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Entre os concelhos com mais casos, Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada são dos que registam maiores aumentos na última semana
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Entre os concelhos com mais casos, Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada são dos que registam maiores aumentos na última semana

TERESA NUNES

Entre os concelhos com mais casos, Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada são dos que registam maiores aumentos na última semana

TERESA NUNES

Um hospital sob pressão, negócios por um fio e pessoas com medo. “Somos olhados como as ovelhas negras no norte, já estamos habituados”

Reportagem. No dia em que Paços de Ferreira, Felgueiras e Lousada conheceram novas regras para travar o vírus, houve surpresa e medo. Os negócios temem o futuro e o hospital está sob pressão.

Mesmo através da máscara, percebe-se que o tema de conversa é quase sempre o mesmo. Na última semana, em Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras, o número de infetados pelo novo coronavírus tornou-se preocupante — e levou à imposição de medidas mais restritivas. Conformada pelo facto de ver pela segunda vez o vírus instalar-se na sua cidade, uma empregada de mesa de um café em Felgueiras desabafa: “Somos olhados como as ovelhas negras do norte, mas já estamos habituados”.

A principal explicação para os números será o convívio social entre a população mais jovem. O primeiro-ministro afastou a hipótese de uma cerca sanitária, mas foram aplicadas outras medidas, como o dever de permanência no domicílio a partir da meia-noite desta quinta-feira, a obrigação de teletrabalho para todas as funções que o permitam, a proibição de quaisquer eventos com mais de cinco pessoas, bem como o encerramento dos estabelecimentos comerciais às 22h — além, claro, da proibição de circulação entre os concelhos entre 3o de outubro e 3 de novembro, que se aplica a todo o país.

Circulação entre concelhos proibida de 30 de outubro a 3 de novembro

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O Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, que serve estes e outros municípios da região, está sob pressão, com as urgências a atingir os 800 atendimentos diários e com 100 internados Covid em 500 camas disponíveis. As escolas têm professores e alunos infetados, mas também funcionários de quarentena, o seu funcionamento pode estar em causa devido à falta de pessoal não docente. Nas empresas, o número de casos positivos é ainda tímido, mas os planos de contingência já foram acionados e os industriais apelam a comportamentos responsáveis por parte da população para não encerrarem a atividade. Entre os pequenos negócios, dos talhos aos cabeleireiros, muitos ponderam mesmo fechar as portas por não conseguirem pagar a renda. As esplanadas estão praticamente vazias — e os bancos de jardim também.

No hospital, urgências no pico, um quinto das camas ocupadas e uma “pressão inesperada”

A 2 de março de 2020, surgiu o primeiro infetado pelo novo coronavírus em Portugal. Tratava-se de um médico cardiologista que tinha chegado do norte de Itália, onde passara as férias do Carnaval. “Começou por ter sintomatologia típica, ou seja, febre e tosse. Às 18h do dia 1 de março tínhamos um teste positivo, mas nessa altura era obrigatório fazer um segundo teste, então às 3h da manhã deram-nos a confirmação de que ele estava mesmo infetado”, descreveu na altura ao Observador o diretor de infeciologista do hospital de Santo António, no Porto, onde o homem de 60 anos esteve internado 13 dias.

O paciente zero em Portugal era cardiologista e trabalhava em Penafiel, mais precisamente no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, que está agora novamente sob pressão por causa da Covid-19. “Fomos o primeiro hospital a sofrer os efeitos da pandemia e também o primeiro a libertar-se dela. Na primeira fase, tivemos 80 internados infetados, mas neste momento já contamos com 100 internados e sete na unidade de cuidados intensivos“, afirma ao Observador Carlos Alberto Silva, presidente do conselho de administração.

O hospital serve 14 concelhos, de quatro distritos, e vive “uma pressão inesperada” nas últimas semanas. “Atendemos cerca de 5% da população portuguesa, o que corresponde a 520 mil pessoas, e estamos sob uma pressão intensa que nos obriga a reorientar profissionais e a refazer circuitos internos”, sublinha.

Carlos Alberto Silva não quer alarmismos nem admite que o hospital esteja a atingir a sua capacidade máxima, de 500 camas no total, e garante que ainda existe flexibilidade nos serviços para gerir o número de internamentos. No entanto, “essa flexibilidade também não é infinita, temos de convencer a população a adotar comportamentos mais responsáveis”. É precisamente essa a razão que aponta para o aumento verificado na região. “Estávamos a contar com um crescimento graças ao regresso ao trabalho e às aulas, mas há gente que ainda não se deu conta da gravidade da situação.”

