quatro anos e meio”.

“Ou seja, a recuperação (do tempo de serviço) já este ano e, depois, nos quatro anos que ainda fazem parte da legislatura”, o que significa uma devolução de 20% por ano, sintetizou. Reafirmando que o Governo pretende “que o próximo ano letivo tenha início com normalidade”, o ministro lembrou que este “é um processo negocial” e que não depende apenas do seu ministério.

Fernando Alexandre mencionou depois que, no início de maio (com data ainda a anunciar), volta a reunir-se com os diferentes sindicatos. E não fez qualquer menção ao plano de emergência que o Governo admite apresentar em breve para enfrentar o problema da falta de professores. O tema da contratação de profissionais não foi apontado como um dos pontos prioritários para os sindicatos, que optaram por pôr a tónica na melhoria das condições e no reforço da atratividade da carreira.

Há uma grande diferença entre Fernando Alexandre e o antecessor

“Viemos aqui sobretudo para ouvir. E ouvimos um conjunto de preocupações — muitas identificadas, muitas novas”, partilhou o responsável pela Educação. Uma dessas novas preocupações foi apresentada pela ASPL.

Em causa está a necessidade de permitir a reinscrição na Caixa Geral de Aposentações (CGA) dos professores, que “em janeiro de 2006 foram remetidos para a Segurança Social forçosamente porque tiveram quebra de contrato”, explicou a presidente do sindicato, Fátima Ferreira.

A reação do ministro “foi recetiva”, disse. E acrescentou: “Perguntou se tínhamos uma ideia, se sabíamos quantos eram, porque eles próprios não sabem”. Segundo estimativas, estão em causa pelo menos 150 professores.

Para a dirigente, foi “fundamental um primeiro encontro” individual com o ministro, algo que, segundo a mesma, não acontece “desde os anos 90”. Para Fátima Ferreira há, “sem dúvida”, uma grande diferença entre o atual ministro e o seu antecessor, João Costa.