O verão foi “pacífico” e até permitiu recuperar as listas de espera de consultas e cirurgias, mas agora a situação é mais “difícil” e “complicada”. “Fomos obrigados a gerir números inesperados, esperávamos esta dimensão numa fase posterior, não em outubro”, revela. A sua principal preocupação prende-se com o serviço de urgência, que já atingiu os 800 atendimentos diários. “Este número ultrapassa o pico de atendimentos que registávamos com a gripe. É mais do que poderíamos imaginar”, afirma, acrescentando que “é necessário que a população não se dirija às urgências para fazer testes, mas contacte a linha Saúde 24 ou o médico de família.”

O convívio social entre as camadas mais jovens ao fim da tarde e, sobretudo, ao fim de semana, é apontado como a principal razão do aumento de casos

TERESA NUNES

Depois de praticamente todas as enfermarias serem ocupadas por doentes Covid-19, estão já previstos mais 600 metros quadrados para apoiar o serviço de urgência e foram construídos mais três quartos de pressão negativa nos cuidados intensivos. As visitas presenciais foram substituídas por videochamadas e desde a semana passada que as cirurgias programadas não urgentes foram suspensas, “pelo menos durante 15 dias”. Outras foram transferidas para o polo de Amarante e há exames a serem feitos em colaboração com hospitais privados. O Centro Hospitalar Tâmega e Sousa tem atualmente capacidade de fazer entre 600 a 700 testes diários, “o suficiente”, e, ao contrário do que aconteceu na primavera, na tenda instalada no exterior vão ser apenas tratados os doentes sem sintomas respiratórios.

Segundo o responsável pelo hospital, nesta segunda fase da pandemia têm-se registado infetados com uma faixa etária mais baixa, a partir dos 30 anos, sendo que a maioria dos internamentos e dos óbitos continua a verificar-se na população idosa, a partir dos 60 anos e com várias doenças associadas. “Não sabemos quanto tempo irá durar a segunda vaga, mas contamos com um trabalho intenso nas próximas semanas”, antecipa.

Sem adiantar o número de profissionais de saúde infetados, garante que o cenário “não é significativo” e que os focos de infeção são, sobretudo, familiares, revelando que nos últimos meses foram contratados mais 130 profissionais, entre médicos, enfermeiros, auxiliares da ação médica e administrativos. “Muitos ainda não tiveram férias. Haverá uma nova fase do concurso em breve e esperamos a contratação de mais seis médicos. Há quatro anos não tínhamos um único infecciologista, agora temos três”, adianta. A ideia de tornar o hospital exclusivo para doentes Covid-19 é completamente afastada por Carlos Alberto Silva, que afirma querer “tratar toda a gente” e mantém a esperança de que “a vacina chegue mesmo na próxima primavera”.

“Este número ultrapassa o pico de atendimentos que registávamos com a gripe. É mais do que poderíamos imaginar. É necessário que a população não se dirija às urgências para fazer testes, mas contacte a linha Saúde 24 ou o médico de família.”
Carlos Alberto Silva, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

“Isto não vai acabar em dezembro, vai demorar muitos meses”

Na Escola Básica de Frazão, em Paços de Ferreira, o ambiente ao final da manhã é calmo. No portão, há álcool gel e um aviso que separa os alunos que chegam ou não de autocarro. Não se ouve a campainha tocar, mas começam a sair alguns alunos de máscara no rosto e lanche na mão para o intervalo. O sol espreita e permite passeios no recreio ao ar livre, onde a música que ecoa dos telemóveis acompanha coreografias coordenadas. “Eles aderiram bem à máscara e à desinfeção das mãos, a única coisa que não conseguem mesmo respeitar é a distância social”, explica Joaquim Magalhães, diretor do agrupamentos de escolas de Frazão.

Nas quatro escolas básicas que integram o organismo, dos 1.020 alunos há 22 infetados e mais de uma centena em isolamento. “Temos alunos a ir para casa todos os dias, o que é preocupante na medida em que temos isto no seio da comunidade, o que nos obriga a um cuidado redobrado e a medidas adicionais de sensibilização e higienização”, diz Nas quatro escolas daquela zona, a situação agravou-se nas últimas duas semanas, apesar de nenhum aluno se encontrar hospitalizado e com sintomas graves — mas as aulas não foram interrompidas e os estudantes ausentes estão a ser acompanhados por vídeochamadas, acompanhando as aulas em simultâneo.

Apesar de existir também um professor infetado, que foi rapidamente substituído por um auxiliar, e três funcionários em isolamento, o professor garante não existir um foco de contágio escolar que mereça o encerramento de portas. “Não podemos dizer que há um surto ou um foco na escola, é um contexto comunitário. Percebemos que os nossos alunos foram infetados por familiares, em situações de convívio. As pessoas em contexto familiar sentem-se seguras, não usam máscara, não desinfetam mãos e não garantem distanciamento, estão em família, estão à vontade. É aí que as coisas estão a acontecer.”

Joaquim Magalhães, professor em Paços de Ferreira

TERESA NUNES

Quase um mês e meio depois do começo do ano letivo, Joaquim Magalhães confessa que a gestão mais sensível é mesmo com os funcionários. “Em situações normais, o pessoal não docente já não é muito, nesta altura em que três ou quatro pessoas vão para casa, facilmente ficamos sem gente, o que condiciona bastante o nosso funcionamento, porque é necessário um esforço acrescido para higienizar a escola.”

Paulo Ferreira, vice-presidente da Câmara de Paços de Ferreira, garante que a situação nas escolas “está praticamente controlada”, embora reconheça a falta de funcionários. “Na reunião com o primeiro-ministro esta situação foi referida, aliás é transversal aos concelhos da região, e está a ser estudada uma possibilidade de contratar mais recursos humanos por parte do poder central. Esperamos que as nossas escolas não fechem por falta de funcionários, é um problema que temos neste momento“, adianta.

Para entrar no edifício da autarquia é necessário medir a temperatura e o silêncio impera nos corredores. No seu gabinete, o vice-presidente fala de um “aumento inimaginável” de casos no território, onde a “esmagadora maioria” ronda os 40 anos de idade. “Há duas semanas começamos a sentir um crescimento acentuado, mas nos últimos sete dias atingiu números absolutamente exponenciais. Temos uma coisa boa, somos dos concelhos mais jovens do país, e, por isso, tanto a necessidade de internamento como a taxa de letalidade são baixas.” A autarquia acredita que, se não for capaz de controlar a evolução da pandemia nesta fase, poderá ter nas próximas semanas “problemas sérios do ponto de vista de saúde pública”. “Claro que, tendo em conta a forma galopante da pandemia, nada nos garante que a população mais idosa não possa também ser afetada e é isso que nos preocupa.”

Para Paulo Ferreira, as razões deste crescimento de infetados prende-se sobretudo com o “relaxamento das pessoas ao fim de semana em convívios com familiares e amigos”, daí serem necessárias novas regras que sejam “eficazes para resolver o problema na sua origem”. “Não faz sentido uma câmara isoladamente tomar uma decisão, o problema não é em Paços de Ferreira, mas sim numa região. Se em março ou abril se justificava que as autarquias decidissem isto ou aquilo, neste momento, tendo em conta o conhecimento científico que existe sobre a doença, faz sentido que as medidas sejam concertadas em rede.”

“Temos que saber conviver com a pandemia, temos que saber continuar a trabalhar com ela, porque isto não vai acabar em dezembro, vai demorar muitos meses. Temos que salvar a vida das pessoas, mas sem colocar em causa a vida das empresas, isso seria uma tragédia para a economia.”
Paulo Ferreira, vice-presidente da câmara municipal de Paços de Ferreira

O cenário de uma cerca sanitária foi “rapidamente” afastado e Paulo Ferreira  acredita não ser mesmo essa a estratégia ideal. “Temos que saber conviver com a pandemia, temos que saber continuar a trabalhar com ela, porque isto não vai acabar em dezembro, vai demorar muitos meses. Temos que salvar a vida das pessoas, mas sem colocar em causa a vida das empresas, isso seria uma tragédia para a economia.”

Tendo em conta o aumento do número de casos positivos, esta segunda-feira o município de Paços de Ferreira instalou o seu primeiro centro de rastreio no parque de estacionamento do estádio da cidade, com capacidade de realizar 150 testes por dia, mas a procura é “imensa” e a oferta “não é suficiente”. “Ficou decidido na reunião de ontem a vinda de um estrutura do INEM para fazer mais testes, irá começar a trabalhar esta sexta-feira e estará ativo duas ou três semanas, o tempo que for necessário.”

Outro problema “ainda mais relevante” verificado pela autarquia, é a falta de funcionários nas unidades de saúde locais para fazerem o acompanhamento dos contactos epidemiológicos, verificando as cadeias de transmissão. A câmara irá disponibilizar 20 trabalhadores para reforçarem essas mesmas equipas e está a estudar ainda a hipótese de manter abertos os 16 cemitérios do concelho no feriado de 1 de novembro.

Paços de Ferreira é sinónimo de um forte tecido industrial e na Associação Empresarial do concelho, a diretora executiva Filipa Belo prefere falar na entrada do edifício, ao ar livre. A responsável garante que, das 400 empresas na região ligadas ao mobiliário, indústria têxtil e metalomecânica, cerca de duas dezenas já contam com profissionais infetados. “Observamos de uma forma geral que as empresas têm já identificados casos positivos, contudo, não estão paradas”, adianta, acrescentando que há fábricas com 20 trabalhadores positivos, sendo este um número variável e considerado “não exagerado”. “As empresas têm, para já, conseguido dar resposta às encomendas e complementar as equipas com os trabalhadores que já têm. Numa situação normal, a produção de mobiliário já tem necessidade de mais mão de obra, acreditam que venham a precisar de mais gente”.

Segundo Filipa Belo, a maioria das empresas tem cumprido “à risca” os planos de contingência, “pois todos têm noção dos impactos se voltarem a encerrar”, e o apelo à responsabilidade cívica tem sido recorrente. “Muitos dizem-me: ‘Estamos a fazer tudo direitinho, mas depois alguém vai lá fora, fica doente e afeta a nossa atividade’. Em Paços de Ferreira, há quem facilite o uso da máscara em locais de convívio, ainda vemos muito isso.”

Filipa Belo, diretora da Associação Empresarial de Paços de Ferreira

TERESA NUNES

“Nada disto é novo e nada disto é bom”

As novas medidas, aprovadas em Conselho de Ministrados, para os três concelhos do norte tinham acabado de ser anunciadas e o ambiente era de muita agitação na câmara de Felgueiras. “O teletrabalho faz sentido onde for possível”; “Como vamos fazer agora?”; “Temos que nos sentar e ler aquilo com calma”, ouvia-se nas escadas e nos corredores do edifício principal. Depois de almoçar, Nuno Fonseca, o presidente, lê o documento em breves minutos e abre a porta do gabinete ainda com a secretária desarrumada e o computador portátil aberto.

“Nada disto é novo e nada disto é bom”, é assim que Nuno Fonseca reage ao ler as medidas decretadas em Conselho de Ministros esta quinta-feira. “Temos que acatar o cumprimento das regras agora estabelecidas para travar esta propagação, mas há aqui algumas diferenças. Paços de Ferreira tem mais casos que Felgueiras, penso que há medidas que deveriam ter sido tomadas eventualmente para Paços de Ferreira diferentes daquelas que foram tomadas para este concelho, mas tenho que aceitar não discriminando, até porque hoje pode estar mais forte lá, mas amanhã pode estar aqui.”

O autarca questiona algumas linhas do documento e adianta que ainda irá estudar a abertura dos cemitérios no feriado 1 de novembro. “Será que as feiras são focos de propagação? A nossa experiência não nos diz isso. (…) A intenção das juntas de freguesia é que os cemitérios estejam abertos no feriado, mas podem ser criadas regras especificas. Temos que perceber, segundo o enquadramento legal, se as idas aos cemitérios são uma deslocação necessária e válida como justificação para as pessoas saírem de casa.”

O “relaxamento das medidas no período de férias” é, para Nuno Fonseca, a grande razão que explica o aumento de casos positivos de Covid-19, que acredita abranger tanto jovens como idosos. “Não podemos acusar os jovens de serem eles o problema desta pandemia. O convívio social que fizemos de uma forma mais relaxada durante o verão e nos meses seguintes levou-nos certamente a este crescimento. Para não parar, temos que abrandar. Felizmente, conseguimos evitar uma cerca sanitária à volta desta região, essa solução era um atestado de incompetência e de irresponsabilidade a qualquer cidadão que viva nesta terra. As pessoas têm consciência de que, se há medidas, elas têm que ser cumpridas e certamente isso vai ter os seus frutos nos próximos tempos.”

“Não podemos acusar os jovens de serem eles o problema desta pandemia. O convívio social que fizemos de uma forma mais relaxada durante o verão e nos meses seguintes levou-nos certamente a este crescimento. Para não parar, temos que abrandar."
Nuno Fonseca, presidente da câmara municipal de Felgueiras

O autarca de Felgueiras assegura não ser necessário aumentar para já a capacidade de testagem na cidade e revela medidas preventivas no futuro como o pavilhão com 30 camas disponíveis para acolher infetados sem necessidade de cuidados hospitalares, as unidades hoteleiras estarem preparadas para receber idosos que necessitem de isolamento ou os voluntários destacados para administrar vacinas da gripe ao domicílio. “Tudo o que está ao nosso alcance, iremos fazer.”

No jardim em frente ao edifício da câmara há pouca gente espalhada pelos bancos de madeira verdes, a maioria está de máscara e teima em cumprir algum distanciamento social. À porta do Talho Magalhães está Francisco Silva, funcionário da casa há dois anos. De máscara no rosto, conversa encostado com clientes sobre as novas medidas acabadas de sair na comunicação social. “Do negócio não me posso queixar, as pessoas ainda recorrem ao comércio tradicional. Fechamos as portas às 20h, por isso a restrição dos horários também não nos afeta, mas sentimos que as pessoas estão mais ansiosas e com medo.”

A pandemia é há meses o principal tema de conversa por ali e, sem surpresas, todos já esperavam uma nova vaga do vírus em Felgueiras. “Na minha opinião, houve um desconfinamento desmedido, as pessoas relaxaram muito. Ainda no outro dia a polícia teve que ir encerrar uma discoteca e pôr em ordem a fila à porta da Segurança Social”, conta o funcionário indignado. “Não consigo compreender como é que os autocarros andam sobrelotados, há touradas e espetáculos, mas depois dizem que o limite de convívio é de cinco pessoas. Não há critério.”

Do outro lado da rua, o Café Jardim está vazio no interior e com a esplanada a meio gás, onde idosos conversam sem máscara de uma mesa para a outra. “Estivemos dois meses fechados e agora que estávamos a recuperar volta a não haver clientes”, começa por dizer uma empregada de mesa que prefere não ser identificada. A funcionária recorda que é obrigatório o uso de máscara no interior do estabelecimento, mas na esplanada pode apenas recomendar. “Há pessoas idosas que ainda não têm noção da gravidade desta doença.”

Em Paredes, as lojas estão vazias e há quem adie uma simples ida às compras

TERESA NUNES

O quiosque de jornais e revistas de Manuela Pinto está instalado junto ao jardim da Praça da República há 27 anos, desde que a pandemia chegou a Portugal nunca fechou as portas e, apesar de não valorizar a doença, a proprietária já sente as consequências desta nova fase pandémica. “Desde o fim de setembro que tenho menos 30% da clientela, as pessoas estão com medo, mas para mim isto é uma simples gripe”, afirma, acrescentando que, “se o vírus começou em Felgueiras, oxalá também termine em Felgueiras”.

“Não sei de onde vêm tantos infetados. Eu não conheço nenhum”

Ao final da tarde desta quinta-feira, o centro de Lousada estava praticamente vazio. Muitos cafés não tinham ninguém ao balcão, nas lojas conversava-se à porta e só se fazia fila para o banco ou para os correios. Numa pequena galeria comercial, Paula Pereira é responsável por uma loja de cosmética e um café. Sem clientes, coloca a máscara quando entra alguém e mostra-se desiludida com o estado de saúde dos seus negócios. “Tenho menos 80% dos clientes, é quase impossível segurar isto”, lamenta. O café costuma fechar à meia-noite, mas com as novas regras em vigor o horário terá que ser reduzido. “Não nos fará grande diferença, até porque depois das 21h30 já não temos clientes. Difícil foi fecharmos durante três meses e continuar a pagar rendas e as despesas fixas”, recorda.

Paula Pereira, comerciante em Lousada

TERESA NUNES

Durante o verão, a realidade foi outra, principalmente na porta ao lado, a loja de cosmética. “Como as pessoas tinham receio de ir ao cabeleireiro, acabavam por comprar aqui as tintas e pintar o cabelo em casa, mas agora nem isso nos resta.” A proprietária sente que “ainda existe falta de informação” e “muita confusão nos critérios utilizados pelas autoridades de saúde”. Apesar dos números revelados diariamente, que dão conta de uma subida de 39% dos infetados em Lousada, Paula Pereira diz não compreender o aumento. “Quando oiço falar em Lousada, até me assusto. As pessoas protegem-se, vejo toda a gente de máscara e a desinfetar as mãos, não sei de onde vêm tantos infetados. Eu não conheço nenhum.” Ainda assim, reconhece que desde a semana passada tem sentido que população “anda com mais receio e mais resguardada”.

“[A redução do horário] Não nos fará grande diferença, até porque depois das 21h30 já não temos muitos clientes. Difícil foi fecharmos durante três meses e continuar a pagar rendas e as despesas fixas"
Paula Pereira, comerciante de Lousada

A uns metros dali, junto a um toldo onde se lê “Café O Tábuas”, Joaquina Campos varre as folhas secas caídas no chão junto a uma esplanada completamente vazia. Natural de Lousada, chegou da Suíça há um ano para comandar o negócio, mas por causa à pandemia garante que ainda não teve qualquer lucro. “No último mês, metade dos clientes desapareceram, isto está cada vez pior. Acho que vai haver muita fome no futuro.”

Visivelmente descontente, Joaquina conta que durante o confinamento conseguiu “sobreviver” graças ao serviço de take away de algumas especialidades como pizzas, francesinhas, pregos e kebabs, uma solução que parece já não ser suficiente. As novas medidas vão obrigá-la a fechar o café mais cedo do que o habitual e encerrar definitivamente portas pode ser mesmo inevitável. “Todos vamos passar pela Covid, acho que é tudo uma questão de tempo. Isto é uma coisa mundial, por isso já não volto para a Suíça, já não vale a pena.”

“Tive que dispensar uma funcionária e reduzir o horário. Agora não trabalho ao domingo, nem vale a pena”

No centro de Paredes, as esplanadas estão vazias e quem ali passa não dispensa a máscara no rosto. Nas traseiras da câmara municipal, a florista “1001 Flores” está colorida, mas vazia, cheia de velas e figuras de santos nas prateleiras, normalmente bastante procuradas nesta época do ano. Ao balcão, Cláudia Sousa, proprietária do espaço há quatro anos, lamenta a falta de clientes nas últimas semanas. “Tive que dispensar uma funcionária e reduzir o horário. Agora não trabalho ao domingo, nem vale a pena”, começa por confidenciar ao Observador. A procura de arranjos para os cemitérios diminuiu. “As pessoas mais idosas, que costumavam cá vir, agora evitam sair de casa, com os casos positivos a crescer voltam a ter medo e receio de sair à rua. Não sei como iremos aguentar abertos”, desabafa.

António Rocha trabalha umas portas ao lado, tem três salões de cabeleireiro naquela zona e, após três meses fechado, julgava ter um inverno mais produtivo. “Não tenho razões de queixa do período de verão, tinha as casas compostas, mas agora não está nada fácil, existe uma desconfiança muito grande, o que leva as pessoas a adiarem muita coisa”, afirma, olhando para a rua vazia através da montra. Ainda consegue pagar a todos os funcionários, mas não sabe como será no futuro. “Esta doença é sempre uma incógnita.”

“As pessoas mais idosas que costumavam vir agora evitam sair de casa, com os casos positivos a crescer voltam a ter medo e receio de sair à rua. Não sei como iremos aguentar abertos.”
Cláudia Sousa, comerciante em Paredes

O município de Paredes não pertence ao mesmo Agrupamento de Centros de Saúde de Paços de Ferreira, Lousada e Felgueiras e por isso ficou de fora do pacote de medidas estabelecidas pelo Governo — ainda assim, continua a ser um dos concelhos mais afetados em todo o país. “Até ao final de setembro, tivemos valores muito comedidos com casos ativos, não chegávamos aos 200 casos diários, mas nos primeiros 15 dias de outubro houve um crescimento galopante desse número, ontem estávamos com 800 casos ativos”, explica Alexandre Almeida, autarca de Paredes, acrescentando que o efeito da pandemia tem-se verificado na população mais jovem.

Tal como nas cidades vizinhas, o convívio social é a principal razão apontada — e, para controlar essas práticas, a câmara municipal decretou regras mais apertadas, como o cancelamento de todos os eventos públicos e a restrição de horários de estabelecimentos comerciais, “sem com isso colocar em causa a atividade desses negócios”. O presidente de Paredes refere ainda que a realização de cerimónias religiosas, como casamentos, crismas ou batizados também contribuiu para estes surtos, “não ao que se passa no interior das igrejas, mas sim às bodas que são posteriores a essas mesmas cerimónias”. Segundo Alexandre Almeida, o município “não tem necessidade de aumentar a capacidade de testagem” e tanto escolas como empresas não são, para já, considerados focos de infeção. O próprio presidente da câmara, juntamente com dois vereadores, está agora infetado — ficou a saber esta sexta-feira, depois destas declarações.

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